Orientador: Ricardo Canan
RESUMO: O instituto da Antecipação da Tutela generalizou-se em nosso direito processual civil, com a Lei nº 8.952/1994, a qual deu nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil. Antes da referida lei, as medidas antecipatórias apenas eram previstas em determinados procedimentos especiais. Passaram, desde então, a ser possíveis em qualquer processo. Com a reforma, eliminou-se a necessidade de ação cautelar para a obtenção de tutela antecipada. Não raras vezes, utilizava-se a ação cautelar, quando se buscava medida antecipatória de mérito. A nova redação do artigo 273 do Código de Processo Civil, permitiu a obtenção de tutela sumária satisfativa no curso do processo de conhecimento, além de permitir que o autor usufrua de seu suposto direito antes da declaração de sua existência.
PALAVRAS-CHAVE: Antecipação da Tutela, Direito Processual Civil, Ação Cautelar.
ABSTRACT:The institute of tutelage anticipation is widespread in our civil procedure, with the Law n° 8.952/1994, which gave radrafting to the article 273 of Civil Procedure Code. Before of the Law, the proactive measures just were applicable in some special procedures. They passed, since then, to be possible in any case. With the redrafting, eliminated the need for injuction to obtain the tutelage anticipation. Not infrequently, it used de injuction, when sought anticipatory measure of merit. The redrafting of the article 273 of Civil Procedure Code, allowed the obtain of summary satisfy protection during the process of knowledge, and allows the author to enjoy his alleged right before the declaration of its existence.
KEY-WORDS: Tutelage Anticipation, Civil Procedure Law, Injuction.
I. INTRODUÇÃO
Prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, a Antecipação da Tutela teve sua redação criada pela Lei 8.952/94. Trata-se de uma das mais expressivas e polêmicas inovações por aquilo que convencionou chamar “A Reforma do Código de Processo Civil”.
Nos incisos I e II, é necessário que a parte apresente prova inequívoca da verossimilhança das alegações. Para o juiz poder conceder ou não o pedido formulado pelo autor, no sentido que sejam antecipados os efeitos da tutela pretendida, ou, alguns deles, deve-se verificar se os requisistos previstos no art. 273 e seus incisos, ou só num deles, estão presentes na situação.
Trata-se de uma inovação que o legislador assumiu o risco de permitir que o juiz profira decisão com base em prova não exauriente, ou seja, fumus boni juris ou prova quantum satis, é correlato ao de cognição sumária ou superficial. Dessa forma, o juiz tem impressão de que o autor tem razão mas não certeza absoluta, como ocorre na cognição exauriente.
Esse risco é compensado com a exigência expressa e explícita no sentido de que a decisão, que concede a medida, seja fundamentada de forma clara e precisa e de que também seja a decisão que modifique ou revogue aquela anteriormente proferida, conforme se vê nos §§ 1° e 4° do artigo 273.
A luz dos valores e das necessidades contemporâneas, se entende que o direito à prestação jurisdicional é o direito a uma prestação efetiva e eficaz.
O princípio da inafastabilidade do controle da jurisdição, de que decorre o direito à prestação da tutela jurisdicional, está expressamente formulado no artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal da República. Por isso se afirma que a tutela antecipada consisite em um fenômeno processual de raízes nitidamente constitucionais, já que, para que seja plenamente aplicado o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é necessário que a tutela prestada seja efetiva e eficaz.
A função da tutela antecipada é de tornar a prestação jurisdicional efetiva, em contrapartida o Estado tem de dar à proibição da autotutela. A função da tutela cautelar é a de gerar tutela jurisdicional eficaz.
Na definição de Chiovenda, “tem-se que o processo será efetivo se for capaz de proporcionar ao credor a satisfação da obrigação como se ela tivesse sido cumprida espontâneamente e, assim, dar-se ao credor, tudo aquilo que tem direito.”
A eficácia do provimento jurisdicional é a possibilidade de a decisão produzir transformações no mundo empírico, no plano real e concreto dos fatos, com o objetivo de gerar a satisfação do credor. Portanto, pode-se concluir que a tutela cautelar também tem fundamento constitucional.
É intutitivo que garantir às pessoas a tutela jurisdicional e prestar-lhes tutela inefetiva e ineficaz é quase o mesmo que não prestar tutela. A tendência vem sendo, ao longo do tempo, a de criar meios para que o processo possa gerar resultados mais rapidamente.
As alterações realizadas pela Reforma de 1994 envolveram certa dose de risco. Mas um risco necessário em prol de um processo apto a gerar resultados mais adequados. Wambier chega a afirmar que “reputou-se ser o maior risco de injustiças derivadas de uma reposta jurisdicional intempestiva do que o risco de injustiças advindo da incorreta antecipação da tutela. Ademais, para diminuir esse segundo risco, estabeleceram-se precisos pressupostos e condições para a antecipação da tutela”.
Exige-se, para a antecipação da tutela, uma veemente aparência de bom direito, somada, no caso do artigo 273, I, ao periculum in mora, ao perigo que não sendo concedida a medida, venha a decisão final a ser ineficaz, ou haja o grande risco de ocorrer. Já no artigo 273, II, exige ao lado do fumus boni juris, que haja defesa protelatória ou abuso do direito de defesa.
1. A TUTELA ANTECIPADA E SUAS GENERALIDADES
O disposto no artigo 273, em princípio estende a possibilidade de se antecipar os efeitos do provimento jurisdicional final em todo o tipo de processo ou procedimento, além das alterações das dimensões dessa excepcionalidade.
Segundo Wambier, “antes já havia, porém, por exemplo, as ações possessórias, em que se antecipavam a parte, que demonstrava fumus, os efeitos da sentença prescindindo-se da prova de periculum in mora. Por meio das ações possessórias, diferentemente do que ocorre com as medidas de índole cautelar, não se protegem os direitos que correm risco.”[1]
“Aquilo que somente era possível em determinados procedimentos especiais, como mandado de segurança, embargos de terceiros, possessórias e outros, hoje se admite em qualquer hipótese, desde que verificados os requisitos do art. 273.”[2]
Outras medidas já havia no sistema positivo brasileiro, “que embora tivessem como pressuposto o periculum in mora, consistiam efetivamente no adiantamento da própria tutela. Tais já eram as liminares no mandado de segurança, na ação declaratória de inconstitucionalidade, na ação civil pública.
Essas medidas consistiam em medidas mistas já que tem como pressuposto o periculum in mora, ou seja, o risco de ineficácia do provimento final, que é característica tipicamente cautelar, mas que consubstanciam-se no adiantamento dos efeitos da própria tutela pretendida.
“A tutela antecipada pura é a que protege o direito evidente. Há, assim, o fumus (forte, robusto, veemente) e não precisa necessariamente haver o periculum. É o que hoje se prevê no artigo 273, II, tendo o artigo 273, I, cogitado de hipótese de tutela antecipada mista: antecipa-se sob o fundamento de fumus e de periculum in mora. Da mesma forma ocorrem com os artigos 84, § 3°, do Código do Consumidor, e 461 do Código de Processo Civil.”[3]
Trata-se de tutela satisfativa “no sentido de que o que se concede ao autor liminarmente coincide, em termos práticos e no plano dos fatos, embora reversível provisoriamente, com o que está sendo pleiteado principaliter, isso sem mencionar, ainda a prescidibilidade da ação principal ou de outra decisão posterior, que confirme ou infirme a medida concedida.”[4]
É importante que se observe que a expressão “satisfatividade” comporta vários sentidos, um deles é que foi mencionado acima. “Outro diz respeito a reversibilidade da medida concedida no plano empírico. Ainda, outro, está ligado a prescindibilidade da ação principal, ou de outra decisão posterior, que confirme ou infirme medida concedida. É importante considerar que somente no primeiro sentido é que se pode considerar satisfativa a tutela antecipada.”[5]
A decisão interlocutória, através da qual o juiz antecipa os efeitos da tutela pleiteada, é provisória, baseada em cognição sumária, e passível de ser posteriormente confirmada ou infirmada.
José Roberto dos Santos Bedaque afirma que “a cognição sumária, pois, pode ser utilizada tanto nos processos cautelares quanto naqueles em que se admite a tutela antecipatória, estes destinados a realizar a pretensão e não a conferir eficácia ao processo principal. Nas tutelas sumárias antecipatórias existe a satisfação do direito, enquanto nas cautelares apenas se assegura a viabilidade de sua realização, ou seja, a utilidade do processo principal. Naquelas, realiza-se o direito mediante cognição sumária, conferindo-se tutela; estas apenas asseguram a pretensão, garantindo a utilidade do provimento jurisdicional.”[6]
O artigo 273 contém duas expressões aparentemente inconciliáveis, mas que não querem senão dizer que o fumus, para que possam ser adiantados os efeitos da sentença final, há de ser expressivo.
“A probabilidade de que o autor tenha o mesmo direito que assevera ter há de ser bastante acentuada para que possa ser concedida a tutela antecipada. Afirma o legislador que da verossimilhança deve haver prova cabal.”[7]
Mas, trata-se de cognição sumária, incompleta e não exauriente. Esse é o principal ponto em comum entre ambas as medidas, a cautelar e a antecipação da tutela.
O traço distintivo predominante reside na finalidade da medida cautelar: precipuamente a de minimizar o risco de eficácia do provimento final. A tutela antecipada pressupõe direito que, desde logo, aparece como evidente e que por isso deve ser tutelado de forma especial pelo sistema. Porém nos casos de antecipação da tutela mista, a tutela antecipada também tem função de preservar a eficácia do provimento final.
Existe ainda outro critério distintivo de que freqüentemente tem lançado mão a doutrina: da providência urgente. Com a tutela antecipada, há o adiantamento total ou parcial da providência final. Com a tutela cautelar, condece-se uma providência destinada a conservar uma situação até o provimento final, e tal providência conservativa não coincide com aquela que será outorgada pelo provimento final. Nesta linha, medida tipicamente cautelar é aquela em que se concede providência consistente em pressuposto para a viabilização da eficácia da ação principal ou do provimento final, e não a própria eficácia. Não são medidas coincidentes com o que se pleiteia afinal o arresto ou o seqüestro. São, portanto, medidas cautelares.
Pode ocorrer que a antecipação dos próprios efeitos da sentença seja pressuposto para sua própria eficácia. Ter-se-á, dessa forma, uma medida mista, como é o caso do § 3° do artigo 84 do Código do Consumidor, do inciso I do artigo 273 do Código de Processo Civil e do § 3° do artigo 461 do mesmo diploma. O artigo 273, I, prevê esse tipo de tutela antecipada com feições nitidamente cautelares. Embora se preveja o próprio adiantamento da providência final, tem-se em mira evitar a ineficácia do provimento final. Nesse sentido, Teori Albino Zavascki afirma que “ambas tutelas são provisórias e instrumentais, pois são voltadas para assegurar o resultado final. São técnicas processuais com idêntica finalidade e estrutura.”[8]
O artigo 273, II, consagra hipótese de tutela antecipada pura. Na verdade, defesa protelatória ou abuso de direito de defesa nada mais são que circunstâncias que vem reforçar o fumus: os argumentos do autor são tão sólidos e tão convicente é a prova documental juntada à inicial que a defesa não pode ser senão protelatória ou abusiva. Nessa hipótese, o altíssimo grau de plausibilidade dispensa a demonstração de um especial perigo de ineficácia do provimento final. Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça se pronuncia. [9]
Por outro lado, Wambier afirma que “a tutela antecipada pode ser concedida inaudita autera parte, tanto na hipótese do inciso I, quanto na do inciso II. Pode, a fortiori, a ser concedida depois da contestação e, na verdade, a qualquer tempo, até na própria sentença, o que deve equivaler, no plano prático, uma decisão judicial no sentido de que a apelação não seja recebida no efeito suspensivo, passando a sentença a produzir, desde logo, efeitos.”[10]
Essa necessidade surge no caso de a tutela antecipada ser concedida com base no artigo 273, II, após a contestação, e de ser uma hipótese de julgamento antecipado da lide, em que não deve haver audiência e o juiz deve logo sentenciar.
Estando presente os seus pressupostos, a tutela antecipada pode ser concedida no Tribunal, se já houver sido proferida a sentença de primeiro grau de jurisdição, e até mesmo nos tribunais superiores, em fase de recurso especial ou extraordinário.
De qualquer modo é possível reunir a tutela antecipada e a tutela cautelar em uma categoria geral das “tutelas de urgência”. Muitas medidas encontram-se uma “zona cinzenta”, segundo Wambier, “entre o terreno destinado à tutela conservativa e aquele outro atribuído a antecipação. Estabelece-se uma verdadeira “dúvida objetiva”, semelhante a que autoriza, no campo dos recursos, a aplicação do princípio da fungibilidade.”[11]
Dessa forma, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por entender que ela não foi requerida pela via que reputa cabível. Nessa hipótese, se presentes os requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta. Nessa linha, o § 7° do artigo 273 prevê que “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.” Esse parágrafo foi trazido pela Lei 10.444/2002, tratando da fungibilidade, e veio forçar a idéia da identidade entre ambas modalidades de tutela de urgência e provisória, seja ela conservativa, seja ela provisória, seja ela antecipatória.
“Essa alteração revela a necessidade de aproximação das modalidades de tutela sumária, urgente e provisória, a fim de que recebam o mesmo tratamento jurídico.”[12]
Embora o legislador refira-se somente a possibilidade de substituição da tutela antecipada por cautelar, não pode haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder a tutela antecipada em lugar de cautelar. Também é preciso deixar claro que a fungibilidade não está limitada apenas a problemas terminológicos, pois a adequação a ser feita pelo juiz é da própria medida, deferindo aquela mais apta a afastar o risco de inutilidade da tutela final. Nada obsta, portanto, que diante de pedido de antecipação de efeitos, o juiz defira tutela meramente conservativa e vice-versa.
Atualmente é possível a fungibilidade de mão dupla, ou seja, iniciar um processo cautelar, o juiz entender que não se trata de um processo cautelar e deferir medida como antecipação da tutela, desde que haja verossimilhança da alegação e prova inequívoca.[13]
Alguns autores têm defendido que, como é admitida em fungibilidade entre cautelar e antecipação dos efeitos da tutela, sendo a cautelar incidental (quer-se garantir o resultado do processo principal que já se encontra em andamento), não haveria necessidade de uma ação própria, podendo ser processada nos mesmos autos do processo principal que já se encontra em andamento, mas tal unificação procedimental não é defendida por todos os autores.
2. CARACTERÍSTICAS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
2.1. Pedido por Iniciativa do Autor
Autor, no processo, é o autor propriamente dito, o opoente, o denunciante, o reconvivente, o que apresenta declaratória incidental. Podem, também, o assistente e o Ministério Público formular pedido de tutela antecipada, mas a antecipação dos efeitos da sentença beneficiará ou atingirá o autor e o réu, e não a terceiros.
Ter havido pedido é pressuposto para poderem ser antecipados os efeitos da sentença, pois não há antecipação dos efeitos da sentença sem a provocação da parte conforme previsto no artigo 273, caput.
Inclusive, aplica-se à hipótese prevista no § 6° do artigo 273: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.
A regra pode dar a falsa impressão de que, em tal caso, seria dispensável o pedido do autor, mas assim não se procede. Na medida em que a antecipação da tutela implica a responsabilidade objetiva do seu beneficiário, ela deve ser restrita, na falta de expressa previsão no sentido contrário, aos casos em que há requerimento da parte. A posição de Luiz Rodrigues Wambier é que o § 6° deve ser compatibilizado com o caput do artigo 273, em que se prevê a necessidade de requerimento da parte. Mas, a corrente majoritária da doutrina vai em sentido inverso.
2.2. Contexto Procedimental
A lei não distingüe tipos de ação em que a antecipação da tutela pode ser concedida. Por isso deve-se considerar possível a antecipação da tutela em toda a espécie de processo de conhecimento: condenatório, constitutivo, declaratório, mandamental (...). Mesmo no processo executivo é viável a antecipação da tutela, desde que preechidos todos os requisitos.
Wambier acredita que “a antecipação da tutela pode ser concedida até na própria ação rescisória, apesar da aparente vedação do artigo 489 do Código de Processo Civil. Tal dispositivo estabelece que a ação rescisória não tem condão de suspender a execução do julgado rescindendo. Deve ser entendido à luz do novo contexto que o insere.”[14]
O artigo 273 é um dos dispositivos em que mais se refletiu a intenção do novo legislador no sentido de agilizar processos, tornando-os mais céleres e mais efetivos. A interpretação que hoje deve dar-se ao artigo 489 deve ser mais sistemática, já que o método de interpretação literal é um pressuposto interpretativo. A preocupação que teve o legislador da reforma, no sentido de agilizar e encurtar o caminho da prestação jurisdicional, não pode ser desconsiderada na leitura e na compreensão de nenhum dos dispositivos, cuja redação é anteiror a reforma, sob pena de ser transformada em letra morta.
Assim, a ação rescisória por si só, de fato não suspende a execução do julgado rescindendo, desde que não se trate de hipóteses encartável no artigo 273 que se aplica a todo tipo de processo e procedimento. Portanto é possível que se suspenda a execução até o julgamento da ação rescisória.
A tutela pode ser também antecipada nas ações possessórias, quando o autor não faz jus à liminar prevista no procedimento especial dessas ações porque a ofensa à posse data de mais de “ano e dia” (CPC, 924). Embora não se possa aplicar o artigo 928, é aplicável o artigo 273 do Código de Processo Civil. A diferença reside em que naquele artigo, basta ao autor provar sua posse anterior e a ofensa, para que obtenha a liminar ali prevista. Já se a ofensa data mais de ano e dia, precisarão ser cumpridos os requisitos do artigo 273, para que se antecipe a tutela.
Poderá haver dúvida quanto à possibilidade de antecipação da tutela nas ações declaratórias, pois parece não ser incompatível a declaratoriedade da sentença e a antecipação de alguns dos seus efeitos. Mas o alcance da regra do artigo 273 parece que se deva analisar caso a caso.
2.3. Concessão de Medida
Normalmente é concedida por meio de decisão interlocutória, passível de ser impugnada por agravo de instrumento. Para o manejo do agravo sob o regime da retenção, carecerá a parte interessada, já que quando do seu julgamento o pronunciamento do Tribunal não terá mais utilidade.
Mas na própria sentença o juiz pode antecipar a tutela, desde que presentes os requisitos para tanto, incluindo o pedido do autor. Ampla é a discussão, acerca de qual “o recurso cabível contra a antecipação da tutela: o agravo de instrumento em que a antecipação da tutela, embora formalmente veiculada no mesmo documento para a sentença constituiria uma decisão interlocutória; ou a apelação, em que a antecipação de tutela seria verdadeiramente um capítulo da sentença.”[15] No parecer de Wambier, a segunda parece ser a mais correta, apesar de ser bastante controvertida.
2.4. Reversibilidade
A tutela antecipada deve ser reversível, ou seja, as conseqüências de fato ocorridas como decorrência da decisão proferida devem ser reversíveis no plano empírico.
O que se deseja é que seja possível a volta ao status quo ante, que haja reposição do estado das coisas tal qual estas existiam antes da providência.
Considera-se reversível os seus efeitos toda vez que puder haver indenização e que esta seja capaz de compensar o dano sofrido.
Mas sabe-se que nem sempre isso ocorre. Há danos que não são substituíveis por pecúnia. Somente em casos mais graves é que se considera que o dano seria irresversível a ponto de evitar a concessão da medida. Porém, ainda cabe aplicar o princípio da proporcionalidade. Princípio este que recomenda que, ainda que esteja em jogo um interesse rigorosamente não-indenizável, devam ser ponderados os valores em jogo, e, em função dessa ponderação conceder-se a antecipação.
Assim, deve-se sacrificar um direito provável em detrimento de um direito improvável, e conceder a medida, apesar de inexistir reversibilidade no plano empírico.
“O princípio da proporcionalidade é uma das respostas que se pode dar à tentativa de se solucionar o confronte rapidez-segurança, gerado pela possibilidade de que medidas concedidas com base na plausibilidade do direito não fiquem presas à necessidade de reversibilidade.”[16]
2.5. Revogabilidade
O problema da revogabilidade da decisão, por meio do qual o juiz concede ou não a antecipação da tutela pleiteada, de que se ocupa o artigo 273, § 4°, parece ser dos mais delicados. A lei alude a possibilidade de que esta decisão seja alterada pelo juiz, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. Mas, parece entender que essa modificação só pode ter lugar se a situação de fato subjacente ao processo também se alterar e fizer com que desapareçam os pressupostos da manutenção da medida concedida ou surjam os pressupostos que determinem a sua concessão, por exemplo.
Dessa forma, não se poderá dizer que a decisão terá sido propriamente alterada, mas o que terá havido terá sido a prolação de outra decisão, para outra relação.
Do mesmo modo que se diz que a causa de pedir identifica o pedido, dir-se-á também que a razão de decidir identifica a decisão, e isso se dá não só no plano do pedido e da sentença, mas também no âmbito das interlocutórias.
O que não pode ocorrer é a alteração da decisão concessiva ou denegatória da antecipação dos efeitos da sentença porque o juiz simplesmente mudou de idéia. É necessária a alteração dos fatos e/ou do quadro probatório. “Trata-se de fenômeno análogo àquele que ocorria e que ocorre com as liminares nas ações possessórias.”[17]
Os dizeres do artigo 273, § 4°, como alude Nelson Nery Júnior, “não significam permissão para que o juiz altere sua decisão de acordo e em consonância com a variação de sua opinião, sem provocação da parte. Esse dispositivo não significa senão a permissão de que o juiz inverta ou modifique a sua decisão em função das alterações que podem ter lugar no plano dos fatos (externos ou internos ao processo), adequando, assim, sua decisão à existência e a subsistência dos pressupostos que terão autorizado a concessão da medida. Fora dessa hipótese, a alteração da decisão antecipadora da tutela só pode ocorrer quando, mediante a interposição de agravo, o juiz exerce o juízo de retratação.”[18]
3. EXEQÜIBILIDADE
A liminar, através da qual o juiz concede a tutela antecipada, é desde logo passível de efetivação prática. A lei determina que se apliquem as regras sobre efetivação provisória no que couber (artigo 273, § 3°). Não significa que a tutela antecipada irá se submeter sempre a ser efetivada através de um processo executivo, nos termos do Livro II do Código de Processo Civil. Pelo contrário, no mais das vezes, na medida em que a urgência da situação e as peculiaridades do bem jurídico assim exijam, o provimento antecipatório terá força mandamental e/ou executiva lato sensu. Isso significa que ele será efetivado no próprio processo em que proferido, através de medidas atípicas de substituição da conduta da parte contra a qual se antecipou a tutela ou de ordens contra essa mesma parte. Nessa linha, a remissão à execução provisória presta-se a destacar que não é definitivo o resultado prático estabelecido pela tutela antecipada.
As providências concretas efetivadas com base na decisão antecipatória poderão vir a ser desfeitas, se o provimento final do processo for contrário à parte que obtivera a tutela antecipada.
A Lei 10.444/2002 veio a confirmar a eficácia mandamental e executiva lato sensu do provimento antecipador da tutela, ao prever que também se à ela com base no artigo 273, no que couber, as regras dos artigos 461, §§ 4° e 5°, e 461-A.
Também é subsidiariamente aplicável o artigo 811, nos casos em que o requerente que obteve a liminar vier a perder a ação. Trata-se de responsabilidade objetiva, cuja aferição independe de culpa ou dolo. “Basta pensar em casos de prestações periódicas (alimentos provisionais ou provisórios) ou no direito de indenização em favor de quem sofreu indevidamente os efeitos da tutela antecipada. Na hipótese de alimentos provisórios, embora irrepetíveis aqueles antecipados, existe tutela final, para verificação do direito em recebê-los definitivamente.”[19]
Na dissertação de mestrado, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, de Salvador Franco de Lima Laurindo reza que “nas demais antecipações de caráter patrimonial (dar, fazer ou não fazer) também permanece o interesse na tutela cognitiva, pois o beneficiário responde pelos prejuízos causados à parte contrária se indevida a tutela concedida”[20]
O importante é que o juiz tenha consciência de que a antecipação de efeitos da tutela jurisdicional deve ser provisória e reversível, instrumental em relação a outra tutela, esta definitiva. “Trata-se de técnica de natureza cautelar para alguns, simplesmente antecipatória para outros.”[21]
II. CONCLUSÃO
A antecipação da tutela, conforme se vê nesta obra, tem uma abrangência maior que a tutela cautelar, vez que somente havendo a verossimilhança da alegação e prova inequívoca são capazes de autorizar ao juiz a concessão liminar.
Percebe-se que a medida cautelar não exige requisitos de tamanha especificidade quanto a antecipação da tutela, pois havendo apenas o fumus boni juris e o periculum in mora o juiz pode conceder a liminar, quanto a antecipação da tutela a sua prova e sua concessão são muito mais difíceis. Assim, como a antecipação da tutela, a medida cautelar também pode ser exigida dentro do processo de conhecimento.
Vê-se que maior ainda a abrangência da antecipação da tutela em função do princípio constitucional da inafastabilidade do controle da jurisdição, que prevê que o Poder Judiciário não pode se escusar quando chamado, de que decorre o direito a prestação a tutela jurisdicional previsto no art. 5º, XXXV da Magna Carta, havendo de todo modo as cautelares de urgência são fungíveis.
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Vol. I. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 330.
[2] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 296.
[3] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Vol. I. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 331.
[4] ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil Vol. II. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 400.
[5] ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil Vol. II. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 401.
[6] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 114.
[7] TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 331.
[8] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 150.
[9] AÇÃO POPULAR. CONTRATO DE PERMUTA DE ATIVOS. PETRÓLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRÁS). E REPSOL YPF S/A. POSSÍVEL LESIVIDADE DO NEGÓCIO.ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PROVA INEQUÍVOCA. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO. PRESSUPOSTOS NÃO CARACTERIZADOS. 1. Em sede de antecipação de tutela, hão de estar devidamente configurados, para o deferimento da medida, os pressupostos exigidos no art. 273 do Código de Processo Civil, em particular, aqueles atinentes à prova inequívoca e à verossimilhança da alegação, que não se confundem com a plausibilidade da ação cautelar. 2. O juízo estabelecido em prova inequívoca há de estar calcado no
firme convencimento do julgador quanto à concretude do direito vindicado pela parte, não bastando, portanto, mera aparência ou "fumaça". 3. Viola o art. 273 do CPC a decisão que defere pedido de antecipação de tutela apenas com fundamento na demonstração do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora". Processo REsp 532570/RS RECURSO ESPECIAL 2003/0059368-5. Relator(a): Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123). Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. DJ 13/12/2004 p. 292.
Ação de rescisão de contrato de arrendamento mercantil. Tutela antecipada. Pagamento do Valor Residual Garantido - VRG adescaracterizar o contrato para compra e venda a prestação. Constatação da ausência de prova inequívoca e da verossimilhança das alegações. Precedente da Corte. 1. Já decidiu a Corte que "a construção legal impôs condições rigorosas para o deferimento da tutela antecipada, assim a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, o que significa que não basta a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora, que embasam o deferimento da liminar nas cautelares em geral. É claro que o convencimento da verossimilhança diz respeito ao sentimento íntimo de convicção do Juiz, com o que não há critério objetivo algum para a verificação da sua presença, ainda que para tanto possa ser útil a jurisprudência, particularmente aquela dos Tribunais superiores, especialmente as súmulas. Mas, a "prova
ínequívoca" exige evidência, elementos probatórios robustos, cenário fático indene a qualquer dúvida razoável" (REsp nº 131.853/SC, da minha relatoria, DJ de 08/02/99). 2. Não confinado o Acórdão recorrido na alegação sobre a descaracterização do contrato para compra e venda a prestação pelo pagamento antecipado do Valor Residual Garantido - VRG, mas, sim, no exame das condições concretas para o deferimento da tutela, constatando a ausência da prova inequívoca e a ausência da verossimilhança das alegações, tratando-se de ação de revisão de cláusulas, não há como identificar as alegadas violações aos artigos 5º e 11 da Lei nº 6.099/74, 524, 620 e 675 do Código Civil, 130 e 273 do Código de Processo Civil. 3. Recurso especial não conhecido. Processo REsp 410229/MT. RECURSO ESPECIAL 2002/0012469-5. Relator(a) Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108). Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. DJ 02/12/2002 p. 307. |
[10] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Vol. I. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 332.
[11] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Vol. I. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pp. 332/333.
[12] CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação da Tutela no Processo Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, pp. 38/39.
[13] ADMINISTRATIVO – CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – FUNGIBILIDADE ENTRE AS MEDIDAS DE URGÊNCIA – POSSIBILIDADE – INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO – IMINÊNCIA DE PREJUÍZO A CIDADÃOS – IMPOSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO. (...) 2. Esta Corte Superior já se manifestou no sentido da admissão da fungibilidade entre os institutos da medida cautelar e da tutela antecipada, desde que presentes os pressupostos da medida que vier a ser concedida. Precedentes. (Grifo nosso). (...) (AgRg no REsp 1003667/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009).
[14] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Vol. I. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 335.
[15] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Vol. I. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 336.
[16] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Vol. I. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 337.
[17] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos Polêmicos da Antecipação da Tutela. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 88.
[18] NERY JÚNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 646.
[19] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 358.
[20] LAURINDO, Salvador Franco de Lima. Tutela Jurisdicional nas Obrigações de Fazer e Não Fazer. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1996, p. 195.
[21] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 358.
Acadêmica do curso de Direito da Universidade Paranaense, Capus Toledo, Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHMIDT, Ana Gabriela. Antecipação da tutela Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2011, 08:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25530/antecipacao-da-tutela. Acesso em: 23 dez 2024.
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