RESUMO : A obra de Paula Freire, Educação como Pratica de Liberdade, tem uma dimensão transcendental. A obra abrange não tão somente, os âmbitos do saber da literatura, como escopo final, mas também, outros ramos do conhecimento, assim como o jurídico. Na sua visão holística, traz em seu bojo uma nova metodologia na aplicação de cursos de formação, construindo profissionais mais humanos na esfera jurídica. Proposições que culminam em uma práxis acadêmica mais democrática e cooperativa para o ensino jurídico, com vistas em formar operadores do Direito com responsabilidade social, questionadores da ordem jurídica imposta em favor dos interesses e em conjunto com a maioria da população. É fundamental para todos os profissionais independente das especialidades, ter uma posição critica, vigilante, indagadora, em face da educação que é imposta. A educação visa à libertação, à transformação radical da realidade, para melhorá-la, para torná-la mais humana, para permitir que homens e mulheres sejam reconhecidos como sujeitos de sua história e não como objetos. Segundo o autor, assumirmo-nos como sujeitos e objetos da História nos tornam seres da decisão, da ruptura. Seres éticos.
PALAVRAS- CHAVE: Visão Holística; Educação Visa a Libertação; Profissionais mais Humanos.
ABSTRACT : The work of Paulo Freire, Education as the Practice of Freedom, has a transcendental dimension. The work covers not only, the areas of science literature as the final scope, but also other branches of knowledge, as well as legal. In its holistic approach, brings with it a new methodology in the implementation of training courses, building professionals more human in the legal sphere. Propositions that culminate in a more democratic and academic practice together for the legal education, to train operators with a view of law with social responsibility, questioning the legal system imposed in the interests and together with the majority of the population. It is essential for all professionals regardless of specialty, have a critical position, alert, inquiring, in the face of education that is imposed. Education aims at the liberation, radical transformation of reality, to improve it, to make it more humane to allow men and women are recognized as subjects of history, not objects. According to the author, assumirmo us as subjects and objects of history as beings make the decision of the rupture. Ethical beings.
KEYWORDS: Holistic, Education Visa Liberation; Professionals more human.
1. INTRODUÇÃO
Atualmente a educação, em quase todas as esferas, passa por momentos difíceis, é notório sua precariedade na má formação dos profissionais. É importante identificar o ponto chave desse dilema. O problema enfrentado é a questão da vocação e da desumanização.
Vocação (Para Boff, seria um “saber cuidar) humanitária individual no sentido de que busca respostas a seus problemas, visando alcançar a liberdade, a justiça, integrando o ser à sua realidade, sendo formadores de pensamentos críticos junto aos clamores sociais. Desumanização o ser menos, como antítese do pensamento anteriormente descrito, no sentido de opressão, de egoísmo materialista e de injustiça, sedo visto como o “nada”, a escória social.
José Wilson Ferreira Sobrinho (1997:23), quando trata da metodologia dos cursos jurídicos, concorda com tais críticas, salientando que “o discurso do poder público continua, no fundo, o mesmo: a educação é importante, mas os recursos são escassos.
(...)“A indiferença planejada do Estado, a questão salarial, a perda do prestígio social do professor universitário, a falta de condições de trabalho e a concentração do poder universitário são fatores importantes na discussão sobre o que é ensino jurídico”.
Nas civilizações anteriores, a visão do ensino jurídico, especificamente no final do século XVIII, estava dividida entre duas correntes, o naturalismo e o positivismo. As duas correntes do direito, não são consideradas diferentes relativas à sua qualidade ou qualificação. Constata-se que uma diferença existente entre ambas, refere-se ao seu grau, no sentido de que uma corrente do direito é considerada superior à outra, ou seja, sendo postas em planos diferentes.
Na modernidade, os cursos de formação jurídica, não há essa distinção, mas há uma dialética antagônica, a qual pode ser verificada em situações cotidianas, é perceptível e saliente, no que concerne a hierarquia dos docentes e dissidentes, ambos apresentam-se posições opostas. Não há espaço para discussão, não há espaço para o contra-senso dos alunos, apenas o detentor do conhecimento tem o poder da retórica, e transfere-o da forma que lhe convir. Formação de um ciclo vicioso, de uma postura dogmática dos professores e uma postura alienada dos alunos em favor de um contexto dominador excludente e díspar da realidade social. Como destaca Rosalice Fidalgo “em face de um ensino jurídico que não constrói novos saberes, mas apenas reproduz um Direito que a muito nos foi dado ( imposto), tem-se, por um lado, um Direito distante da realidade, que não participa da vida, e, de outro, uma sociedade que passa por uma evolução paradigmática de valores”.
O sábio, Paulo freire, acredita que uma das ferramentas mais importante para a transformação deste paradigma é a utilização do diálogo professor/aluno, pois não há possibilidade de questionamento sem diálogo. É de suma importância que essa transferência, ou seja, da permissão dada aos alunos para “agir e refletir sobre a ação pedagógica realizada, diferente de um refletir exclusivo da mente do professor. Aí se chega à práxis, ou a "teoria do fazer", com ação e reflexão simultâneas, em reciprocidade” (FREIRE, 1996:98).
2. EDUCAÇÃO COMO LIAME DA JUSTIÇA SOCIAL.
Antes da Proclamação da Independência, em 1822, o Brasil não possuía sua própria legislação positivada. O que vigorava era Direito português, em especial as Ordenações Filipinas, que entraram em vigor na Península Ibérica em 1603. Essa legislação era ilustrada pelas desigualdades sociais O Direito oficial previsto para ser aplicado no Brasil Colônia era desenvolvido pela Metrópole européia e, no que concerne aos mecanismos disponíveis para a resolução de conflitos, eram poucos ou não existia, numa comunidade leiga, que não utilizavam e tampouco tinham acesso à jurisdição oficial. Uma vez que a população, na sua grande maioria, eram índios e negros não tinham formação nem um mínimo de educação, os negros não tenham sequer personalidade civil. O direito à educação, consagrado em nossa democrática e maltratada Carta Política, aventura-se a fazer-nos acreditar na efetividade desse direito, como bem preleciona Fábio Ulhoa Coelho:
A afirmação ideológica de que todos os homens são iguais perante o direito, sem distinção de raça, cor, sexo, religião, etc., surgiu, historicamente, com o modo de produção capitalista. Essa igualdade jurídica nunca significou a eliminação das diferenças materiais, ou seja, da diferenciação entre as pessoas em relação ao acesso aos bens de subsistência social produzidos. A igualdade jurídica coexiste com uma desigualdade de classes.
Grande influência exerceu o pensamento de Montesquieu nas leis pátrias, sendo muitos deles adaptados à nossa realidade. Dentre eles o artigo 5º da Carta Magna brasileira, onde o inciso LVII destaca o princípio da presunção da inocência; o inciso XXXIX positiva o princípio da legalidade e o XLV a individualização da pena . A lei nº 4.737 de 15-7-1965, o Código Eleitoral, prevendo normas voltadas à seguridade e estruturação dos direitos políticos inerentes ao cidadão. A lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil, cujo artigo 1789, diz que o testador só poderá dispor da metade da herança, bem como o artigo 1521, IV dá causa para impedimento e nulidade a casamentos entre irmãos unilaterais ou bilaterais; isto sem esquecer-se de outros institutos.
A educação desde sempre é o ponto principal e de grandes discussões, desde a antiga Grécia até os dias atuais. Acredita-se que esta fonte de saber possa trazer grandes contribuições para o desenvolvimento pessoal e coletivo, podendo ser ainda fonte material para uma vivencia plena.
Platão foi o primeiro filósofo a encarar a filosofia como formação de um novo tipo de homem. Esse fato só foi possível, porque em Atenas estabeleceu-se a democracia, a partir do final do século VI aC. Com o advento da democracia grega, todos passaram a usufruir dos privilégios, passando ao alcance de todas as crianças. Segundo Teixeira (1999, p. 17) “O privilégio de participar da vida política e cultural de Atenas”. Os espartanos foram os primeiros a discutir um ideal de educação, levando em consideração o ideal de excelência humana. Essa educação baseada em princípios guerreiros era estendida às meninas, pois, tinham que ter uma vida saudável e feliz e, só assim, poderiam gerar belos filhos, que posteriormente serviriam à Polis.
O filósofo, segundo Platão, é o mais bem preparado para governar a cidade, pois, graças ao seu conhecimento e sabedoria, adquiridos com a educação, poderá fazer boas leis que garantam a harmonia e a superação das conseqüentes contradições da vida em sociedade (TEIXEIRA, 1999, p. 29). Platão acreditava que a monarquia é o regime político ideal para conter com os exageros e criar medidas justas, impondo ordem e justiça (os filósofos ocupariam o poder). Criado assim, um Estado ideal fundamentado e legitimado pela filosofia. “O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas principalmente, nas idéias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação por que passam, no espírito que os assimila. (Ruy Barbosa, Oração aos Moços.)
A idéia platônica de uma educação orgânica para um Estado, funcionando como um organismo vai determinar a definição de justiça [...] O conceito de justiça em Platão está diretamente associado à sua tentativa de busca de maior organicidade educacional [...] a rigor é que a justiça consiste em que cada um se dedique ao seu trabalho e que pode haver desigualdade de poder e de privilégio (TEIXEIRA, 1999, p. 41).
A justiça é uma virtude geral que regula e compreende as demais virtudes. Ela é colocada como ponto fundamental para uma vida feliz (virtuosa), portanto ser justo é fazer o bem, e é esta a visão que Socrates e platão tinham da educação perfeita. Uma vez que quando se adquiri conhecimento, a virtude mantém uma relação intima com o saber, transparecendo todo um otimismo ético-social através da formação pedagógica. Quando se adquiri conhecimento, o homem será capaz de transmiti-lo, se afirmar enquanto ser critico.
Para Freire é necessária uma educação para decisão, para uma responsabilidade social e política. Através da educação, surgiria diálogo com os outros, através de uma visão sempre crítica e não passiva. A Pedagogia Crítica rejeita a tese que o conhecimento e a escola são neutros. A escola deve ser política porque é produzida e situada em complexo de relações políticas e sociais das quais não pode ser separada.
Para Paulo Freire essa atitude educacional pode ser denominada como educação bancária, com os seguintes termos: “Na visão ‘bancária’ da educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro”. (Paulo Freire ,1987, p.58)
Embora o pano de fundo seja o Brasil, a sua filosofia de educação é um clamor universal em favor da esperança para todos os membros da raça humana oprimida e descriminada. Neste sentido, afirma que qualquer iniciativa de alfabetização só toma dimensão humana quando se realiza a "expulsão do opressor de dentro do oprimido", como libertação da culpa (imposta) pelo seu fracasso no mundo. (Paulo Freire, 1987, p. 64)
Os alunos do ensino jurídico deve desenvolver uma capacidade mais aguçada de apresentar um pensamento dialético e, não apenas, reproduzir textos e falas alheios. Uma nova visão na relação pedagógica jurídica, como também a possibilidade de mudanças no que tange as formas pedagógicas impostas por séculos, e as injustiças sociais.
3. ILUMINUSMO E ASCENÇÃO DO DIREITO
Com advento do século XVIII, um grupo de pensadores começou a se mobilizar em torno da defesa de ideias que pautavam a renovação de práticas e instituições vigentes em toda Europa. Levantando questões filosóficas que pensavam a condição e a felicidade do homem, o movimento iluminista atacou sistematicamente tudo àquilo que era considerado contrário à busca da felicidade, da justiça e da igualdade. Os iluministas preocuparam-se em denunciar a injustiça, a dominação religiosa, o estado absolutista e os privilégios enquanto vícios de uma sociedade que, cada vez mais, afastava os homens do seu “direito natural” à felicidade. Segunda a visão desses pensadores, sociedades que não se organizam em torno da melhoria das condições de seus indivíduos concebem uma realidade incapaz de justificar, por argumentos lógicos, sua própria existência.
O Iluminismo deu origem às três grandes ideologias dos séculos XIX e XX: o liberalismo, o socialismo e o nacionalismo. O liberalismo, ideologia da burguesia por excelência, afirmava a igualdade e a liberdade individuais em contraste com o Antigo Regime, pois sob este a burguesia já economicamente poderosa se via politicamente excluída, pois não possuíam os supracitados privilégios de origem da nobreza, o grupo social dominante, cujo poder derivava antes da tradição militar e da propriedade rural.
Destaca-se, dentre os pensadores, a importância com que Rousseau tratava a educação e a família. Para ele esta questão é muito séria, sendo a base da sociedade. Se formos trazer esta questão para os dias atuais, é evidente que isto não tem sido valorizado. No Brasil ainda são restritos a uma pequena parcela da população o acesso às escolas e universidades, o que compromete as possibilidades no mercado de trabalho, já que o ensino público é de péssima qualidade na nossa sociedade.
Como leciona Fábio Konder Comparato, que valoriza o papel da educação:
A lição dos antigos é irrefutável: há sempre uma íntima ligação entre educação e política, entre a formação do cidadão e a organização jurídica da cidadania. Se a boa natureza original do ser humano o foi corrompida pela sociedade moderna, a regeneração dependerá de uma reforma profunda, tanto do sistema educacional, quanto da organização do Estado, pois esses dois setores estão intimamente ligados.
a verdadeira educação é de cunho moral e não técnico. A educação preocupa-se com a única finalidade que importa: o desenvolvimento harmônico de todas as qualidades humanas. A mera instrução, diferentemente cuida dos meios ou instrumentos. Desviada de sua finalidade maior, ela pode criar autônomos e súditos, nunca cidadãos e homens livres. (Comparato, Fábio, 2006, p.241)
Montesquieu autor da celebre separação dos poderes: Legislativo, Executivo e judiciário, que é legado do mundo moderno, colocou a educação como o conjunto de leis que primeiro nos ensinam, sendo de fundamental importância no desenvolvimento de qualquer governo. A idéia básica de Montesquieu é quanto às leis da educação, sendo as primeiras que recebemos e que nos preparam para sermos cidadãos. Desta forma, cada família particular deve ser governada de acordo com o plano da grande família.
A reflexão filosófica que Paulo Freire elaborou sobre a Educação, pensando-a numa perspectiva libertadora se tornou, extraordinariamente, inovadora. O educador e cientista da educação pensou a educação como instrumento de libertação integral do ser humano. Em outras palavras, a educação precisa estar a serviço da humanização da pessoa, fazendo-a refletir e agir sobre o mundo transformando-o.
4. CONCLUSÃO
É notória a brilhante reflexão de Paulo Freire, no que concerne a importância da educação, e, sobretudo o papel do educador. No entanto, este precisa ter uma visão transcendental, o qual deve sair da zona de conforto para despertar a consciência crítica de seu educando, ajudando-o a libertar-se da alienação. A consciência crítica faz a pessoa ser sujeita da própria história.
A educação, segundo ele, deve combater a cultura da dominação presente no mundo e levar as pessoas a descobrirem sua vocação ontológica e histórica: a do ser mais. Leonardo Greco afirma que “a finalidade do ensino jurídico, deve ser formar profissionais de alto nível, capazes de pensar nos problemas da sociedade brasileira e de formular soluções jurídicas para equacioná-las”. ( Greco,2001)
O caminho mais acertado que podemos trilhar é o da educação inspirada nos valores libertários e humanísticos e os princípios do iluminismo: igualdade, fraternidade, liberdade.
5.REFERÊNCIAS
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. 3a ed. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988.
BOFF, L. A teologia da libertação. Balanço e Perspectivas, S.Paulo, Ática, 1996.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia, DF: Senado Federal, 1988.
COELHO,Fábio Ulhoa, Manual de Direito Comercial, São Paulo, Saraiva, 5ª ed., 1994.
COMPARATO, Fábio Konder. Ética : direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006..
FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
--------------. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, paz e Terra, 1970.
GRECO, L. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro, 7 de outubro de 2001.
MONTESQUIEU, Charles de Louis de Secondat. Do espírito das leis, São Paulo: Abril cultural, 1988.
PLATÃO - República. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 2001.
ROUSSEAU, Jean Jaques, Do Contrato Social, 3 edição, Ed. Abril Cultural, SP,1983
TEIXEIRA, Mirene. O significado pedagógico da obra de Anísio Teixeira. São Paulo: Loyola Ed., 1985.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONTES, Andréa |Carregosa. Educação sob a ótica jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2011, 09:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27507/educacao-sob-a-otica-juridica. Acesso em: 01 out 2024.
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