Introdução
Nos dias atuais com a eficácia máxima dos direitos fundamentais, muito se têm discutido acerca do uso de algumas. Nos tempos da ditadura militar, o uso de algemas era regra nas prisões efetuadas e o acusado era tratado como culpado.
Com o advento da vigente carta política, foram garantidos direitos e garantias fundamentais que garantem aos acusados a dignidade da pessoa humana e a presunção de não culpabilidade. A partir daí o uso de algemas começou a ser questionado e a doutrina e a jurisprudência começaram a debater acerca do uso indiscriminado deste recurso.
Cumpre ressaltar que o assunto já foi decidido pelo Pretório Excelso com a edição da Súmula Vinculante número 11, restringindo o uso deste recurso a casos excepcionais.
Aplicação da Súmula Vinculante 11
Com a reforma do Código de Processo Penal operada pela lei 11.689/08, foi incluído ao artigo 474 o parágrafo terceiro com a seguinte redação: Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. A positivação do uso restringido de algemas reforçou o entendimento de que o uso desta ratio deveria ser excepcional.
Durante o julgamento do Habeas Corpus 91.952, o STF[1] anulou a condenação de um acusado que permaneceu algemado durante a integralidade do júri sem a necessidade segundo o entendimento dos Ministros. Após, a corte decidiu consolidar o seu entendimento para outros casos acerca envolvendo o uso de algema com a edição da retrorreferida Súmula in verbis:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Cumpre ressaltar que o Colendo STF expandiu o entendimento da restrição supra mencionada para os demais procedimentos como prisões, participações em audiência e conduções coercitivas.
Ademais, merece ser destacado o posicionamento do referido Tribunal, já que esta decisão se coaduna com a nova ordem constitucional em consonância com os direitos e garantias fundamentais positivados por esta nova ordem. Como exemplo dos inúmeros princípios que expurgam de nosso ordenamento essa prática podemos citar o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1, III da CF, este é um princípio fundamental de nossa República, portanto as leis e os atos do Poder Público devem respeitar essa premissa. Por dignidade da pessoa humana se entende que todo ser humano seja nacional ou estrangeiro tem direito a uma vida digna e ser respeitado em seus direitos fundamentais.
Some-se a isso, o princípio da presunção de não culpabilidade também foi usado como argumento para a edição da referida súmula vinculativa, já que se o acusado não pode ser considerado culpado até o advento da decisão final passada em julgada, como não culpado ele deve ser tratado. Todavia, a vedação ao uso de algemas não pode ser sustentáculo para que presos perigosos tragam riscos à sociedade e aos agentes públicos, portanto, estando presentes os requisitos e sendo justificada por escrito esta excepcionalidade, o uso de algemas ainda continua sendo um recurso válido e algumas vezes necessário para a prática de atos cotidianos das autoridades.
Destaca-se que a corte suprema atribuiu aos agentes públicos de forma acertada a cominação de responsabilidade pela violação do preceito da súmula, atribuindo responsabilidade nas instâncias disciplinar (administrativa), civil e penal. Na via administrativa, a responsabilização irá depender a qual ente federativo o agente está vinculado, caso seja agente da União, a previsão das penalidades está prevista no art.127 da lei 8112/90: Art. 127. São penalidades disciplinares: I - advertência; II - suspensão; III - demissão; IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;V - destituição de cargo em comissão; VI - destituição de função comissionada.
Para o estudo da responsabilidade civil do agente, se faz necessário estudá-la em conjunto com a responsabilidade civil do Estado. Segundo a doutrina majoritária, a responsabilidade civil do Estado é objetiva com base na teoria do risco administrativo, com previsão constitucional no art. 37§6º. Sendo assim, o Estado será responsabilizado pelos danos de sua atividade se constatado a ocorrência de conduta, dano, nexo de causalidade, sem a necessidade de comprovação de culpa (dolo ou culpa). No entanto a responsabilidade civil do servidor não segue essa regra, sendo que para a sua imputação se faz necessário a presença de culpa, seja na modalidade culpa stricto sensu ou dolo. Portanto, para a responsabilização do agente público pelo mau uso das algemas dependerá da responsabilidade do Estado e que esta tenha sido causada por culpa sua, estando presentes os citados requisitos, caberá o direito de regresso a ser realizado pela pessoa jurídica prejudicada.
Por fim, a responsabilidade penal do agente dependerá por óbvio que estejam presentes os requisitos do conceito analítico de crime, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Os possíveis crimes que poderão ocorrer com o mau uso são vários, dentre eles o mais corriqueiro será o crime de abuso de autoridade previsto na lei 4.898/65. Apesar da pena cominada para o supramencionado delito ser irrisória, a cominação de perdimento do cargo se mostra suficiente para a realização da prevenção geral e especial acerca do delito em exame.
Como se não bastasse, a súmula em comento tem efeitos processuais relevantes no que tange a sua parte final “nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere”. Nos termos do artigo 301, I do Código de Processo Penal, o juiz deve relaxar a prisão quando esta for realizada de forma ilegal, portanto, mesmo estando presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos do artigo 302 do diploma mencionado, caso o uso de algemas seja feito em desacordo com a súmula analisada, a prisão não pode ser convalidada e o agente deve ser colocado em liberdade e se for o caso de necessidade, poderá ser decretado posteriormente à prisão preventiva ou outra medida cautelar.
Por outro lado, a cominação de nulidade deve ser interpretada com cautela, devido ao princípio do processo penal de que não há nulidade sem prejuízo (ne pas de nulitté sans grief), devendo para a decretação da nulidade ser demonstrado o efetivo prejuízo. Portanto, se um preso algemado durante todo o júri for absolvido por comprovação de que o fato inexistiu nos termos do art. 386 do CPP, fato que obsta inclusive a ação civil ex delito, não há que se falar em nulidade. Todavia, o fato de não haver nulidade deste ato processual não exime o agente o a autoridade responsável pelo abuso pela responsabilização nas esferas civil, administrativa e penal.
Conclusão
Com a realização do artigo, pude constatar a importância que a edição da súmula vinculante nº 11 teve no cotidiano dos procedimentos policiais no Brasil. A pacificação acerca da vedação do uso indiscriminado de algemas, sem dúvida é um avanço significativo rumo a um Estado que respeita os direitos e garantias fundamentais previstos em sua carta magna.
Por oportuno venho elogiar a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal em pacificar o assunto, evitando assim a atuação discricionária das autoridades que em muitas vezes faz suspeitos passarem por situações de extrema indignidade e não raramente ao final são considerados inocentes. Ademais, o guardião da Constituição da República deve continuar buscando a eficácia máxima dos direitos fundamentais e de todo texto constitucional.
[1] Trecho retirado do site www.stf.jus.br disponívem em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=94467 acessado em 08/10/2011.
Advogado em Juiz de Fora. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Igor Veiga Carvalho Pinto. Súmula Vinculante 11: A repercussão sobre o uso de algemas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2011, 07:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27316/sumula-vinculante-11-a-repercussao-sobre-o-uso-de-algemas. Acesso em: 23 dez 2024.
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