Ementa: Direito Civil. Direito Real em Garantia. Constituição de Direito Real em garantia em graus distintos.
I. INTRODUÇÃO
Questão relevante decorre a respeito da possibilidade de instituição de direito real em garantia em graus diversos.
Passemos à análise do tema.
II. DESENVOLVIMENTO
II.1 São direitos reais de garantia o penhor, a hipoteca, a anticrese[1]. Para alguns, também se inclui nesse rol a alienação fiduciária em garantia.
II.2 O penhor pode ser conceituado como o direito real “que recai sobre móvel oferecido em garantia de pagamento de uma dívida”[2] e poderá ser: a) comum, previsto no caput do artigo 1.431 do Código Civil); ou b) especial (rural, industrial, mercantil e de veículos), previsto no parágrafo único do aludido dispositivo legal.
II.2.1 O penhor, no Brasil, é um direito real de garantia sobre bem móvel, ao contrário do direito romano, que permitia também o penhor de coisa imóvel.[3] No penhor comum, a posse da coisa se transfere ao credor antes logo do vencimento, através da tradição[4]. No especial, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar. Portanto, não há transferência da posse no penhor especial[5].
II.3 Alienação fiduciária é um negócio jurídico condicional, o qual se subordina a uma condição resolutiva. Isso porque, “a propriedade fiduciária cessa em favor do alienante, uma vez verificado o implemento da condição resolutiva.” [6] Outrossim, é um direito real de garantia sobre bem móvel (artigo 1.361 e seguintes do Código Civil) ou imóvel (Lei Federal nº 9.514/1997), instituído para garantir o adimplemento de um obrigação principal.
II.4 Um dos direitos reais de garantia mais comuns é a hipoteca, a qual pode ser conceituada, conforme LOUREIRO, como[7]:
“um direito real de garantia e que recai sobre coisa determinada, em princípio imóvel por natureza (mas podendo recair ainda sobre navios e aeronaves), em virtude do qual o bem garante imediata e preferencialmente o pagamento de uma obrigação ou a efetividade de uma responsabilidade de valor determinado.”
II.5 A Anticrese é um direito real em garantia, no qual o devedor anticrético (proprietário, enfiteuta ou usufrutuário) cede os frutos produzidos pelo imóvel ao credor anticrético, com o desiderato de efetuar a compensação de sua dívida, forte no artigo 1.506 do Código Civil. Nos termos do artigo 1.423 do Código Civil, o credor tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga. Decorridos quinze anos da data de sua constituição, extingue-se a anticrese. Portanto, a posse do bem[8] é transferida ao credor, para fruição.
II.6 O artigo 1.476 do Código Civil permite a instituição de sucessivas hipotecas, com diferentes graus de preferência. Segundo Maria Helena Diniz:
“O imóvel poderá ser hipotecado mais de uma vez, quer me favor do mesmo credor, quer de outra pessoa. Essa hipoteca de bem hipotecado denomina-se sub-hipoteca, que poderá efetivar-se desde que o valor do imóvel exceda o da obrigação garantida pela anterior, para que possa pagar o segundo credor hipotecário com o remanescente da excussão da primeira hipoteca, reconhecendo-lhe a preferência, relativamente aos credores quirografários. Essa sub-hipoteca deverá ser constituída por novo título, não valendo a mera averbação no registro da primeira.”[9]
II.6.1 Gonçalves[10] refere que o primeiro título de hipoteca pode, expressamente, proibir a constituição de um segundo. A possibilidade de mais de uma hipoteca decorre do fato de o dono do bem não perder a disposição sobre a coisa[11], mantendo a propriedade e a posse do bem. Entre os credores hipotecários de um mesmo bem, não existe concorrência, nem rateio. Há apenas ordem interna de preferência. O credor da primeira hipoteca prefere ao da segunda, e assim sucessivamente.
II.7 Verificada a regulamentação da instituição de hipotecas de graus distintos, analisar-se-á a possibilidade de aplicação desse mecanismo no penhor, na alienação fiduciária de bem imóvel e na anticrese.
II.8 Irrefragavelmente, o penhor comum é incompatível com a sucessividade de garantias, uma vez que a posse do bem é transferida para o credor.
II.9 Quanto ao penhor especial, não há incompatibilidade, uma vez que, como já referido, a posse e a propriedade do bem continuam com o devedor. Nesse caso, há grande semelhança com a hipoteca. Ademais, o artigo 1.456 do Código Civil permite, expressamente, a instituição de mais de um penhor sobre títulos de crédito. Nesse diapasão, Maria Helena Diniz[12]:
“Existência de vários penhores sobre o mesmo crédito. Quando o crédito for objeto de vários penhores, o devedor deverá pagar ao credor pignoratício, que tenha preferência sobre os demais, por ter registrado em primeiro lugar o instrumento constitutivo de penhor (prioridade de assento). O credor preferente que, sendo notificado por qualquer um deles, não vier, em tempo oportuno, a promover a cobrança pagará a eles uma indenização a título de perdas e danos.”
II.10 Na alienação fiduciária, considerando que a propriedade do bem fica com o credor, não há como se falar na possibilidade de constituição de mais de uma alienação fiduciária sobre o mesmo bem. Isso porque, a propriedade imobiliária, pela teoria subjetiva da propriedade vigente entre nós não permite a existência de mais de um titular para o mesmo bem.
II.10.1 Nesse sentido, CHALHUB[13] refere ser a regra do artigo 1.476 do CC absolutamente incompatível com a natureza da garantia fiduciária. Anota:
“Essa regra é absolutamente incompatível com a natureza da garantia fiduciária e, portanto, não se aplica à propriedade fiduciária de bem imóvel, de modo que é juridicamente inadmissível constituir-se propriedades fiduciárias em primeiro grau, segundo grau etc.
É que, como visto, o bem hipotecado permanece no patrimônio do devedor, legitimando-o, portanto, a constituir sobre ele novos gravames e até mesmo vendê-lo, hipótese em que, por força da seqüela, o imóvel hipotecado permanece vinculado ao cumprimento da obrigação garantida mesmo após transferido a terceiro. Já na propriedade fiduciária, na medida em que o bem não mais se encontra no patrimônio do devedor, este não tem mais faculdade de transmiti-lo sucessivamente, seja ao mesmo adquirente ou a diferentes adquirentes.”
II.10.2 Efetivamente, considerando que, neste instituto, o credor titulariza a propriedade do bem, não há compatibilidade entre a figura jurídica em apreço e a regra do artigo citado. Assim, inviável um credor exercer uma alienação fiduciária em segundo grau, pois não pode ser o segundo proprietário do bem.
II.11 A anticrese é incompatível com a instituição de anticreses em graus distintos, uma vez que a posse do bem é transferida para o credor.
II.11.1 Todavia, é possível a instituição, sucessiva, de anticrese e hipoteca, nos termos do artigo 1.506, §2º, do Código Civil, o qual refere: Quando a anticrese recair sobre bem imóvel, este poderá ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético, ou a terceiros, assim como o imóvel hipotecado poderá ser dado em anticrese.
III. CONCLUSÃO
DIANTE DO EXPOSTO, infere-se a:
a) possibilidade de instituição de hipotecas em graus distintos;
b) possibilidade de instituição de penhores especiais em graus distintos;
c) impossibilidade de instituição de penhores comuns em graus distintos;
d) impossibilidade de instituição de alienações fiduciárias em graus distintos.
e) possibilidade de instituição, sucessiva, de anticrese e hipoteca;
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHALHUB, Melhim Namem. Propriedade fiduciária, hipoteca e penhora. Publicado em 13/05/2010. Disponível em http://anoregbr.p21sistemas.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14971:propriedade-fiduciaria-hipoteca-e-penhora&catid=2:geral&Itemid=26. Acesso em 21/04/2011.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, 1836p.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, vol. V, Coisas, 624p.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. São Paulo: Método, 2007, 1294p.
OLIVEIRA, Marcelo Salori. Revista do Direito Imobiliário. Nº 62, ano 30. Editora Revista dos Tribunais, jan-jun/2007, p. 266 a 275. Material da Aula 5 da Disciplina: Registro de Imóveis, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual em Direito Notarial e Registral, 2011.
TORRES, Luiz Cláudio Alves. Dicionário de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Destaque,2002, 150p.
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª Ed., vol. V, Coisas, pp. 405 e 491 e seguintes.
[2] TORRES, Luiz Cláudio Alves. Dicionário de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Destaque,2002, p. 88.
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit.. p. 518.
[4] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. São Paulo: Método, 2007, p. 943.
[5] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. São Paulo: Método, 2007, p. 943.
[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit.. p. 403.
[7] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. São Paulo: Método, 2007, p. 957.
[8] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. São Paulo: Método, 2007, p. 981.
[9] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, 12ª Ed., p. 1182.
[10] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit.. p. 584.
[11] OLIVEIRA, Marcelo Salori. Revista do Direito Imobiliário. Nº 62, ano 30. Editora Revista dos Tribunais, jan-jun/2007, p. 266 a 275. Material da Aula 5 da Disciplina: Registro de Imóveis, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual em Direito Notarial e Registral, 2011.
[12] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, 12ª Ed., p. 1167.
[13] CHALHUB, Melhim Namem. Propriedade fiduciária, hipoteca e penhora. Disponível em http://anoregbr.p21sistemas.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14971:propriedade-fiduciaria-hipoteca-e-penhora&catid=2:geral&Itemid=26. Publicado em 13/05/2010. Acesso em 21/04/2011.
Advogado da CAIXA. Ex-Procurador do Município de São Leopoldo (RS). Autor do livro PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO ESPECIAL, Editora Núria Fabris. Autor do livro RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL: REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004, em co-autoria com a Drª. Letícia Barbosa Lima de Souza, Editora Núria Fabris. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar (UNP). Bacharel em Direito pela PUC-RS. Página pessoal: http://www.fariacorrea.com
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Instituição de direito real em garantia em graus distintos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2011, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25502/instituicao-de-direito-real-em-garantia-em-graus-distintos. Acesso em: 23 dez 2024.
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