O Direito da execução Penal consiste em conjunto de normas e penas que regulam a aplicação das penas e medidas de segurança no ordenamento pátrio regulando, deste modo, as relações entre o Estado e o condenado.
Da exposição de motivos da Lei de Execução Penal, extraem-se os seguintes substratos, importantes ao deslinde do presente estudo:
Item 10: "Vencida a crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de sua própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal".
Item 12: "O Projeto reconhece o caráter material de muitas de suas normas. Não sendo, porém, regulamento penitenciário ou estatuto do presidiário, avoca todo o complexo de princípios e regras que delimitam e jurisdicionalizam a execução das medidas de reação criminal. A execução das penas e das medidas de segurança deixa de ser um Livro do Código de Processo para ingressar nos costumes jurídicos do País com autonomia inerente à dignidade de um novo ramo jurídico: o Direito de Execução Penal" (grifou-se).
A raiz da execução penal, como concebida hoje, advém da evolução do direito penal e processual penal ocorrida ao longo da história.
O Direito Penal no Século XVIII, partindo dos ensinamentos de BICUDO (2010), é vislumbrado como utilitarista, à luz de um Estado tido como forte, com a função precípua de manter a ordem social.
Desse modo a manutenção da paz social justifica a punição, necessária para reprimir os delitos – ações que turbam a harmonia perseguida.
Vê-se neste momento uma desvinculação do delito quanto ao âmbito religioso e moral, deixando o delito de ser o ato considerado pecado, para ser o ato que perturba a ordem e causa um dano social.
No contexto posto, a pena possui dois papéis de relevo, a saber:
A pena é considerada justa e cumpre sua função de prevenção quando sua medida é aquela que apenas ultrapassa o bem auferido com o crime, de modo a criar nos corações dos homens a relação entre crime e castigo. [prevenção do crime] Para tanto, trabalha a ideia de se construir um sistema legal, em que a punição infligida ao delinquente seja proporcional à gravidade do dano social, gerado pela prática do delito, e que seja suficiente ao cumprimento da função de prevenção do delito [...]. (Bicudo, Op. Cit., p. 112)
A punição assume um caráter preventivo ao transmitir aos membros da sociedade a ameaça de repressão em caso de transgressão da norma. Desse modo, a ideia de Benthan é de repúdio à pena de morte, não por uma visão humanista e sim por um cálculo de utilidade.
Beccaria, por sua vez, possui uma visão tanto utilitarista quanto humanista, colocando sob análise a atrocidade das reprimendas penais.Seu discurso iluminista propõe uma reforma no sistema penal, a fim de enfrentar a barbárie e os suplícios ao definir limites aos direitos do suspeito e ao poder de punir.
Narra FOUCAULT (2007, p. 63) o protesto contra os suplícios que passa a ser encontrado em meados do Século XVIII: “É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco.”.
As propostas reformadoras baseavam-se na humanização da pena e na adoção de princípios como o da legalidade estrita e anterioridade da lei penal (lei penal simples e clara, anterior à prática do delito).
Neste diapasão, a pena deveria ser proporcional ao crime cometido e suficiente para atingir a utilidade do direito penal.
Vê-se aí o nascedouro do princípio da proporcionalidade da pena, que orienta o direito penal e a execução penal até os dias atuais e consiste em estabelecer a efetiva correspondência entre a classificação do preso e o modo pelo qual a pena será executada, de acordo com o art. 5º, da Lei 7.210/84: “Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”.
Além do mencionado dispositivo, o item 26 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal disciplina que o princípio em evidência é atendido na medida em que se classificam os condenados, "de modo que a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado".
Beccaria opunha-se ao sistema de penas atrozes e cruéis, em um sistema formado sob a ótica da vingança, inquisitivo e arbitrário.
Na lição de BICUDO (Op. cit., p. 15):
Beccaria e Benthan, portanto, apontam o significado de um sistema racional ao Direito Penal moderno, que articula fundamentos e penalidades aplicadas conforme o julgamento proferido que, por sua vez, é embasado nas razões presentes naqueles fundamentos.
Isto posto, convém esclarecer qual viés vem sendo apontado pela moderna doutrina penalista como adequado à necessária sanção e repressão do crime.
Na sociedade hodierna, as preocupações são outras em relação àquelas tomadas no século XVIII, uma vez que, diante da globalização econômica constata-se o desenvolvimento de uma criminalidade internacional correspondente a uma situação de anomia, na sociedade marcada pela desigualdade crescente.
Esta nova face do crime causa um desafio ao Direito, no sentido de o Estado afirmar-se suficientemente forte para a repressão da prática delinquente. Caminha então o direito penal na busca por editar normas cada vez mais severas para a repressão do delito.
Ocorre que, paralelamente a essa tendência, a órbita jurídica do Estado Democrático de Direito exige que o Estado, ao mesmo tempo em que desenvolve uma política repressiva forte, não se permita olvidar a proteção às garantias fundamentais do apenado.
Concebem-se, pois teorias penais que buscam harmonizar o sistema punitivo estatal e as garantias do Estado democrático de Direito, cujo fundamento primordial é a dignidade da pessoa humana.
São expoentes de tais vertentes do direito Luigi Ferrajoli e Claus Roxin. Para Ferrajoli, a pena deverá ter o efeito de prevenir o delito injusto, sem, no entanto, permitir que se aplique para tanto o castigo injusto.
Nesse contexto a relação ofendido/ofensor, outrora fundamentada na vingança privada, é substituída por uma relação tríplice, onde o Estado funciona como mediadorimparcial.
Assim, no processo de execução, bem como em toda persecução penal, devem ser observadas as garantias e princípios constitucionais, mormente o princípio da humanização da pena, segundo o qual a hediondez do crime não deve despertar como resposta a hediondez da pena.
Assim preleciona BICUDO (Op. cit., p. 17):
O direito penal assume dupla função preventiva, ambas de cunho negativo: (1) a prevenção geral dos delitos; (2) a prevenção geral das penas arbitrárias. Entendido assim o Direito Penal não se reduz à mera defesa social dos interesses constituídos contra a ameaça representada pelos delinquentes. Essas funções legitimam conjuntamente a necessidade política do Direito Penal como tutela dos direitos fundamentais.
O valor da pessoa humana, deve se impor como limitação fundamental à qualidade e à quantidade da pena, e, por isso mesmo, não se coaduna com a aplicação da pena de morte, das penas corporais, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade de longa duração.
A evolução social, bem como a evolução da Ciência Penal, tem demonstrado veementemente que o punitivismo exagerado, e a consequente utilização meramente simbólica da punição penal, tem trazido resultados opostos àqueles almejados pela sociedade, ainda que tenham sido elaborados em respostas às suas próprias necessidades.
Estruturado dessa maneira, o processo penal estigmatiza e isola, dificultando a reinserção do infrator na sociedade e a sua reestruturação, o que culmina com a reincidência dos delitos.
Ao contrário, a execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adotada para a pena a teoria mista ou eclética, segundo a qual o caráter retributivo da pena não se limita à prevenção, mas também a humanização do apenado.
Deve execução ter o escopo não apenas de punir, mas também de humanizar.
Ocorre que, não obstante o caráter louvável da norma de execução penal e dos princípios fundamentais insculpidos no referido dispositivo legal constata-se, em verdade, que um grande abismo separa o diploma normativo da realidade enfrentada pelo sistema penitenciário nacional.
Tais óbices devem-se, em grande parte à falta de recursos materiais e humanos necessários à efetivação dos preceitos normativos da execução.
Conclui-se, pois, que apesar de decorridos mais de dois séculos desde o nascimento das ideias iluministas de Cesare Beccaria, os problemas enfrentados pela população carcerária e pelos apenados não possuem natureza diversa dos de outrora.
Assim, embora se reconheçam os direitos inerentes à pessoa do condenado, que não perde a sua condição de ser humano e de sujeito de direitos pela mera prática da infração penal, um longo caminho ainda resta a ser trilhado até o alcance de uma persecução penal realmente efetiva, capaz de atender às finalidades a que se destina a pena.
REFERENCIAS
BICUDO, Tatiana Viggiani. Por que Punir?São Paulo: Saraiva, 2010.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 34. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MACHADO, Vitor Gonçalves. Considerações sobre os princípios informadores do direito da execução penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2435, 2 mar. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14432/consideracoes-sobre-os-principios-informadores-do-direito-da-execucao-penal>. Acesso em: 19 maio 2011.
VADE MECUM. Lei 7.210/84. São Paulo: Saraiva, 2009.
Acadêmica de Direito da Faculdade de Ciencias Humanas e Socias-Ages/BA. Estagiária de Direito do Ministério Público de Sergipe.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Verônica Sabina Dias de. Por que punir? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 ago 2011, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25195/por-que-punir. Acesso em: 23 dez 2024.
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