Sumário: 1. Conceito básico e regulamentação legal; 2. O contrato de transferência internacional de tecnologia; 3. Contrato de fornecimento de tecnologia (Know-how); 3.1. Partes do contrato; 3.2. Registro do contrato; 3.3. A tutela legal; 4. Contrato de prestação de serviços de assistência técnica e científica (Engineering); 5. Contrato de clé en main ou turn key (Chave na mão); 6. Contrato de exploração de patente e de uso de marca
1. Conceito básico e regulamentação legal
Muito se tem falado nos dias atuais e, por isso, devemos cogitar de sua importância e seu alcance, principalmente no que tange à eficiência e competitividade das empresas e o sucesso delas graças ao recebimento de tecnologia estrangeira. Vamos falar aqui da tecnologia industrial, assim considerada a de natureza econômica: um conjunto de conhecimentos, idéias criadas pelo saber humano e pela criatividade humana, aplicada para a produção e distribuição de mercadorias e serviços. Contudo, a característica principal dessa tecnologia é a de que ela pertence a empresa de um país, que permite o uso dela por outra empresa, situada em outro país, seja esta subsidiária ou não.
Podemos citar como exemplo de transferência de tecnologia o serviço feito por Marco Polo quando foi à China e de lá transferiu para a Europa a técnica de produção do risoto e do macarrão, que passaram a ser fabricados pelos europeus. Comenta-se também que Marco Polo teria transferido para a Europa a técnica de fabricação da pólvora e os fogos de artifício. Não se trata de tecnologia industrial, pois Marco Polo não deveria ter intenção de explorar a tecnologia trazida da China, para fabricação e venda dos produtos surgidos na China. Deve ter sido, ainda, uma transferência graciosa, enquanto estamos cogitando de transferência onerosa, com visível intento lucrativo.
De muitas formas a tecnologia pode ser transferida. Se uma empresa brasileira compra um equipamento industrial, recebe também um manual de operação desse equipamento, e, às vezes, recebe até um técnico do fornecedor estrangeiro, que vem ao Brasil para instalar, instruir e orientar as operações. É um contrato de transferência internacional de tecnologia. Esse serviço é aparentemente gratuito, mas seu preço está embutido no preço do equipamento. Destarte, a importação de bens de capital é uma forma preliminar e mais simples de transferência internacional de tecnologia.
Infelizmente, as empresas brasileiras necessitam da tecnologia estrangeira, em vista de nossa incapacidade de criar tecnologia própria. Falta-nos iniciativa para criar conhecimentos e técnicas aplicáveis à produção de bens e serviços, salvo honrosas exceções. Citaremos como exemplo a EMPRAPA, uma empresa federal encarregada de criar tecnologia na produção agropecuária, que tem apresentado resultados auspiciosos. Um frigorífico conseguiu produzir uma ave denominada chester, graças ao cruzamento de peru com frango, o que não deixa de ser criação bastante louvável à genética, de aplicação empresarial. Em sentido geral, entretanto, é lastimável a iniciativa brasileira. O Brasil chegou até a criar o Ministério da Tecnologia e os Estados criaram a Secretaria de Tecnologia, meros cabides de emprego, que nada criaram de útil, a não ser despesas e negociatas.
A falta de tecnologia de nossa parte é prejudicial às atividade empresarial, pois o exterior geralmente não nos transfere tecnologia de ponta, mas de segunda linha. Certa vez, o Japão colocou à venda 200 indústrias, já superadas por outras mais modernas. Para nós, todavia, essas indústrias seriam boas, mas o Governo japonês proibiu a transferência dessas indústrias, por não querer favorecer a concorrência. Não devemos, portanto, esperar muita colaboração dos países tecnologicamente desenvolvidos, para nosso desenvolvimento. A transferência de tecnologia para subsidiária no Brasil, porém, é mais eficaz, pois é interesse da matriz aumentar a competitividade de sua subsidiária.
A produção intelectual, as idéias criadas pelo gênio humano tinham sido incluídas no Direito das Coisas, previstas nos artigos 649 a 673 do nosso Código Civil. Esses artigos (consideram-se revogados pela Lei n° 5.988) de 14.12.1973, que regulamentou os "Direitos Autorais". Na órbita civil, esses direitos autorais circunscrevem-se mais a propriedade sobre as obras artísticas, literárias e científicas.
Na órbita empresarial, os bens intelectuais são regulamentados pelo Código da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), também chamada Lei da Propriedade Industrial ou Lei de Patentes e pelas normas baixadas pelo órgão regulador desses direitos: o INPI -- Instituto Nacional de Propriedade Industrial. O Código de Propriedade Industrial, também chamado de Lei de Patentes, enumera como bens tutelados por ele a invenção, o modelo de utilidade (ferramental), o modelo industrial (protótipo), o desenho industrial, as marcas de indústria, comércio e serviços, expressões ou sinais de propaganda, insígnia e título de estabelecimento.
No plano internacional, o Direito de Propriedade Industrial é regulamentado pela Convenção de Paris, de 1883, portanto, há mais de um século. Em 1967, a Convenção de Estocolmo reformulou a Convenção de Paris, vigorando hoje como estatuto básico disciplinador do Direito da Propriedade Industrial no plano internacional. A Convenção de Estocolmo criou também o órgão de controle desses direitos, a WIPO -- World Intellectual Property Organization. O Brasil participou dessa convenção que se transformou em lei nacional pelo Decreto n° 75.541, de 31.3.1975. A WIPO é, no plano internacional, o órgão analogamente correspondente ao nosso INPI.
A questão dos contratos de transferência de tecnologia estava bem regulada pela Ato Normativo 15/75 do INPI, que foi substituída pela Resolução 22/91. Essa mudança foi desastrosa para a clareza da questão, pois a nova norma nada esclarece. Temos agora que apelar para legislação ampla e esparsa. Muitas normas baixadas pelo INPI, efêmeras, vão tratando da questão e modificando seu direito básico. Vamos então enumerar os estatutos legais em vigor.
- Lei 9.279/96 - Lei da Propriedade Industrial, ou Lei de Patentes ou Código da Propriedade
Industrial
- Lei 41231 - Lei do Capital Estrangeiro
- Resolução 22/91 do INPI
- Instrução Normativa 1/91 do INPI
- Ato Normativo 120/93 do INPI
- Ato Normativo 135/97 do INPI.
2. O contrato de transferência internacional de tecnologia
Entre os contratos internacionais mais freqüentes, os que se referem à transferência de tecnologia estão se realçando por uma série de motivos. É o que vem acontecendo com o franchising, o know-how, engineering e o turn key, chamado também de clé en main; igualmente o de licenciamento de uso de marcas e patentes. Às vezes, nota-se um contrato de um desses tipos mais comuns com alguns elementos de outros.
Não há uma definição precisa do que seria tecnologia, mas pode se fizer uma noção estável sobre o que enfocam o direito das empresas, a economia e outros pontos de vista que, no mundo moderno, vêm constituindo um bem cada vez mais valioso e se internacionaliza constantemente.
Entende-se como tecnologia todo o complexo de idéias criadas pelo saber humano, pelo gênio e criatividade do ser humano. Pode ser um processo de fabricação ou produção de bens de maneira econômica, a criação de um nome ou de um produto que tenha a possibilidade de aceitação pública de forma mais segura, a fórmula de um produto químico ou farmacêutico, um modo de trabalho que economize tempo ou mão-de-obra, uma cooperação técnica entre duas empresas, maneiras de manipular matérias-primas ou combinar ligas metálicas.
Juridicamente, a tecnologia é um bem; um bem imaterial, não-corpóreo, de natureza intelectual. O nosso Direito das Coisas enquadrado no seu âmbito de tutela, por considerar o bem intelectual como coisa, embora coisa seja um bem corpóreo. O enfoque do Direito das Coisas é feito, contudo, pelo ângulo do Direito de Propriedade. A tecnologia constitui um bem suscetível de apropriação pelo homem, isto é, propriedade de quem a criou ou a fez criar. O titular dos direitos de propriedade sobre esse bem poderá fazer valer esses direitos: jus utendi, fruendi et abutendi.
A importância dos contratos de transferência de tecnologia se realça nos dias atuais, se analisarmos a movimentação financeira que eles provocam. O Banco Central não publica as operações financeiras de transferência de tecnologia, mas sabe-se que os valores da transferência de royalties para o exterior têm grande peso na formação da nossa dívida externa. A criação de tecnologia é uma das principais causas da ascensão de vários países no cenário mundial. Foi a criação e o desenvolvimento da tecnologia industrial que ensejou a Inglaterra promover a Revolução Industrial e impor-se como potência econômica o mesmo aconteceu com a França, a Holanda e os EUA, com as diversas ascensões da Alemanha. Modernamente, a tecnologia proporcionou ao Japão o reerguimento no período de após-guerra e sua consideração como potência industrial e econômica.
3. O contrato de fornecimento de tecnologia (know how)
A expressão know-how foi criada há bastante tempo, abreviando a fórmula original: Know-how to do it (saber como fazer isto). Enquanto o franchising é utilizado no comércio, o know-how é utilizado principalmente na indústria. Pelo contrato de know-how, uma empresa detentora de técnicas, fórmulas de produtos ou de processos, arte de fabricação ou conhecimento confidencial de método de trabalho, concede a outra empresa o direito de utilizar esses conhecimentos, beneficiando-se da maior produtividade, mediante o pagamento de uma remuneração. O concedente do know-how é normalmente empresa de países mais desenvolvidos industrialmente, que elaboraram técnicas industriais mais produtivas.
O know-how não é uma invenção propriamente dita, um invento industrial e normalmente não é patenteável. É difícil patentear um método secreto de trabalho e para patenteá-lo cessa o segredo, que é importante característica do know-how. A invenção é a criação de um produto novo e o know-how não cria um novo produto, mas a forma de se fabricar um produto com maior produtividade. O know-how é um conhecimento e o mesmo conhecimento pode ser desenvolvido por diversas pessoas em diversos lugares. Da mesma forma, uma metodologia de fabricação pode ser suplantada por outra tecnologia. É o que aconteceu no Japão no mundo moderno; este país criou know-how aplicado na indústria, que tornou obsoleto o know-how que detinham empresas de outros países.
O know-how é um valor imaterial que se incorpora no patrimônio de uma empresa. Trata-se de um patrimônio intelectual, conhecimentos secretos capazes de criar ou melhorar um produto, tornando-o mais rentável. Por isso, é difícil de ser avaliado e registrado; não consta do balanço de uma empresa, entretanto, um patrimônio transferível e comercializável, ensejando o contrato de know-how. Este contrato é, pois, o instrumento pelo qual uma empresa pode melhorar a sua produtividade, recebendo de outra uma tecnologia nova de fabricação. Obriga-se a empresa receptora do know-how ao pagamento de uma remuneração, os royalties, visto ser o contrato de know-how mercantil, empresarial, oneroso e comutativo.
O transmitente do know-how assume a obrigação principal de transferir temporariamente seus conhecimentos técnicos a outrem. Dá uma concessão, uma licença temporária, para que o licenciado utilize a tecnologia e lhe proporcione um ganho. Há outras obrigações acessórias, como a de aprimorar o know-how licenciado, fornecer à empresa receptadora dele gráficos e relatórios, não fornecer o mesmo sistema tecnológico a competidores no mesmo país ou em zonas restritas. Em muitos casos, o fornecedor do know-how dá garantia de sua eficácia técnica e controle de qualidade.
A economia no mundo hodierno caracteriza-se por ser essencialmente tecnológica, em que a toda hora se inventam bens que possam satisfazer melhor as demandas do mercado consumidor. Não basta, contudo, inventar coisas; há necessidade de se inventar métodos e sistemas de produção dos bens. Mesmo para um produto já inventado e em produção é possível encontrar um método cientificamente esquematizado, visando a uma produção mais econômica dos bens, economizando matéria-prima, diminuindo a utilização de mão-de-obra e abreviando o tempo de produção. Desta maneira, obter-se-ão produtos mais baratos e de melhor qualidade, que suplantarão os da concorrência, a luta da produção em massa contra o artesanato.
Impõe-se a conexão entre os dois valores: a criação e a produção. A criação é fruto da ciência, do gênio humano: é a invenção. Inventar um produto é criá-lo, é dar-lhe as formas e outros característicos. A produção é a reprodução desse produto em larga escala, destinada a suprir as necessidades do mercado consumidor. Quando se fala em produção, refere-se à produção industrial, à produção em massa, com a adoção de métodos cientificamente executados, visando a atingir produtos de melhor qualidade e menor preço. É a conexão da sociedade tecnológica: criação-produção, a ciência com a administração. O objeto dessa conexão é a produtividade. Por outro lado, quando se fala em criação, em invenção, considera-se o invento industrial, a invenção de produtos destinados a suprir as necessidades humanas, com a devida remuneração.
Esta técnica de reprodução de bens destinados ao mercado consumidor, esta metodologia de trabalho executada como princípio de produtividade é que constitui o know-how. Ela é a arte do desempenho empresarial, fruto também da criação, mas principalmente da experiência. Sendo fruto da experiência adquirida, criando uma arte de fabricação, o know-how não tem o caráter de "novidade", característica básica do invento industrial, da invenção. Não tendo caráter de novidade, não pode ser patenteado, mesmo porque, se for patenteado, perderá seu caráter de "segredo de fábrica". Por isso, o objeto do know-how é a transferência de uma metodologia secreta, de um segredo relativo à produção industrial de bens.
O contrato de concessão do know-how era previsto no Brasil pelo Ato Normativo n° 15/75 do INPI, com o nome de Contrato de Fornecimento de Tecnologia Industrial. Achamos esse nome inadequado, pois o know-how é aplicado principalmente na indústria, mas não obrigatoriamente. Um banco, por exemplo, pode criar um know-how, uma metodologia própria de trabalho bancário e aplicá-lo na sua atividade operacional. O mesmo pode fazer uma empresa prestadora de serviços, um magazine, um hospital, um hotel. Todavia, o Ato Normativo n° 15/75 foi revogado e, em seu lugar, passou a vigorar a Resolução n° 22, de 27.2.1991, secundada pela Instrução Normativa n° 1, de 2.7.1991. A Resolução n° 22/91 do INPI, adotou para o know-how o nome de Contrato de Fornecimento de Tecnologia. Como é a legalmente adotada, faremos referência doravante a essa denominação. Embora o Ato Normativo 15/75 tenha sido revogado trouxe-nos considerável contribuição doutrinária. A Instrução Normativa 1/91 do INPI complementou a regulamentação desse contrato e de outros.
3.1.PARTES DO CONTRATO
No conceito de know-how nota-se a existência de duas partes. Uma delas é a empresa dona dessa tecnologia; é a detentora desse direito de propriedade imaterial, que poderá fornecer a quem ela quiser. Nesse aspecto, pode ser chamada de proprietária. Como é ela quem fornece o know-how, também pode ser chamada de fornecedora, a parte ativa no contrato de transferência desse tipo de tecnologia.
Contudo, o contrato de fornecimento de tecnologia se dá de duas formas: pela cessão e pela licença. A cessão do know-how é a sua venda; com ela, a empresa fornecedora retira-se de cena, transferindo definitivamente à empresa cessionária seus direitos de propriedade imaterial. A licença, porém, é um aluguel do know-how, um arrendamento. É uma autorização dada pelo concedente a uma outra empresa, para que esta utilize o know-how durante determinado tempo, mediante o pagamento de uma remuneração chamada royalty. Tratando-se de cessão, as partes podem ser chamadas de cedente e cessionário; sendo licença, chamar-se-ão licenciadora e licenciada. Como, entretanto, a transferência do know-how implica na concessão temporária ou definitiva para a utilização da tecnologia, e o contrato se denomina de fornecimento de tecnologia, preferimos adotar as expressões fornecedora e fornecida.
A fornecida é a empresa que recebe essa tecnologia, para utilizá-la durante determinado tempo; é uma usuária do know-how. Aplica a tecnologia alheia na sua atividade empresarial e por essa aplicação assume a obrigação de remunerar o fornecedor, pagando o royalty ao proprietário dos direitos da propriedade imaterial.
3.2.REGISTRO DO CONTRATO
Como os demais tipos de contratos de transferência de tecnologia, o Contrato de Fornecimento de Tecnologia (ou know-how) deverá ser averbado no INPI e também no Banco do Brasil, sem o qual não poderão ser transferidos os royalties para o exterior. A averbação, ou seja, o registro do contrato no INPI e no Banco Central, deverá ser feito mediante procedimento especial, com determinados formulários padronizados. Não está ainda estabelecido o sistema de registro do know-how que permita a manutenção do segredo, pois esta característica é essencial a esse tipo de contrato. Outra característica do know-how é a de não ser amparado por direitos de propriedade industrial, e com o registro fica amoldada à nossa legislação tutelar; para essa tutela necessitará estar bem definido e esclarecido, deixando, portanto, de ser secreto e sujeito a divulgação.
Outro aspecto que poderá implicar em divulgação é que o know-how não consta pura e simplesmente de conhecimentos e de técnicas aplicados às atividades empresariais. Esses conhecimentos são expressos por dados técnicos de engenharia de processo ou dos produtos fabricados com a utilização de know-how fornecido. Há uma metodologia do desenvolvimento tecnológico usada para a obtenção de dados; esses dados estão muitas vezes representados pelo conjunto de fórmulas e de informações técnicas, de documentos, de desenhos e modelos industriais, de instruções sobre operações, de manuais de treinamento, cálculos, croquis e outros elementos parecidos, para permitir a fabricação de produtos. Até o preço do Contrato de Fornecimento de Tecnologia poderá implicar na divulgação dos conhecimentos secretos.
3.3.A TUTELA LEGAL
O artigo 1° da Resolução n° 22/91 diz que a averbação do Contrato de Fornecimento de Tecnologia deverá incentivar a inovação tecnológica. Assim sendo, deveria ser esse incentivo tutelado pelo Direito da Propriedade Industrial, principalmente pelo Código de Propriedade Industrial. Por outro lado, o artigo 1.2. da Instrução Normativa n° 1/91 diz que o Contrato de Fornecimento de Tecnologia é o instrumento utilizado para a formalização da transferência de conhecimentos e de tecnologias não amparadas pelo Direito da Propriedade Industrial no Brasil. Portanto, o know-how carece de tutela legal. O mesmo artigo diz que o contrato de fornecimento de tecnologia deverá conter cláusulas que assegurem ao usuário a absorção da tecnologia fornecida, de forma a permitir sua capacitação tecnológica. De forma muito vaga, procura essa disposição proteger palidamente o adquirente da tecnologia contra possíveis desmandos do fornecedor. É bom volver ao fato de que os fornecedores de know-how normalmente são empresas estrangeiras e os usuários dele são empresas nacionais.
Cabe agora uma pergunta: que garantia terá o adquirente do know-how contra o furto dessa tecnologia fornecida, ou de ser vítima de divulgação indevida de seus conhecimentos secretos e que têm no segredo o principal fator de sua eficácia? É esse o ponto crítico, vago e volúvel do know-how. Todavia, o direito de vários países amoldou o know-how a um outro valor imaterial da empresa: o segredo de fábrica, uma vez que ele é um conjunto de conhecimentos secretos. Como o segredo de fábrica encontra guarida na lei brasileira e na de muitos países, a analogia faz assimilar um ao outro. Encontrou-se assim uma forma de proteção legal a essa propriedade imaterial.
O primeiro manto protetor legal do know-how foi apresentado pelo Direito francês graças ao artigo 418 do Código Penal de 1810, capitulando como crime, e como tal sujeito a sanções, a indevida divulgação dos segredos de fábrica. Por sua vez, o Código Civil francês no artigo 382, previu a atividade ilícita da concorrência desleal. Desde então, a legislação de muitos países, como a da Alemanha, capitula a concorrência desleal, incluindo nela a divulgação dos segredos de fábrica, quer na lei empresarial, quer na penal. O mesmo acontece no Brasil, provavelmente por influência francesa. Já estava prevista no antigo Código de Propriedade Industrial de 1945 tendo se conservado após o advento do novo e atual Código, transplantados os artigos específicos para o Código Penal, como o nome de "Crimes contra a Propriedade Imaterial".
É evidente a analogia e a aproximação entre as duas modalidades de propriedade imaterial: o know-how e o segredo de fábrica. Poder-se-ia dizer que o segredo de fábrica é o gênero e o know-how a espécie. Há, pois, seguros fundamentos em aplicar-se as normas legais de um ao outro. O antigo Código da Propriedade Industrial, Lei n° 7.903/45, conservou em vigor o título que se referia aos crimes contra a propriedade imaterial, e no artigo 178 enumera doze tipos de crime de concorrência desleal. Pelo inciso XI, comete crime de concorrência desleal quem divulga ou explora, sem autorização, quando a serviço de outrem, segredo de fábrica, que lhe foi confiado ou de que teve conhecimento em razão de serviço, mesmo depois de havê-lo deixado. Essa disposição dá a entender que esse crime só é praticado por empregado ou ex-empregado de uma empresa detentora de know-how.
Parece-nos, todavia, que os doze incisos do artigo 178 formam uma enumeração exemplificativa e não taxativa. Não constitui um numerus clausus de concorrência desleal. Perguntamos então: não capitula em concorrência desleal quem se apropria de forma ilícita do know-how de um concorrente, utilizando-o em seu benefício e em detrimento do concorrente, locupletando-se graças ao trabalho alheio?
4. Contrato de prestação de serviços de assistência técnica e científica (Engineering)
Por esse contrato, uma empresa de assessoria técnica compromete-se a implantar em uma outra empresa um método de trabalho ou a aprimorar o método que esta já aplicava. É um sistema de prestação de serviços, em que o prestador do engineering dá garantia da eficiência de seu trabalho, assistência técnica e controle de qualidade.
É diferente do know-how; neste o concedente detém um processo de trabalho que fornece ao licenciado. No engineering, o beneficiário já possui um método de trabalho e o prestador de serviço de engineering estuda, corrige e aperfeiçoa esse método. O prestador do serviço não cria o método para si, mas cria diretamente para o beneficiário; a tecnologia já era deste e incorporada definitivamente ao patrimônio dele; é, portanto, tecnologia de utilização definitiva e não temporária como o know-how.
Às vezes, o engineering pode ser aplicado no próprio know-how. Uma empresa que detenha um know-how e pretenda aperfeiçoá-lo, contrata com uma empresa de engineering para que estude e aperfeiçoe o know-how. Assim sendo, a fornecedora da tecnologia não é a detentora dela. Ela pode atuar como mandatária da empresa titular dos conhecimentos objeto do contrato, transferindo e implantando a metodologia de uma empresa em outra.
Esse contrato tem sido chamado de "organização", "consultoria empresarial" ou "engenharia empresarial"; é também usado o termo "engenharia", tradução de engineering. Quando em vigor o Ato Normativo n° 415/75, esse contrato era categorizado como "contrato de serviços técnicos especializados" de forma diferente do know-how. A Resolução n° 22/91 adota a classificação de "prestação de serviços de assistência técnica e científica".
O contrato de engineering não é celebrado apenas com fins industriais, mas também administrativos, mercadológicos, controle de qualidade, processamento de dados, gerenciamento, planejamento financeiro e operacional, programação e elaboração de estudos e projetos, elaboração de planos diretores, estudos de previabilidade e de viabilidade técnico-econômica e financeira, instalação, montagem e colocação em funcionamento de máquinas, equipamentos e unidades industriais, e outras atividades empresariais que exijam uma organização cientificamente estabelecida.
O serviço de engineering não é desconhecido da lei brasileira. Pelos Decretos n°s 64.345/69 e 66/717/70, os órgãos públicos só poderão contratar serviços de engineering (a lei fala em consultoria e assistência técnica, não usando a expressão engineering) com empresas estrangeiras, se não houver empresa nacional capacitada a prestar esses serviços. Se contratar empresa estrangeira, o serviço deverá ser executado em convênio com empresa nacional. Uma empresa privada, porém, poderá contratar diretamente com empresa estrangeira.
5. Contrato de clé en main ou turn key (Chave na mão)
A expressão inglesa significa literalmente "vire a chave" e a francesa "chave na mão". Ambas, porém, dão a noção exata desse contrato bastante utilizado na transferência internacional de tecnologia.
É o contrato pelo qual uma empresa fornece equipamentos a outra, instalando o equipamento fornecido, testando-os e fazendo com que ele fique já produzindo, com a eficiência desejada. Não é apenas um contrato de compra e venda de maquinaria industrial, mas de uma maquinaria dinâmica, em correto funcionamento, gerando produtos com especificações técnicas esperadas.
É contrato que incorpora características de assistência técnica, compra e venda, prestação de serviços de montagem, de treinamento de pessoal, implicando sempre a transferência de tecnologia. Aproxima-se mais ao contrato de empreitada, regulamentado pelos artigos 237 a 1.247 de nosso Código Civil.
Contrato desse tipo, que se tornou famoso, foi o celebrado entre a indústria automobilística francesa RENAULT e a estatal rumena INDUSTRIALIMPORT, para o fornecimento de uma indústria de automóveis. A Renault, porém, não forneceu apenas o equipamento industrial completo; instalou-o, colocou-o em funcionamento, testou-o e o entregou em perfeitas condições para operar. Forneceu ainda os modelos dos carros a serem fabricados por aquele equipamento. Treinou o pessoal da Industrialimport até torná-lo apto a manejar o equipamento fornecido. O quadro de pessoal, sob a supervisão de técnicos franceses, montou o modelo industrial dos veículos (protótipo), a partir do qual partiram para a produção em série. Não foi, portanto, a simples venda de um equipamento industrial de uma fábrica completa, mas acompanhada da tecnologia industrial, do know-how, licença para uso de marcas e patentes, assistência técnica e outros direitos de propriedade intelectual.
Esse mesmo contrato foi além das características do clé em main e fez criar nova figura contratual: produit en main. Isto porque a Renault transferiu à Industrialimport também a tecnologia de comercialização dos negócios produzidos pela fábrica fornecida. Transferiu estratégia de mercadologia, sistemas de nomeação de distribuidores e outras formas de fazer chegar os produtos às mãos dos consumidores. Chamou-se assim o novo tipo de contrato de produit en main.
Esta figura contratual não é estranha ao Brasil. Muitas empresas brasileiras foram aqui instaladas graças a esse sistema. Por outro lado, o Brasil é também exportador de tecnologia. Uma indústria brasileira, sediada no Estado de São Paulo, especializada em equipamentos para produção de açúcar e de álcool, certa vez, vendeu para uma empresa da Malásia uma usina produtora de açúcar e de álcool. Não foi, contudo, apenas a venda de um equipamento industrial. Técnicos brasileiros foram à Malásia, instalando esse equipamento vendido e fazendo-o funcionar. Só voltaram ao Brasil quando os malaios já podiam acionar a usina e fazê-la produzir sem a assessoria brasileira. Assimilaram, pois, a tecnologia de produção de açúcar e álcool, transferida pela empresa brasileira.
6. Contrato de licença para exploração de patente e de uso de marcas
Envolve mais questões de publicidade, pois não se aplica na transferência de conhecimentos, mas de nomes. Não é muito comum, pois geralmente na transferência de tecnologia se inclui autorização para utilizar o nome, como no caso do franchising. Ocorre, entretanto, a utilização pura e simples de um nome, tal como acontece com as marcas de roupas italianas e francesas. Ou então remédios com nome e fórmulas patenteados.
É um problema que vem agitando o comércio internacional, devido a que o uso de marcas e patentes vem ocorrendo sem estar lastreado por um contrato de transferência de tecnologia. Há poucos anos, houve um estremecimento nas relações entre o Brasil e a França, pelo fato de empresas brasileiras utilizarem nomes patenteados na França, como "Christian Dior", "Givanchy", "Pierre Cardin" e outros, indevidamente. Teve ampla repercussão o comércio de uma camisa com um jacaré, chamada "Lacoste", de marca registrada internacionalmente. O problema foi resolvido por acordo entre os dois países, com o compromisso de observação das convenções internacionais.
Para regular a aplicação das formas de produção intelectual, foram criados dois ramos do Direito, que hoje se realçam cada vez mais. O Direito do Autor para tutelar as criações do gênero humano, mais ligados ao campo das artes. A tendência desse direito foi mais para o Direito Civil, introduzindo-se no Brasil e sendo regulamentado principalmente pela Lei n° 5.988, de 14.12.1973. O controle da aplicação do Direito Autoral fica a cargo do Conselho Nacional de Direito do Autor.
No tocante ao uso de marcas e patentes para fins empresariais, aplica-se outra legislação, constituindo novo ramo do Direito, integrado no Direito Empresarial, que se convencionou chamar no Brasil, e em alguns outros países, de Direito da Propriedade Industrial. Outros países adotam a designação de Direito da Propriedade Intelectual, que nos parece mais adequada; é também a designação adotada internacionalmente. Todavia, adotaremos o nome que foi dado a esse ramo do Direito Empresarial pelo legislador brasileiro. O órgão regulador do Direito da Propriedade Industrial é o INPI -- Instituto Nacional da Propriedade Industrial. A lei básica do Direito da Propriedade Industrial é o Código de Propriedade Industrial, a Lei 9.279/96, também chamada de Lei de Patentes ou Lei da Propriedade Industrial.
A regulamentação interna da transferência internacional de tecnologia ficou regulamentada pelo INPI, com o Ato Normativo n° 15, de 11.9.1975. Essa norma, entretanto foi revogada e substituída pela sumária Resolução n° 22/91 e outras. Todavia, o Ato Normativo n° 15/75 é muito sugestivo sob o ponto de vista doutrinário e descreve diversos tipos de contratos e de tecnologias. Pelo Ato Normativo n° 15/75, todo contrato de transferência de tecnologia do exterior para o Brasil deve ser averbado no INPI, sem o que, inclusive, não poderão ser enviados royalties, da licença concedida. Esses contratos são classificados pela Resolução 22/91 quanto ao seu objetivo e para fins de averbação no INPI, em cinco categorias:
a) para exploração de patente;
b) para uso de marca;
c) de fornecimento de tecnologia;
d) de prestação de serviços de assistência técnica e científica.
Há dois tipos de transferência de tecnologia: a CESSÃO é a transferência definitiva e o LICENCIAMENTO temporário, como se fosse o aluguel da tecnologia. A cessão é um tanto rara. O contrato é estabelecido entre duas partes. A parte que detiver a tecnologia e conceder licença para sua utilização é chamada de licenciador, fornecedor, cooperador ou prestador de serviços técnicos especializados. A parte que se aproveita da tecnologia é chamada de licenciado, favorecido ou beneficiado. Mesmo que as duas partes sejam domiciliadas no Brasil, a averbação do contrato no INPI é obrigatória.
A remuneração da tecnologia, ou seja, o royalty não é de livre estipulação entre as partes, para evitar vazão de divisas. É correlacionado com o montante da venda e com o lucro obtido do produto-objeto da licença. O INPI controla também o número de técnicos estrangeiros e a remuneração deles, e se o técnico é um dos sócios da empresa brasileira licenciada.
Esse contrato é chamado de Contrato de Exploração de Patente. Faz parte deste contrato também o Contrato de Uso de Marca, pois a marca a ser transferida deverá ser protegida por registro no INPI. Destina-se, especificamente, a autorizar a exploração efetiva, por terceiro, de objeto de patente Regularmente depositada ou concedida no país, consubstanciando Direito de Propriedade Industrial. Para que haja licença, é preciso que a patente esteja previamente registrada e o privilégio tenha sido publicado. O contrato de licença é temporário; se for definitiva a transferência de uma patente, não será "licença", porém, "cessão" ou "compra". O prazo é de dez ou quinze anos.
Se o licenciador for sócio majoritário da empresa licenciada, o contrato deverá ser averbado no INPI, porém não poderá auferir royalties pelo uso que fizer sua associada no Brasil. Esse critério segue as convenções internacionais e o direito interno da maioria dos países. Assim, por exemplo, não seria justo que a Volkswagen do Brasil pagasse royalties para a Volkswagen da Alemanha pelo uso do símbolo VW.
O contrato deverá indicar se a exploração de patente é exclusiva ou não exclusiva. As obrigações do licenciador incluem o fornecimento, com a licença, de todas as fórmulas, especificações, desenhos e demais dados técnicos da patente. Caso o licenciador brasileiro aperfeiçoe a patente, será titular dos direitos sobre esse aperfeiçoamento. O licenciador deverá também comunicar ao licenciado os aperfeiçoamentos que forem realizados no exterior. A licença deve ser, pois, ampla, para que o licenciado utilize livremente a patente; o contrato não pode conter cláusulas restritivas e/ou impeditivas para a exploração efetiva do objeto da patente.
Por isso, o licenciador não poderá embaraçar as atividades do licenciado, impondo limites à produção, venda, publicidade, comercialização ou exportação do produto licenciado; nem pode obrigar o licenciado a utilizar determinados insumos ou componentes, mesmo que sejam de procedência brasileira.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. A transferência internacional de tecnologia solidifica as empresas nacionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 fev 2012, 09:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27728/a-transferencia-internacional-de-tecnologia-solidifica-as-empresas-nacionais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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Por: Roberto Rodrigues de Morais
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