1.Introdução
O dano moral é aquele que incide sofre bens de ordem não material que ocasionam lesões às pessoas físicas ou jurídicas em determinados aspectos de sua personalidade, como a liberdade, a honra, a reputação, a integridade psíquica, a segurança, a intimidade, a imagem e até mesmo ao nome. Está expressamente previsto no Art. 5º, incisos V e X da Constituição da República Federativa do Brasil e no Art. 186 do Código Civil.
Logicamente, a dor sofrida com o dano moral não pode ser reparada no sentido de se retornar ao status quo ante. Porém, a despeito dessa impossibilidade de se indenizar sentimentos, o direito estabelece o meio indenizatório para que a pessoa ofendida possa se recuperar do danoexperimentado. Essa indenização se dá através de uma prestação pecuniária arbitrada pelo órgão julgador, cujo pagamento deverá ser feito pelo ofensor, como uma forma de reparação do prejuízo causado.
Contudo, apesar da previsão constitucional e legal a respeito do dano moral e da necessidade de repará-lo, a matéria ainda é muito controvertida em sede doutrinária e jurisprudencial, especialmente naquilo que tange à comprovação da ocorrência, situações capazes de gerar abalo à esfera íntima, e a quantificação dessa espécie de dano. Isso se deve em razão do aspecto subjetivo da questão, que não comporta métodos exatos para a aferição do prejuízo efetivamente sofrido pela vítima.
Assim sendo, o presente trabalho buscará analisar quais situações são efetivamente capazes de gerar dano e quais critérios deve o julgador considerar para a fixação da indenização causada no âmbito trabalhista.
2. Caracterização do dano moral e fixação da indenização
É difícil compreender qual situação experimentada pelo empregado efetivamente produziu algum constrangimento ilegal que deva ser amparado pelo Direito. Isso se deve ao fato de que a interpretação de cada situação varia de pessoa para pessoa. Dessa forma, situações que para uns podem parecer normais, para outros são totalmente lesivas.
Diante desse contexto, cabe ao julgador avaliar, através de um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, quais situações devem ou não devem ser tuteladas pela ordem jurídica.
A respeito das situações que podem abalar a esfera pessoal da vítima no ambiente de trabalho, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região já entendeu que[1]:
Assédio moral – Contrato de inação – Indenização por dano moral. A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar a sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassada o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer o trabalho, fonte de dignidade do empregado. Recurso improvido”.
Na mesma linha[2]:
I – Dinâmica grupal – Desvirtuamento – Violação ao patrimônio moral do empregado – Assédio moral – Indenização. A dinâmica grupal na área de Recursos Humanos objetiva testar a capacidade do indivíduo, compreensão das normas do empregador e gerar a sua socialização. Entretanto, sua aplicação inconseqüente produz efeitos danosos ao equilíbrio emocional do empregado. Ao manipular tanto a emoção, como o íntimo do indivíduo, a dinâmica pode levá-lo a se sentir humilhado e menos capaz que os demais. Impor pagamentos de prendas publicamente, tais como, ‘dançar a dança da boquinha da garrafa’, àquele que não cumpre sua tarefa a tempo e modo, configura assédio moral, pois, o objetivo passa a ser o de inferiorizá-lo e torná-lo ‘diferente’ do grupo. Por isso, golpeia a sua auto-estima e fere o seu decoro e prestígio profissional. A relação de emprego cuja matriz filosófica está assentada no respeito e confiança mútua das partes contratantes, impõe ao empregador o dever de zelar pela dignidade do trabalhador. A CLT, maior fonte estatal dos direitos e deveres do empregado e empregador, impõe a obrigação de o empregador abster-se de praticar lesão à honra e boa fama do seu empregado (art. 483). Se o empregador age contrário à norma, deve responder pelo ato antijurídico que praticou, nos termos do art. 5º, X, da CF/88. (Recurso provido)...”.
Em ambos os casos, o TRT da 17ª Região se manifestou no sentido de as situações vividas pelo empregado repercutiram na sua esfera íntima. Assim, diante do efetivo dano moral causado pelo empregador houve a necessidade de reparação da lesão.
Todavia, nem todas as situações pelas quais o empregador submete o empregado podem ser consideradas assédio moral passível de gerar dano à imagem ou a honra do empregado.
Um exemplo disso é o recente acórdão[3] proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, em que a Corte entendeu que a revista pessoal dos pertences do empregado realizada sem abuso não constitui assédio moral por parte do empregador. Assim decidiu o TST:
RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA EFETUADA PELA EMPRESA. INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO POR PRESUNÇÃO DE CONSTRANGIMENTO.
A revista nos pertences dos empregados, quando feita sem práticas abusivas, não constitui, por si só, motivo a denotar constrangimento nem violação da intimidade. Retrata, na realidade, o exercício pela empresa de legítimo exercício regular do direito à proteção de seu patrimônio, ausente abuso desse direito quando procedida a revista moderadamente, como no caso em exame, não havendo de se falar em constrangimento ou em revista íntima e vexatória, a atacar a imagem ou a dignidade do empregado. Recurso de revista não conhecido.
Além dessa hipótese, o Tribunal Superior do Trabalho também se posicionou no sentido de que não cabe indenização por dano moral na seguinte situação:
RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ADESÃO A PLANO DE SAÚDE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO.
O Tribunal Regional explicitou que o reclamante não comprovou a união estável a possibilitar a adesão da companheira deste ao plano de saúde da empresa, tampouco o prejuízo moral a ser reparado. Então, para se chegar à conclusão diversa seria necessário o revolvimento do quadro fático-probatório, o que é vedado nesta Corte superior, ante o óbice da Súmula nº 126 do TST.
Os tribunais brasileiros adotam em sua maioria o livre convencimento motivado do julgador para quantificar a compensação financeira que deverá ser realizada pelo agressor. Esse valor, no entanto, é fixado a partir de alguns parâmetros como a imagem do lesado e a do que lesou, a intenção do autor do dano e a situação patrimonial daquele que irá pagar a indenização.
Logo, a reparação moral através da indenização deve ter por objetivo aliviar o sofrimento da vítima, e ao mesmo tempo deve servir de punição ao agente do dano, para que este não venha a cometer tal ato novamente.
Cumpre analisar, ainda, a questão atinente ao valor da indenização a ser paga ao empregado na hipótese de configuração do dano moral. No âmbito trabalhista, além dos critérios tradicionais – a extensão do dano, o efetivo prejuízo, as condições econômicas do ofensor e ofendido, o efeito punitivo e preventivo –, alguns outros critérios devem ser levados em consideração para fins de determinação da prestação pecuniária que o empregador, causador do dano moral terá de pagar ao obreiro ofendido.
Tais critérios são a reincidência da empresa patronal, a posição profissional e social do trabalhador lesado e o tarifamento da indenização com base no salário contratual percebido pela vítima.
Além desses, Enoque Ribeiro aponta a subordinação como elemento necessário para a fixação do quantum indenizatório. De acordo com o doutrinador “o dano moral trabalhista tem como característica uma situação que o distingue absolutamente do dano moral civil, e que inclusive o agrava, vez que uma das partes, o empregado, encontra-se em estado de subordinação"
Segundo o supracitado autor, quando se fala de dano moral trabalhista, a subordinação do empregado ao empregador deve também ser considerada no momento de definição do quantum indenizatório, já que por limitar a autonomia da vontade da parte subordinada potencializa os efeitos do dano à vítima.
Assim sendo, percebe-se que o dano moral deve ser algo que fuja dos transtornos que normalmente ocorrem no dia-a-dia. Aplicando-se tal premissa ao caso específico das relações de trabalho, somente quando ocorrer uma situação fora do comum que possa interferir intensamente no comportamento psicológico do empregado relativo à boa continuidade na execução da sua atividade é que o dano moral restará configurado. Assim não é toda e qualquer situação pela qual passa o empregado, que lhe assistirá o direito de pleitear indenização por essa espécie de dano pessoal.
3. Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que se deve ponderar, através do princípio da razoabilidade, as situações capazes de ensejar o dano moral nas relações de trabalho. Isso porque se todas as circunstâncias pelas quais atravessam os obreiros tiverem o condão de produzir lesão à sua esfera pessoal, tal conjuntura desvirtuará o instituto do dano moral, ocasionando sérios problemas de descrédito no Poder judiciário. Por isso é preciso que se identifique critérios minimamente objetivos para aferir indícios perceptíveis de abalo psicológico no empregado, para que o dano moral não seja uma fonte de injustiças.
Advogado (OAB/PR 59.264), Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), membro do corpo jurídico da Consultoria Zênite.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANNUNZIATO, Eduardo Sprada. Considerações acerca do Dano moral nas relações de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2011, 08:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25679/consideracoes-acerca-do-dano-moral-nas-relacoes-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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