RESUMO: O Direito está em constante mudança, afinal, a sociedade é dinâmica. O sistema de normas jurídicas é reflexo desta evolução. Isto justifica, a priori, a verdadeira razão das diversas modificações pelas quais passou a Carta Magna brasileira. Por isso, faz-se mister delinear e conhecer todo processo histórico, social, político, econômico e cultural pelo qual passou a primeira Constituição brasileira, em 1824, até a nossa contemporaneidade.
PALAVRAS-CHAVE: sociedade; evolução; constituição.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo busca relatar as experiências das diversas modificações pelas quais passaram a Carta Constitucional brasileira, demonstrando assim, numa percepção ampla, os reais benefícios de tais mudanças e os interesses “ocultos” provenientes de tais reformas.
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A Constituição de 1824, foi outorgada durante o regime Imperial, sob domínio de D. Pedro I. Seus princípios sofreram influência da monarquia européia, principalmente da declaração francesas dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1791 e da declaração dos Direitos de Virginia, de 1776. A Constituição Imperial, como era conhecida, instaurou um governo monárquico histórico, constitucional e representativo, prevendo assim a existência de quatro poderes do Estado (Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador).
O poder Moderador era exclusivo do Imperador, estava acima dos demais poderes. Por meio deste, D.Pedro I tinha autoridade para nomear ministros, senadores e juizes, bem como demitir presidentes das províncias, dissolver Câmaras, vetar atos legislativos, dentre diversas atribuições. Enfim, o Imperador reinava, governava e administrava. Tem-se ai uma visão paradoxal mediante o principio da divisão do poder, uma vez que este foi instituído para preservar e consolidar as garantias constitucionais e não propiciar o absolutismo.
Em relação à religião, instaurou-se o catolicismo. A Igreja católica era submissa ao controle político do Império – regime do padroado. Os membros da Igreja recebiam ordenados do governo, sendo considerados quase que funcionários públicos. Era o imperador quem nomeava os sacerdotes para os diversos cargos eclesiásticos. Quem tivesse religião diferente da católica só poderia praticá-la por meio de “culto particular”, pois a lei proibia qualquer templo publico não católico.
A Constituição Imperial mostrou-se bastante incongruente. Previa a liberdade e igualdade de todos perante a lei ao passo que excluía da vida política a grande maioria dos homens, a totalidades das mulheres, escravos e índios. Esta Carta condicionou ainda o direito eleitoral a certos níveis de renda, que a maior parte da população não tinha. Para votar era preciso ter uma renda anual de no mínimo 100 mil réis. Para ser candidato a deputado esta renda deveria ser de 400 mil réis e para senador 800 mil réis. Previa ainda o direito de propriedade quando em media 95% da população, se não escrava, compunha-se de moradores de fazendas, em terras alheias, que podiam ser mandados embora a qualquer hora. Abolia a tortura, mas nas senzalas os instrumentos de castigo como o trono e o açoite continuavam sendo usados. Além disso, o senhor era o supremo juiz da vida e da morte de seus homens. Com relação à Economia a Carta Imperial instaurou o liberalismo como forma de garantir as relações externas da elite minoritária – oligárquica. Por ser predominantemente oligárquica, sem grande participação popular, a esta carta foi a mais duradoura.
Percebe-se assim que os direitos constitucionais não tinham validade para a massa humana – ignorava-se a distância entre a lei e a realidade. Mediante estas discrepâncias grupos revolucionários – republicanos, passaram a atuar de forma cada vez mais intensa. Teve início a Guerra de Cisplatina; a Confederação do Equador, além das diversas rebeliões que ocorreram durante todo o regime imperial, a exemplo da “Balaiada”, “Sabinada”, e a “República do Piratini”. Todos estes movimentos fizeram com que D.Pedro I abdicasse o torno em 1831.
Ao assumir o poder em 1831, os republicanos procuraram estabelecer novas leis. Criou-se em 1891, mediante participação popular, uma nova Carta Magma. Esta sofreu influência norte-americana e argentina. Adotou com forma de governo o sistema presidencialista. O presidente tornou-se chefe do Estado e do governo, auxiliado por ministros. Os estados passaram a serem federalistas – as antigas províncias do império formam transformadas em estados- membros, ganhando autonomia para eleger seu governador e seus deputados estaduais. Cada Estado tinha uma Constituição própria, mas esta deveria estar em consonância com a Constituição Federal.
Diferentemente da Carta Imperial, esta adotou o sistema tripartidário. O executivo, legislativo e judiciário passaram a atuar de modo harmônico e independente, o que perdura até a nossa contemporaneidade. O catolicismo não era mais visto como a religião oficial, houve a partir daí o livre arbítrio religioso. Criou-se o registro civil de nascimento e casamento, haja vista que até então só existia a certidão de batismo e o casamento só era permitido na Igreja.
A Carta republicana propiciou ainda a criação de novos símbolos nacionais. Instituiu-se uma nova bandeira cujo lema era ordem e Progresso, que perdura até os nossos dias. Promulgou ainda em 1890 a lei da grande naturalização. Seu principal objetivo foi amenizar o sentimento antilusitano de boa parte da população brasileira. Quanto ao voto houve inovação. Os brasileiros maiores de 21 anos podiam votar desde que não fossem analfabetos, mendigos, soldados ou religiosos sujeitos à obediência. As mulheres também não podiam votar. Vale ressaltar que o sistema de voto era aberto – os eleitores eram obrigados a revelar publicamente em que candidato iria votar. Isto fez com que o voto do cabresto, o coronelismo se efetivasse. O coronelismo tem suas leis próprias e funciona na base da coerção da força e da lei oral, bem como na troca de favores e obrigações. Esta forma de voto fez com que os coronéis, representantes da elite oligárquica, que não apresenta interesses para o bem comum da sociedade, se beneficiassem. Repete-se o desrespeito e não a igualdade de todos.
O coronelismo foi o poder real e efetivo. A relação de força dos coronéis (grandes proprietários de terra) elegia os governadores, deputados e senadores. Os governadores impunham o Presidente da República. Os Deputados e Senadores dependiam da liderança dos governadores. Efetivava-se neste período um verdadeiro circulo vicioso. Esta Constituição possuía um elevado arcabouço formal, mas afastava-se da realidade. Isto justifica a sua ineficácia social. As pessoas não tinham seus direitos individuais, políticos, de propriedade e segurança efetivados. Com o intuito de contornar esta situação, surgi a Emenda Constitucional de 1926 – infeliz em suas tentativas.
As idéias de mudanças de fato vieram com a revolução de 30, instituída pelo líder do movimento Getulio Vargas. Este reivindicava mudanças sociais. Por isso, ao tornar-se presidente deu inicio a reforma constitucional, criando uma nova Carta em 1934. Esta, a pesar de não ser sido muito bem estruturada, trouxe um novo conteúdo. Rompeu o voto do cabresto, para a infelicidade geral dos fazendeiros oligárquicos. Inovou ao tornar o voto secreto; as mulheres adquiriram o poder de votar, embora continuassem sendo excluídos os analfabetos, mendigos, militares até o posto de sargento e pessoas judicialmente declaradas sem direitos políticos. A nova carta possibilitou a criação da justiça eleitoral independente. Manteve o presidencialismo, a república, o federalismo e a divisão dos poderes. Inovou ao reconhecer os direitos trabalhistas – salário mínimo, férias anuais, jornada de trabalho de no máximo 8 horas diárias. Preservou a política econômica do liberalismo, mas com restrições pré- traçadas de ordem social.
A Carta de 1934 veio dar forma jurídica aos anseios sociais, sem anular ou negar os princípios já inseridos nas constituições anteriores. Buscou por meio de uma nova ideologia assegurar à Nação a unidade, liberdade, justiça e o bem estar social econômico. Este passou a limitar o direito que até então era usufruído pelo indivíduo em sua plenitude. Regulou os princípios sobre o funcionalismo publico, bem como procurou regular os problemas da segurança nacional. A pesar deste teor eminentemente liberal, Vargas centralizava o poder em suas mãos. Este foi capaz de deflagrar um golpe em 1937 para que pudesse continuar no poder, haja vista que no ano seguinte chegaria ao fim o seu mandato.
Deflagrado o golpe, outorgou em 1937 uma nova Constituição. Tem-se início a era do Estado Novo, eminentemente ditatorial. Esta nova Carta dava poderes ao governo de invadir casas, prender, julgar e condenar pessoas. Nesta época, os Estados brasileiros perderam sua autonomia política, e os governos estaduais foram entregues ao comando de interventores da confiança do presidente. Rompeu o Federalismo; extinguiram-se os partidos políticos, e as eleições democráticas foram suspensas. Diferentemente das Cartas anteriores nesta o Estado pode intervir na economia. O poder executivo passou a criar leis.
Todo este totalitarismo fez com que as pessoas se unissem e revelassem contra o “fascismo interno”, haja vista que este período assemelhou-se com o nazi-fascismo que estava sendo deflagrado na Europa em decorrência da II Guerra Mundial. A era Vargas chegou ao fim no dia 29 de outubro de 1945. Tem-se início o governo de Eurico Gaspar Dutra.
CONSTITUIÇÃO DE 1946
Dutra ao chegar ao poder providenciou a elaboração de uma nova Constituição para o país. Esta foi promulgada democraticamente em 1946. No entanto, estava baseada em princípios liberais que atendiam mais aos interesses dos grandes empresários. Nesta diferentemente da anterior instaurou-se o federalismo, estabeleceu a democracia com regime político da nação e manteve a republica e o presidencialismo. Ao contrário da centralização de poderes do Estado Novo, esta Carta conferiu poderes ao Legislativo, Executivo e Judiciário para que atuassem de modo independente e com o equilíbrio de forças.
Buscou-se por meio desta Carta conservar o equilíbrio político do Brasil pelo regime de seus representantes no Senado e na Câmara; fixar uma política municipalista capaz de dar ao Município o que lhe era indispensável, essencial, à vida, à autonomia. Esta revisou as Constituições passadas no que se refere à declaração dos direitos e garantias do individuo. Estabeleceu ainda o voto secreto e universal para maiores de 18 anos. Mas, continuavam sem direito ao voto analfabetos, cabos e soldados. Prevaleceu nesta, o regime econômico neoliberal.
Houve a preservação dos direitos trabalhistas instituídos na constituição de 1937, mas inovou ao legitimar o direito de greve para os trabalhadores, mediante apreciação da justiça de trabalho. Ressalta-se ainda que esta previa a desapropriação com indenização. A pesar de ter propiciado a redemocratização do país, esta Carta não conseguiu realizar-se plenamente, afinal, voltou-se para as fontes formais do passado (Constituições de 1891 e 1934) que nem sempre estiveram conformes com a história real. Nasceu de “costas para o futuro”, seguindo saudosamente os regimes anteriores, que provaram o mal. A pesar de garantir a liberdade de pensamento, crença religiosa, expressão, na prática, esses direitos não eram iguais para todos. Paradoxo: país real x país legal. Mediante esta instabilidade deflagrou-se o golpe militar, e junto com este a ascensão de um novo presidente da Republica, Marechal Artur da Costa e Silva.
Costa e Silva, ao chegar no poder, outorgou, em 1967, uma nova Constituição. Nesta, o autoritarismo predominou. Inspirou-se na Carta de 1937. Preocupou-se com a segurança nacional dos militares. O governo tinha o poder de reprimir os crimes que ofendessem esta segurança. Estabeleceu a eleição indireta dos presidentes, aumentando assim o aumento do controle federal sobre os gastos públicos. Houve por meio desta a reformulação do sistema tributário nacional, bem como a discriminação de rendas, ampliando a técnica do federalismo coorporativo.
Por meio desta nova Carta, instituem-se novas normas de políticas fiscais, tendo em vista o desenvolvimento e combate à inflação. Reduziu a autonomia individual, suspendeu os direitos e garantias constitucionais. Limitou o direito de propriedade, autorizando a desapropriação mediante pagamento de indenização por títulos da divida publica para fins de reforma agrária. Definiu mais eficazmente os direitos dos trabalhadores.
Enfim, foi uma ferramenta nas mãos do governo militar. O caos tornou-se notório fazendo com que diversos setores da sociedade reivindicassem o fim da ditadura e a instauração da democratização do país, o que se deu em 1988, sob o governo de José Sarney. Este, ao assumir o poder criou, mediante um regime democrático, a formação de uma nova constituição. Esta perdura até a nossa contemporaneidade e tem como princípios básicos a igualdade, liberdade e solidariedade. Inspirou-se na Constituição portuguesa de 1976. Seu objetivo principal é reger a democratização do país, substituindo os instrumentos jurídicos criados pela ditadura militar.
Esta prevê a liberdade das pessoas para trabalhar, expressar-se, pensar, locomover-se pelo país, votar nas eleições publicas, participar de partidos políticos , praticarem uma religião, além de legitimar o acesso de todos à educação, à assistência social, ao lazer, segurança pública. Determina ainda o sigilo das comunicações, o direito de propriedade e herança, o direito das crianças, idosos e adolescentes, dentre outros. Esta carta possui um caráter eminentemente intervencionista, podendo ser traduzida como sendo a Constituição Cidadã, haja vista que teve ampla participação popular em sua elaboração e se volta decididamente para a plena realização dos direitos dos cidadãos. Isto justifica o fato de esta já ter sofrido algumas alterações, no entanto, todas com o intuito de gerar, em tese, o bem comum da sociedade.
CONCLUSÃO
Diante o exposto, foi notório que as diversas mudanças pelas quais passaram as constituições brasileiras não foram, via de regra para satisfazer os verdadeiros anseios da população. È necessário que se tenha a consciência de que a lei - o ordenamento jurídico não é capaz por si só de gerar mudanças. Cabe ao homem conhecer e cumprir com os seus deveres para que possa reivindicar melhorias que estejam pautadas no bem comum da sociedade, e não apenas de uma elite minoritária, como via de regra acontece.
Referências:
FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
SILVA, José Afonso. Da evolução político-constitucional do Brasil. In ___. Curso de Direito Constitucional positivo. 23.ed. São Paulo: Malheiros editores, 2004. p.69-90.
COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e Geral. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
SHIMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova geração, 2005.
Estagiária do Ministério Público de Cicero Dantas/BA (2ª Promotoria) vara criminal.Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ana Helena Santos dos. As Constituições Brasileiras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2011, 10:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27513/as-constituicoes-brasileiras. Acesso em: 23 dez 2024.
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