RESUMO: O presente artigo tratará da prerrogativa de reexame necessário que a Fazenda Pública goza toda vez que tiver em seu desfavor sentença condenatória. O objetivo é debater os principais aspectos de tal instituto, e inclusive, sua constitucionalidade ante ao princípio da isonomia.
Palavras-chave: Fazenda Pública. Reexame necessário. Isonomia.
Em inglês: Public Treasury. Review necessary. Equality.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DO REEXAME NECESSÁRIO . 2.1 Histórico, Natureza, Objeto E Características Do Reexame Necessário. 2.2. Aplicação, Dispensa E Procedimento Do Reexame Necessário. 2.3 Dos Embargos Infringentes Em Reexame Necessário. 2.4 Da Reformatio In Pejus Na Remessa Oficial. 3. DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA E O ESTADO EM JUÍZO. 3.1 Da Procrastinação da Prestação Jurisdicional e o Estado como um dos Maiores Contendedores. 3.2 Das Propostas do Novo Código de Processo Civil. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil estatui em vários de seus dispositivos, prerrogativas da Fazenda Pública em juízo.
Dentre tantas prerrogativas se encontra o reexame necessário, também conhecido como remessa oficial, remessa obrigatória, duplo grau de jurisdição obrigatório ou incorretamente de recurso de ofício.
Ocorre que, em contraponto a tais prerrogativas, há uma necessidade premente de uma prestação jurisdicional mais célere, equânime, eficiente e eficaz, o que faz surgir discussões sobre a conveniência e até mesmo constitucionalidade de tal instituto, ora em comento.
Portanto, o objetivo do presente estudo será a abordagem do reexame necessário sob a ótica do processo constitucional moderno e democrático, visando soluções para a celeridade do judiciário.
2. DO REEXAME NECESSÁRIO
2.1 Histórico, natureza, objeto e características do reexame necessário
As raízes do reexame necessário no direito pátrio remontam às ordenações Afonsinas e Manuelinas, quando ainda era denominado recurso de ofício, pelo qual o juiz era obrigado a recorrer de suas próprias decisões.
Conforme leciona Shimura¹ (2006, p. 605):
(...) no processo civil, ao que consta, o reexame necessário surgiu com a lei de 04.10.1831 (art. 90), como forma de evitar o abuso, a desídia ou má-fé dos procuradores da Fazenda Pública, que deixavam de recorrer contra sentenças injustas proferidas contra os cofres públicos.
O Código de Processo Civil de 1939 também previu a “apelação ex officio”, a qual cabia das sentenças de nulidade do casamento; das sentenças homologatórias de desquite amigável; e das proferidas contra a União, Estado e Município.
O próximo Código de Processo Civil (CPC) de 1973, ainda em vigor, manteve tal instituto, prevendo-o no artigo 475, porém retirou-lhe do capítulo dos recursos, introduzindo-o no capítulo da coisa julgada.
Também foi alterada a redação original, excluindo da submissão ao reexame necessário a sentença que anular o casamento.
Vigora no momento a seguinte redação em tal dispositivo²:
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§ 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§ 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§ 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
Portanto, nos dias atuais somente são submetidas ao reexame obrigatório as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública.
Conforme já mencionado, a alteração legislativa retirou o reexame necessário do capítulo dos recursos.
Desse modo, ficou ainda mais explícita a natureza jurídica do reexame necessário como uma condição de eficácia das decisões proferidas contra a Fazenda Pública, as quais não geram efeitos, não transitando em julgado, nem tampouco podendo ser executadas enquanto não reapreciada pela instância superior. Não se trata portanto, de um recurso, eis que falta-lhe taxatividade, voluntariedade, tempestividade, dialeticidade, legitimidade e preparo, caracteres típicos dos recursos.
Por fim, mister destacar o alcance do reexame necessário. É certo que tal instituto foi criado para poder resguardar o erário de decisões ilegais ou equivocadas, não significa, porém, que no julgamento deverá ser enfrentado aspecto não alegado em momento algum do processo e sequer mencionado no recurso voluntário da parte vencida. Não pode o juízo ad quem se tornar um fiscal, sob pena de perda da isenção e isonomia das partes.
2.2 Aplicação, dispensa e procedimento do reexame necessário
Como já dito no tópico supra, a principal hipótese de incidência do reexame necessário está descrita no artigo 475 do CPC.
A interpretação de tal dispositivo deve ser feita de forma restritiva, justamente por ter um cunho excepcional de diferenciação das partes.
Destarte, o disposto no artigo 475 do CPC somente deve ser aplicado quando alguma sentença de mérito for desfavorável à Fazenda Pública, entendendo-se por mérito as decisões respaldadas no artigo 269 do mesmo diploma legal, não se enquadrando portanto, as decisões interlocutórias, ainda que toquem parcialmente no mérito, nem as sentenças terminativas, ressalvados entendimentos diversos, independentemente do pólo em que aquela esteja atuando.
A partir dessa definição se infere que não se inclui na incidência do reexame necessário a decisão que antecipa os efeitos da tutela, justamente por não se tratar de sentença, mas de decisão interlocutória, pois se de modo contrário se analisasse, permitir-se-ia uma dupla revisão da demanda, quando da prolação da liminar antecipatória e quando da decisão definitiva, o que se mostra como uma total afronta à isonomia.
Já a reconvenção e a ação declaratória incidental se submetem ao instituto ora em comento, eis que, seguindo entendimento de Gianesini³ (2001, apud CUNHA, 2008, p. 175):
a circunstância de estarem inseridas num processo principal não retira delas a natureza de ação. Mesmo porque poderiam, perfeitamente, constituir ação autônoma. Devendo, em nosso entender ser a respectiva sentença, na parte em que prejudica aquelas pessoas de direito público, submetida ao juízo ad quem, não produzindo, nesta parte, efeito algum senão depois de reapreciada pelo Tribunal.
Ao se analisar o art. 475 do CPC surge uma dúvida. O inciso I de tal dispositivo refere-se ao processo de conhecimento, enquanto o inciso II refere-se à execução de dívida ativa. Pois bem, em ambos os casos há uma sentença desfavorável à Fazenda Pública, então por que a especificação?
Daí surge a indagação de alguns doutrinadores que afirmam que se há tal especificação é porque o reexame não enquadraria a sentença proferida em embargos opostos à execução não oriunda de dívida ativa.
A princípio prevalecia o entendimento de que sendo os embargos à execução procedimento autônomo de cognição, estendia-se a eles a remessa oficial. Desse modo, mesmo vencida a Fazenda Pública em ação de conhecimento e, após a reanálise pelo tribunal, prosseguindo com a execução da sentença, embargada pela Fazenda, se viesse novamente a ser sucumbente em tais embargos, haveria outra vez o reexame obrigatório.
No entanto, recentemente tal entendimento foi sendo alterado, passando a prevalecer que havendo especificação no artigo 475 de que caberia reexame em processo de conhecimento e de embargos à execução fiscal, não haveria outra razão para tal distinção se não se excluíssem os embargos em execução não fiscal. Nesse sentido leciona Cunha³ (2008, p. 180):
Significa que o reexame necessário previsto no inciso I do art. 475 do CPC refere-se, apenas, ao processo de conhecimento, não se estendendo para embargos do devedor opostos em execução movida contra ou pela Fazenda Pública, salvo se a execução for fundada em dívida ativa. Neste último caso, já não mais se aplica o referido inciso I do art. 475 do CPC, atraindo, isto sim, a incidência do seu inciso II.
A dispensa do reexame necessário se dá nas causas em que a condenação ou direito controvertido for de valor certo não excedente a 60 salários mínimos, bem como nos embargos do devedor de execução de dívida ativa no mesmo valor; bem como quando a sentença estiver embasada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula do próprio Tribunal que julgaria a remessa, ou do tribunal superior competente.
Tais hipóteses estão insculpidas nos parágrafos 2º e 3º do próprio artigo 475 do CPC.
Sempre que o valor da condenação for superior a 60 (sessenta) salários mínimos, não haverá necessidade da remessa obrigatória.
Note-se que para tal dispensa leva-se em conta o valor da condenação e não o valor dado à causa.
Com isso objetiva-se não emperrar ainda mais o judiciário com causas de pequena monta.
Outra importante alteração ao artigo 475 foi a inclusão da dispensa quando a sentença estiver em consonância com jurisprudência do STF e súmulas dos tribunais. Mostrou-se como um grande avanço para a celeridade processual, haja vista que apenas se procrastinaria a eficácia das sentenças ao remetê-las obrigatoriamente ao tribunal superior, haja vista que a sentença seria confirmada com base nas súmulas já editadas.
Além da hipótese prevista no CPC, o reexame necessário também tem previsão no artigo 28 do Dec.-lei 3.365/41, o qual determina o duplo grau de jurisdição da sentença que condena a Fazenda Pública a indenizar em ação de desapropriação, pelo dobro da quantia oferecida na petição inicial; sentença de procedência de ação anulatória de retificação de registro realizado por pessoa jurídica de direito público (art. 3º, parágrafo único da Lei 6.739/79).
Também há previsão do duplo grau de jurisdição no artigo 19 da Lei 4.717/64 (Ação Popular), sempre que a sentença concluir pela carência ou pela improcedência da ação. Trata-se nesse caso de uma prerrogativa da população e mesmo que figure no polo passivo a Fazenda Pública, o sistema das ações coletivas possibilita e indica que se deve conceder maior relevância aos interesses difusos e coletivos em detrimento aos interesses estritos da Fazenda. Por essa razão não se deve aplicar o artigo 475 do CPC.
Inclusive, conforme assevera Shimura¹ (2006, p. 609):
Não se entender dessa forma é ensejar um arsenal descomunal em favor da Fazenda Pública, violando-se o princípio isonômico que deve nortear as relações jurídicas, bastando lembrar que em sede de ação popular ou ação civil pública, a pessoa jurídica de direito público ainda conta com o “pedido de suspensão da execução de sentença” nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei 8.437/92, c.c o art. 12, § 1º da LACP.
Conquanto não haja previsão legal, há certa uniformidade na doutrina e jurisprudência sobre o procedimento a ser adotado para o reexame necessário.
Primeiramente, cabe ao próprio magistrado prolator da sentença que se enquadra nas hipóteses do artigo 475 do CPC remeter os autos ao tribunal a quo. Se não o fizer, poderá o presidente do tribunal avocar os autos.
Em caso de ter sido interposta apelação, deve-se esperar seu regular processamento perante o juízo de admissibilidade, para, somente então determinar-se o envio dos autos ao tribunal, que julgará em conjunto, o reexame e a apelação.
Conforme já dito outrora, o reexame necessário não é recurso, portanto não haverão contrarrazões ou preparo, de igual modo é incabível recurso adesivo, justamente porque não há recurso principal que se possa aderir.
A partir da remessa dos autos o procedimento para que o tribunal efetive o reexame necessário será fixado pelo Regimento Interno do respectivo Tribunal.
Ademais, o reexame necessário terá procedimento muito próximo ao dado à apelação, aplicando-se inclusive, o art. 552 do CPC, devendo seu julgamento ser incluído em pauta com a publicação antecipada de, pelo menos 48 horas, sob pena de nulidade. A inobservância de tal prazo acarreta a nulidade.
Também se aplica à remessa obrigatória o disposto no art. 557 do CPC, podendo o relator isoladamente dar ou negar provimento, estando tal ideia contida na súmula 253 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No mais, aplicam-se as regras procedimentais destinadas à apelação.
2.3 Dos embargos infringentes
Um aspecto em que há certa divergência diz respeito ao cabimento dos embargos infringentes do reexame necessário decidido por maioria de votos.
Os embargos infringentes estão disciplinados no artigo 530 do CPC. São cabíveis quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória.
Boa parte de doutrinadores entendem que se há similitude entre o processamento da apelação e do reexame necessário, deveria sim ser possível a interposição de tais embargos. Nesse sentido Nery Júnior e Nery4 (2003, p. 744):
Como o procedimento da remessa necessária no tribunal é o mesmo do recurso de apelação, do ponto de vista procedimental ambos os institutos têm o mesmo regime jurídico. Assim, havendo julgamento da remessa necessária por maioria, desde que ocorra a hipótese do CPC 530, o acórdão será impugnável por embargos infringentes.
Compartilha de tal corrente Moreira5 (2002, p. 512 e 513) que acrescenta:
Embora não se identifique com a apelação, nem constitua tecnicamente recurso, no sistema do Código, razões de ordem sistemática justificam a admissão de embargos infringentes contra acórdãos por maioria de votos no reexame da causa ex vi legis (art. 475). É ilustrativo o caso da sentença contrária à União, ao Estado ou ao Município: se a pessoa jurídica de direito público apela, e o julgamento de segundo grau vem a favorecê-la, sem unanimidade, o adversário dispõe sem dúvida alguma dos embargos; ora, não parece razoável negar-lhe esse recurso na hipótese de igual resultado em simples revisão obrigatória – o que, em certa medida, tornaria paradoxalmente mais vantajoso, para a União, Estado ou o Município, omitir-se do que apelar.
No entanto, a despeito de notáveis opiniões a jurisprudência tem se inclinado pela impossibilidade da oposição de tais embargos, inclusive, recentemente foi editada a súmula 390 do STJ, que assevera que em reexame necessário não se admitem embargos infringentes.
A justificativa para tal pensamento é de que ao reexame necessário não pode ser dado o mesmo tratamento da apelação por serem institutos diferentes e tendo em vista a nítida feição de proteção à Fazenda Pública de que a remessa obrigatória se reveste.
2.4 Da reformatio in pejus
Outro ponto que gera certa discussão em torno da remessa obrigatória é quanto a reformatio in pejus, que representa a possibilidade de o tribunal reformar a decisão recorrida ou reexaminada para piorar a condição do recorrente, ou no caso do reexame, da Fazenda Pública.
No sistema pátrio há uma vedação a tal reforma, objetivando, pois, garantir ao recorrente a mantença daquilo já lhe foi concedido na decisão recorrida, só sendo permitido ao órgão revisor negar provimento ao recurso, mantendo assim o que já concedido, ou reformar a decisão recorrido em benefício do recorrente, nunca para retirar o que já lhe tenha sido concedido na sentença.
Nery Júnior6 (2002, p. 814) é enfático ao defender a plena possibilidade de agravamento da Fazenda Pública pelo Tribunal em sede de remessa necessária. Para esse doutrinador: “tal agravamento não caracterizaria a reformatio in pejus, tratando-se apenas da incidência do interesse público do reexame integral da sentença, por força do efeito translativo a que estão sujeitas as questões de ordem pública”.
Fundamenta-se, ainda, a corrente que defende a possibilidade da revisão para agravar a situação da Fazenda Pública, que não sendo o reexame necessário um recurso, não haveria porque incidir o princípio da non reformatio in pejus, próprio dos recursos. Nesse sentido leciona Barbosa Moreira5 (1998, p. 426) asseverando que: “a proibição da reformatio in pejus é um instituto inerente aos recursos, e não sendo a remessa obrigatória uma espécie de recurso, na sua seara não há que se falar em proibição de reforma para pior”.
Também afirma Nery Júnior e Nery4 (2003, p. 749):
A remessa necessária é manifestação do princípio inquisitório que tem como consequência o efeito translativo, nada tendo a ver com reformatio in peius, que é manifestação do princípio do efeito devolutivo do recurso (princípio dispositivo)
Em que pesem respeitáveis opiniões favoráveis, o que tem prevalecido na jurisprudência, inclusive com a vigência da súmula 45 do STJ é que nas causas sujeitas ao reexame necessário é defeso ao Tribunal agravar a situação da Fazenda Pública.
Um dos argumentos da corrente majoritária finca-se no sentido de que se o referido instituto foi arquitetado e instituído no interesse da Fazenda Pública, seria incoerente admitir-se que esta viesse a ter sua situação agravada em sede de reexame.
CAPÍTULO III DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA E O ESTADO EM JUÍZO
3.1 Da procrastinação da prestação jurisdicional e o Estado como um dos maiores contendedores
A cada dia a população tem se conscientizado dos seus direitos e da possibilidade de invocá-los em juízo quando algo lhes obstar o gozo.
O acesso à Justiça também se tornou direito fundamental, de modo que os necessitados recebem amparo dos núcleos de assistência judiciária das universidades de Direito, Defensorias Públicas, ou em último caso recebem o patrocínio gratuito de defensores dativos.
Esse fator acompanhado do aumento populacional faz com que o número de casos levados ao Judiciário aumente assombrosamente.
Desse modo, torna-se até, de certa forma, inevitável a procrastinação da prestação jurisdicional.
Em comarcas de grande movimentação dificilmente uma ação pelo rito ordinário será definitivamente julgada em primeira instância em menos de 1 (um) ano. Após todo esse tempo de espera, ainda haverá várias possibilidades de recursos, tais quais embargos declaratórios, que interromperão o prazo para a apelação, da qual caberá ainda embargos infringentes, em caso de decisão por maioria para reformar a decisão do juízo a quo, além dos recursos para os tribunais superiores; especial e extraordinário, os quais podem ser atacados por embargos de divergência, isso sem falar ainda da possibilidade de agravo de instrumento para destrancar o recurso não recebido pelo juízo de admissibilidade, ou o agravo regimental para destrancar o recurso não recebido pelo relator do Tribunal.
Se levarmos em conta todas as possibilidades que o CPC permite, uma decisão poderá demorar anos para transitar em julgado, para então se tornar exeqüível, quando ainda haverá possibilidade de impugnação.
É certo que o processo tem que permitir sim o contraditório e a ampla defesa, porém, o processo não pode ser tão rápido que seja injusto, nem tão lento que seja ineficaz. E é esse meio termo, chamado de celeridade processual, o objetivo de todos que comparecem em juízo.
Não bastasse todos esses óbices a uma prestação jurisdicional eficiente, rápida e eficaz, some-se a isso o fato de o Estado ser o maior litigante do país.
Para se ter uma ideia do número de demandas que envolvem o Estado – termo utilizado genericamente para caracterizar qualquer órgão público – no mês de março de 2011, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a relação dos 100 maiores litigantes do Brasil7.
Como era de se esperar, os 5 (cinco) primeiros colocados, na contabilização nacional, são órgãos ou empresas estatais. Pela ordem são: Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o qual é parte em cerca de 22,33% de todos os processos do país; Caixa Econômica Federal (CEF) com 8,50% dos processos; Fazenda Nacional com 7,45%; União com 6,97%; e, o Banco do Brasil com 4,24%.
Dentre esses cinco, apenas o Banco do Brasil não se beneficia das prerrogativas da Fazenda Pública em juízo, pois trata-se de sociedade de economia mista, que, conforme já estudado alhures, não goza de tais benesses.
Da análise detida dos dados apresentados em tal levantamento, conclui-se, que as Fazendas municipais, estaduais e federais são responsáveis por 51% de todos os processos que chegam ao Judiciário.
Excetuando a Fazenda Municipal, tanto a Federal como a Estadual são majoritariamente parte passiva nas demandas. De todos os feitos em que é parte, o setor público federal está em 33% como autor e em 67% como réu. Já o setor estadual está em 28% das demandas no polo ativo e 72% no passivo.
Como já dito, o INSS é o maior litigante nacional. Pode se atribuir a esse fato que cada vez mais as pessoas têm ciência de que tem direito a algum benefício ou espécime de aposentadoria, em contraposição à negativa cada vez maior pela via administrativa.
É cediço que nem todas as ações propostas em face da Fazenda Pública obtêm êxito, no entanto, para haver tantas demandas em que ela é parte, de uma forma ou de outra o Estado tem infringido garantias e direitos dos cidadãos para dar motivo a tantas ações propostas em seu desfavor, o que causa um emperramento da máquina judiciária e uma maior oneração aos cofres públicos, que tem que desembolsar cada vez mais com custas, advogados, perícias etc.
3.2 Das propostas do novo Código de Processo Civil
Tendo em vista justamente toda essa morosidade pela qual passa o Judiciário, tramita no congresso sob o número 8046/2010, o projeto de lei para elaboração do novo Código de Processo Civil. O texto, elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux e aprovado no final do ano passado pelo Senado, busca agilizar a tramitação das ações civis.
Dentre as principais alterações pretendidas está o “incidente de resolução de ações repetitivas”, que consiste na aplicação de uma mesma sentença a diversas ações que tratem de questão jurídica idêntica. Pelo ordenamento em vigor, cada ação é analisada de maneira isolada, o que aumenta o trabalho do juiz com casos idênticos e aumenta a insegurança jurídica já que poderão ser julgadas de maneiras diferentes de acordo com o entendimento de cada magistrado.
Atualmente, cada juiz tem independência na hora de emitir a sentença, sendo obrigado apenas a seguir determinação de súmulas vinculantes do STF. O novo código quer unificar a jurisprudência e exigir que ela seja aplicada já na primeira instância, para impedir apelações desnecessárias.
A proposta determina, por exemplo, que o juiz deve indeferir as iniciais que contrariem o entendimento firmado nos incidentes de resolução de demandas repetitivas e nas súmulas ou acórdãos do STF e do STJ. Nesse caso, o juiz vai indeferir o pedido da parte logo no momento da proposição da ação, prescindindo de um julgamento de primeira instância, o que não está previsto no código em vigor (Lei 5.869/73).
Os recursos também passarão por mudanças, tornando-se mais limitados. O projeto de novo código prevê o fim dos embargos infringentes, recurso cabível em decisões de mérito não unânimes de colegiados. O projeto também determina que todos os recursos, em regra, não impedem a execução da sentença. Na lei atual, essa determinação é aplicada apenas aos recursos extraordinários e especiais.
Além disso, o agravo de instrumento ficará limitado a hipóteses taxativas, restringindo sua aplicação que atualmente é indiscriminada.
O reexame necessário, objeto do presente estudo, também passará por mudanças. A ideia inicial é que se eleve o valor de dispensa para mil salários mínimos quando envolver a União e suas autarquias e fundações; quinhentos salários mínimos para os Estados, Distrito Federal, capitais estaduais e suas autarquias e fundações; e cem salários mínimos para todos os demais municípios e entes públicos.
Considerações finais
A partir de todo o explanado, vislumbra-se que de fato a sociedade clama por uma prestação jurisdicional, mais célere, eficiente e eficaz.
Nesse sentido, mister se torna a adoção de medidas que visem amenizar a morosidade da justiça, acelerando a prestação jurisdicional, mas sem perder a qualidade e eficácia das decisões.
Dos dados apresentados, vislumbra-se também que o Estado sendo a figura mais presente em juízo, tem parcela considerável de culpa na mora da prestação jurisdicional. E isso se justifica pelo conjunto de prerrogativas que a Fazenda Pública detém em juízo.
É certo realmente que o interesse público deve predominar sobre o privado, pelo princípio da Supremacia do Interesse Público, todavia, há certas ocasiões e certas prerrogativas que não se justificam em tal princípio, vindo a ferir frontalmente a isonomia, a celeridade processual e até mesmo a dignidade da pessoa humana.
Estender certos prazos para que os procuradores estatais se manifestem é até conveniente e se justifica devido à grande quantidade de demandas em que a Fazenda é parte.
Mas qual a justificativa em não se ter uma regra fixa definidora para a fixação de honorários advocatícios em desfavor da Fazenda Pública, enquanto para as outras partes é legalmente delimitado?
Mais precisamente sobre o objeto do presente estudo monográfico, o reexame necessário se mostra como um privilégio da Fazenda Pública, e não uma prerrogativa.
Ao se aplicar a remessa obrigatória quase todas as vezes que a Fazenda Pública sair vencida é desprestigiar a atuação do juízo monocrático. Além do mais, o ente estatal tem a possibilidade de interpor o recurso próprio, com prazo em dobro, inclusive, e se assim não procede é porque concordou com a sentença do magistrado, não havendo porque se postergar o cumprimento de uma decisão - que se arrastou por anos, justamente por ser em face da Fazenda – para que a instância superior confirme a decisão.
Conforme já exposto, a Fazenda Pública é dotada de enorme equipe jurídica, e se os procuradores decidem não recorrer de uma decisão, não há que se falar em reexame. Esses profissionais são contratados unicamente para defender os interesses do erário, não podendo suprir a decisão de uma parte, sob pena de se infringir o princípio do dispositivo, de que o magistrado só pode agir quando provocado.
Ademais, como se não bastasse todo esse privilégio de reexame necessário, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem conferido ainda mais garantias em sede de tal instituto.
Há vedação através de súmula do STJ para a reformatio in pejus da Fazenda Pública. No entanto, tal súmula também se mostra totalmente equivocada, ferindo ainda mais a isonomia processual, haja vista que, se uma decisão será revista, porque não revê-la como um todo? Ou seja, o juízo ad quem poderá reformar a decisão do juízo a quo se verificar algum equívoco em desfavor da Fazenda, mas se houver algum erro grosseiro, ou injustiça insofismável contra a outra parte, que por certas vezes será um particular, sem condições de contratar grandes advogados, ou até mesmo assistido por defensores públicos ou dativos, nada poderá fazer o órgão colegiado.
Pensar dessa maneira é conferir privilégio exacerbado para a Fazenda Pública.
Ademais, ainda em sede de reexame necessário, mais uma vez se vê a vontade de se proteger a Fazenda Pública, tendo o STJ também editado súmula que veda a interposição de embargos infringentes.
Segundo o que já foi elucidado, uma omissão da Fazenda ser-lhe-ia mais favorável que uma ação. Por mais absurdo que isso pareça é verdade. Se a Fazenda Pública recorresse da sentença do juízo a quo e essa viesse a ser reformada por maioria de votos, poderia a parte prejudicada interpor os embargos infringentes. Porém, segundo vem entendendo a jurisprudência, em remessa obrigatória não é possível a oposição de tais embargos.
Não se discute aqui sequer a conveniência de tal modalidade recursal no ordenamento jurídico, mas se está em vigor e é oponível de apelações, por que não ser também em reexame necessário?
Justamente por isso, conforme já dito, está em tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei do novo Código de Processo Civil, que modificará parte das prerrogativas da Fazenda Pública, pois já se tornou evidente que tantos privilégios, para uma parte tão presente em juízo só emperra a máquina judiciária.
A proposta é que se eleve o valor de dispensa para a necessidade do reexame, no entanto, a medida mais justa seria a extirpação de tal instituto do ordenamento jurídico pátrio, por total afronta à celeridade e isonomia processual.
É um exagero a quantidade de prerrogativas conferidas à Fazenda Pública, por esta razão espera-se que a legislação vindoura amenize tais benesses de modo a permitir um processo mais célere, justo, eficiente e eficaz.
CITAÇÕES:
¹ SHIMURA, Sérgio. Reanálise do duplo grau de jurisdição obrigatório diante das garantias constitucionais. In: FUX, Luiz; NERY Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira / coordenação Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
² BRASIL. Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm>. Acesso em 30/08/2011.
³ CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 6. ed. São Paulo: Dialética, 2008.
4 NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 7º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
5 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 10ª ed. vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
6 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
7 Conselho Nacional de Justiça. 100 Maiores Litigantes. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf>. Acesso em 22 de agosto de 2011.
Servidor público contratado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; acadêmico do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Hudson Emanuel Fagundes e. O reexame necessário como condição de eficácia das sentenças proferidas contra a Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 set 2011, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25392/o-reexame-necessario-como-condicao-de-eficacia-das-sentencas-proferidas-contra-a-fazenda-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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