A origem mais remota da palavra "pessoa" é o grego prósopon (aspecto) de onde passou ao etrusco phersu, com o significado de ‘aí’. A partir dessa palavra, os latinos denominaram ‘persona’ as máscaras usadas no teatro pelos atores, e também chamaram assim aos próprios personagens teatrais representados.
‘Pessoa’ é parente distante de palavras de origem grega originadas em ‘prósopon’ e seus derivados, tais como ‘prosopografia’ e ‘prosopopéia’.
O vocábulo latino – ‘persona’ - conservou-se no português ‘pessoa’, no galego ‘persoa’, no italiano e no espanhol ‘persona’, no inglês ‘person’ e também, ainda que com outro significado, no francês ‘personne’ (ninguém), entre outras línguas.
Pessoa é um ser humano, independente da sua idade, sexo, saúde física ou mental; é um ser moral, isto é,um ser dotado de consciência moral,autonomia moral e responsabilidade, portanto de sociabilidade. Uma pessoa pode ser até um ser não humano (animal, extraterrestre ou máquina) sendo moral.
Em Direito, pessoa natural (termo usado tradicionalmente em direito civil), é o ser humano, tal como percebido por meio dos sentidos e sujeito às leis da natureza. Distingue-se da pessoa jurídica, que é um ente abstrato tratado pela lei, para alguns propósitos, como sujeito de direito distinto das pessoas naturais que o componham.
O início da personalidade da pessoa natural é explicado segundo duas teorias, a saber: a teoria natalista, que diz que o ser humano só possui personalidade a partir do momento em que nasce com vida (separação do nascituro do corpo da mãe); e a teoria concepcionista, segundo a qual o ser humano possui personalidade a partir do momento da concepção, entendida como a união dos gametas masculina e feminina, isto é, do espermatozóide com o óvulo.
Diversos direitos, nomeadamente os chamados direitos de personalidade, são garantidos apenas às pessoas naturais — assim o direito à liberdade, à integridade física, à saúde e outros, compatíveis apenas com a natureza do ser humano.
O art. 2º do novo Código Civil reproduziu ipsis litteris o art. 4º do Código revogado (de 1916): "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
Só ocorre o nascimento quando o nascituro é separado do corpo da mãe e respira, na importa se o parto tenha sido natural, induzido, no tempo normal ou adiantado, se respirou viveu. Nesse caso se o nascituro vier a morrer lavram-se duas certidões, a do nascimento e a do óbito.
Para Goffredo Telles Jr, "os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria etc. Por outras palavras, os direitos da personalidade são direitos comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta”. 1
Caio Mario doutrina que liga-se à pessoa a idéia de personalidade, que exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações , enquanto Haroldo Valadão esclarece que a personalidade é o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade.
A personalidade deriva, portanto, da pessoa, razão pela qual Maria Helena Diniz nos ensina que, "primeiramente, imprescindível se torna verificar qual é a acepção jurídica do termo "pessoa" e ela mesma esclarece chamando a doutrina de Diego Espín Cánovas: "para a doutrina tradicional "pessoa" é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não-cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial".
Três teorias procuram explicar e justificar a situação jurídica do nascituro, são elas:
Teoria Natalista: que afirma que a personalidade civil se inicia com o nascimento com vida. Se o feto nasce morto, não chega a adquirir vida. E como doutrina Giselda Maria Fernandes Novaes Hironka, sem vida autônoma "não irão tornar titulares de personalidade jurídica, falecendo-lhes a condição para adquirir a herança ou o legado que a lei lhes vinha protegendo”. 2
Teoria da personalidade condicional: sustenta que o nascituro é pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida, não sendo uma teoria tão distante da citada anteriormente. O professor Washington de Barros Monteiro, com a experiência de um grande civilista esclarece: "Discute-se se o nascituro é pessoa virtual, cidadão em germe, homem in spem. Seja qual for a conceituação, há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação. A lei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos. Mas para que estes se adquiram, preciso é que ocorra o nascimento com vida. Por assim dizer, nascituro é pessoa condicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida. A esta situação toda especial chama Planiol de antecipação da personalidade".3
Teoria concepsionista: admiti-se que adquire personalidade antes no nascimento, ou seja, desde a concepção, ressalvados apenas os direitos patrimoniais, decorrentes de herança, legado e doação, que ficam condicionados com o nascimento com vida. Clóvis Bevilacqua em sua definição de personalidade: “... é a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações”. 3
No direito sucessório, o art. 1.718 norma que "são absolutamente incapazes de adquirir por testamento o indivíduo não concebido"; mas, faz uma ressalva para "a prole eventual de pessoas designadas pelo testador e existentes ao abrir a sucessão (art. 1.718, in fine)".
Diz a lei em seu art. 1.798, que "legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão" e o art. 1.799, I, norma que "na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder, os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir a sucessão".
Temos duas situações distintas: na hipótese do art. 1.798, tanto na sucessão legítima como na testamentária os nascituros são aptos a suceder, tanto quanto as pessoas já nascidas.
Isto é, doutrina Giselda Maria Fernandes Novaes Hironka que "tanto podem ser herdeiros legítimos, testamentários ou mesmo legatários os indivíduos que já tivessem nascido quando no momento exato do falecimento do de cujus, bem assim todos os que já estivessem concebidos no mesmo momento”. 1
No sistema positivo brasileiro, reiteramos, a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, desde o momento em que o recém-nascido completou o nascimento e adquiriu vida autônoma, capaz de respirar independentemente da participação materna; todavia, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, isto é daquele que está para nascer, embora concebido, mas que ainda não é uma pessoa.
Objetiva foi Maria Helena Diniz ao doutrinar à luz do direito positivo brasileiro, com bastante propriedade, que "conquanto comece do nascimento com vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (arts. 353, 357, parágrafo único, 372, 377, 458, 462, 1718), que permanecem em estado potencial. Se nascer com vida adquire personalidade, mas se tal não ocorrer nenhum direito terá."4
O feto, o embrião, o nascituro, tendo somente expectativa de direito, só poderá ser herdeiro se nascer com vida.
Questão interessante de direito é saber se com o falecimento do autor da herança, o nascituro herda de imediato, só pelo fato de estar concebido, recebendo a propriedade e a posse da herança.
Aberto o inventário, havendo capacidade sucessória de nascituro, sua legítima deverá ser preservada aguardando o nascimento com vida; se isto não ocorrer, os bens reservados irão para o monte; se o inventário terminar antes do seu nascimento com vida, e esta inexistir, far-se-á a respectiva sobrepartilha.
Com relação ao inciso I, do art. 1799, o ordenamento jurídico permite ao testador beneficiar o filho ou filhos, pouco importa se seja um ou mais, "ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão".
Exemplificando: se o testador "a" tem um amigo "b", e este não tem filho(s) e sequer é casado, como também pode sê-lo, e na época do falecimento de "a", "b" era vivo e depois teve filho (s) este(s) serão chamados à sucessão, desde que tenham nascido com vida; este parece ser o espírito da lei.
Já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que “o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial, como tal, transmite-se aos sucessores da vitima”. 5 Desse modo o nascituro, como titular de direito eventual (CC, art. 30), só poderá propor medidas de conservação dos seus direitos, por meio de representante legal, sob a forma de cautelares inominadas, não havendo assim como ter antecipação de tutela. O que se pode admitir é a aplicação da jus superneniens, representado pelo nascimento do lesado após o ajuizamento da ação.6
O Projeto de Lei nº. 276/2007, propõe que se dê ao art. 2º do CC a seguinte redação: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a conceção, os direitos do embrião e no nascituro.”
Dispõe o art. 877, caput, do código de Processo Civil: “A mulher que, para garantir os direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requerá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação”.
O fundamento da posse em nome no nascituro é o “estado de gravidez”, cuidando-se de mero procedimento de jurisdição voluntaria, que tem a finalidade de permitir a habilitação do nascituro ou no inventário do de cujus, de quem é herdeiro legal ou testamentário, ou legamentário. A legitimidade é atribuída à mulher que tem o nascituro no ventre, como se infere do dispositivo processual retrotranscrito.
Da análise do estudo apresentado neste trabalho pode-se inferir a relevância em decidir quando tem início a personalidade civil da pessoa humana, com base nos direitos que são conferidos ao nascituro no contexto legal nacional.
A priori foi necessário conceituar nascituro, considerando-o como aquele que está para nascer e que ainda não possui vida própria, ou seja, vida fora do ventre da mãe.
Em análise ao Direito Comparado, concluiu-se ser o nascimento com vida de suma importância para considerar o início da personalidade civil da pessoa.
Foram apresentadas as controvérsias sobre início da personalidade civil, primeiramente conceituando a personalidade civil como a capacidade conferida ao ser humano para ser sujeito de direitos e obrigações.
Antes de analisar as principais teorias acerca do início na personalidade civil no Brasil, demonstrou-se a visão do direito estrangeiro.
Foi analisado o início da personalidade civil em conformidade com a doutrina brasileira apresentando as duas principais correntes, a natalista, que defende a tese de que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida e a teoria concepcionista que alega que o início da personalidade civil se dá desde a concepção.
Em análise a legislação brasileira especialmente ao artigo 2º do Código Civil de 2002, observou-se que o nascituro, ainda que tenha garantido alguns direitos, só usufruirá destes ao nascer com vida.
Diante de todo o exposto e em conformidade com os estudos mais abalizados concluímos que é de suma importância a definição do inicio da personalidade civil da pessoa. No Brasil a escola natalista é predominante na doutrina e na jurisprudência.
Todavia, frente aos novos desafios trazidos pela evolução social é notório que as controvérsias sobre a tutela dos direitos da personalidade estão longe de serem resolvidas e que os operadores do direito ao tomarem suas decisões não devem esquecer o bem jurídico maior que é a vida.
1 - Telles Jr, Goffredo. Iniciação na Ciência do Direito. 4ª edição, revista e atualizada, Ed. Saraiva 2008
2 - Fernandes Novaes Hironaka, Giselda Maria. Direito Civil (Vol. 7): Direito de Família. Ed. Revista Dos Tribunais, 2008
3 – Bevilacqua, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro, 1927, vol. I apud Silvio Rodrigues. Curso, cit. P.61
4 – Diniz, Maria Helena. Parte Geral. In: Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva 2002
5 – RSTJ, 71/183
6 – Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, p. 547, n. 96.2.2.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Ellen Cristiane Albacete de. Direito Civil: começo da personalidade jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2011, 08:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25873/direito-civil-comeco-da-personalidade-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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