Os meios de comunicação tem uma vinculação especial com o sistema penal. Esta vinculação transformou-se em uma verdadeira agência do aparelho penal, resultando na mobilização para a ostentação de punição. Eles estabelecem a coisa com aparição simbólica e um efêmero duplo mundo da inexistência e/ou existência da realidade, se relacionando no grau em que é comunicado.
As mensagens transmitidas pelos meios de comunicação, integram de forma explícita ou implicítamente uma capacidade imensa em alterar o significado e o conteúdo da realidade, em sua veiculação no que é transmitido. Os meios de comunicações tem contribuído de forma abrangente e bem expansiva, na maneira em que indica uma inventiva impressão da realidade, sendo capaz de manipular os fatos de tal forma que se perde, em absoluto, o contexto como eles ocorreram.
Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, p. 30-31) menciona que:
A notícia que interfere na opinião pública é capaz de sensibilizar o leitor, ouvinte ou telespectador. Ela é intensa, ela produz impacto que fortalece a informação. O redator da notícia transforma o ato comum em sensacional, cria um clima de tensão por meio de títulos e imagens fortes, contundentes, que atingem e condicionam a opinião pública.
Vê-se que a mídia concentra a atenção da sociedade em determinados crimes e criminosos e, em consonância com a atuação do sistema penal, integra a funcional engrenagem de exercício do controle social, colaborando para a perpetuação dos mecanismos de seleção do sistema penal úteis a determinados segmentos sociais. Por estas razões, atua explorando a sensação de insegurança social e conduz a opinião pública a exigir maior repressão penal como forma de conter a criminalidade, gerando interferências na atuação judicial, riscos ao processo e, em última instância, uma afronta aos direitos e garantias fundamentais dos envolvidos. Estas distorções que são proporcionadas, trazem prejuízos incalculáveis para as partes, como vemos a todos os momentos diversos exemplos contidos cotidianamente.
Com este respeito Antoine Garapon (2001, p.77) enfatiza que:
Cada órgão de imprensa, além de informar sobre o trabalho da justiça, adota o ponto de vista de uma das partes, pronto para mudar em caso de necessidade no decorrer do processo, revela aos leitores elementos de prova, antes mesmo que a justiça deles tenha conhecimento, analisa o trabalho de cada um e, finalmente, julga em lugar dos juízes.
As mensagens que são transmitidas passam a integrar de uma forma bem ampla, a reflexão a que, a população está submetida, sendo alterado o significado e conteúdo da sua realidade. O sistema penal, presente no cotidiano das pessoas, acaba se constituindo em um forjado senso comum penal, oriundo do que é transmitido pelos meios de comunicação, inibindo um direito justo e legítimo.
O que estamos vendo é que o progresso tecnológico está de forma nítida acarretando o esvaziamento da condição humana, desintegrando o pensar e construindo uma realidade manipuladora. Estes acontecimentos torna de forma imperativa a dissociação entre os fatores sociais e a responsabilidade individual, estabelecendo uma desvirtualidade das conquistas históricas concernentes aos direitos e garantias individuais, fruto do empreendimento democrático do Estado de Direito.
Vê-se que o direito penal e processual penal, meramente simbolíco, são transmitidos à sociedade, com conteúdos apenas valorativos, induzindo-a, e produzindo uma impressão tranquilizadora, operando a distorção da sistemática do direito penal e processual penal, de fins, que não lhe são próprios. As percepções e atitudes projetadas na opinião pública permitiu através da mídia revelar os efeitos de algo que não são reais, sendo a mídia uma inimiga comum da sociedade, infundindo na população potencialidades criminosas erroneamente interpretadas.
Os meios de comunicação se encarregam de introjetar na consciência da população, que a criminalidade é o problema mais significativo da sociedade contemporânea, ofuscando assim o verdadeiro objetivo da política penal neoliberal, pretendemdo remediar através de um Estado mais policial e penitenciário, ocasionamento instantaneamente menos econômico e social, que é a própria causa da escalada generalizada de insegurança objetiva e subjetiva.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, consagra rigorosamente a tutela dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, conforme o modelo garantista do Estado de Direito, por outro lado, concomitantemente a essa fixação, atribuindo limites do poder repressivo do Estado. A Constituição Federal de 1988 projeta uma ingerência penal em várias esferas do direito, a partir da compreensão da capacidade da tutela penal na resolução de conflitos. Vemos que a política criminal oficial, é ela, a responsável pela introdução dos institutos ou mecanismos lesivos dos fundamentos constitucionais do direito penal e do processo penal do Estado Democrático de Direito.
Sobre esta ótica, a paranóia punitiva orquestrada pelas campanhas de Leis e Ordem dos meios de comunicação, com a guarida constitucional e, obviamente, extrapolando seus limites, este meio de comunicação, passou a influenciar sobremaneira na produção brasileira punitiva, instituindo várias figuras de responsabilidade penal à custa do enfraquecimento das garantias balisadoras do poder punitivo, já consagradas na Constitucionalmente.
Depreende-se que a consagração das medidas punitivas promocionais vendidas pela mídia, como a panacéia de todos os males sociais, e que promovem a idéia absurda de que esse viés seria alcançado, como a tão almejada convivência social pacífica, só tem causado retrocesso na busca dos referenciais democráticos do Estado de Direito.
Diante do quadro apresentado, há que se resistir, sem pretender qualquer solução definitiva, que é chegado o tempo de reconhecer o papel do Processo Penal como efetivo instrumento a serviço da democracia. A democracia é esse regime que, sem dúvida pela primeira vez na história, não se propõe eliminar os conflitos; pelo contrário, ela torna-os visíveis instituindo a divisão social – esforçando-se apenas para lhes garantir um desfecho negociável com a ajuda dos procedimentos aceites, apesar de o direito penal ainda trabalhar, na sua visão hegemônica, sob a denominação de processo como algo mais que procedimento, maneira pela qual o processo caminha.
A concepção de processo manejada pelo senso comum teórico dos juristas é a de entender que o processo é um conjunto de atos preordenados a um fim, ou seja, a atividade exercida pelo juiz no exercicio da Jurisdição; sendo o procedimento seu aspecto puramente formal, o rito a ser impresso. O processo, assim acaba se burocratizando em formas, modelos e ritos, muitas vezes tido como acessório do Direito Penal, redundando em flagrantes equívocos, mas que ainda possui um papel acessório de fazer acontecer a lei.
A política criminal tem a apresentação de um fator necessário à interpretação das normas processuais, uma vez, que está inserida no mundo da vida. O conhecimento das formas processuais é de suma importância, para que venha inibir o isolamento formal, que faz desaparecer a estrutura democrática, cuminando única e exclusivamente na estrutura acusatória do Processo Penal.
O contraditório se constitui, em uma característica, que diferencia o processo do procedimento, causando efeitos, a legimitidade na imposição de atos cogentes, decorrentes do poder de império, com consequências no âmbito dos jurisdicionados. O Processo Penal, no que tange aos acusados, precisa atender aos princípios e regras previstos no ordenamento jurídico de forma taxativa e que estar de acordo com as conformações, aos direitos e garantias fundamentais do homem, objetivando a finalidade de preservar a sua dignidade.
As regras do jogo democrático devem ser garantidas de maneira crítica e constitucionalizada, até porque com o Direito Fundamental, como as normas processuais o são, não se transige, não se negocia, defende-se, não podendo aplicar cegamente as normas do Código de Processo Penal, sem que se proceda, antes e necessariamente, uma oxigenação constitucional.
Os atos processuais lícitos se mostram como poderes decorrentes do exercício da vontade, regulados por normas processuais, perante as quais o sujeito possui o poder de agir, a faculdade e o ônus, em caso de descumprimento das normas. A faculdade e o poder podem, também, gerar circunstâncias desfavoráveis ao sujeito, caso não sejam exercidas a tempo e modo. Daí o procedimento se desenvolve apartir de atos jurídicos lícitos, componentes do desenrolar procedimental até a decisão final, mas não numa compreensão de decisão final, objetivando numa compreensão de oposição aos atos ilícitos. O ato praticado em desconformidade com a estrutura do procedimento é inservível à finalidade a que se destina.
Teorizando e invertendo a lógica do senso comum teórico dos juristas, o processo é um procedimento realizado por meio do contraditório e, especificamente no processo penal, entre o Ministério Público e/ou querelante, e a efetiva presença do acusado com defesa técnica. A necessidade de, ter-se a consciência da instrumentalidade do processo em face da conjuntura social e política do seu tempo, demanda um aspecto ético do processo, bem como, sua conotação deontológica.
Estas prerrogativas se valoram, em que, exige que o juiz tenha os predicados de um homem do seu tempo, imbuído em reduzir as desigualdades sociais e cumprir os postulados processuais constitucionais, vinculando-se aos valores constitucionais, em especial ao valor “Justiça”. Esta proposta está baseada nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado Social, vinculando uma posição especial do juiz no contexto democrático, dando-lhe poderes sobre-humanos, na linha de realização dos escopos processuais, com forte influência da superada filosofia da consciência, deslizando no imaginário e facilitando o surgimento de Juízes Justiceiros da Sociedade.
O Processo precisa de uma nova postura, de que o juiz deve aspirar os anseios sociais da população ou mesmo o espirito das leis, tendo em vista uma vinculação axiológica, moralizante do jurídico, com o objetivo de realizar o sentimento de justiça do seu tempo, não mais, do que ser, acolhida, uma consciência democraticamente social.
O direito processual possui balizas democráticas, não se podendo mais aceitar a decisão isolada e sem fundamentação do juiz, devendo este, necessariamente, considerar as pretensões de validade enunciadas pelas partes no discurso comunicativo instaurado. O Estado Democrático de Direito, na visão procedimentalista, seria um projeto constante de acordos sobre os melhores argumentos, historicamente escolhido pelos concernidos, em situação ideal da fala.
O processo democrático de direito precisa garantir a isonomia, publicidade, ampla defesa e o contraditório, princípios fundamentais sem os quais a sua deslegitimidade aflora e macula a decisão. O processo é quem mediará, pelo discurso, a decisão, não mais solitária do juiz, mas co-produzida democraticamente. A legitimidade do Direito e da decisão estariam jungidas à aceitação pelos concernidos das normas e das decisões, podendo, isso ocorrer no plano consciente do sujeito único(juízes).
Resta evidente, portanto que o processo penal possui um lugar e uma função na democracia, a saber, um espaço de diálogo em que o contraditório deve ser garantido. É a partir do contraditório que se estabelece a legitimidade do provimento judicial. O que importa é estabelecer um espaço democrático no processo penal brasileiro, superando a visão prevalecente, na qual o ritual e a postura inquisitória, ainda ceifam qualquer possibilidade de democracia processual.
A superposição de qualificações do fato, até chegar a ser jurídico, evidencia, muito claramente, além do condicionamento histórico do direito, o estado plural de sua individualidade. Um fato jurídico é, com antecedência, humano, social, econômico e moral. O direito passou a ser definido por seu resultado prático, ou seja, em um caso pela eficácia e em outro pela sentença judicial, o que para o sociologismo só é direito apenas aquilo que a sentença determina que seja direito. Tratando deste amparo, é que se vê, que o direito judicial está reduzido a muito pouco.
Na prática, partindo no plano fenomenológico, é notório e visível, com inteira pertinência, que o modo de dar-se o direito é absoluto, mas, a maneira de efetivar-se institucionamente a justiça, é relativa. Há um só e único direito, nascido num só instante em em toda a sua integralidade, enquanto a justiça, nas possíveis tentativas de sua restauração, apenas consente em manifestar-se por graus em termos proporcionais. Dentro deste parâmetro é que jamais haverá justiça plena, mas em quantidade, que poderá ser sempre diminuída ou ampliada.
Dentro de que jamais haverá justiça plena, faz-se afirmar que o direito nasce exclusivamente da incidência da norma sobre o fato, ou seja, dar-se a norma, ao fato nela previsto, tornando o direito concreto da relação jurídica. Não se pode comungar desta temática, tendo em vista, que se o direito contido na norma, coincide com aquele que realmente ocorreu, então a declaração respectiva é justa. Na hipótese contrária, em que se declara a existência de direito diferente do ocorrido, principalmente em razão de erros aos fatos da incidência, então tal declaração é injusta.
A expressão direito justo denota a incapacidade do simples termo direito em expressar, apenas em seu círculo semântico, o sentido e as expectativas que formam seu conteúdo axiológico. Ao reivindicar um direito, por qualquer que seja ele(direito), todos indistintamente o fazem em nome da justiça. Este reclamo partem daqueles que pouca ou quase nenhuma noção tem de direito, sobrando-lhes, contudo, o sentimento de justiça, razão pela qual, em bom senso, ninguém deveria atrever-se a postular um direito injusto, pois a reivindicação sempre visa ao direito justo, e não a qualquer direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARAPON, Antoine. O Juiz e a democracia: O guardião das promessas. Tradução: Maria Luiza de Carvalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
ROSA, Alexandre Morais; FILHO, Sylvio Lourenço da Silveira. Para um processo penal democrático: Crítica à metástase do sistema e controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
VASCONCELOS, Arnaldo. Direito, humanismo e democracia. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros editores, 2006.
VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Antonio Luiz Ferreira. Com a expansão nos segmentos de comunicação de massa, da falsa realidade em relação aos acontecimentos criminais, existe direito democrático no processo penal? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2011, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27426/com-a-expansao-nos-segmentos-de-comunicacao-de-massa-da-falsa-realidade-em-relacao-aos-acontecimentos-criminais-existe-direito-democratico-no-processo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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