RESUMO:O presente artigo tem como análise a abordagem da problemática da lei n. 11.343/2006, no tocante ao consumo e porte pessoal de drogas (art. 28), evidenciando as novas formas de penalidades, contrapondo-se no que prescrevia as legislações anteriores (lei n.6.368/76 e lei n. 10.409/2002). Com a revogação expressa destas leis e a entrada em vigor da nova Lei Antidrogas (lei n. 11.343/2006), inseriram-se discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da natureza jurídica, referente às penas a serem aplicadas ao usuário de drogas – art. 28, da lei 11.343/2006. Com a promulgação desta nova lei, não houve a descriminalização e sim a despenalização, cuja característica marcante foi a exclusão de penas privativas de liberdade, como sanção principal ou substitutiva da infração penal.
Palavras-chave: drogas. consumo. porte. penalidades. usuário. descriminalização. despenalização.
INTRODUÇÃO
O tema abordará a polêmica da despenalização, referente à promulgação da lei n. 11.343/2006 e revogação das leis n.6.368/76 e n.10.409/2002, no que toca à exclusão das penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal e aplicação de novas penalidades trazidas pela nova lei Antidrogas. Tendo como objeto as novas nuances referentes às penas a serem aplicadas no art. 28 desta nova lei.
O referido tema traz uma polêmica, devido à despenalização – substituição de pena privativa da liberdade por penas alternativas – ser caracterizada, por muitos doutrinadores, como uma infração penal sui generis, ou mesmo que tenha havido uma despenalização por parte do legislador no que toca ao consumo ou porte pessoal de drogas.
A abordagem tem como objetivo fornecer subsídios suficientes ao leitor para que entenda a vigência da lei 11.343/2006, quanto ao porte ou consumo pessoal de droga, não apenas como uma questão de despenalização, sobretudo por ser questão de saúde pública.
O alcance do objetivo advém da aplicação dos institutos pertinentes às penas presentes no art. 28, da lei 11.343/2006, pelos aplicadores do Direito, corroborando assim com o que condiz com a legislação atual e a realidade sociológica vigente.
A temática produzida neste trabalho traz como método de pesquisa o científico, trazendo em seu bojo discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da admoestação da pena como forma, ou não, de descriminalização, prevista no novo ordenamento jurídico específico (Lei Antidrogas – lei nº 11.343/2006).
DESENVOLVIMENTO
I- Finalidades da Nova Legislação Penal.
Em princípio, o uso de drogas era determinado pelos costumes e hábitos sociais, e ajudavam a integrar pessoas na comunidade, através de cerimônias coletivas. Nessas circunstâncias, consumir drogas não representava perigo para a comunidade.
Na verdade, a humanidade sempre gostou ou precisou fugir do real, que pode ser duro, às vezes duro demais para alguns, que precisariam do conforto de um remédio, droga, ou qualquer outra coisa para sobreviver.
O tráfico e o uso de drogas não se resumem a capitais brasileiras e regiões e regiões metropolitanas, avançaram sobre pequenas cidades no interior, alvos fáceis para a ação da criminalidade organizada.
Tal problemática, aliada à violência urbana, certamente merece a atenção de toda a sociedade. A tarefa reservada aos educadores, informando, orientando e conscientizando crianças e adolescentes, é de suma importância. Ao Direito Penal, como meio de controle social, reserva-se relevante tarefa. Cabe á legislação penal prover o Estado dos meios necessários à prevenção e à repressão do tráfico e do uso ilícito de drogas. Em relação ao usuário, há um consenso com o objetivo de realizar a prevenção, mais do que a repressão, notadamente como adotado no artigo 28, da Lei n. 11.343 /2006.
Diversamente do que ocorreu nas Leis 6.368/76 e 10.409/2002, a atual Lei Antidrogas preferiu não utilizar o termo “dever de colaboração”, limitando-se a enfatizar sua importância no combate ao uso e ao tráfico de drogas que causam dependência. A colaboração de pessoas físicas e jurídicas será sempre imprescindível para o combate ao uso e ao tráfico ilícito de drogas. A Lei n. 11.343/2006 fez abordagem diversa, afastando medidas punitivas antes existentes. Diversos são os dispositivos extraídos da nova legislação.
Art. 68. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar estímulos fiscais e outros, destinados às pessoas físicas e jurídicas que colaborem na prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social de usuários e dependentes e na repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
Art. 4o São princípios do Sisnad:
(...)
V - a promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, reconhecendo a importância da participação social nas atividades do Sisnad;
Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os seguintes princípios e diretrizes:
(...)
IV - o compartilhamento de responsabilidades e a colaboração mútua com as instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do estabelecimento de parcerias;
II- Despenalização do Uso de Drogas para Consumo Pessoal.
O ordenamento jurídico brasileiro trazia, na vigência da lei anterior (lei n. 6.368/76), a punição daquele que adquirisse, guardasse, ou trouxesse consigo, para consumo próprio, substância entorpecente ou que determinasse dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. Trazendo no art. 16, da referida lei, a punição com pena de detenção de 6 meses a 2 anos.
Desde 24 de agosto de 2006, com a publicação da lei n. 11.343, revogando as leis ns. 6.368/76 e 10.409/02, que houve mudança no novo ordenamento jurídico brasileiro referente ao consumo pessoal e porte de drogas, tal qual prescreve o art. 28 da nova lei Antidrogas, in verbis:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Alguns doutrinadores sustentam ser a natureza jurídica do dispositivo supracitado simples ilícito não penal, utilizando-se como fundamento o art. 1º a Lei de Introdução ao Código Penal. Dessa forma, inexistindo para o artigo 28 as penas de reclusão ou de detenção, a conclusão é a de que não pode se considerar crime, mas simples ilícito.
LICP, art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Para outros, o Legislador inseriu o art. 28 no Capítulo III, denominado “Dos Crimes e as Penas”, revelando claramente a não descriminalização das condutas do citado artigo. Tal é o entendimento da 1ª Turma do STF, ao julgar o RE 430105 - RJ, descrito linhas abaixo, decidindo pela não implicação da abolitio criminis o delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, muito embora tenha ocorrido uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal, afastando entendimento de parte da doutrina de que constitui infração penal sui generis.
EMENTA: I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C. Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C. Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado.
Este posicionamento tem adendo no que diz a doutrina (FARIA, 2007, p. 89):
A Constituição Federal de 1988 é bastante clara ao prever penas outras, diferentes dessas estampadas na Lei de Introdução do Código Penal, que por sinal é de 1941. Um raciocínio contrário culminar-se-ia no absurdo de não se considerar ilícito penal as condutas que estipulam penas alternativas de modo direto, indo contra a tendência moderna de não encarceramento. Ora, além da Constituição, o Código Penal prevê outras espécies de pena (art. 32, CP). Vislumbra-se, que é perfeitamente possível a adoção pelo legislador de infrações que possuam penas alternativas diretas, sendo tal fato uma tendência positiva e que vem ganhando espaço no campo penal, com amparo da Constituição. Esta possibilitou que a classificação de infração penal ficasse mais abrangente, não se restringindo somente nas hipóteses das penas referidas pela Lei de Introdução do Código Penal.
Nota-se que com a vigência da nova lei, houve mudanças, tais como: o tipo penal ganhou mais novos verbos (tiver em depósito e transportar); o objeto material passou a ser conhecido como “droga”, antes, sendo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; tipificação de quem cultiva plantas destinadas ao uso pessoal, anteriormente, esse cultivo era enquadrado como tráfico de drogas. Isso é evidenciado porque não se tem mais a pena privativa de liberdade como sanção prescrita na lei anterior (lei n.6.348/76).
Nos dias atuais, com o advento da nova Lei Antidrogas – lei 11.343/2006 – o legislador pátrio estipulou as seguintes penas para o usuário de drogas: advertência sobre os efeitos da droga; prestação de serviço à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
A problemática se torna relevante quando se vem à tona a pena de advertência ou admoestação. O ilustre jurista CARVALHO (2008, p. 112) traz:
A advertência ou admoestação não preenche nem com conteúdo as características da pena, que são retribuição e prevenção, tendo em vista a teoria da união, que parte da ideia da retribuição como base, acrescentando os fins preventivos e gerais. Essa pena não intimida o cidadão a não consumir drogas, nem mesmo assuma feição de retribuição, sendo completamente inócua. A pena de advertência banaliza o Direito Penal, ferindo por completo os princípios da fragmentariedade e subsidiariedade. Permitindo uma pena dessa natureza dentro do Direito Penal, é igualá-lo aos demais ramos, causando descrédito perante a sociedade, que não mais temerá as sanções penais.
O nobre doutrinador complementa:
Por fim, a advertência não guarda relação com nenhuma pena do inc. XLVI, art. 5º, da Constituição Federal. Essa norma deve ser usada como parâmetro para que o legislador comine pena alternativa de modo direto a determinada infração penal. Assim, o máximo da pena de natureza penal prevista no Texto Maior é a privação ou restrição da liberdade, enquanto o mínimo é a prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. A pena de advertência não encontra relação alguma com essa norma, se situando muito aquém a prestação social alternativa.
Por conseguinte, a admoestação não possui o mesmo grau de importância às duas outras penas impostas pelo art. 28, da lei n.11343/2006.
No que se refere à prestação de serviços à comunidade, a mesma mantém relação com as características basilares da pena. Ela está prevista como espécie de pena restritiva de direitos.
Por sua vez, a abrangência da última penalidade, a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, guarda harmonia com os parâmetros fornecidos pela Constituição, eis que pode ser considerada como subespécie da prestação social alternativa.
Ademais, essas duas últimas penas poderão, além de ser objetos de transação penal, ser conseqüência jurídica da condenação em sentença. Fato que não pode ocorrer com a advertência, tendo em vista a sua natureza sui generis, sendo este o entendimento de parte da doutrina.
Relevante frisar que essas duas penas são impostas de maneira obrigatória, devendo ser cumpridas na integralidade, pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses, e em caso de reincidência serão aplicadas pelo máximo de 10 (dez) meses. Em caso de não cumprimento das penas impostas, o juiz poderá submeter o agente, sucessivamente, a admoestação verbal e multa. As referidas penas previstas para o agente que é surpreendido na posse de drogas para consumo próprio prescrevem em dois anos.
CONCLUSÃO
Em virtude de a pena de advertência polemizar no sentido de ser ou não crime tal penalidade, parece-nos mais acertada a segunda posição (supra), em consonância com o entendimento da nossa Suprema Corte, uma vez que a mesma mensura a banalização do Direito Penal, ao desrespeitar as características das penas – prevenção e retribuição – ferindo por completo os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal traduz a finalidade de colaboração de todos, preconizando um novo anseio da sociedade, através do legislador ordinário, em dar tratamento humanitário aos dependentes de drogas, ao mesmo tempo em que reconhece a não descriminalização da conduta e sim uma despenalização por questão relevante de saúde pública.
A nova lei Antidrogas se amolda a realidade vigente e cumpre com a objetividade jurídica, ao tempo em que trata as drogas como um problema de saúde pública. Além disso, afasta o entendimento de parte da doutrina de que o fato agora constituir-se-ia infração sui generis.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FISCINA, Volessa Freire Sampaio. O Tratamento Diferenciado Concedido ao Usuário de Drogas e a Despenalização da Conduta de Uso, Ante a Nova Lei Antidrogas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2011, 09:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25725/o-tratamento-diferenciado-concedido-ao-usuario-de-drogas-e-a-despenalizacao-da-conduta-de-uso-ante-a-nova-lei-antidrogas. Acesso em: 23 dez 2024.
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