Em decorrência do grande número de acidentes ocorridos no trânsito causados por embriaguez na direção de veículo automotor, as pessoas, principalmente os parentes das vítimas de tais acidentes, têm exigido do Poder Público uma resposta para com esses acidentes, são pessoas indignadas que perderam um parente próximo, um amigo ou até mesmo um colega e que mentalizam dia a dia aquele sentimento de justiça, visando uma punição mais severa aos infratores.
A mídia, mais especificamente os jornais, também vem pressionando o Estado na tentativa de obter resposta para com esses acidentes decorrentes da embriaguez, com isso, alguns dos tribunais antes mesmo da publicação da Lei n° 11275/2006 e da Lei n° 11705/2008, já vinham sustentando a tese de que os condutores de veículos automotores que causarem homicídio na direção de tais veículos responderiam como se tivessem cometendo um homicídio comum do artigo 121 do Código Penal, pena de 6 à 20 anos de reclusão , sendo submetidos ao julgamento pelo tribunal do júri, em razão de que tal fato configura dolo eventual.
A jurisprudência antes da Lei n° 11275/2006 entendia que para configuração do dolo eventual deveriam haver dois critérios, a embriaguez e a velocidade excessiva, nesse sentido cabe observar os vários julgados:
RECURSO CRIMINAL - HOMICÍDIO E LESÕES CORPORAIS - PRONÚNCIA - DOLO EVENTUAL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE - AGENTE EMBRIAGADO - EXCESSO DE VELOCIDADE EM TRECHO COM LOMBADAS - FATO PREVISÍVEL - PRESSUPOSTOS - RECURSO PROVIDO Age com dolo eventual o motorista embriagado que imprime velocidade excessiva ao veículo em trecho com lombadas, perdendo o controle do automóvel e chocando-se com um poste de iluminação, porquanto, conscientemente, assumiu o risco pelos danos pessoais a terceiros. Na sentença de pronúncia exige-se apenas prova da existência do crime e indícios da autoria, invertendo assim a regra do in dubio pro reo para o in dubio pro societate.( TJSC- 1ª Câmara Criminal. Acórdão: Recurso Criminal 00.002552-6. Relator: Solon d'Eça Neves. Data da Decisão: 31/10/2000)
DELITO DE TRÂNSITO. DESCLASSIFICAÇÃO. HOMICÍDIO DOLOSOSO. A Turma proveu o recurso, cassando o arresto recorrido que desclassificou crime de trânsito de doloso para culposo (art. 410 do CPP). No caso, restabeleceu-se a sentença de primeiro grau, determinando o julgamento do réu pelo Tribunal do Júri por dirigir embriagado e em alta velocidade, causando três mortos no interior do carro, consoante comprovado tanto na denúncia quanto na sentença de pronúncia. Dada a cruel gravidade da conduta do réu de assumir o risco de dirigir em alta velocidade após ingestão excessiva de álcool, tem-se como manifestamente comprovado o dolo eventual, eis que presentes incontrovertidamente as elementares factuais. Precedentes citados: REsp 155.767-GO, DJ 25/5/1998; REsp 140.961-GO, DJ 6/4/1998; REsp 103.622-GO, DJ 5/5/1997, e REsp 95.127-GO, DJ 14/4/1997. STJ, Quinta Turma, REsp 225.438-CE, Rel. Min. José Arnaldo, julgado em 23/5/2000, publicado no Informativo 59 do STJ.
ACIDENTE DE TRÂNSITO - MOTORISTA EMBRIAGADO EM ALTA VELOCIDADE - ATROPELAMENTO DE CICLISTA NA MÃO DE DIREÇÃO - DOLO EVENTUAL - PRONÚNCIA MANTIDA. O motorista que dirige embriagado, imprimindo velocidade aproximada de 90 (noventa) Km/h, assume todo e qualquer risco de um acidente; seja qual for o resultado, procede com dolo eventual”. (Recurso criminal nº 9.191, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Joinville, Rel. Des. Nilton Macedo Machado, 30.10.92, Publ. no DJESC nº 8.633 - Pág 08 - 30.11.92).
HABEAS CORPUS. LEGALIDADE DA PREVENTIVA EM ACIDENTE DE TRÂNSITO DE MOTORISTA EMBRIAGADO E QUE DESENVOLVA VELOCIDADE INCOMPATÍVEL, ATROPELANDO E MATANDO POLICIAL RODOVIÁRIO. DOLO EVENTUAL CARACTERIZADO, SEGUNDO O ENSINAMENTO DE MIRABETE. Ordem denegada”. (Habeas Corpus nº 697058402, 1ª Câmara Criminal do TJRS, Viamão, Rel. Des. Érico Barone Pires. j. 30.04.97, DJ 30.05.97, p. 17).
JÚRI. DOLO EVENTUAL. DELITO DE TRÂNSITO. Comete delito doloso motorista que trafega em velocidade excessiva, mais de 80 km/h, embriagado, na condução de veículo de grande porte, e efetua manobra brusca, procurando desviar de veículo que seguia na mesma mão de direção, mas em velocidade compatível com o local, chocando-se com veículo que vem em direção contrária, em baixa velocidade, causando mortes e lesões corporais. Decisão que não se mostra manifestamente contrária à prova dos autos. Regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade: aberto. Recurso ministerial improvido”. (Apelação Crime nº 697153161, 1ª Câmara Criminal do TJRS, Vacaria. Rel. Des. Érico Barone Pires. j. 26.11.97, DJ 13.03.98, p. 27).
Cabe observar que em todos esses casos, como ficou demonstrado, diante da conjugação dos elementos embriaguez e velocidade incompatível estaria configurado o dolo eventual. Ocorre que, mesmo diante da ausência do critério velocidade excessiva, o dolo eventual poderia ser configurado. Nesse sentido:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO – TRÂNSITO – EMBRIAGUEZ – DOLO EVENTUAL – PRONÚNCIA – O motorista que dirige veículo automotor embriagado causando a morte de outrem assume o risco de produzir o resultado danoso, restando caracterizado o dolo eventual. Em delitos desta natureza, neste momento processual impõe-se a pronúncia, cabendo ao tribunal do júri julgar a causa. (TJRS – RSE 70003230588 – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Danúbio Edon Franco – J. 18.04.2002)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL. CARACTERIZAÇÃO. DECISÃO DE PRONÚNCIA MANTIDA. Aquele que conhecendo as condições difíceis de tráfego de uma rodovia, com movimento intenso, nela ingressa com seu pesado caminhão, após embriagar-se, sabe que sua ação representa perigo certo de acidente, respondendo, pelo resultado morte que causou, a título de dolo indireto eventual, cabendo ao Júri seu julgamento”. (Recurso criminal nº 97.000335-8, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Biguaçu, Rel. Des. José Roberge, 4 de março de 1997).
RECURSO CRIMINAL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ARTIGOS 121, CAPUT; 129, § 1º, I; NA FORMA DO ART. 70, TODOS DO CÓDIGO PENAL - MATERIALIDADE COMPROVADA - INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - DOLO EVENTUAL EM TESE CONFIGURADO – PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO E LESÕES CORPORAIS LEVES - DÚVIDA QUE SE RESOLVE EM FAVOR DA SOCIEDADE - RECURSO DESPROVIDO (TJSC - R.Crim. 2005025616-9 - 1ª C.Crim. - Rel. Desemb. Solon D'eça Neves - DJSC 31.10.2005)
Na tentativa de estabelecer um critério mais concreto para o aplicador do direito e pela pressão da mídia e da sociedade, foi editada a Lei n° 11275, de 07 de fevereiro de 2006, tendo em vista que uma parte da jurisprudência decidia a favor do dolo eventual e outra parte decidia em favor da culpa, detenção de 2 à 4 anos, revoltando a população quando decidiam que o delito de homicídio causado por embriaguez era punido como culposo, com uma pena tão branda. A lei citada, entrou no ordenamento jurídico com o escopo de punir o infrator com uma pena mais severa que a de 2 à 4 anos. Nesse sentido, a lei acrescentou ao artigo 302 parágrafo único o inciso V:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas- detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:
V- estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos.
Portanto, segundo a lei, no caso de homicídio ocorrido nessas circunstâncias, a pena era aumentada de um terço à metade.
Ocorre que, mesmo diante da expressa previsão legal de enquadramento na forma culposa com a qualificadora, alguns julgados vinham entendendo que o sujeito que dirigia embriagado e cometia um homicídio, estava assumindo o risco de produzir o resultado, configurando portanto dolo eventual, nesse sentido:
PROCESSUAL PENAL - JÚRI - PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO REJEITADA - ACIDENTE DE TRÂNSITO - DOLO EVENTUAL - VEREDICTO QUE ENCONTRA RESPALDO NO CONJUNTO PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DO JULGAMENTO - RECURSO DESPROVIDO Só se cogita de decisão manifestamente contrária à prova dos autos quando o Júri opta por versão sem qualquer apoio no processo. Justa e acertada a condenação por homicídio de motorista que, mesmo tendo a carteira de habilitação apreendida por motivo de embriaguez, e portanto, sem autorização para dirigir, após ingerir bebida alcóolica, instado a não guiar, conscientemente insiste e prosseguindo na direção, acaba perdendo o controle do veículo, atravessando a pista, colide com poste - ocasionando a morte de três passageiros.( TJSC. Acórdão: Apelação Criminal 2006.009007-6. Relator: Antonio Fernando do Amaral e Silva. Data da Decisão: 20/03/2007)
PRISÃO PREVENTIVA. CRIME. DIREÇÃO. VEÍCULO. BEBIDA.
Trata-se de paciente denunciado como incurso nas penas do art. 121 do CP, com prisão preventiva mantida em razão da forma como se deu o crime e ao argumento de que sua liberdade importaria em estímulo à volta da prática delituosa. Pois o paciente assumiu o risco de dolo eventual ao dirigir veículo após ingerir bebida alcoólica o que resultou no atropelamento de ciclista que, devido às lesões, veio a falecer. Ressaltou a Min. Relatora que a probabilidade de reiteração delitiva (pois o paciente é dependente alcoólico), baseada e avaliada em elementos concretos, assim como a forma como se deu o crime podem ser consideradas fundamentos idôneos a justificar a manutenção da prisão em flagrante para garantia da ordem pública. Outrossim, observou que não há supressão de instância quando, sobrevinda a decisão de pronúncia, essa não acrescentou qualquer fundamento à decisão que indeferiu a liberdade provisória. Precedentes citados: HC 74.699-RS, DJ 13/8/2007; HC 76.537-PR, DJ 4/6/2007; HC 50.498-GO, DJ 12/2/2007; RHC 17.749-BA, DJ 6/2/2006; HC 51.963-SP, DJ 21/5/2007, e HC 49.255-SP, DJ 14/5/2007. HC 82.427-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/12/2007.
O aumento da pena estabelecido pela Lei n° 11275/06 não foi suficiente na busca de uma tentativa de diminuição desse tipo de delito, pois a grande quantidade de acidentes continuou ocorrendo e a jurisprudência como evidenciado acima, mesmo diante da previsão de enquadramento no tipo culposo, entendia pela existência de dolo eventual, e em virtude disso, surgiu a Lei n° 11705/08 que tem por objetivo, conforme art. 1º, impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência de álcool. Nesse sentido a lei expressamente revogou o artigo 302, parágrafo único, inciso V do Código de Trânsito Brasileiro, nesse sentido: “Art. 9º Fica revogado o inciso V do parágrafo único do art. 302 da Lei nº 9503, de 23 de setembro de 1997” [1].
Ora, se a Lei revogou o artigo que previa uma punição mais rigorosa, sem contudo, expressamente indicar em que tipo penal se enquadraria o condutor no caso em análise, pode-se chegar às seguintes conclusões, primeiramente, se o objetivo da Lei é impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência de álcool, não haveria sentido algum, se em virtude de tal revogação o condutor passasse a ser enquadrado na pena do art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, que constitui uma pena menor, na qual seja, 2(dois) à 4(quatro) anos, pois o objetivo da lei é assegurar penas mais severas. E, por fim, em segundo plano, principalmente depois da edição da Lei n° 11705/2008, diante das campanhas que todos os dias passam na televisão, nos jornais, nas revistas, campanhas estas que tratam dos malefícios causados pelo álcool na direção de veículos, das propagandas ressaltando que álcool e direção são duas coisas incompatíveis, não se pode alegar que o condutor embriagado, no momento em que assume a direção de um veículo automotor, não possuía a consciência de que não estava apto à dirigir tal veículo, ou seja, não há dúvidas de que o sujeito embriagado, sabendo que o álcool influencia negativamente na direção, pensa da seguinte forma, seja como for, em qualquer hipótese continuarei dirigindo, assumindo o risco de produzir um resultado e não se importando se em razão de sua perda de reflexos, autocontrole , atenção e concentração causados pela embriaguez, possa vir à matar alguém pela perda do controle do veículo.
Além disso, dizer que o delito em questão trata-se de culpa consciente seria um desrespeito para com a sociedade, principalmente para com os parentes das vítimas, pois para ocorrer a culpa consciente seria necessário o condutor prever o resultado como possível, acreditando sinceramente que ele não ocorra em razão de uma especial habilidade, entretanto, diante da incompatibilidade álcool e direção, e dos efeitos maléficos causados pelo álcool, não há como o condutor acreditar que aquele resultado não poderá ocorrer, não há como o condutor se julgar de uma habilidade que possa vir a evitar o resultado danoso, pois a grande verdade é que em decorrência da embriaguez, habilidade nenhuma ele terá.
Além do mais, como foi dito, considerar que tais delitos se enquadrariam na culpa consciente, seria enquadrar o condutor em uma pena de 2 (dois) à 4(quatro) anos, pena esta, que é menor que a pena qualificadora que foi revogada pelo artigo 9º da Lei n° 11705/2008. Portanto, não há duvidas que em tais delitos ocorra o dolo, mais precisamente, o dolo eventual, sendo que a tendência da jurisprudência dos Tribunais pátrios será decidir a favor da tese do dolo.
REFERÊNCIAS
CTB. Lei 11705. Disponível em: http://www.leidireto.com.br/lei-11705.html. Acesso em 18 set. 2008.
Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas Sociais e Aplicadas São Luís. Pós Graduado em Direito Tributário pela FIJ- Faculdades Integradas do Jacarepaguá. Advogado licenciado. Assessor de Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELLO, Marcelo José Mendonça Jansen de. Aplicação do dolo eventual segundo a jurisprudência e a Lei Seca Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2011, 07:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/26734/aplicacao-do-dolo-eventual-segundo-a-jurisprudencia-e-a-lei-seca. Acesso em: 23 dez 2024.
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