Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações preliminares. 3. Campo de atuação do Ministério Público na tutela dos direitos sociais. 4. Instrumentos de atuação do Ministério Público mais adequados à defesa dos direitos sociais. 4.1. Ambiente em que são utilizados os instrumentos voltados à tutela dos direitos sociais: o inquérito civil. 4.1.1. Audiências públicas. 4.1.2. Recomendações. 4.1.3. Requisições. 5. O Ministério Público investido na função de Ombudsman na promoção dos direitos sociais. 6. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
Sem dúvida um dos maiores desafios enfrentado pelo constitucionalismo atual reside na questão da efetividade dos direitos sociais. As Constituições Welfaristas, expressão que designa o Estado do Bem-Estar Social, o qual é adotado como modelo pela maioria dos Estados, identificam-se, sobretudo, por carregarem em seu corpo copiosa normatização de índole social, ou seja, preocupada com o desenvolvimento do indivíduo inserido na sociedade.
De início, cumpre esclarecer o que se entende por efetividade. Tal noção busca raízes na diferenciação que se faz entre eficácia jurídica e eficácia social. Eficácia jurídica compreende a aptidão a norma de deflagrar efeitos na órbita jurídica. Já eficácia social reside na qualidade da norma que é verdadeiramente respeitada e cumprida pelos seus destinatários. É na noção de eficácia social que repousa a compreensão da efetividade das normas.
Os direitos sociais são aqueles arrolados no art. 6º da Constituição Federal de 1988, quais sejam, educação, saúde, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, previdência social, trabalho, moradia, lazer e segurança.
Como os Poderes Públicos são totalmente inadimplentes no cumprimento de suas obrigações sociais constitucionais, reputa-se de todo pertinente dedicar atenção às atribuições do Ministério Público, instituição que granjeou admirável crescimento com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual lhe confiou a nobre missão de cuidar da qualidade das prestações sociais perante os Poderes Públicos, identificando-o, com isso, com as funções próprias do Ombudsman.
As atribuições do Ministério Público estão disciplinadas tanto na Constituição de 1988, quanto na legislação infraconstitucional, cujo plexo normativo define seu campo de atuação na tutela dos direitos sociais e os instrumentos mais adequados à realização deste intento, os retratam função de Ombudsman conferida ao Ministério Público.
2. Considerações preliminares
A promulgação da Constituição de 1988 marcou profundamente um determinado órgão: o Ministério Público. Sem olvidar-se do crescimento do papel do Poder Judiciário em razão do advento do Welfare State, nenhuma instituição logrou tanto prestígio como o Ministério Público. Isso se deve ao fato de a Constituição ter-lhe incumbido relevantíssimas funções, precipuamente, dentre outros campos, na área social, a qual será objeto de estudo do presente capítulo. O Ministério Público deixou de ser aquela entidade que exerce apenas as atribuições de fiscal da lei no processo civil, nos clássicos casos que exigem sua intervenção, e a função acusatória no processo penal.
Outras mudanças de cunho organizacional também revelam acentuada mudança na roupagem do Ministério Público esboçada na Lei Magna de 1988.
A Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público garantias institucionais, direcionadas à instituição em si, e garantias individuais, destinadas aos seus membros no exercício de suas atribuições.
O Ministério Público não pertence mais a nenhuma estrutura dos Poderes do Estado. Goza a instituição ministerial de autonomia e independência para exercer seus misteres constitucionais, não se vinculando, como em outros tempos, ao Poder Executivo ou ao Poder Judiciário. É o próprio órgão que elabora sua proposta orçamentária e organiza seus quadros.
Com isso, assim reza a Carta Política em seu art. 127:
Art. 127. [...]
§ 2º. Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, [...].
Em observância à norma constitucional, o mesmo caminho é trilhado pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93):
Art. 3º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira, cabendo-lhe, especialmente:
[...]
III - elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos;
IV - adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização;
V - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de cargos, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros;
VI - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos de seus serviços auxiliares, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores;
VII - prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;
VIII - editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos e carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores;
Atualmente, os membros do Ministério Público são dotados de independência funcional, podendo agir de acordo com suas convicções, sem subordinar-se no exercício de sua função ao chefe da instituição. A chefia, no âmbito do Ministério Público dos Estados, é exercida pelo Procurador-Geral de Justiça e, no âmbito do Ministério Público da União, é exercida pelo Procurador-Geral da República.
Paulo Gustavo Guedes Fontes explicita a questão:
Nas Constituições de 1934 e 1946, o Ministério Público integrava a estrutura do Poder Executivo. A Constituição de 1967 insere-o no Poder Judiciário. Em ambos os casos, os chefes da instituição eram nomeados pelo Presidente da República ou pelos Governadores dos Estados e eram demissíveis ad nutum. A Constituição de 1988, que restabeleceu a democracia política e as liberdades públicas após vinte anos de regime autoritário, mudou de forma considerável o lugar do Ministério Público no conjunto das instituições brasileiras, o estatuto de seus membros, as suas funções.
O constituinte recusou-se a vincular o Ministério Público, do ponto de vista orgânico, aos Poderes da República.1
Todas essas prerrogativas são reflexos das valiosas funções sociais que foram atribuídas ao Ministério Público pela Constituição. Para que a instituição desempenhe satisfatoriamente seu papel constitucional faz-se necessário rodeá-la de tais garantias para que o exerça com isenção e livre de ingerências dos Poderes do Estado, sabendo-se que muitas vezes o Ministério Público atua, por exemplo, contra o Poder Executivo, já que este reiteradamente omite-se na promoção dos direitos sociais.
A propósito, observe-se o dispositivo constitucional abaixo:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
A Constituição de 1988 construiu a República Federativa do Brasil sob o modelo Welfarista, devendo o Poder Público providenciar, através da formulação e execução de políticas públicas, a satisfação das necessidades sociais do povo, catalogadas no art. 6º da Constituição.
A Constituição encarregou-se de engajar o Ministério Público na tarefa de promoção dos direitos sociais. Hodiernamente, o parquet encontra-se a serviço da efetividade dos direitos sociais, para onde a Lei Fundamental de 1988 ampliou seus horizontes de atuação com a cláusula contida no inciso II da art. 129:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[...]
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias as sua garantia;
Na qualidade de custos dos direitos sociais, o Ministério Público, através de seus agentes, deve envolver-se com os problemas da comunidade relativos, exemplificativamente, à moradia, ao saneamento básico, às demandas da saúde. Para isso, além de ser necessária uma proximidade entre seus agentes e a comunidade, forçoso o Ministério Público manter um bom nível de relacionamento com as autoridades do Estado, principalmente dos Poderes Executivo e Legislativo, já que são de tais segmentos do poder estatal a responsabilidade de fazer valer no plano do “ser” as promessas sociais da Constituição cidadã.
No que tange ao relacionamento com o Poder Legislativo, o Ministério Público pode atuar junto ao parlamento apresentando relatórios acerca dos problemas práticos verificados na comunidade, participando, também, através de comissões, da elaboração de projetos de lei voltados à organização de políticas públicas. O agente do Ministério Público, por guardar mais entretenimento com a sociedade, pode auxiliar na formulação de leis de modo a adequá-las à solução das deficiências sociais. Outrossim, mostra-se absolutamente importante para a implementação dos direitos sociais o relacionamento do Ministério Público com a Administração na formulação e no cumprimento da prestação dos serviços públicos.
A proposta do presente estudo é abordar a missão constitucional do Ministério Público na tutela dos direitos sociais afastando-se a tradição jurisdicional de sua atuação. Observa-se que o parquet utiliza demasiadamente a via jurisdicional para exercer suas atribuições, não sendo uma exceção para sindicar o atendimento dos direitos sociais.
Não é de ser olvidada a importância do Poder Judiciário no Estado Social, onde é vislumbrado o fenômeno do big judiciary, revelando o seu agigantamento e sua postura mais ativa no cumprimento da observância do direito positivo, notadamente dos direitos sociais.
No mesmo passo se encontram os dizeres de Paulo Gustavo Guedes Fontes:
Foi sem dúvida na tentativa de melhorar a qualidade dos serviços públicos que o Ministério Público colheu os piores resultados. A utilização da ação civil pública nessa esfera não propiciou uma melhoria efetiva da qualidade, principalmente dos serviços de educação e saúde. Esse resultado deve-se em parte a uma resistência injustificada do Poder Judiciário, muito apegado a uma concepção restritiva das possibilidades do controle jurisdicional da Administração; mas, por outro lado, como quisemos demonstrar no capítulo anterior, corresponde também às naturais limitações da jurisdição derivadas do princípio da separação dos poderes.2
Dessa forma, deve ser realçada à função de Ombudsman confiada ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988, por se achar mais adequada para a instituição no desempenho de sua tarefa constitucional de realizar os direitos sociais. “As limitações da jurisdição, que ficam evidentes em algumas áreas de atuação, aconselham o Ministério Público a assumir de maneira mais explícita o papel político que é próprio do Ombudsman”.3
Cuidar-se-á mais adiante do papel do Ombudsman, que, no Brasil, com a promulgação da Carta Política de 1988, é desincumbido pelo Ministério Público.
3. Campo de atuação do Ministério Público na tutela dos direitos sociais
Para a perquirição da abrangência do objeto que se encontra sob proteção do Ministério Público necessário averiguar a Lei nº 7.347/85, que rege a ação civil pública e institui o inquérito civil, o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal de 1988.
O texto da Lei nº 7.347/85 é derivado de estudos realizados por membros do Ministério Público do Estado de São Paulo. Sob a liderança dos então promotores de justiça do Estado de São Paulo Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré, e Nelson Nery, foi aperfeiçoado o anteprojeto que redundou na edição da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). Nesse anteprojeto encontravam-se previstas as matérias a serem tuteladas por intermédio da ação civil pública.
Além do meio ambiente, do patrimônio artístico, histórico e paisagístico, dentre outras matérias, importante disposição suscitou questionamentos acerca da amplitude do objeto tutelado pela utilização da ação civil pública. Constava no anteprojeto a defesa, por meio da ação civil pública, de qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Foi visto que os direitos sociais, exceto os relativos aos trabalhadores, são considerados essencialmente direitos difusos, por terem como destinatário indistintamente toda a coletividade, expressada por um número indeterminado de pessoas, podendo ser sindicado perante o Poder Judiciário caso vislumbre-se a omissão ou a deficiência do Poder Público na prestação dos serviços.
Nesse diapasão, a previsão geral consubstanciada na locução qualquer outro interesse difuso ou coletivo alargava o campo de atuação do Ministério Público para abarcar, consequentemente, a defesa de qualquer direito social.
O anteprojeto elaborado pelo Ministério Público paulista foi apresentado ao Ministro da Justiça e convertido no projeto de lei do Poder Executivo sob o nº 4.984/1985, quando foi tramitado na Câmara dos Deputados, e nº 20/1985, quando ocorreu seu trâmite perante o Senado Federal.
Após a tramitação nas Casas do Congresso Nacional, o projeto sofreu veto presidencial parcial do então presidente da República José Sarney na parte que toca à defesa de qualquer outro interesse difuso ou coletivo pelo manejo da ação civil pública. O presidente da República fundamentou seu veto em imperativos do interesse público, que poderia ser afetado pela demasiada abrangência da expressão qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Eis as razões do veto:
As razões de interesse público dizem respeito precipuamente à insegurança jurídica, em detrimento do bem comum, que decorre da amplíssima e imprecisa abrangência da expressão “qualquer outro interesse difuso”. A amplitude de que se revestem as expressões ora vetadas do Projeto mostra-se, no presente momento de nossa experiência jurídica, inconveniente. É preciso que a questão dos interesses difusos, de inegável relevância social, mereça, ainda, maior reflexão e análise. Trata-se de instituto cujos pressupostos conceituais derivam de um processo de elaboração doutrinária, a recomendar, com a publicação desta Lei, discussão abrangente em todas as esferas de nossa vida social. É importante, neste momento, que, em relação à defesa e preservação dos direitos dos consumidores, assim como do patrimônio ecológico, natural e cultural do País, a tutela jurisdicional dos interesses difusos deixe de ser uma questão meramente acadêmica para converter-se em realidade jurídico-positiva, de verdadeiro alcance e conteúdo sociais. Eventuais hipóteses rebeldes à previsão do legislador, mas ditadas pela complexidade da vida social, merecerão a oportuna disciplinação legislativa.4
No entanto, o problema foi superado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a edição do Código de Defesa do Consumidor em 1990.
Primeiramente, a Carta Magna, ao elencar as funções institucionais do Ministério Público no art. 129, atribuiu à instituição a proteção de quaisquer outros interesses difusos ou coletivos. Confira-se, então, o texto constitucional abaixo:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[...]
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outro interesses difusos e coletivos;
Dois anos depois, em 1990, a cláusula geral quaisquer outros interesses difusos e coletivos foi incorporada ao art.1º, IV, da Lei da Ação Civil Pública pelo art. 110 do Código de Defesa do Consumidor, seguindo a mesma fórmula a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que assim dispõe:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
Com isso, atualmente, ao Ministério Público é possível atuar em vários domínios que sejam considerados interesses difusos ou coletivos, inclusive na defesa dos direitos sociais, como a saúde, a educação, a habitação, a previdência social.
Não só por meio da ação civil pública o parquet pode buscar a tutela dos direitos sociais. Igualmente, o Ministério Público pode fazê-lo servindo-se de outros instrumentos que são utilizados em caráter não-jurisdicional.
4. Instrumentos de atuação do Ministério Público mais adequados à defesa dos direitos sociais
4.1 Ambiente em que são utilizados os instrumentos voltados à tutela dos direitos sociais: o inquérito civil
Hugo Nigro Mazzilli conceitua o inquérito civil com as seguintes palavras:
O inquérito civil é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública ou coletiva.5
Contudo, o inquérito civil não serve somente para subsidiar posterior ajuizamento de ação civil pública, mas também para permitir que o membro do Ministério Público faça uso dos instrumentos postos à sua disposição no exercício de seu ofício, inclusive na perseguição do cumprimento dos direitos sociais. Eis os instrumentos que serão tratados logo a seguir: audiências públicas; recomendações; e requisições.
Com efeito, o órgão do Ministério Público pode instaurar inquérito civil nos casos em que vislumbrar situação na qual exige-se a sua atuação, onde se inserem os direitos sociais. Hugo Nigro Mazzilli discorre a respeito:
De forma subsidiária, o inquérito civil também se presta para colher elementos que permitam a tomada de compromissos de ajustamento ou a realização de audiências públicas e emissão de recomendações pelo Ministério Público; contudo, mesmo nesses casos, não se afasta a possibilidade de servir de base para a propositura da correspondente ação civil pública.6
4.1.1. Audiências públicas
Diferentemente das audiências públicas promovidas pelo Congresso Nacional, por meio das quais os cidadãos participam das decisões político-governamentais do Estado, as audiências públicas realizadas pelo Ministério Público têm a função de possibilitar ao órgão oficiante do parquet a tomar conhecimento das necessidades sociais da coletividade não providas pela Administração através de esclarecimentos prestados por pessoas e entidades da sociedade civil que são convocadas para auxiliar o Ministério Público no cumprimento de suas funções sociais descritas na Constituição Federal.
Hugo Nigro Mazzilli leciona acerca das audiências públicas, para tanto servindo-se das lições de Pedro Roberto Decomain:
[...] as audiências públicas cometidas ao Ministério Público são apenas um mecanismo pelo qual o cidadão e as entidades civis (as chamadas entidades não governamentais) podem colaborar com o Ministério Público no exercício de suas finalidades institucionais, e, mais especialmente, participar de sua tarefa constitucional consistente no zelo do interesse público e na defesa de interesses metaindividuais (como o efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição, o adequado funcionamento dos serviços de relevância pública, [...]).
Como observou Pedro Roberto Decomain, ‘as audiências públicas revelaram-se mecanismos eficientes de equacionamento de problemas ligados a direitos e interesses difusos e coletivos de modo geral, como aqueles relacionados ao meio ambiente, ao consumidor, etc. Também são eficazes em matéria de serviços públicos, porque permitem um debate amplo em torno da atuação da Administração Pública, que tem sua eficiência analisada e questionada publicamente pelos destinatários dela, ou seja, pelas pessoas da coletividade de modo geral. Cabe ao Ministério Público então promover referidas audiências, conduzindo durante elas os debates. Com isso toma plena ciência daquilo que a coletividade realmente deseja em determinado assunto, informando-se e formando um juízo mais próximo dos verdadeiros interesses comunitários, antes de empreender quaisquer providências’.
[...]
Por meio das audiências públicas, o Ministério Público não se submete a uma assembléia popular, nem nelas se votam opções ou linhas de ação para a instituição, e sim por meio delas intenta o Ministério Público obter informações, depoimentos e opiniões, sugestões, críticas e propostas, para haurir com mais legitimidade o fundamento de sua ação institucional.7
Com isso, as audiências públicas revelam-se como importantíssimos mecanismos de atuação do Ministério Público na sua missão constitucional de consecução dos direitos sociais, permitindo o acesso dos membros do órgão ministerial aos problemas da sociedade e sua interação com a Administração na busca de tal finalidade.
4.1.2. Recomendações
No domínio dos direitos sociais, as recomendações são peças nas quais o Ministério Público alerta a Administração acerca da ausência ou do irregular cumprimento das prestações sociais a seu cargo, traçando-lhe linhas de atuação de acordo com a vontade constitucional e as disposições infraconstitucionais.
As recomendações não têm força coercitiva, mas guardam acentuado poder de persuasão, além de se verificar o alto grau de intelectualidade dos membros do Ministério Público, os quais devem requisitar ao destinatário da recomendação sua ampla divulgação e resposta por escrito. Hugo Nigro Mazzilli também assevera que:
Quando a matéria diga respeito a uma das questões nas quais haja discricionariedade de atuação do administrador, o relatório e as conclusões ministeriais não passarão de meras recomendações em sentido estrito, mais com força psicológica ou moral, embora legitimadas pelo processo de sua coleta; mesmo assim, o órgão do Ministério Público requisitará sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito (grifo do autor).8
Deveras, as recomendações também são instrumentos que assumem grande relevância na seara dos direitos sociais, pois com sua emissão o Ministério Público exerce o zelo da qualidade dos serviços públicos de maneira mais célere e simplificada do que com a propositura de ações civis públicas, sabendo-se das deficiências e do volume de processos que entulham as prateleiras dos fóruns. Ademais, as recomendações propiciam um aperfeiçoamento da atividade administrativa quando direciona o atuar do administrador a fim de realizar os comandos da Constituição e das leis da República.
Anota Hugo Nigro Mazzilli:
Em vista de sua função constitucional de zelar para que os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública respeitem os direitos constitucionais, tem o Ministério Público a possibilidade de expedir recomendações, dirigidas aos órgãos e entidades correspondentes, [...].
Cabe, ainda, ao Ministério Público expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito aos demais interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (grifos do autor).9
4.1.3. Requisições
Na condução dos procedimentos de sua atribuição o Ministério Público poderá expedir requisições a quaisquer autoridades do Estado, tendo por objeto documentos, diligências, certidões ou informações.
“As requisições não são pedidos (requerimentos), mas sim consistem em ordem legal para que se entregue, apresente ou forneça algo; daí porque seu desatendimento doloso pode configurar até mesmo infração penal”.10
É defeso a qualquer autoridade negar atendimento às requisições do Ministério Público sob o argumento de os documentos ou informações requisitadas estarem acobertadas pelo sigilo, pois fica resguardado o caráter confidencial do dado fornecido ao membro da instituição, que poderá incorrer em responsabilidade funcional e penal se vier a devassar as informações. Nesse sentido, urge consignar o que preceitua a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/1993), de aplicação subsidiária aos Ministérios Públicos dos Estados:
Art. 8º. [...]
§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.
Nelson Nery Junior e Rosa Nery aduzem que:
Em nenhuma hipótese a requisição pode ser negada, sendo que o desatendimento pode caracterizar crime de prevaricação ou desobediência (RT 499/304), conforme o caso.11
Cumpre salientar que, em matéria de informações e dados acobertados pelo sigilo bancário, garantido constitucionalmente no art. 5º, o Pretório Excelso firmou orientação no sentido de que ao Ministério Público é conferido acesso direto a tais dados, ou seja, prescindindo-se de autorização judicial, quando houver envolvimento de verbas de origem pública, tendo em vista seu poder requisitório e o princípio da publicidade insculpido no art. 37 da Constituição Federal.
5. O Ministério Público investido na função de Ombudsman na promoção dos direitos sociais
Concluindo o presente trabalho, urge traçar linhas acerca da instituição do Ombudsman. Nos trabalhos da assembléia constituinte muito se discutiu acerca da criação de um órgão que exerça o papel de pugnar pela satisfação das necessidades sociais da população. Cogitou-se a instituição do nominado “Defensor do Povo”, à semelhança da Espanha, onde existe o Defensor del Pueblo.
No entanto, o legislador constituinte, no art. 129, II, acabou por atribuir as funções do Ombudsman ao Ministério Público, pois o órgão já se encontrava estruturado em todo o país.
A figura do Ombudsman deita raízes nos países escandinavos. Este agente era responsável por vindicar junto aos Poderes Públicos a qualidade dos serviços públicos. Situa-se o Ombudsman numa posição intermediária entre o Poder Público e a sociedade, constituindo-se numa espécie de fio condutor que liga a voz da sociedade à atuação da Administração.
Nesse toar, observa-se que as funções do Ombudsman guardam um sentido fundamentalmente político, apesar de lhe ser possível manejar instrumentos jurisdicionais.
As medidas implementadas pelo Ombudsman na perseguição da otimização dos serviços públicos são destituídas de coerção. Porém, a eficácia de sua atuação deve-se à sua capacidade e preparação intelectuais. É por isso que se costuma afirmar que o Ombudsman é notado por ser sua atuação dotada de máxima efetividade, apesar de sua mínima coercitividade. O quadro é bem delineado por Paulo Gustavo Guedes Fontes:
A atuação do Ombudsman situa-se num contexto mais político, no sentido de que ele não tem o poder de mudar as decisões administrativas, mas de criticá-las, deflagrando com isso os processos capazes de acarretar as mudanças desejá.13veis. Sua eficácia depende de muitos fatores, entre os quais a independência, a credibilidade, o acesso às informações governamentais, a capacidade técnica. ‘De fato, uma das mais proeminentes características da instituição é sua aparente efetividade apesar de um mínimo de capacidade coercitiva’.
O que se vê na realidade brasileira é a não utilização pelo Ministério Público das funções políticas que são próprias da instituição do Ombudsman, permanecendo-se apegado às vias jurisdicionais. A despeito de o Ministério Público expedir constantemente recomendações aos órgãos governamentais, exercitando, com isso, a função do Ombudsman, tal comportamento somente é adotado quando o membro do parquet vislumbra a possibilidade de conseguir o que objetiva com a recomendação por meio de providências jurisdicionais. Se o agente ministerial estiver convencido de que eventual ação civil pública não vai lograr prosseguimento por impossibilidade jurídica do pedido, constata-se que frequentemente queda-se inerte.
Nesse mesmo passo, noticia Paulo Gustavo Guedes Fontes:
A legislação brasileira prevê alguns instrumentos não-jurisdicionais que podem ser melhor aproveitados pelo Ministério Público. Exemplo disso são as recomendações que a instituição pode dirigir aos entes públicos (art. 27 da Lei 8.625/93; art. 6º, XX, da Lei Complementar 75/93, respectivamente, leis orgânicas dos Ministérios Públicos dos Estados e da União). Tais recomendações, no mais das vezes, têm sido utilizadas dentro da lógica jurisdicional, simplesmente com o objetivo de evitar o ajuizamento de ações; em geral, os membros do Ministério Público só recomendam aquilo que consideram possível de obter na justiça, de maneira coercitiva. Trata-se de lamentável redução de um instrumento que pode ter uma significação política relevante, alcançando resultados mais significativos do que os obtidos com os processos judiciais. Por fim, a previsão, pela Lei 8.625/93, de relatórios anuais ou especiais, não recebeu, até onde sabemos, aplicação prática.14
Portanto, para exercer com bom nível de satisfação sua missão social consagrada na Constituição Federal de 1988, o Ministério Público necessita assumir concretamente com mais nitidez e fervor a feição de Ombudsman que lhe foi conferida pelo legislador constituinte. Como o Poder Público, sponte sua, não garante a plenificação dos direitos sociais, sua efetividade precisa dessa atuação política do Ministério Público.
6. CONCLUSÃO
A efetividade dos direitos sociais afigura-se como um imperativo de vital importância para a melhoria das condições de vida de milhões de pessoas, principalmente nos países periféricos, entre eles o Brasil. Por isso, devem eles ser alçados a primeiro plano em qualquer organização estatal, reprimindo-se qualquer comportamento de cunho individualista, sob pena de garantir a perpetuação da indigência e da pobreza daqueles que já se encontram em situação de indignidade.
Nesse rumo de idéias, a atuação do Estado deve sempre estar volvida para a garantia da justiça social, possibilitando aos hipossuficientes as mesmas oportunidades de crescimento daqueles que nasceram com melhores condições de vida. Essa é a essência dos Estados ocidentais, conhecidos como Estado-providência.
Entretanto, a atuação dos Poderes Públicos não está se mostrando apta à promoção dos direitos sociais. Com isso, deve o Ministério Público, no exercício de sua função constitucional de guardião dos direitos sociais, atuar intensamente na busca de sua plena concretização.
Contudo, até por parte dos agentes ministeriais os direitos sociais não estão sendo concretizados. Isso se deve não por falta de boa vontade, mas, como exposto, à visão jurisdicional que os membros do Ministério Público têm de suas atribuições, não deixando de ser uma influência dos resquícios de ordenamentos constitucionais anteriores impregnados na instituição.
Portanto, é preciso uma mudança na prática funcional dos membros do Ministério Público quando exercerem a defesa dos direitos sociais, a fim de que se verifique sua efetivação (dos direitos sociais). Do contrário, a instituição nunca exercerá com a eficácia que se espera suas atribuições sociais e a efetividade dos direitos sociais na realidade brasileira só será afirmada em sede doutrinária, haja vista que não dá para se esperar nada dos Poderes Públicos, historicamente omisso e desidioso – nesse caso, quando resolve atuar – na provisão das necessidades sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. O controle da Administração pelo Ministério Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva: Saraiva, 1999.
MILARÉ, Edis (coord.). A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
1 FONTES, Paulo Gustavo Guedes. O controle da Administração pelo Ministério Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 18.
2 FONTES, Paulo Gustavo Guedes. O controle da Administração pelo Ministério Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 151.
3 FONTES, Paulo Gustavo Guedes. O controle da Administração pelo Ministério Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 151-152.
4 MILARÉ, Edis (coord.). A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 632.
5 MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva: Saraiva, 1999, p. 46.
6 MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva: Saraiva, 1999, p. 46-47.
7 MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva: Saraiva, 1999, p. 326-327.
8 MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva: Saraiva, 1999, p. 337.
9 MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva: Saraiva, 1999, p. 334.
10 MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva: Saraiva, 1999, p. 166.
11 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 1.032.
13 FONTES, Paulo Gustavo Guedes. O controle da Administração pelo Ministério Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 152.
14 FONTES, Paulo Gustavo Guedes. O controle da Administração pelo Ministério Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 153-154.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes. Ex-estagiário do Ministério Público Federal e da Justiça Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Alexandre Mendonça. O Ministério Público na defesa dos direitos sociais à luz da Constituição Federal de 1988 e da legislação infraconstitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 ago 2011, 07:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25238/o-ministerio-publico-na-defesa-dos-direitos-sociais-a-luz-da-constituicao-federal-de-1988-e-da-legislacao-infraconstitucional. Acesso em: 23 dez 2024.
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