SINOPSE: TEORIA DA APARÊNCIA; PRINCÍPIO DE DIREITO; EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL; ENTENDIMENTO NA JURISPRUDÊNCIA E NA DOUTRINA; APLICAÇÃO DA BOA FÉ;
SUMÁRIO: Capítulo 1. Introdução Capítulo 2. - Noção jurídica de aparência de direito 2.1 - Aparência e boa-fé Capítulo 3. - Direito Comparado 3.1 - Direito França 3.2 - Direito Itália 3.3 - Direito Alemanha Capítulo 4 - Evolução da aparência de direito na doutrina 4.1 - A evolução da jurisprudência Capítulo 5 - Teoria da aparência no direito civil 5.1 - Teoria da aparência – Acolhimento no Direito Brasileiro – Boa-fé 5.2 - citação, intimação e notificação - cambiais - obrigações Capítulo 6. - Eficácia da aparência de direito 6.1 - Fundamentos jurídicos propostos da efiçacia da aparência de direito Capítulo 7. Aparência e Títulos de Crédito Capítulo 8. TEORIA DA APARÊNCIA E HERDEIRO APARENTE Capítulo 9. - Conclusão Bibliografia
Capítulo 1. - Introdução
A monografia apresentada tem por fim clarear um campo de aplicação ainda obscuro, em razão da pouca utilização prática pelos operadores do direito, impossibilitando assim uma análise mais acurada pelos tribunais Superiores, assim, está apresentado ao mundo jurídico a singela contribuição a desvendar a tão difícil arte de disciminar os conceitos e aplicações práticas da prefalada teoria da aparência e, que de modo cabal e inequívoco, ajudar a esclarecer alguns pontos controversos na doutrina acerca desta. A evolução da matéria ventilada, não é somente dentro do ordenamento jurídico pátrio, mas sim em termos mundial, sendo que em alguns países não há ainda o seu devido reconhecimento dentro do mundo jurídico. Entretanto, somente se atendo a orientação e evolução pátria, temos que em nosso ordenamento ainda não há previsão expressa regulando a quaestio, sendo certo que já não está tão distante seu reconhecimento. Para corroborar as afirmativas acima convém citar o brilhante trabalho pelo ilustre mestre e orientador Dr. Maurício Motta, que sem se alongar nos esclarece que “ Desde o seu surgimento no mundo jurídico, a teoria da aparência tem provocado acesas polêmicas na doutrina e na jurisprudência, não só no Brasil. Contribuiu em muito para o acirramento dessa polêmica entre nós o fato de que o direito civil pátrio não instituiu entre seus preceitos uma regra geral prevendo a validade da aparência de direito. As normas referentes à tutela da aparência de direito existentes no ordenamento civil, elaboradas numa época onde ainda predominava uma concepção eminentemente individualista e tradicional do Direito...”.Este texto se divide nos seguintes capítulos e sub-capítulos. Na primeira parte, Capítulo 2. - Do instituto da Aparência no âmbito do ordenamento jurídico, 2.1 noção jurídica de aparência de direito, 2.2 Realidade e verdade, Capítulo 3 - Conceito jurídico de aparência de direito, 3.1 Direito comparado, Capítulo 4 - Evolução histórica da aparência de direito no Brasil, 4.1 - A evolução na doutrina , 4.2 - A evolução da jurisprudência, Capítulo 5 - Teoria da aparência no direito civil ,Título I - Casuística da aparência de direito, Capítulo 1 - Casuística na doutrina, Capítulo 2 - Casuística na jurisprudência, Capítulo 6. - Eficácia da aparência de direito, 6.1 - Fundamentos jurídicos propostos da efiçacia da aparência de direito, 6.2 - Aparência de direito como princípio de direito. Assim, vale ressaltar e deixar consignado a admiração por aqueles que abaraçaram a tese, que ora o subscritor desta também se dedicou.
2.- Noção jurídica de aparência de direito
Conforme demonstrou e bem caracterizado e delineado em sua tese, o ilustre mestre Dr. Maurício Motta a quem devemos todo respeito, vem dar mais substâncias a presente monografia, trazendo o conceito e a evolução da teoria da aparência, quando diz: “ Com o advento da Revolução Industrial, a aceleração do comércio e das necessidades sempre prementes da vida dos negócios provocou, no curso dos séculos XIX e XX , um desabrochar da teoria da aparência em sua acepção clássica. O ordenamento jurídico, atendendo à conveniência de imprimir segurança e celeridade ao comércio jurídico e à necessidade de dispensar proteção aos interesses legítimos, fez passar a aparência antes da realidade, reconhecendo como válidos alguns atos aparentemente verdadeiros e os efeitos jurídicos que a lei lhes atribui. Angelo Falzea conceitua a aparência de direito como "a situação de fato que manifesta como real uma situação jurídica não real. Este aparecer sem ser, coloca em jogo interesses humanos relevantes que a lei não pode ignorar" . Nessa definição resumem-se os aspectos mais importantes da idéia de aparência de direito. Primeiro o fato da predominância da segurança sobre a certeza do direito: uma das razões fundamentais da importância atribuída ao fenômeno da aparência está no fato de que à realidade jurídica escapa normalmente a possibilidade de uma averiguação segura do direito que requer, comumente, indagações longas e complexas. Por isso o princípio é chamado a socorrer e disciplinar, justamente, aqueles casos nos quais essa averiguação e essa busca apresente maiores dificuldades e mesmo impossibilidade. São esses casos aqueles de exteriorização material nos quais não existe a correspondência entre a atividade do indivíduo e a realidade dos atos que pratica. Por isso, terceiros de boa fé podem ter em conta a exteriorização e ignorar a realidade oculta. O segundo aspecto relevante da definição é a restrição dos casos de aparência de direito às situações de fato que manifestam como real uma situação jurídica não real. Sempre que estivermos em presença de situações de aparência para as quais o direito já tenha assegurado tutela, como a posse (aparência de propriedade) ou a natureza cartular dos títulos de crédito, não estaremos diante de situações regidas pelos cânones da aparência de direito, mas por princípios jurídicos outros que buscam sua realidade em outras formas de ordenação jurídicas específicas. Somente se poderá classificar uma situação real como aparência de direito quando a esta possa se aplicar tão-somente o princípio geral da aparência de direito. A aparência de direito se caracteriza e produz os efeitos que a lei lhe atribui, somente quando realiza determinados requisitos objetivos e subjetivos. São estes, no magistério de Vicente Ráo:
"São seus requisitos essenciais objetivos: a) uma situação de fato cercada de circunstâncias tais que manifestamente a apresentem como se fora uma situação de direito; b) situação de fato que assim possa ser considerada segundo a ordem geral e normal das coisas; c) e que, nas mesmas condições acima, apresente o titular aparente como se fora titular legítimo, ou o direito como se realmente existisse.
São seus requisitos subjetivos essenciais: a) a incidência em erro de quem, de boa fé, a mencionada situação de fato como situação de direito considera; b) a escusabilidade desse erro apreciada segundo a situação pessoal de quem nele incorreu. Como se vê, não é apenas a boa fé que caracteriza a proteção dispensada à aparência de direito. Não é, tampouco, o erro escusável, tão somente. São esses dois requisitos subjetivos inseparavelmente conjugados com os objetivos referidos acima, - requisitos sem os quais ou sem algum dos quais a aparência não produz os efeitos que pelo ordenamento lhes são atribuídos".
Efetuando uma síntese dessas idéias, Álvaro Malheiros assim conceitua a aparência de direito:
"Podemos, agora tentar descrever e dar um conceito mais preciso da aparência de direito. Nela, um fenômeno materialmente existente e imediatamente real, manifesta um outro fenômeno - não existente materialmente nem imediatamente real - e o manifesta de modo objetivo, através de sinais, de signos aptos a serem apreendidos pelos que dele se acercarem; não através de símbolos, mas pelos próprios fatos e coisas, com base num comportamento prático, normal. Manifesta-o como real, conquanto não o seja, porque essa base de relações e de ações, abstratamente verificável na generalidade dos casos, vem a falhar no caso concreto".
2.1 - Aparência e boa-fé
Abrilhanta essa monografia, o parecer do ilustre jurista Dr. Arnaldo Rizzado Juiz de Direito no Rio Grande do Sul, o qual nos eclarece que :
“ As relações sociais se baseiam na confiança legítima das pessoas e na regularidade do direito de cada um. A todos incumbe a obrigação de não iludir os outros, de sorte que, se por sua atividade ou inatividade violarem esta obrigação, deverão suportar as conseqüências de sua atitude. A presença da boa-fé é requisito indispensável nas relações estabelecidas pelas pessoas para revestir de segurança os compromissos assumidos.
Na formação do nexo obrigatório, reclamam-se respeito mútuo e intenção séria. O direito aperfeiçoa-se na medida em que sobressai a importância dada à boa-fé, Nas legislações recentes, a noção deste princípio teve grande relevância, a ponto de ser consagrado expressamente. É o que sucede no C.C. Suíço, arts. 2º e 3º, onde consta que todos os direitos e todas as obrigações hão de se exercer a executar dentro de condutas determinadas pela boa-fé. O art. 1.135, do C.C. Francês, por seu turno, exprime que as convenções devem ser travadas de boa-fé. O C.C. Alemão, no art. 157, estatui que os contratos interpretar-se-ão como exigem a boa-fé e a intenção das partes, determinadas segundo os usos. Nos arts. 1.366 e 1375, do Estatuto Civil Italiano, igualmente vem disseminadas regras sobre a interpretação do contrato. O nosso Cód. Com. No art. 131, n. 1, prevê o seguinte: ` A inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer a rigorosa e restrita siginificação das palavras. No antigo C.C. inúmeras foram as referências ao princípio, criador de direitos e gerador de vários efeitos, como se percebia nos arts. 155, 221, e parágrafo único 490, 510, 516, 550, 551, 618, 619, 622, 968, 1.272, entre outros dispositivos que com o Novo Código Civil foram transformados nos arts. 180, 1.561, e parágrafo único do art. 1.201,1.214, 1.219, 1.238. 1.242,1.260, 1.261, 1.268, 879, 637.
Vicente Ráo, citando vários autores, explica ser a boa-fé exigida na formação dos contratos e protegida quando conduz à aquisição de um direito. Ela exerce função de adaptação quando os atos jurídicos se formam ou executam, e função criadora em matéria de posse..., fixa as condições da responsabilidade e obsta ou restringe os efeitos das nulidades (Ato Jurídico, Saraiva, São Paulo, 2ª ed. 1979, p. 226)1. Nesta mesma linha de pensamento segue Georges Rippert ( A Regra Moral nas Obrigações Civis, tradução ao português de Osório Oliveira, Saraiva, 1937, São Paulo, p. 296)2. Máximas milenares chegaram até nós, relevando a perenidade do princípio do direito: Militis non est indulgendum, fraus omnia corrupit, simmum jus, summa injuria.
Procura-se fazer reinar a justiça impondo-se a existência de certo grau de credibilidade mútua nos relacionamentos sinalagmáticos, para tornar possível a vida social dentro de uma padrão médio de honestidade e moralidade. A partir destas idéias, veremos o que é a aparência do direito.
Uma pessoa é tida, não raras vezes, como titular de um direito, quando não o é, na verdade. Aparece portadora de um valor ou um bem, agindo como se fosse proprietária, por sua própria conta e sob sua responsabilidade. Não está na posição de quem representa o verdadeiro titular, ou de quem se encontra gerindo os negócios alheios.
Em outras palavras, produzem-se declarações de vontade que não correspondem à realidade. Firma-se, v.g., a cedência de um direito como seu, levando o cessionário a convicção honesta da aquisição de direitos. Dá-se de fato cercada de circunstâncias tais que as pessoas de boa-fé são levadas a acreditar, realmente, como válidos os atos desse modo praticados.
É o que se denomina teoria da aparência, pela qual uma pessoa, considerada por todos como titular de um direito, embora não seja, leva a efeito um ato jurídico como terceiro de boa-fé. Ela se apresenta quando os atos são realizados por una persona engañada por una situación jurídica, que es contraria a la realidad, pero que presenta exteriormente las características de una situación jurídica verdadeira (José Puig Brutau, Estudos de Derecho Comparado, La Doctrina de los Actos Propios, Ediciones Ariel, Barcelona, 1951, p. 103) 3. Na Lição de Ângelo Falsea (Enciclopedia de Diritto, verbete apparenza´ 1958) 4, constitui uma situação de fato que manifesta como real uma situação jurídica irreal.
Em síntese, na aparência apresenta-se como verdadeiro um fenômeno que não é real. O contratante ou o obrigado assente no adimplemento de um dever em relação à outra parte porque as circunstâncias causaram a convicção de ser ela a real titular de um direito.
Certos casos práticos ilustram melhor a figura em exame. Na hipóteses de um gestor, um mandatário ou representante atuarem com poder ou capacidade aparentes, ou excederem o limite das faculdades recebidas, tendo o terceiro contratado confiando na capacidade de representação em vista da aparência que revelavam convalesce o ato jurídico, surtindo efeitos e obrigando o verdadeiro titular a respeitar o convencionado. Resta-lhe acionar os fictícios representantes. Sustenta a firmeza do negócio a necessidade de se emprestar proteção à boa-fé, manifestada através da confiança depositada na aparência.
Válidas são as conseqüências decorrentes de certos fatos que levaram o contratante a depositar confiança no ato realizado. Quem sempre pagou os compromissos assumidos verbalmente, saldando , v. g., as prestações sem reclamar recibo, em conivência com o credor, tudo na base da confiança, tem a seu favor a equidade que leva a admitir o pagamento de uma obrigação anterior das demais solvidas.
A prática de entregar mercadorias sem exigir o comprovante do recebimento gera a convicção de seriedade quanto à palavra do vendedor. A praxe precedente e o costume de longa data fazem presumir a realidade do negócio.
Na espécie tratada, sobressai sempre a boa-fé, determinante da decisão tomada pelo agente. Esta a razão que leva a se atribuir valor ao ato perpetrado por alguém enganado por uma situação jurídica contrária à realidade, mas revestida exteriormente por características de uma situação jurídica verdadeira. Quem dá lugar a uma situação jurídica enganosa, ainda que sem o deliberado propósito de induzir a erro, não pode pretender que seu direito prevaleça sobre o direito de quem depositou confiança na aparência” .
E sobre a aplicabilidade da teoria da aparência nos negócios jurídicos, temos a lição de ANTÔNIO CARLOS AMARAL LEÃO e GERSON FERREIRA DO RÊGO, Advogados do Rio de Janeiro – Professores dos cursos de pós-graduação da Faculdade de Direito Moacir Scroeder Bastos, Campo Grande - RJ
“O principio da proteção a boa-fé de terceiros e a necessidade de se imprimir cada vez mais segurança as relações jurídicas justificam tal corte.
Na vida dos negócios não se pode imputar ao contratante a obrigação de reclamar a prova de qualidade de pessoa com a qual contrata. Não e costume impor-se a um caixa de um estabelecimento comercial, a exibição de seu contrato de trabalho, nem, em uma repartição publica, o ato de nomeação do funcionário que atende e assim um documento. Ha uma grande quantidade de situações comuns com as quais convivemos diariamente e nos forcam a um comportamente de confiança a crença franca diante delas. Não duvidamos que um vendedor esteja autorizado a aceitar preços e entregar mercadorias. Firmamos documentos sem conjecturar quanto a real representatividade doutro envolvido. Estamos habituados a efetuar pagamentos a representantes de credores, advogados e mandatários, não nos preocupando em examinar ou solicitar a autorização em receber. Em resumo, a vida nos coloca diante de eventos cotidianos, em que a necessidade determina a crença naquilo que os outros representam, Criar-se-ia um estado de coisas caótico, de verdadeiro tumulto, se a cada passo reclamarmos a comprovação da qualidade da pessoa com a qual nos relacionamos”.
O Direito não é, decididamente, um fenômeno lógico, pelo que a sua aplicação não raro se subtrai a rígida disciplina do ordenamento legal. Ciência eminentemente social, o Direito atende, sobretudo, os reclamos. da equidade e às exigências do bem comum. A teoria da. aparência, que tão fecunda se revela como processo de conciliação entre a enganosa representação das exterioridade e a oculta legitimidade do real, é bem a concretização desse ideal de Justiça. Dir-se-á que entre um interesse aparente e um interesse protegido por lei, não pode haver dúvida possível quanto à prevalência do segundo em relação ao primeiro, e que num país regido por um Direito escrito, os costumes, as solicitações da equidade, as máximas e os ensinamentos da tradição não poderão jamais revogar ou modificar o sistema legislativo. Teoricamente, assim é, mas, praticamente, assim não, acontece. O próprio legislador cede, a cada passo, às injunções da aparência, ao poder retificador das situações de fato, nivelando o ilusório ao real e, mais que isso, sobrepondo o interesse que resulta do erro escusável ao interesse que se apóia na lei. A boa-fé que decorre de erro plenamente justificado pelas circunstâncias supre as nulidades, remove os defeitos, antecipa os prazos da prescrição aquisitiva, consolida o domínio (arts. 155, 221, 551, 618, 935, 1 321, 1 600 e 968 do Código Civil antigo , que com o Novo Código Civil foram transformados nos arts. 180, 1.561, e parágrafo único do art. 1.201,1.214, 1.219, 1.238. 1.242,1.260, 1.261, 1.268, 879 e 637).
A singular capacidade abrogante da boa-fé tem tentado os juristas no sentido de alcançar uma explicação científica de fenômeno ou unificação da teoria da aparência. OTÁVIO GUIMARÂES, em sua monografia Boa-Fé no Direito Brasileiro, relaciona as diversas tentativas que se têm feito nesse sentido ou com esse propósito, explicações que vão desde a confissão de que o fenômeno não comporta uma sistematização científica até a arrojada proposição de que a singularidade se vincula ao risco criado com a conduta, voluntária ou involuntária, do verdadeiro titular do direito (p. 35 a 44).
Capítulo 3. - Direito Comparado
A) Posição do Direito Comparado
3.1. Em todos os países, a teoria da aparência tem sido consagrada, especialmente no direito comercial, embora sejam diferentes alguns dos fundamentos invocados pela doutrina e pela jurisprudência em cada um dos sistemas jurídicos. Em todos eles têm, todavia, sido invocadas a necessidade de garantir a segurança jurídica e a proteção da boa fé para justificar a responsabilidade daquele a quem se atribui a declaração de vontade pela obrigação que aparentemente constituía um título legítimo.
3.2. Assim, na França, os efeitos da teoria da aparência foram justificados tanto pelo princípio “error communis facit jus” quanto pela construção feita em torno do principio da boa fé, enquanto na Itália os autores preferiram consagrar a tutela da credibilidade (la tutela adell’alidamento) baseada em situaçôes objetivas, que justificam a proteção da boa fé da outra parte, e, na Alemanha, tais efeitos estão vinculados ao princípio atual da publicidade.
B) O Direito Francês
3.3. Na França, desde JOSSERAND e SALEILLES, a aparência foi considerada como fonte de direito quando o erro do terceiro de boa fé se justifica ou quando nele foi induzido, dolosamente, pela
outra parte.
3.4. Mais recentemente, a doutrina francesa salientou que o chamado mandato aparente produz efeitos jurídicos desde que a pessoa que trata com o mandatário esteja de boa fé e tenha sido iludida por uma aparência suscetível de razoavelmente enganar terceiros
3.5 Mais recentemente, BORIS STARCK assinala a evolução construtiva da jurisprudência francesa da Corte de Cassação, no sentido de admitir a incidência da teoria da aparência sempre que o erro cometido pode ser considerado legitimo, ou sela, razoável e justificado pelas circunstâncias específicas do caso, tendo em conta a natureza da operação e a situação e profissão das pessoas envolvidas.
3.6. Na realidade, como bem ensina HENRI MAZEAUD, a evolução do direito no particular resulta “da complicação cada vez maior das relações jurídicas, por não se poder ir até ao fundo das coisas, somos cada vez mais forçados a confiar na aparência: é preciso, sob pena de perturbar a ordem social, coe a ‘aparência razoável do direito produza, nas relações com os terceiros os mesmos efeitos que o próprio direito produziria.”’
C) O Direito Italiano
3.7. No direito italiano, os autores salientam que a aparência deve produzir efeitos jurídicos na medida em que ocorreu um comportamento apto a provocar nos terceiros, a convicção errônea da legitimação do titular do direito.’7
3.8. Resumindo a posição do direito italiano, escreve ORLANDO GOMES, inspirando-se em MARIANO D’AMELIO, que:
“São exigências sociais que justificam a adoção do princípio nos simpies termos que lhe empresta parte da doutrina moderna, desde coe Oertmann abriu o caminho para sua generalização. Segundo DAMELIO, deve-se permitir que tomem a aparência como realidade por três razões principais: 1º para não criar surpresas a boa fé nas transações do comércio jurídico, 2-º para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência: 3º para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade Jurídica. A boa fé nos contratos, a lealdade nas relações sociais, a confiança que devem inspirar as declarações de vontade e os comportamentos exigem a proteção legal dos interesses jurisformizados em razão da crença em uma situação aparente, que tomam todos como verdadeira”.
Coincide esse propósito tutelar com a tendência atual para a substituição do conceito voluntarístico de negócio jurídico pelo que se insere nas idéias de auto-responsabilidade e confiança.
D) O Direito Alemão
3.9. KARL LARENZ, apoiando-se em GIERKE e JACOBI, considera que quem cria uma aparência capaz de enganar terceiros de boa fé tem o dever de garantir a segurança jurídica daqueles que justificadamente acreditaram na realidade daquilo que só era aparente. O mesmo autor cita vários exemplos de aplicação da teoria da aparência no direito societário alemão, informando que as pessoas que, trabalhando em conjunto, criaram uma aparência de sociedade devem responder solidariamente.
E) O Direito Anglo-americano
I) Também no direito anglo-americano, com base na equidade, tem sido aplicada a teoria da aparência que, na Inglaterra, encontrou a sua base filosófica nos ensinamentos de STUART MILL para quem:
“Não ha outro fundamento assinalável na obrigação, senão as funestas conseqüências da falta de fé e da ausência de confiança mútua entre os homens.”
F) Conclusões Quanto ao Direito Estrangeiro
II) Vemos, assim, que, na maioria dos direitos vigentes, a teoria da aparência está plenamente consagrada especialmente quando:
a) se cria — ou se assume o risco de criar — uma aparência para que o negócio jurídico seja feito;
b) há antecedentes nos quais a aparência correspondia à realidade;
c) o outro contratante é de boa fé e tem razoável justificativa para acreditar ria aparência;
d) qualquer terceiro com a diligência normal do borli pai de família acreditaria na veracidade dos fatos aparentes.
Capítulo 4. - A posição da doutrina nacional
a) A partir da década de 1950, vários estudos nacionais salientaram a importância da teoria da aparência, que foi analisada por PONTES DE MIRANDA e ORLANDO GOMES, merecendo, mais recentemente, ser examinada, em profundidade, pelos eminentes magistrados Professores SEMY GLANZ e ARNALDO RIZZARDO, sem prejuízo de livros e de numerosos outros artigos que trataram do assunto de modo genérico ou específico.
b) Explicando que se aplica a teoria da aparência para a proteção do terceiros de boa fé, ensina PONTES DE MIRANDA:
“PODER APARENTE – A pessoa. que não tem poder de representação, pode, em certas circunstancias, ter de ser considerada ( sem Ter), corno se o tivesse, se aquele com quem trata há de a entender como tal. O marido que costumava receber os alugueres, durante a sua ausência. se desquitou,sem que a mulher o comunicasse ao locatário, há de ser considerado por esse legitimado a receber os alugueres. A casa comercial, que recebia prestações, por intermédio de empregados da classe 10, não ha de pretender que o comprador-devedor saiba que um dos empregados foi despedido. Não há, aí, poder: há apenas a aparência de poder, de jeito que o que se protege é a boa fé, em que se achava aquele que teve de atender ao suporte fáctico, exteriorizado, aparente, de poder. Quem dá poderes alguma vez, sem ser por escrito, e procede de modo a justificar-se a crença alheia ria continuação, ou repetição, da relação jurídica estabelecida, há de responder por isso Como coador da aparência, por culpa? Ou corno outorgante de poder? Não houve, ex hypothesí, outorga de poder pelo representado; somente ocorreu perante o terceiro. A favor do terceiro é que se concebe a eficácia de tal aparência, permitindo-se-lhe alega-la, de a que se tenham de considerar produzidos os efeitos do ato jurídico, quer se trate de direitos, ou deveres, quer de pretensões e de obrigações. ou a que se lhe preste a indenização para ato ilícito absoluto (art.. 1591 do que se disse representante ou dos dois, outorgante aparente e outorgado aparente. (os destaques e expressões entre parênteses são nossos)
Por sua vez, ORLANDO GOMES afirma que:
“Manifesta-se, a aparência em relação ao próprio mandato e em relação a um ato praticado pelo mandatário.
c) A teoria da aparência encontra na prática de atos excessivos por parte de representantes afoitos ou inescrupulosos largo e importante campo de aplicação, merecendo ser aperfeiçoada sua construção.
d) Uma das mais importantes questões que podem receber solução adequada pela aplicação dos princípios sistematizados na teoria da aparência é a que resulta da prática, por parte dos administradores de sociedades mercantis, de atos para os quais não lhes conferem poderes os estatutos, ou o contrato social.
E concluí o saudoso mestre
“Entende-se, em suma, que em todas essas situações aparentes devem os terceiros merecer proteção, exigindo-se, apenas, que seu erro, corno frisa Calaís-Auloy, provenha de circunstâncias tais que teriam podido enganar o indivíduo medido. A aparência, em tais casos, substitui a realidade, e o mecanismo de defesa dos interesses de terceiros move-se sob o impulso de uma noção que, nos dias correntes, se torna indispensável à solução de importantes questões, sobretudo no campo do Direito Comercial.’
Por sua vez, o eminente Desembargador SEMY GLANZ teve o ensejo de publicar sobre a teoria da aparência um estudo pioneiro, há cerca de um quarto de século, tendo reexaminado a matéria na excelente e oportuna atualização que fez do Código Civil lnterpretado de CARVALHO SANTOS.
Escreve o brilhante magistrado carioca que:
“A evolução do direito privado vem-se afirmando cada vez mais, no sentido de aceitar a eficácia de atos fundados na aparência”.
O Direito Comercial, porém, é campo fértil para aplicação da teoria, pois a rapidez dos negócios não permite geral, uma análise detida das situações jurídicas Assim, a situação de mandatário, sócio, preposto e representantes de pessoas jurídicas são freqüentes campos de aplicação da teoria. A respeito, Jeari Calais-Auloy escreveu alentada e premiada monografia (Essai sur lla Notion d `Apparence en Droit Commercial – Paris 1961) dizendo que a rapidez dos negocios direito comercial exíqe a proteção dos terceiros que, agindo de boa fé, são iludidos pela aparência
Com efeito, qualquer pessoa que entra num estabelecimento comercial presume que ao ser atendida por alguém legitimado para o ato. Ninguém vai pedir a carteira de trabalho ao empregado, nem a certidão da Junta Comercial para sabe; quem é o verdadeiro titular da empresa. Igualmente o funcionário de fato, no campo do direito administrativo.’
Por sua vez. o Desembargador ARNALDO RIZZARDO elimina artigo que dedicou ao assunto nos seguintes termos:
“Quem procedeu de boa fé, levado pela aparência de uma situação de estado, deve ter assegurada a proteção de sua aquisição.
Concluindo, em todas as hipóteses importa se dê proteção aos terceiros. exigindo-se, somente, que seu erro provenha de circunstâncias aptas para enganar o indivíduo médio. A aparência substitui a realidade em favor do que agiu levado por bons princípios e honestamente.
A evolução da doutrina e da jurisprudência foi no sentido de dissipar as poucas dúvidas que ainda existiam quanto à aplicação da teoria da aparência no tocante aos títulos de crédito, cuja importância para o desenvolvimento da economia já fora enfatizada, com entusiasmo, por JOSE MARIA WITHAKER. Na realidade, tanto no tocante aos títulos de crédito como nos demais negócios bancários, incide a teoria da aparência desde que presentes os seus requisitos acama referidos pela doutrina e pela jurisprudência.
Neste sentido, se o título é aparentemente válido e se as circunstâncias fazem com que essa aparência seja reconhecida pelo comerciante diligente, dentro de um sistema de razoabilidade, e se houve incontestável boa fé do credor, prevalece o crédito em virtude dos imperativos econômicos e éticos, especialmente quando o devedor aparente, pelas circunstâncias específicas do caso, aceitou o risco de ser considerado como sendo signatário do título.
Capítulo 4.1 - Teoria da aparência na jurisprudência brasileira
Contribuindo ainda mais sobre o tema ventilado, por demais polêmico, o ilustre mestre e Desembargador do egrégio Tribunal de Justiça da Comarca do Rio de Janeiro Samy Glanz, nos abranda com seus comentários e fundamentações em seus julgados, que ora vejamos:
“Nestas situações, em que claramente se aplicou a chamada teoria da aparência, podemos verificar a proteção em favor da parte que foi induzida a errar. No entanto, os Tribunais não aceitaram a alegação de erro para a anulação dos atos praticados. Ao contrário, justamente por ser um erro sanante, que seria cometido por qualquer pessoa de boa fé (jã vimos que não aceita a boa fé. o tribunal negou o pedido do lesado), é que o ato passa a ser considerado como válido, isto é. não anula vel.
Em todos estes casos, temos exemplos de erro, porém, de erro confirmador ou legitiniante, que não autoriza a anulação do ato. Ao contrário, tal erro, na maioria dos casos, como no paqamento feito ao credor putativo, saía o vicio em que incorreu o agente. Isto porque qualquer pessoa, nas mesmas condições, seria enganada.”
A) Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
EM 2 de abril de 1974, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal teve o ensejo de aplicar a teoria da aparência, ao julgar o RE n 77 814-SP que tratava da responsabilidade da empresa, por ato’. de antigo dirigente que, embora tendo ficado impedido de continuar a presidir a empresa, pelo fato de ter sido nomeado corretor do fundos públicos continuou a operar de fato em nome e por conta da mesma
O acórdão, do qual foi relator o eminente Ministro Luiz GALLOTTI, não conheceu do recurso contra a decisão de segunda estância que aplicou, no caso, a teoria da aparência, considerando o Supremo Tribunal Federal que era caso de incidência da mesma»’ Com essa decisão, a nossa mais alta Corte incorporou definitivamente a teoria da aparência ao nosso direito.
B) Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, em julgado da sua 4ª Turma, no REsp. n 12.811, tendo corno relator o ilustre Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, decidiu, por unanimidade, que:
A teoria da aparência mostra-se aplicável nos casos em que vendedor, gerente ou pessoa equiparada, por expressa ou tácita permissão do comerciante, vende mercadorias, salvo se comprovado erro inescusável ou ma Fe de adquirente.
C) Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro do antigo Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara e do antigo Tribunal de Alçada
São numerosas as decisões do tribunal carioca no sentido de aplicar a teoria da aparência para considerar .que, nos conglomerados financeiros, a ação que deveria ser intentada contra uma das entidades que o integra — distribuidora ou corretora, ou banco de investimento -também pode ser dirigida contra o barco comercial como empresa-lider do grupo
Ainda no campo ao direito bancário, foi julgado que.
Particular que aplica dinheiro em Corretora de Valores, cujo funcionário com funções gerenciais não efetua a aplicação e nemrecolhe a quantia pretendida aplicar em favor da corretora. Caracterizada esta a relação jurídica entre o aplicador e a Corretora, embora não obtida a vantagem pretendida, por culpa de preposto desta.
Também aplicou a teoria da aparência aos bancos a 1ª Câmara Civil em acórdão cuja conclusão e a seguinte
`Se o banco e vitima da ação maliciosa, ou mesmo criminosa, de algum funcionário ou alguns funcionários de seus quadros, é matéria de sua economia interna, podendo e devendo agir como bem lhe convier. mas sem livrar-se da responsabilidade de preponente, em face de atos de seus prepostos, para com terceiros, inexistindo comprovação da má fé, ou do conluio, desses últimos, isto é, dessas pessoas estranhas ao Banco. A boa fé, que decorre de erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supre as nulidades, remove os defeitos, antecipa os prazos da prescrição, consolida o domínio.
Em várias outras decisões do mesmo tribunal, afastou-se, no caso concreto, a incidência da teoria da aparência com as considerações seguintes:
“Só se responsabiliza o empregador com apoio na teoria da aparência se as circunstâncias permitiam a persuasão de que o empregado agia autorizado por aquele que para isso contribuiu por ação ou omissao.”5
“Responsabilidade civil do banco — Abuso de função — Aparência de boa fé.
-- Segundo a teoria da aparência, a responsabilidade do comitente só se configura quando a vítima acredita honestamente que o preposto estava no exercício de suas funções: e isto é inadmissível, sendo mesmo inconciliável com o princípio da boa fé, quando a vítima sabia ou devia saber com quem estava realmente negociando, e que, portanto, o preposto não se encontrava no exercício de suas funções, mas agia por conta própria ou de terceiro, que não o comítente.”36
No Tribunal de Alçada do mesmo Estado são numerosas as decisões aplicando a teoria da aparência, destacando-se entre outras as seguintes:
`Contrato de Publicidade – Alegação da A de que quem o subscreveu não tinha poderes para tanto improcedência, pois quem o afirmou, nos escritórios da autora, e pessoa qualificada nos seus quadros dirigentes.
`Teoria da aparência erudita do JUiz Semy Glanz a respeito.
“Em se tratando de notas promissórias, vencidas e não pagas, revestidas de todos os requisitos legais, constituem elas títulos extra-judiciais, aptos a serem cobrados por via de execução, nos termos do disposto nos arts. 583 a 585,1 do CPC, sendo títulos líquidos, certos e exigíveis (art. 586). E irrelevante que só um dos sócios as tenha assinado, como emitente pela Sociedade, e garantido como avalista e, se extrapolou ele os poderes sociais que lhe confere o seu Contrato de Constituição da Sociedade, poderá esta exercer, contra ele, o direito regressivo, por prejuízos que acaso este lhe cause, nunca, porém, se exonerando de pagar títulos líquidos e certos, exigíveis, que houvessem sido assinalados por má fé ou abuso de poder social.
“Sociedade, Representação — Terceiro de boa fé. Configura-se a responsabilidade da Sociedade por títulos emitidos em seu nome pelo ‘Diretor-Gerente e avalizados por outros dois Diretores (o Diretor-Administrativo e o Diretor-Comercial). aos quais, pessoalmente, caberá à Sociedade responsabilizar, por haverem se excedido nos poderes que lhes foram conferidos pela Assembléia Geral.”39
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo teve o ensejo de apreciar a incidência da teoria da aparência em títulos de crédito, em operações bancárias e no campo societário, como se verifica pelas seguintes ementas:
“Se determinada pessoa costumava endossar títulos de sociedade comercial, assumindo, perante terceiros, a posição de sócio, com inteira concordância de pessoa jurídica, não pode esta tirar proveito da própria omissão.’,
“Duplicata aceita por empregado — Recinto do estabelecimento comercial — Autorização presumida — Presume-se autorizado a aceitar duplicata o balconista de farmácia que o faz dentro do estabelecimento, em negócio deste nos termos do art. 75, do Código Comercial.’4
“RESPONSABILIDADE CIVIL ~-— Banco — Aplicação financeira —Induzimento de cliente a erro, por ex-gerente, acreditando estar aquela realizando negócio com a Instituição Financeira e de forma correta —Teoria da aparência — Culpa do réu caracterizada — Indenização devida — Juros de mora fixados desde o vencimento de cada obrigação.
Ementa oficial Deve-se, em certos casos, permitir que se tome por verdadeiro um fenômeno que não é real, desobrigando os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que a aparência evidencia
“As regras da aparência se aplicam às sociedades, mormente
quando o falso Gerente ou Diretor se comporta aos olhos de todos e fará com terceiros como se exercesse o cargo por titulo legitimo.”
E) Jurisprudência dos Tribunais dos demais estados
Existem ainda numerosas manifestações abrangendo acórdãos da Justiça estadual do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Minas Gerais e de Santa Catarina, em outros, comprovando que há, em todos os tribunais do país, um consenso a respeito da matéria.
Capítulo 5. - A teoria da aparência no C.C.
Não contêm o C.C. e muito menos o brasileiro, disposições expressas sobre a matéria em exame. No entanto, várias hipóteses vêm solucionadas, em nossa lei civil, pela aparência.
Sobressaem considerações sobre o mandato aparente e o herdeiro aparente. Concernente à primeira figura, estipulava o antigo art. 1321 do Código Civil, revigorado pelo art. 689 do novo Código Civil Brasileiro em vigor: “São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele, ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa.
Hipóteses especiais ocorrem, como as referidas por Pontes de Miranda: `A pessoa, que não tem poder de representação, pode, em certas circunstâncias, Ter de ser considerada (sem no ter) como se o tivesse, se aquele com quem trata há de a atender como tal. O marido que costumava receber os alugueres, se, durante ausência, se desquitou, sem que a mulher o comunicasse ao locatário, há de ser considerado por esse como legitimado a receber os alugueres. A casa comercial, que recebia prestações, por intermédio de empregados...., não há de pretender que o comprador devedor saiba que um dos empregados foi despedido. Não há, aí, poder; há, apenas, a aparência de poder, de jeito que o que se protege é a boa-fé .... Quem dá poderes alguma vez, sem ser por escrito, e procede de modo a justificar-se a crença alheia na continuação ou repetição, da relação jurídica estabelecida, há de responder por isso... A favor do terceiro é que se concebe a eficácia de tal aparência, permitindo-se-lhe alegá-la, de modo que se tenham de considerar produzidos os efeitos do ato jurídico, quer se trate de direitos, ou de deveres, quer de pretensões e de obrigações, ou a que se lhe preste a indenização pelo ato ilícito absoluto (art. 159) do que se disse representante ou dos dois outorgantes aparente e outorgado aparente´ (Tratado de Direito Privado, III/253, 3ª Ed. 1970, Borsoi, São Paulo, § 311, n. 4) 5.
Aconselha Orlando Gomes que, seja qual for a causa da extinção do mandato, é indispensável que terceiros tomem conhecimento da cessação das funções de um diretor ou de um gerente, ou outro representante, visto que pode ele, não obstante a extinção de seus poderes, continuar a praticar atos que lhe competiam antes de se extinguir sem mandato. Caso contrário, cabe a aplicação das regras concernentes à aparência. Se não houve a publicidade necessária, os terceiros, que a ignoram, não podem ser prejudicados, mesmo porque se considera culposa a omissão`.
Quanto aos atos praticados pelo herdeiro aparente ou excluído da herança, alienando ou administrando bens do espólio, estabelece o art. 1.600 do antigo ordenamento civil ( revigorado pelo art. 1.817 do Novo Código Civil Brasileiro), que são válidos se efetuados antes da sentença de exclusão, assistindo ao herdeiro prejudicado o direito de demandar perdas e danos. Herdeiro aparente é o que, não sendo titular dos direitos sucessórios, é tido, entretanto, como legítimo proprietário da herança em conseqüência de erro invencíveis comum. Os conflitos entre o verdadeiro herdeiro aparente ocorrem, entre outras hipóteses quando um herdeiro mais remoto se habilita à herança em lugar do sucessor mais próximo, ou quando a anulação ou descobrimento de um testamento excluem aqueles que, até então, eram tidos e havidos como sucessores do heriditando (Mário Moacyr Porto, Ação de Responsabilidade Civil e Outros Estudos, Ver. Dos Tribs., São Paulo, 1966, p. 132) 6.
A doutrina distingue entre alienações a título oneroso e alienações feitas gratuitamente, Válidas são apenas as primeiras. As doações e quaisquer ônus e alienações a título gratuito não encontram respaldo no direito. Onerosos o ato, é válido desde que o terceiro proceda de boa-fé. Este o magistério de Orlando Gomes e Mário Moacyr Porto, entre outros .
O último, com apoio em Josserand, indica os requisitos que deverão coexistir para que o terceiro adquirente fique a salvo da anulação: 1) Ter agido de boa-fé e que o erro, de fato ou de direito seja invencível e incomum; não é necessário que o herdeiro aparente tenha procedido de boa-fé 2) Um título que justifique o erro individual do adquirente e a crença generalizada de que o herdeiro aparente era o verdadeiro proprietário da herança. Não é necessário que o título, seja qual ou justo ...´.
Para fundamentar a validade da transação, diz-se que a espécie revela uma ignorância ou erro de direito, e não erro da lei. Embora a lei aplique tanto aos que conhecem como aos que a ignoram, cumpre levar em conta o estado do terceiro de boa-fé. Quando convencionada com o herdeiro aparente, ele sabe que os bens da sucessão somente poderão ser vendidos pelo seu proprietário. O que ele ignora é que a pessoa que se apresenta como proprietário não seja, sem face da lei, verdadeiro dono. Por isso, a boa-fé do adquirente, nos termos da lei brasileira, vale mais que os direitos do verdadeiro proprietário.
Nesta hipótese, ao herdeiro real cabe o direito de haver do herdeiro aparente o preço da venda. Se este agiu de boa-fé, a indenização limitar-se-á à devolução do que houver recebido. Caso contrário, o transmitente de má-fé restituirá o preço, os frutos colhidos e percebidos e, ainda, completará o preço da coisa alienada, se efetuada a venda por quantia inferior ao valor que se apurar. Tendo agido de má-fé o adquirente, impõe-se-lhe a devolução do bem, conforme previa o antigo art. 968, parágrafo único, do C.C., revigorado pelo parágrafo único do art. 879 do novo Código Civil Brasileiro em vigor.
Outras situações vem resolvidas pela aparência em nosso ordenamento civil.
No art. 309 do Novo Código Civil, encontramos importante regra sobre a aplicação da teoria: “O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo á válido, ainda provado depois que não era credor`. Credor putativo é aquele que se apresenta como verdadeiro credor aos olhos de todos. Washington de Barros Monteiro exemplifica: É o caso do herdeiro, ou legatário, no caso em que o testamento venha a ser anulado, ou do cessionário, cuja cessão posteriormente se invalide. Pagamento efetuado a qualquer deles tem efeito liberatório, se de boa-fé o solvente. Explica Betti que a lei atribui preferência ao devedor com o verdadeiro no conflito de interesses com o verdadeiro credor, a fim de melhor tutelar a confiança gerada pela crença errônea numa aparente legitimação. Trata-se, esclarece Mariano D´Amélio, de um dos aspectos da tutela da aparência do direito ´ (Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, i/277, Saraiva, 2ª, ed., 1962, São Paulo)7.
Por seu turno, a norma antiga do art. 1.507 do C.C., previa que ao portador de boa-fé de um título ao portador não poderá o subscritor, ou omissão, opor outra defesa, além da que assente em nulidade interna, ou externa do título, ou em direito pessoal ao emissor, ou subscritor, contra o portador. Tem-se o detentor como legítimo titular do crédito.. O fato de possuir o documento leva à aparência da titularidade em receber, entretanto, pelo novo dispositivo Civil, a norma acima não foi revigorada, sendo que se faz constar no art. 906 do Novo código Civil em vigor que “ O devedor só poderá opor ao portador exceção fundada em direito pessoal, ou em nulidade de sua obrigação.
Quanto ao casamento, embora anulável, ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, produz todos os efeitos civis em relação a eles e aos filhos até o dia da sentença final, rezava o art. 221 do antigo C.C., revigorado na norma do art. 1.561 do Novo cógigo Civil.
Prepondera-se a presunção da legalidade dados os contornos externos de sua forma.
E no art. 206 do antigo C.C. de 1916, constando no Novo Código no art. 1.547, lemos: “Na dúvida entre as provas pró e contra, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo matrimônio se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados”.
Ainda: “O casamento de pessoas que faleceram na posse do estado de casadas não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do registro civil, que prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o matrimônio impugnado”- art. 203 do antigo Código e art. 1.545 do Novo Código.
É em virtude da aparência que a lei civil determina o reconhecimento da filiação legítima dos filhos quando I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II – nascidos dentro dos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, separação ou anulação (art. 338 do antigo C.C.)
Com o advento da nova legislação Civil, Lei 10.406/2002, foram acrescentados os incisos III, IV e V, a saber: III- havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o maido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
A propósito do domicílio da pessoa natural , que não tem residência habitual (art. 71do Novo Código, - previsão no direito anterior art. 32) ou empregue a vida em viagens, sem ponto central de negócios, o lugar onde for encontrada. Prepondera-se a presunção do domicílio no lugar onde está a pessoa.
Mesmo no âmbito da posse faz-se presente o instituto da aparência. Assevera o art. 1.211 do C.C. – previsão anterior no art. 500: “ Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, não sendo manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso “.
Para efeitos obrigacionais em relação a terceiros,a separação de fato dos cônjuges, induzindo à crença da inexistência ou cessação da sociedade conjugal, pode repercutir quanto aos compromissos assumidos. Numa venda ou promessa de venda afirmando-se separado o outro cônjuge, e não vivendo no mesmo lar, não é justa a anulação do negócio. Quem procedeu de boa-fé, levado pela aparência de uma situação de estado, deve Ter assegurada a proteção de sua aquisição.
Concluindo, em todas as hipóteses importa se dê proteção aos terceiros, exigindo-se, somente, que seu erro provenha de circunstâncias aptas para enganar o indivíduo médico. A aparência substitui a realidade em favor do que agiu levado por bons princípios e honestamente.
5 . 1. TEORIA DA APARÊNCIA – ACOLHIMENTO NO DIREITO BRASILEIRO – BOA-FÉ
A nossa legislação de 1916, além do art. 1.600 do Código Civil, acolheu a aparência em vários outros dispositivos, como, por exemplo, os arts. 1.318, 221 e 935, 2, não havendo razão para que princípio não seja aplicado analogicamente a outras hipóteses, como admite o art. 4ª da Lei de Introdução ao Código Civil. No próprio direito administrativo, a teoria da aparência encontra aplicação, como acontece em relação ao funcionário de fato, cuja validade de seus atos é reconhecida em relação aos terceiros de boa-fé. Na verdade, a exigência da preservação da segurança das relações jurídicas e resguardo da boa-fé de terceiros deve justificar o acolhimento da teoria da aparência (TJRJ – Ac. unân. da 5ª Câm. De 8.9.81; reg. 13.10.81 – Ap. 18.302 – rel. Des Graccho Aurélio).
1 “São válidas as alienações de bens hereditários, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro excluído, antes da sentença de exclusão; mas aos co-herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito a demandar-lhe perdas e danos” (art. 1.600 do CC).
2 “Embora anulável, ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos todos os efeitos civis até o dia da sentença anulatória.
Parágrafo único. Se um dos cônjuges estava de boa-fé, ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a esse e aos filhos aproveitarão “(art. 221 do CC).
“O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provando-se depois que não era credor “(art. 935 do CC).
“A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor a terceiros que ignorando-a, de boa-fé com ele tratavam; mas ficam salvas ao constituinte as ações, que no caso lhe possam caber, contra procurador”(art. 1.318 do CC).
Código Civil. No próprio direito administrativo, a teoria da aparência encontra aplicação, como acontece em relação ao funcionário de fato, cuja validade de seua atos é reconhecida em relação aos terceiros de boa-fé. Na verdade, a exigência da preservação da segurança das relações jurídicas e o resguardo da boa-fé de terceiros deve justificar o acolhimento da teoria da aparência (TJRJ – Ac. unân. da 5ª Câm. De 8.9.81; reg. 13.10.81 – Ap. 18.302 – rel. Des Graccho Aurélio).
5.2. CITAÇÃO, INTIMAÇÃO E NOTIFICAÇÃO
– NOTIFICAÇÃO – CARTA, RECEBIMENTO POR PESSOA
DA FAMILIA DO DESTINATÁRIO.
“Considera-se válida a notificação por carta expedida por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos, feita em pessoa da família do destinatário ou de sua confiança”(TJSC – Ac. unân. da 1ª Câm. De 16.11.80 – Ap. 16.003 – rel. Des. Osny Caetano).
- CITAÇÃO – ADMINISTRADOR DE IMÓVEL -VALIDADE.
Tem se como suprida a citação se a administradora não tenha poderes para recebê-las, os tem para constituir advogado que contesta o pedido em nome da ré (TARJ – Ac. unân. da 8ª Câm. De 30.08.83 – Agr. Instr. 24.092; reg. 186 – rel. Juiz Roberto Maron).
– CITAÇÃO – ADMINISTRADOR DE IMÓVEL LOCADO
Citação feita através de administrador de imóvel e recebedor de aluguéis, residindo o locador em outro Estado da Federação e não se sabendo o seu endereço. Validade (art. 215, § 2º, do CPC)4 (TARJ – Ac.unân. da 1ª C6am. De 2.12.86 – Ap. 52.516; reg. 5.535 – rel. Juiz Semy Glanz).
4 “O locador que se ausentar do Brasil sem cientificar o locatário de que deixou na localidade, onde estiver situado o imóvel, procurador com poderes para receber citação, será citado na pessoa do administrador do imóvel encarregado do recebimento do aluguéis”(§ 2º do art. 215 do CPC).
– NOTIFICAÇÃO – ADMINISTRADORA DA LOCAÇÃO
NÃO-RESIDENCIAL – DENÚNCIA VAZIA.
Notificação premonitória feita na pessoa do administrador da empresa locatária, que se apresenta ao servidor da Justiça como dotado de poderes para recebê-la. Eficácia do ato de simples comunicação, não apenas pelo alcance de sua finalidade, como também pela ratificação da própria notificada, que acudiu, sem protestar, à citação, também feita na pessoa do mesmo gestor (TARJ – Ac. unân. da 5ª Câm. De 1º 6.88 – Ap. 73.216 – rel. Juiz Dalton Costa).
– CITAÇÃO – CONDOMÍNIO – COBRANÇA DE COTAS –
HORA CERTA NA PESSOA PORTEIRO.
Cobrança de cotas de condomínio. Citação com hora certa, corretamente feita. Obrigação propter rem garantida pela unidade residencial devedora. A citação pode ser feita na pessoa de qualquer um dos co-proprietários, sendo questão inter alios a divisão ou rateio, entre os proprietários, do montante correspondente às cotas pagas (TARJ – Ac. unân. da 4ª Câm. De 15.9.87 – Ap. 61.617; Reg. 2.561 – rel. Juiz Geraldo Magela).
– CITAÇÃO – CONDOMÍNIO ADMINISTRADOR DE FATO
VALIDADE
O condomínio que administra o imóvel sem oposição dos demais, presumir-se-á mandatário (TARJ – Ac. unân. da 1ª C6am. De 15.10.91 – Agr. Instr. 790/91; reg. 395 – rel Juiz Luiz Carlos Perlingero).
– CITAÇÃO – CONDOMÍNIO – SÍNDICO ADMINISTRADOR DE FATO – TODOS OS CONDÔMINOS.
A citação há de ser na pessoa do síndico ou, em não havendo, na do administrador, considerando-se efetivada quando este último aceita e declara essa qualidade. Todavia, como a autora sustenta inexistir síndico ou administrador, deve citar todos os condôminos (TARJ – Ac. unân. da 1ª Câm. De 15.9.81 – Agr. Instr. 21. 453; reg. 218 – rel. Juiz José Edvaldo Tavares).
– CITAÇÃO E NOTIFICAÇÃO – ESPÓLIO
O espólio e representado ativa e passivamente pelo inventariante ou pelo administrador provisório e em se confundindo a figura do inventariante nomeado, mas sem ter prestado o compromisso, com a do administrador provisório, qualquer notificação ou citação feita nessa pessoa é válida, não havendo como se falar em nulidade de procedimento judicial pela não notificação e citação de herdeiros menores, quando nos procedimentos houve a intervenção obrigatória do órgão do Ministério Público na defesa dos interesses desses incapazes. (TARJ – Ac. unan. da 1ª Câm. de 8.3.83 – A Rescisória 594; reg. 39 – rel. Juiz José Edvaldo Tavares).
– CITAÇÃO – ESPÓLIO INVENTARIANTE.
A lei dispensa a citação dos demais herdeiros quando o inventariante é um herdeiro ou meeiro, isto em atenção a seu natural interesse na lide. Diferente se tratasse de inventariante dativo ( CPC, art. 12, § 1º) 5 (TARJ – Ac. unân. da 7ª Câm. De 10.8.83 – Mand. Seg. 2.056; reg. 128 – rel. Juiz Paulo Roberto Freitas).
- CITAÇÃO – PREPOSTO DA EMPRESA.
Admite-se como válida a citação, para execução feita na pessoa do preposto que representa a empresa nesta cidade, especialmente quando ele compareceu à audiência de instrução e julgamento, que não foi impugnada na apelação então interposta (TARJ – Ac. da 4ª Câm. De 4.9.84 – Agr. Instr. 25.532; reg. 312 – rel. Juiz Dílson Navarro).
Voto Vencido
De acordo com o art. 12, VI, do CPC, as pessoas jurídicas serão representadas em Juízo por quem os respectivos estatutos designarem, estabelecendo ainda o art. 38, do mesmo estatuto processual, que o procurador somente estará habilitado a receber citação inicial quando expressamente lhe for conferido tal poder. Não é o caso dos autos (Juiz Marden Gomes).
5 “Quando o inventariante dativo, todos os herdeiros e sucessores da falecido serão autores ou réus nas ações em que o espólio for parte”(§ 1º do art. 12 do CPC).
Capítulo 6. – Análise dos conceitos de norma, princípio, regra jurídica e valor.
Inicialmente, convém apreciar os conceitos basilares ligados ao tema começando pelo de normas que, no dizer do professor José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 93/94, são:
“preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem”. (grifei)
Em sintética e feliz definição, Norberto Bobbio (9) aduz que “norma significa imposição de obrigações (imperativo, comando, prescrição, etc.); onde há norma há poder”, uma vez que toda norma tem como pressuposto a existência de um poder normativo.
O conjunto de normas irá formar o ORDENAMENTO JURIDICO que, para o professor Luís Roberto Barroso (10), utilizando os ensinamentos de Norberto Bobbio, “constitui um sistema lógico, composto de elementos que se articulam harmoniosamente. (…) no ordenamento jurídico não podem coexistir normas incompatíveis. O direito não tolera antinomias”.
No que concerne à relação entre normas, princípios e regras jurídicas, cumpre salientar que a norma jurídica, cujo conjunto compõe o ordenamento jurídico, é gênero dos quais são espécies os princípios e as regras jurídicas.
Com efeito, importante, então, distinguir princípios de regras jurídicas. O professor Paulo Bonavides (11), adotando o entendimento acima exposto e se valendo dos ensinamentos de Alexy, Betti, Crisafulli, Dworking e Esser, elenca os distintos critérios para se estabelecer tal distinção, que, dentre eles, destacamos dois de suma importância, quais sejam, o do grau de generalidade e o da forma de incidência, que acarretará a diferenciação entre os critérios de solução de antinomias entre princípios dos critérios de solução de antinomias entre regras jurídicas.
A primeira forma de se diferenciar é no tocante à análise do grau de generalidade, ou seja, as regras jurídicas são normas dotadas de um grau relativamente baixo de generalidade ao contrário dos princípios que são normas dotadas de alto grau de generalidade.
Tal afirmativa fica cristalina ao analisarmos o exemplo formulado por R. Alexy e apresentado por Paulo Bonavides (12), in verbis:
“Alexy exemplifica. E o faz tomando a norma segundo a qual toda pessoa desfruta da liberdade de crença, como norma com um grau relativo de alta generalidade, ao passo que a norma sobre o direito que todo preso possui de fazer proselitismo em favor de suas crenças junto doutros presos seria ilustração das normas de reduzido grau de generalidade. Portanto é possível, segundo se lhe afigura, classificar as normas de acordo com o critério da generalidade, sendo umas princípios, enquanto outras são regras”.
Uma outra forma de se diferenciar princípios de regras jurídicas seria no tocante à incidência, ou seja, de aplicação, de tais normas jurídicas.
Assim sendo, as regras incidem, conforme os clássicos ensinamentos de Ronald Dworking, apud Daniel Sarmento, A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. Ed. (Segunda tiragem). Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002, p.44. (13), sob a forma do “tudo ou nada” (all or nothing), ou seja, “se os fatos que a regra estipula estão presentes, então ou a regra é válida, e nesse caso o comando que ela estabelece tem de ser aplicado, ou ela é inválida, e nesse caso ela não contribui em nada para decisão do caso”.
Com os princípios jurídicos a situação é diversa, pois, presentes as condições de fato enunciadas como necessárias a sua incidência, daí não decorre necessariamente a sua aplicação ao caso concreto, pois os princípios são dotados de uma dimensão de peso, de valores.
A principal conseqüência desta segunda distinção ocorrerá na diferenciação da solução entre os conflitos de regras da solução do conflito de princípios, que analisaremos mais na frente.
E, finalmente, devemos definir os valores jurídicos que, conforme ensinamentos do professor Ricardo Lobo Torres, in Curso de Direito Financeiro e Tributário. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 79, ( 14) nada mais são do que:
“idéias inteiramente abstratas, supraconstitucionais, que informam todo o ordenamento jurídico e que jamais se traduzem em linguagem normativa. A justiça e a segurança ou a paz pública são idéias básicas do Direito. De nada adiantaria a Constituição proclamar que a República Federativa do Brasil é justa e segura, posto que tais valores só se concretizam pelos princípios e regras jurídicas que se afirmam na prática constitucional”. (grifei)
Diante do até aqui exposto, podemos concluir que há uma escala diferenciada de graus de abstração entre valores, princípios e regras jurídicas, sendo os primeiros “inteiramente abstratos”, já as últimas possuem um baixo grau de abstração, e, por conseguinte, os princípios estariam em um grau intermediário.
6.1- Antinomias entre normas e entre princípios.
Conforme analisado acima existe diferença entre as incidências (mecanismos de aplicação) das regras e dos princípios, ou seja, as regras incidem na forma do “tudo ou nada”, ao contrário do que ocorre com os princípios onde mesmo presentes as condições de fato enunciadas como necessárias a sua incidência, daí não decorre necessariamente a sua aplicação ao caso concreto, pois os princípios são dotados de uma dimensão de peso, de valores, para serem aplicados no caso concreto.
A conseqüência disso é a diferença de solução para o conflito de regras jurídicas e do conflito de princípios.
O conflito de regras opera-se no plano da validade e utilizaremos os critérios hierárquico (norma superior prevalece sobre a inferior), cronológico (norma posterior tratando da mesma matéria de forma diversa e que se torne incompatível com a anterior revogará esta) e da especialidade (a regra excepcional prevalecerá sobre a regra geral – lex specialis derogat generalis), Sobre critérios de solução de antinomias, v. Norberto Bobbio, op. cit. p. 91 e seguintes, (15), que acarretarão pela opção por uma das regras, com a completa desconsideração da outra, que será afastada do ordenamento jurídico.
Por outro lado, havendo conflito entre princípios a serem aplicados em um determinado caso concreto, este se resolverá no plano dos valores preponderando o princípio de maior valor, de maior peso, para a aplicação naquele caso concreto, ou seja, haverá uma ponderação, valoração, entre os princípios e não opção pela aplicação de um deles, em detrimento do outro.
Assim, é importante frisar que o princípio não aplicado para aquele determinado caso concreto, ou seja, o de menor valor naquele caso, pode sê-lo em outro caso onde seja considerado de maior peso, não ficando afastado do ordenamento jurídico.
A título de exemplo, o professor Daniel Sarmento faz uma importante colocação que merece ser transcrita por inteiro, advertindo acerca da imprecisão terminológica existente no artigo 105, III, b, da Constituição da República, in verbis:
“Por outro lado, é importante observar que a doutrina brasileira tem o hábito de rotular, como princípios, certas normas constitucionais que não desfrutam desta qualidade. Fala-se, por exemplo, em Princípio da Anterioridade Tributária, para aludir à regra inscrita no art. 150, III, b, da Lei Maior, que, obviamente, não possui o nível de fluidez e abstração inerente às normas principiológicas. Este uso equivocado – que pode ser em parte debitado à preocupação da doutrina em acentuar a importância de certas regras constitucionais – contribui para que se instale penosa confusão conceitual entre princípios e regras no direito brasileiro.
Na verdade, o assim chamado “princípio” da anterioridade configura autêntica regra constitucional, que concretiza, na esfera tributária, o princípio da segurança jurídica (este sim autêntico princípio). Como regra constitucional, a anterioridade não se sujeita a ponderações, incidindo, como salientado por Dworking, na forma do “tudo ou nada” (all or nothing)”.(grifos nossos)
Tal fato demonstra a importância da análise desses conceitos basilares acima expostos.
6.2- Evolução conceitual e atual posicionamento dos princípios
Os princípios são normas e a juridicidade, sobre o tema, v. BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 259/265 (15), dos princípios passou por três fases distintas, quais sejam, a fase jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.
A primeira fase foi a jusnaturalista onde os princípios pertenciam ao direito natural, ou seja, eram os princípios de justiça, constitutivos de um Direito ideal.
Numa segunda fase, a positivista, os princípios entram nos Códigos como fonte normativa subsidiária com o fito de garantir o reinado absoluto da lei, sendo uma válvula de segurança da lei, ou seja, os princípios serviam à lei. Esta fase também é conhecida como juscivilista.
No atual momento, denominado por alguns doutrinadores como pós-positivismo, podemos afirmar que estamos vivendo a fase jusconstitucionalista, já que as constituições promulgadas mais recentes passaram a consagrar os princípios em seus textos, sendo eminentemente principiológicas, acentuando a hegemonia axiológica dos princípios, que foram convertidos em viga mestra do edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.
Com essa evolução os princípios saltaram dos Códigos (fase juscivilista), onde os princípios eram fontes, mero teor supletório, para as Constituições (fase jusconstitucionalista), onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais.
Neste sentido o professor Paulo Bonavides, BONAVIDES, op. cit. p. 261, (16) em mais uma precisa lição, aduz que:
“Com essa relevância adicional, os princípios se convertem igualmente, em norma nomarum, ou seja, norma das normas.
Ocorre isto, em verdade – podemos asseverar – quando, no dizer de Gordillo Cañas, a Constituição incorpora uma ‘ordem objetiva dos valores’, qual acontece, segundo ele, desde que a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade entram a figurar como estios da ‘ordem política e da paz social’.
A Constituição faz transparecer com os princípios uma ‘superlegalidade material’ e se torna, prossegue Gordillo Cañas, simultaneamente, ‘fonte primária do ordenamento e ao mesmo tempo fonte subordinada do mesmo: ao obter este sua primária expressão reflexa, se declara derivado e subordinado à ordem dos valores socialmente professados’ ”.
Desde a constitucionalização dos princípios os denominados princípios gerais do direito nada mais são do que os princípios constitucionais e conclui o citado mestre (17) que:
“essa posição de supremacia se concretizou com a jurisprudência dos princípios, que outra coisa não é senão a mesma jurisprudência dos valores, tão em voga nos tribunais constitucionais de nossa época. As sentenças dessas cortes marcam e balizam a trajetória de juridicização cada vez mais fecunda, inovadora e fundamental dos princípios”. (grifei)
Cabe ressaltar, por fim, que o tema da jurisprudência dos valores tem fundamental importância na interpretação do direito tributário (18), devendo o intérprete pautar-se nos valores existentes nos princípios.
6.3.- Aparência de direito como princípio de direito
Normas regras
princípios
O princípio é mais geral, amplo, abstrato. A regra é mais concreta, origina-se geralmente dos princípios mas dificilmente exaure o seu conteúdo. A regra prevê uma conseqüência certa para cada situação, o princípio, nem sempre. Às vezes há regras que são impropriamente chamadas de princípio. Ex.: anterioridade. Deriva do princípio da segurança jurídica.
Ex.2: Irretroatividade. O aumento do Imposto sobre a importação não precisa respeitar a regra da irretroatividade mas é possível que se argumente que violou o princípio da segurança jurídica, pois se alguém contrata com uma alíquota ‘x’ e esta vem a ser alterada, pode sofrer um enorme prejuízo. Se violar uma regra não cabe discussão mas sendo um princípio, é possível.
A regra incide sobre a forma do tudo ou nada. Ou se aplica ou não se aplica a regra, não há um meio termo. Presentes os pressupostos a regra é aplicável, salvo se outra regra com ela colidir, afastando-a. Neste caso aplicam-se os critérios hierárquico, cronológico e de especialidade.
Já os princípios diferentes podem incidir no mesmo caso sem que se tenha que optar por um ou outro. Deve haver uma ponderação, uma gradação de intensidade. Quando dois princípios recaem sobre a mesma hipótese não haverá a exclusão de um deles mas sim uma ponderação. Ex.: liberdade de expressão x privacidade. Às vezes a liberdade de expressão será restringida em favor da privacidade. Depende do caso.
Os positivistas alegam que o princípio é mais importante do que a regra e, por isso, não seria correto ter que cumprir sempre as regras e nem sempre os princípios. Mas o direito não tem esta lógica.
A teoria da aparência como princípio geral do direito na legislação brasileira
“O Direito pátrio aceitou a teoria da aparência, sem, entretanto, condensa-la numa disposição geral.”
ORLANDO COMES2i
Embora não decorrendo de texto geral, a teoria da aparência
corresponde. no direito brasileiro, a um princípio geral que se deduz das várias disposições legais que constituem o sistema jurídico vigente em nosso país e que se impõe como fonte do direito, nos precisos termos do art. 4ª da Lei de Introdução ao Código Civil.
Efetivamente, tanto a doutrina como a jurisprudência, partindo das disposições referentes ao herdeiro, ao mandatário, ao domicilio e ao credor aparentes, e à posse de estado, reconheceram na aparência um verdadeiro principio jurídico, como bem salientado por VICENTE
RAO.9
Capítulo 6.4 - Fundamentos que justifiquem a teoria da aparência.
Razões contrárias são aventadas, com insistência, à admissão da teoria. Argumenta-se que ela atenta contra a liberdade do consentimento, forçando o verdadeiro titular a respeitar uma operação realizada em seu prejuízo e sem o concurso de sua vontade. Constitui uma ofensa à regra segundo a qual ninguém pode transferir direito do que tenha (nemo dat quod non habet, nemo ad alium transfere potest quam ipse hebet). Consagra o triunfo do fato sobre o direito (Vergé, et Rippert, in Rép. Droit Civil, Dalloz, 1951, vb. Apparence) (19). `Le droit est l `expression de la vie eternelle etre assimille; comment l´erreur pourrait´elle etre assimilée à la vérité? Dizem os franceses.
No entanto, a necessidade de ordem social de se conferir segurança às operações jurídicas, amparando-se, ao mesmo tempo, os interessados legítimos dos que corretamente procedem, impõe prevaleça a aparência do direito. A complexidade cada vez maior das relações jurídicas e das formas de vida dificulta o caminho para se chegar ao fundo das coisas e dos problemas condicionando-nos a acreditar na feição externa da realidade com a qual nos defrontamos. A rapidez e a segurança do comércio, a quantidade de negócios comuns quase impõe diariamente, os compromissos que se avolumam constantemente, o condicionamento da vida a uma dependência de relações contratuais inevitável, entre outros fatores, formam as causas que levam o homem a não dar tanta importância ao conteúdo dos atos que realiza, pretendendo-o ao aspecto exterior dos eventos que se apresentam.
As necessidades sociais e o interesse público tornam impossível conhecer a situação jurídica exata de uma pessoa ou de um bem, ou se a situação jurídica exterior correspondente, efetivamente, `a interior. Quanto todos pensam e tudo permite pensar que a realidade aparente é uma manifestação exterior da situação jurídica, não é correto esquecer que a ação é terminada com base em tais dados, seguindo ensinamentos de Vicente Ráo ( O Direito e a Vida Dos direitos, II/109, Tomo i< Ed. Resenha Universitária, São Paulo, 1978, 2ª ed.) (20).
Quer se busque a razão de ser da teoria da aparência `na responsabilidade pelo risco (Crémieu), na inércia ou não exercício do direito (Marin), seja, enfim, na responsabilidade por culpa ou negligência no exercício do direito (Planiol e Rippert), a aparência se há de justificar pelo fundamento de que decorre de inafastáveis realidades da vida, nas quais se deve considerar o que comumente acontece e o regramento da boa-fé...Quem cria uma aparência, na qual possa acreditar quem se acha de boa-fé, está no dever de garantir a segurança dos que depositam fé na mesma aparência, justificadamente´(Julgados do T.ªR.G.S. 19/404, Apelação Cível 12.347).
José Puig Brutau aduz: ´La confianza depositada en la apariencia creada por una actitud pasiva o en el silencio, há de ser especialmente tenida en cuenta cuando, por lo menos, las circunstancias exigen que toda persona de buena fe rompa su silencio´(obra citada, p.119) ( 21).
O princípio da proteção aos terceiros de boa-fé e a necessidade de imprimir segurança às relações jurídicas justificam a aparência. Orlando Gomes aponta três razões principais, que servem, igualmente, de fundamento: ´1 – para não criar surpresas à boa-fé nas transações do comércio jurídico; 2 – para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência; 3 – para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica. A boa-fé nos contratos, a lealdade nas relações sociais, a confiança que devem inspirar as declarações de vontade e os comportamentos exigem a proteção dos interesses jurisformizados em razão da crença em uma situação aparente, que tomam todos como verdadeira´(Transformações Gerais do Direito das Obrigações, Ver. Dos Tribs. São Paulo, 1967, p.96) (22).
Na vida dos negócios, não se pode imputar ao contratante a obrigação de reclamar a prova da qualidade da pessoa com a qual contrata. Não é costume impor-se a uma caixa de um estabelecimento comercial a exibição de seu contrato de trabalho, nem, em uma repartição pública, o ato de nomeação do funcionário que atende e assina um documento. Há uma grande quantidade de situações comuns com as quais convivemos diariamente e nos forçam a um comportamento de confiança e crença franca diante delas. Não duvidamos que um vendedor não esteja autorizado a acertar preços e entregar mercadorias. Firmanos documentos sem conjecturar quanto à real representatividade de outro envolvido. Estamos habituados a efetuar pagamentos a representantes de credores, advogados e mandatários, não nos preocupando, em examinar ou solicitar a autorização em receber. Em resumo, a vida nos coloca diante de eventos cotidianos que a necessidade determina a crença naquilo que os outros representam. Criar-se-ia um estado de coisas caótico, de verdadeiro tumulto, se, a cada passo, reclamarmos a comprovação da qualidade da pessoa com a qual nos relacionamos. Repetindo o grande Ferrara, `ciò che si nel commercio appare come vero, deve valere come vero`.
Capítulo 6.5. - O INTERÊSSE SOCIAL COMO FUNDAMENTO DO PRINCIPIO DE QUE O APARENTE EQUIVALE AO REAL
Chegados a essa altura, impõe-se uma tentativa de justificação a prol da validade das alienações. E com esse propósito aduzimos as razões que seguem. Dois argumentos são invocados contra a validade das alienações: Nerno legein ignorare censutur (art. 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil) e nerno transferre potest quos non hobet necplus quan habet. A questão, colocada nesses termos ou dentro desse rigorismo formal, não enseja outra conclusão: nulidade das alienações. Mas os princípios absolutos, quando tomados ao pé da letra, conduzem, invariavelmente, a conseqüências iníquas. Uma coisa é o princípio de que a lei se aplica tanto aos que a conhecem como aos que a ignoram e outra coisa é a escusa por ignorância ou erro de direito, como ensina EDUARDO ESPINOLA (Lei de Introdução ao Código Civil, v. 1, p. 95) (23). Um terceiro de boa-fé, que contrata com um herdeiro aparente, não ignora que os bens da sucessão somente poderão ser vendidos pelo seu proprietário, O que ele ignora é que a pessoa que se apresenta como proprietário não seja, em face da lei, o verdadeiro dono. Se o ’ erro é invencível e generalizado, equipara-se, para todos os efeitos, ao erro de fato. Como diz VENEZIAN, citado por ESPINOLA: “O principio de que a lei, transcorrido o tempo da vacatio, é obrigatória para todos os cidadãos, independentemente do conhecimento que tenha qualquer pessoa, deve entender-se, unicamente, no sentido que a ignorância da lei não pode ser alegada para escusar a ignorância dela, e fugir as conseqüências; mas o erro e a ignorância do direito podem ser invocados, a par do erro de fato, quando se trata de mostrar a existência de um pressuposto, do qual a própria lei faz depender a admissão ou a exclusão de determinados efeitos jurídicos; isto é, quando a alegação do erro se destina a tornar sem efeito atos em que foi ele que determinou a vontade, ou a aproveitar os efeitos legais da boa-fé” (p. 98-99). Dir-se-á que o erro de direito não pode ser comum, o que bastaria para excluir a manutenção do negócio aparente. Mas é irrecusável que o erro de direito pode ser generalizado, que a interpretação de um texto de lei pode ser feita, durante um certo tempo, de modo incorreto, errôneo, insustentável. Tempo houve, entre nós, em que se tinha como certo que a promessa de venda de imóvel, excedente da taxa legal, não poderia ser feita por escritura particular. Tal interpretação da lei, manifestamente errônea, cedeu a uma outra, evidentemente correta, de que o compromisso (de compra e venda de imóvel expressa uma obrigação de fazer, e não de dar, pelo que a escritura pública não é da substância do ato.
Outro argumento, baseado no princípio de que “ninguém transfere direitos que não tem, ou mais do que tem”, deverá ser entendido cm termos razoáveis. Não se sustenta que o herdeiro aparente transmite ao terceiro os direitos do verdadeiro proprietário. Tal transferência é, na verdade, irrealizável. A venda a flon domino é inexistente em relação ao verdadeiro dono, ainda que válida em relação aos contratantes. Quando se conclui pela validade da alienação realizada pelo herdeiro aparente ao terceiro d.” boa-fé, sustenta-se que o interesse do proprietário devera ceder ao interesse maior do terceiro adquirente. Pretende-se, apenas, consolidar uma situação de fato, em frente da consideração de que a resolução do negócio é mais nociva ao interesse social que a sua manutenção. M. HENRI MAZEMD (trabalho cit., “Revue Trimestrielie”, 1924, p. 951) (24), esclarece: “La ségurité sociale est assuré dês que Les actes faits sons l’empire d’une erreur invencible sont maintenus. li importe dcanc de ne point donner à l’adage une portée qu’iI n’a pa.s: “error communis facit jus”, signifie simpfrment qu’une situation de fait contraire au droit est maintenuera qu’elle est née d’une erreur invencible. CYst ce que M. LoNIEwsKI a heureusement exprimé eu rúnuirquant que l’error communis crée noit pas ‘ie droit objectif mais “des droita sub jectil a.”
Não vale dizer que a boa-fé, por si só, não tem bastante força para destruir o direito do verdadeiro proprietário; que tal assertiva importa na subversão do nosso sistema legislativo; que o vago “interesse social não poderá ser invocado contra a lei expressa. Objeções desse turno inspiram-se na força da inércia ou na visão unilateral do problema. A boa-fé do adquirente, nos termos da lei brasileira, vale mais que os direito do verdadeiro proprietário. Em face do disposto no art. 879 ( caput ) e parágrafo único do novo código civil em vigor, com previsão no antigo código civil no art. 968, o solvente não poderá reivindicar o seu imóvel, quando tenha este sido alienado a título oneroso, a um terceiro de boa-fé. A regra é que, na aplicação da lei, o intérprete deverá atender, sobretudo, interesse mais relevante. Acolhimento de tão salutar ponto-de-vista não importa em adesão à chamada jurisprudência ab-rogante mas em submissão à regra de que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum (art. 5º O, da Lei de Introdução ao Código Civil). Vale sublinhar, de resto, que o princípio enunciado no art. 22, da Lei de Introdução ao Código Civil, de que uma lei só se revoga ou se modifica por outra lei — corolário forçado da vultotiomia e independência dos poderes do Estado — retrata, a rigor, uma ilusão. Primeiro, porque não é certo que os Poderes Constitucionais se comportem como províncias estanques do Estado; segundo, porque o princípio expressa mais um conceito teórico que uma realidade prática. A função normativa da jurisprudência é um fato que desafia cont2staçáo séria. Não valem, neste terreno, objeções doutrinárias; vale, nesse passo, o fato incontestável do poder legiferante da magistratura. Os nossos tribunais, à semelhança dos tribunais de outros países, não vacilam em revogar ou modificar a lei, sempre que se patenteia um conflito entre a norma e o interesse social, entre a inatualidade da regra e as exigências da vida contemporânea. Entre outras hipóteses, a jurisprudência toma iniludível caráter ab-rogante nos seguintes casos ainda sob a égide da legislação anterior: responsabilidade do patrão pelo ato culposo do empregado, em desacordo com o art. 1 523, do Código Civil; acolhimento da cláusula rebus sic atantibua, para efeito de resolução ou revisão dos contratos pelo juiz em oposição ao disposto nos arts. 1 214, 1 246 e 1 433, do nosso Código; presunção de responsabilidade carregada ao guardião da coisa inanimada, ao arrepio da sistemática do Código Civil, expresso em basear a responsabilidade na culpa provada (art. 159). Nada impede, assim, que se acolha o entendimento favorável à manutenção das alienações, pois tal exegese é a que se conforma com as razões de ordem pública e o interesse geral. Estamos certos de que, mais cedo ou mais tarde, os nossos juizes cederão aos imperativos do interesse geral, a relevante conveniência de assegurar a estabilidade dos negócios feitos de boa-fé, abandonando, como indeseja
Capítulo 7. Aparência e Títulos de Crédito
O culto da aparência no Direito ergue-se como fundamento para diversos institutos e teorias: a posse (aparência do exercício de um direito) a coisa julgada (aparência da verdade), a sociedade em conta de participação (aparência de real sociedade), a pessoa jurídica (aparência de pessoa real), o casamento putativo (aparência de ser o que realmente não é), o concubinato more uxório (aparência de casamento). As ficções e as presunções jurídicas, da mesma forma, dinaminam de artifícios aparenciais. Há tantas outras aplicações jurídicas da aparência que não caberiam num breve ensaio como o presente.
Contudo, é no tocante aos títulos de crédito que a aparência nos interessa. Antes, porém, é conveniente conceituarmos tais títulos. Duas conceituações nos parecem de precisão inexcendível: a de Vivante - ` documento necessário para exercitar o direito literal e autônomo que ali é mencionado` - e a de Whitaker - ` documento capaz de realizar imediatamente o valor que representa`
Todavia, no rigor terminológico, a expressão título de crédito é inexada e insuficiente – advirta-se, como lastro em Pontes de Miranda. Inexata porque, ainda quando se promete dinheiro, ou por outro qualquer modo o subscritor ( o criador) declare que pagará, crédito só haverá a partir do contrato com o alter digno. Inexatidão puramente dogmática, que, per si, não justifica prescrever-se essa designação usual. Insuficiente – e, portanto inexata também – porque, havendo, como há, conteúdo que não é, nem será, de crédito, a expressão se propõe abranger coisas que, em verdade, não abrange (v. g. títulos representativos de mercadorias).
A função prática destes títulos é a circulação ( que se tornou plena após a cláusula à ordem) rápida e segura de direito. Com delimitação rigorosa do direito no título e valendo esse direito tal qual formalizado no documento.
Assim, o direito declarado no título adquire autonomia e passa a ser regulado exclusivamente pelo teor da cártula, do baixo latim, muito utilizada por Borelli, despredendo-se, em razão da propriedade da abstração (astrattezza dos italianos), do complexo de relações havidas anteriormente, isto é, extratítulo (extra-cartacea, na Espanha), objetivando-se, desta forma, o direito (permitia-se a expressão), que assim pode circular como coisas móveis. Título e Direito, por assim dizer, andam conjugados – ou, como querem os autores espanhóis, incorporados; porém para os italianos, tal fenômeno não passa de simples imagem plástica`.
No entanto, frise-se, não há negócio jurídico que não tenha causa; o que ocorre é que não se confunde essa causa (dos negócios de primeiro grau ou relação fundamental ou, ainda, originária) com a causa (negócio de segundo grau) da criação ou emissão de título, que, por sua vez, decorre da chamada convenção executiva, que, aliás, determinará a função dos títulos emitidos (função de garantia de pagamento, de declaração e de crédito). Daí a possibilidade processual de impugnações de ordem causal, quando circunspecta às duas partes (ou a terceiro ciente do vício do negócio fundamental), originárias de ambos os negócios (o fundamental e a convenção executiva).
De tal sorte, por serem os títulos de crédito constitutivos de um direito incomumente distinto de sua própria causa, por não serem iguais aos quirográficos, mera prova do crédito (documento e direito de crédito tem existência própria), é que os carecem de normas especiais, muitas vezes derrogantes do Direito comum. Tudo em razão da segurança e certeza na circulação (tradição e endosso) destes papéis-direito, o que não ocorre com os direitos de crédito representado(não incorporado)) por outro documentos, uma vez que neste domínios impera a forma clássica da cessão, cuja grande inconveniência à moderna economia reside no fato de que com ela (cessão) se adquire o risco das exceções pessoais e das decorrentes do próprio negócio subjacente (ou relação extracartular). É , assim, no dizer de Ascarelli, uma `caixa de surpresas`.
Com efeito, a circulação do título e a cessão de direito claramente se contrapõem: a Segunda tem por objeto o próprio direito, enquanto que a primeira ostenta como objeto o título em si; então, da aquisição do título deriva a aquisição do direito.
É a literalidade (o rigor do formalismo) que dá aos títulos de crédito (abstratos e causais) a certeza do conteúdo, da extensão e da modalidade do direito expresso no documento, é o seu teor exclusivo (a compiutezza dos italianos) regulador do direito nele expresso. Indiscutivelmente, o princípio da literalidade visa a proteger terceiros que confiam no teor do título. A `executividade do processo` funda-se exatamente neste rigor formal, que protege a aparência, que, por sua vez, exterioriza a verdade jurídica.
Assim, na lição de Pontes de Miranda, não há prova contra a aparência, a favor do que concorreu para essa`. Na mesma obra o festejado Mestre ensina que sem a forma não surge a obrigação cambiária.
A refutação, aliás breve e um tanto difusa, de Ascarelli acerca da importância da aparência em matéria de títulos de crédito é atualmente inconsistente, máxime quando o Mestre de Bolonha arrima-se no contrato literal romano. A literalidade certamente tem como escopo a aparência que confere confiabilidade social aos títulos de crédito. As regras que regulam tais títulos formaram-se a partir das necessidades pragmáticas da prática mercantil, que buscava apenas bons resultados, e indiferentemente às abstrações dos juristas clássicos É neste sentido que Ripert assegura que os mecanismos jurídicos modernos em comparação com os contratos clássicos são como máquinas aperfeiçoadas da atualidade em relação aos instrumentos e primitivos.
É indiscutivelmente a terceiros, que confiam no teor do título, que as preocupações teóricas se voltam. É Nos aspectos da segurança e certeza na circulação destes documentos que residem a maior parte das inquietudes, uma vez que para utilização estática do crédito existem, doutrinariamente assentado, os velhos e revelhos quirógrafos (da remota fase italiana das lettere di cambio e do câmbio trajecticio), onde um credor tem um direito de crédito contra certo e determinado devedor. Já nos títulos destinados a circulação, o direito de crédito ultrapassa os limites da mera confiança pessoal e raia na moderna confiança documental (formal)
Assim, o formalismo (segurança baseada na aparência) é fator preponderante para a existência válida dos títulos de crédito; estes só são eficazes na medida em que se submetem (se-conformam) na forma estereotipada da lei. Não haverá força para os princípios básicos autonomia das obrigações, literalidade e abstração(nos não causais ou para a doutrina alemã Kausalass) - sem a observância daqueles traços mínimos (requisitos essenciais) que a forma plena da lei impõe.
Ressalta-se, no entanto, que, quanto ao princípio da liberdade de emissão de títulos atípicos raras sejam as opiniões, duas de indiscutível peso doutrinário confirmam aquela tendência: a de Carvalho de Mendonça. Assim também o anteprojeto de Código Civil, na abalizada convicção de Mercado Júnior não se pautou pelo sistema do numerus clausus, aliás como convinha.
A predominância da declaração (forma) constante do título sobre a vontade real do declarante repousa, inicialmente, na aparência da declaração, ou do contrato emergente do título. Evoluindo-se para a configuração, mais técnica, da criação da aparência, pois a declaração exige, no mínimo a vontade de declarar, já a pura aparência é indiferente ao elemento volutivo. Eis, então, a máxima segura para terceiros que confiam na legítima aparência do título. A identificação entre subscrição (como criação da aparência) e declaração de vontade é, ainda que mais não seja, o auge da segurança de que o título realizará o valor nele expresso.
Assim, o ato que faz gerar um titulo de crédito é o ato de extremo risco de quem gerou, de vez que tais títulos exigem plena certeza e máxima segurança, que pairam por sobre ocasionais incidentes de verdade absoluta. A obrigação do que, com sua firma, cria um titulo de crédito emerge da própria lei, que a impõe ( como risco calculado) no resguardo do interesse da generalidade baseada na lei. Em boa parte a convenção genebrina sobre cambiais consagrou esse postulado, que, aliás melhor se presta ao ideal de unificação internacional deste ramos do Direito Comercial.
A aparência, deste modo, é elevada à realidade por obra exclusiva da lei. É uma verdade legal (formal) que ostenta uma situação objetiva – a obrigação do devedor- que pode até mesmo inexistir, no plano da absoluta verdade, mas, em atenção ao princípio da legítima aparência, vale para o terceiro de boa-fé (que tem na forma do documento a única instância de confiabilidade) como realidade. É ,pois, a justiça do possível, segundo a razoabilidade social que circunda o tema. Com efeito, para o Prof., Mossa da Universidade de Piza, a aparência é o mais importante dogma da economia moderna. Eis que é crescente a necessidade de segurança e celeridade na circulação de valores.
Capítulo 8. TEORIA DA APARÊNCIA E HERDEIRO APARENTE
E o que, não sendo titular dos direitos sucessórios, é tido, entretanto, como legítimo proprietário da herança, em conseqüência de erro invencível e comum. Os conflitos entre o verdadeiro herdeiro e o herdeiro aparente ocorrem, entre outras hipóteses, quando um herdeiro mais remoto se habilita à herança em lugar do sucessor mais próximo, ou quando a anulação ou descobrimento de um testamento excluem aqueles que, até então, eram tidas e havidos como sucessores do hereditando. O fato não oferece dificuldades, quando os bens da sucessão se encontram, ao tempo da disputa, em poder do herdeiro aparente, que, nessa hipótese, terá de restituir os bens de que, indevidamente, se apossara. A dificuldade surge quando o herdeiro aparente aliena os bens da sucessão a terceiros de boa-fé. Em relação aos atos de administração, inclusive pagamentos, não se opõem dúvidas quanto à validade deles (art. 935, do Código Civil ( norma revigorada pelo Novo Código Civil art. 309) ; Cândido DE OLIVEIRA FILHO, Prática Civil, v. 10, n. 65; JOSSERANO, Cours de Droit Civil Positil França&, 1940, v. III, n. 1 022, p. 616) (25). No que respeita às alienações é que a dúvida assalta os juristas e a cisão se declara na jurisprudência. Os que se atém aos princípios de uma lógica rigorosa e se apegam ao turismo de que ninguém pode transmitir direitos que não tem, as alienações feitas pelo herdeiro aparente são nulas, mesmo em relação aos adquirentes de boa-fé, ao contrário, se opõem à nulidade das alienações, sensíveis à circunstância de que o erro invencível e comum consolida a situação de fato. Pelo visto, não é possível resolver a questão pelo argumento da autoridade, já de si tão inseguro e desprestigiado. Impõe-se, ao contrário, apreciar a controvérsia, sob os seus múltiplos aspectos, e tirar do exame dos argumentos o cotejo das objeções a solução que mais se aproxime da verdade jurídica. Cumpre distinguir, primeiramente, as alienações forçadas das alienações voluntárias e, entre estas, as onerosas das gratuitas, bem como as transferências a título singular das cessões da herança. As alienações forçadas, como as que são feitas para satisfazer dívidas da herança, são válidas, evidentemente, DEMANTE, entre outros, esclarece:
VALIDADE DAS ALIENAÇÕES FEITAS PELO HERDEIRO APARENTE
Esclarecidos esses pontos essenciais, surge a verdadeira questão: E válida a alienação de bens hereditários, a título oneroso, feita pelo herdeiro aparente a um terceiro de boa-fé? A interrogação há muito que desafia a argúcia dos juristas e abre inconciliáveis divergências entre os numerosos autores que têm tentado respondê-la. A jurisprudência, por sua vez, reflete as vacilações da doutrina. Uma autêntica vexata quaestio. que, na ausência de um texto legal que a discipline, tende a eternizar-se nas pertengas eruditas e na perplexidade dos argumentos contraditórios.
O nosso Código Civil é omisso a respeito, lacuna de que também se ressente o Código de Napoleão. O Código Civil italiano prevê a hipótese, resolvendo-a, nos termos seguintes: “L’erede puô agire enche contro gli eventi causa da chi possiede a titolo di e rede o senza titolo. Sono saivi 1 diritti acquistati, per effecto di convcnztoni a titola oncroso com l’erede apparen te, dai terzi i quali provnzo dz avere contrattato in buona lede. La disposizione dcl comma precedente nos si aplica ai beni mobili iscrit nei pubblici registri, se l’acquisto a titolo cli erede e l’ac quisto dall’erede apparcnte non sono stati trascriti anteriormente alia transcrizione delí’ac quisto da parte dall’erede e del legatario - o alia transcrizione deila domanda guídiziale contra 1’erede apparcnte” (art. 534).
O Código Civil argentino também regula o assunto (art. 3430) no sentido da validade das alienações.
A) Negócio feito pelo herdeiro excluído, antes da sentença declaratória da indignidade.
O art. 1 600, do antigo Código Civil, estabelecia: São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro excluído, antes da sentença de exclusão” ( redação já com as alterações ocorridas no Novo Código Civil, art. 1.817 da Lei 10.406/02). FILADELFO AZEVEDO vislumbrou, no dispositivo legal invocado; urna norma que não se confinaria à hipótese regulada, de onde a sua aplicação, por analogia, às alienações feitas pelo herdeiro aparente (razões transcritas in Código Civil Interpretado, de CARVALHO SANTOS. v. Xxii, p 238-241) (26). CARVALHO SANTOS, à vista da lição do saudoso mestre, declarou encerrada a questão: O dispositivo supra ( o antigo art. 1.600, hoje art. 1.817 ) não se aplica, apenas, ao herdeiro excluído por indignidade. É ponto, hoje, que não admite mais controvérsia. Mesmo porque os efeitos da ação de petição de herança não poderão prejudicar aquele que adquiriu do herdeiro aparente quaisquer bens, desde que de boa-fé. É princípio universal de direito, que se amolda bem ao sistema do nosso Código Civil” (ob. e v. cits., p. 237-238 e 99-101. Os Tribunais de Justiça de São Paulo e Minas têm decidido consoante êsse entendimento (“Rev. dos Tribs. “, v. 123, p. 181; v. 138, p. 631; “Rev. For.” v.CXXXII, p. 475). (27)
Não nos parece possível assimilar as duas situações. tão ostensivos são os pontos que denunciam as diferenças Existentes. O herdeiro que é excluído por indignidade é herdeiro até o advento da sentença. As alienações feitas pelo herdeiro antes da exclusão por indignidade são alienações feitas por quem é proprietário da herança, enquanto as que realiza o herdeiro aparente constituem transferências a non domino. O Código de Napoleão não contém um dispositivo idêntico ao art. 1600, do nosso antigo Código, razão pela qual perdura uma certa dúvida no que toca à validade das alienações feitas pelo herdeiro excluído, antes da sentença que declara a indignidade, o que levou
B) Alienação de bens de ausente pelos herdeiros presuntivos.
Dizia o art. 483, do antigo Código Civil, com nova previsão no art. 39 do Novo Código Civil em vigor: “Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou alguns de seus descendentes, ou ascendentes, aqueles ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos alienados depois daquele tempo “. Nos termos da lei, o regresso do ausente não invalida a venda dos seus bens, feita pelos seus sucessores. Para DEMOLOMBE, o herdeiro presuntivo do ausente é um mandatário com larguíssimos poderes, inclusive o de disposição dos bens. Parte dessa premissa, para argumentar, que o herdeiro aparente, à vista da similitude das situações, é portador de um mandato, resultante do silêncio do verdadeiro herdeiro, tão amplo quanto o “mandato legal” do sucessor do ausente. Assim, o herdeiro aparente aliena validamente os bens da herança, na qualidade de mandatário do verdadeiro herdeiro. A construção é, evidentemente, forçada. Como pretender-se que a simples abstenção do verdadeiro herdeiro importe em conferir ao herdeiro aparente, não só um mandato para a administração, Corno para disposição da herança? O herdeiro aparente, a nosso ver, é um verdadeiro gestor de negócio do herdeiro verdadeiro, em relação aos atos necessários, isto é, aos atos que o herdeiro verdadeiro teria, ‘certamente, que praticar, em favor ou por conveniência dos interesses da herança. Mas, no que tange às alienações voluntárias, o argumento, ainda que engenhoso, não convence. O sucessor do ausente, na hipótese prevista no art. 483 ( art 39 ), do Código Civil, é um verdadeiro proprietário dos bens que lhes são entregues, uma vez que lhe assiste o direito, conferido em lei, de aliená-los. É certo que o domínio do herdeiro presuntivo é revogável, pois se subordina ao regresso do ausente. Mas tal circunstância não lhe tira, a nosso ver, a- qualidade de proprietário verdadeiro. O herdeiro aparente não é proprietário. O seu direito é ilusório, pois decorre de um erro justificado pelas circustâncias.
C) Pagamento putativo.
O art. 309 do Código Civil em vigor ( antigo art. 935, do Código de 1916), estabelece que o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor. O Código, como se vê, assimila o detentor do título ao titular do crédito, para efeito de validar o pagamento feito, de boa-fé, pelo devedor. DEMANTE (Cours Ana.lytique, tomo 1, n. 176-bis, IV, p. 307-308) (28) valeu-se de dispositivo similar do Código de Napoleão (art. 1 240) para concluir pela identidade das. duas situações, isto é, pagamento putativo e alienação feita pelo herdeiro aparente. Mas o pagamento, como já dissemos, é um ato necessário, o que basta para exclui a pretendida identidade entre as duas hipóteses.
SISTEMAS DIVERGENTES E CONDIÇÕES PARA A VALIDADE DO NEGÓCIO APARENTE
Coerente com a nossa convicção de que a lei não exaure o Direito e que o fenômeno jurídico não se confina nos estreitos limites da lógica, filiamo-nos a corrente que pugna pela validade das alienações feitas pelo herdeiro aparente a terceiros de boa-fé. E de notar-se que não há uniformidade de vista ente os que partilham da de que a alienação é válida e a discórdia, assim, se instala entre os próprios adeptos da corrente mais liberal. AuBRY et RAU resumem em quatro sistemas as diferentes opiniões: 1) validade das vendas, no caso em que a evicção que sofre-se o comprador de boa-fé autorizasse uma ação regressiva, cujo resultado fizesse suportar o herdeiro aparente, igualmente de boa-fé, condenação maior do que à que ele teria sofrido, se fosse diretamente acionado pela petição de herança; 2) validade das alienações, mesmo em hipótese que não se encarte no primeiro sistema, desde que alienante e alienatário tenham procedido de boa-fé; 3) validade das alienações, desde que o adquirente proceda de boa-fé, pouco importando, para a validade do negócio, a má-fé do herdeiro aparente; 4) validade das alienações, quando feitas por um herdeiro mais remoto, que se valeu da inação ou insciência do herdeiro mais próximo para apossar-se da herança, e nulidade, quando o herdeiro se apossa da herança, em virtude de testamento revogado ou anulado ou sem título algum (AUBRY et RAU, ob. cit., v. 10, p. 41-42) (29). JOSSERAND , com apoio na jurisprudência, indica os requisitos que deverão coexistir para que o terceiro adquirente fique a salvo da evicção: 1) ter agido de boa-fé e que o erro, de fato ou de direito, seja invencível e comum. Não é necessário que o herdeiro aparente tenha procedido de boa-fé; 2) um título que justifique o erro, individual do adquirente e a crença generalizada de que o herdeiro aparente era o verdadeiro proprietário da herança. Não é indispensável que o título seja legal ou justo; 3) que o alienatário tenha adquirido a herança a título singular. O cessionário de direitos sucessórios não se livra de restituir o que, a esse título, recebeu, pois a sua situação é ou seria idêntica à do herdeiro cedente (ob. cit., v. 3, n. 1 027, p. 619-620) (30). Excetuado o último requisito, parece-nos correta e enumeração feita por JOSSERAND.
Admitida a validade da alienação, cabe ao verdadeiro herdeiro o direito de haver do herdeiro aparente o preço da venda. Se o herdeiro aparente tiver agido de boa-fé. a indenização limitar-se-á à devolução do que houver recebido. Caso contrário, o transmitente de má-fé deverá restituir o preço, os frutos colhidos e percebidos e ainda. completar o preço da coisa alienada, caso a alienação tenha sido feita por quantia inferior ao valor da coisa. Ao herdeiro verdadeiro cabe a ação de petição de herança’ contra o herdeiro aparente, para reaver os bens da sucessão, e reivindicação contra o terceiro que, a título singular, adqui
2. AUSÊNCIA E APARÊNCIA DE DIREITO (OU APARÊNCIA DO DIREITO)
A chamada “teoria da aparência”tem sido objeto de alguns estudos aprofundados no presente século, continuando, porém, a ensejar inúmeras dúvidas e contradições, pois há várias correntes que a fundamentam ora na doutrina alemã (que vincula ao princípio do erro comum e invencível – erro communis facit ius), ou ora na doutrina italiana (que vinculada a aparência ao princípio da proteção aos terceiros de boa-f’é) correntes essas que se combatem mutuamente, apontando falhas e incongruências umas das outras, demonstrando nessa batalha de opiniões e enorme dificuldade que o tema oferece tanto para a conceituarão da aparência para a caracterização de sua natureza jurídica, ou ainda na sua fundamentação.
O Direito brasileiro, tanto no aspecto doutrinário como na esfera jurisprudencial (ex: RT 138/631; 236/89. 240/241; 240/465,263/137, 267/598, 282/252, 325/252.325/191, 333/218, 515/84, RF 213/192, 264/250, 272/204; RTJ 33/96, 100/890; bol. AASP 1.236/207 etc.), de certa forma aceita a teoria, mas não a condensa numa disposição geral, ora fundamentando-a na teoria da proteção à boa-fé de terceiros, ora na do erro comum e invencível ou escusável), ora exteriorização da publicidade, como nos casos de herdeiro aparente, cônjuge aparente, filhos aparentes, mandatário aparente, títulos cambiais, sociedades comerciais, irregulares ou “fantasmas”etc. Os exemplos encontrados na legislação brasileira, que poderiam se enquadradas na teoria da aparências, genericamente, são várias: no CCB, arts. 33 (domicílio), 180 (capacidade), 1.561 (casamento putativo),1.242 (usucapião), 1.260 (idem, de imóvel), além de outras hipóteses, elencadas em nível legislativo ordinário, como a da união estável (antigo concubinato puro) – CF art. 226, § 3º e Lei 8.971/94.
Entretanto, os direitos nascidos e sustentados através de formalizações ou publicidade, demonstrando uma aparência de realidade, genericamente não seriam casos de aparência d direito no sentido estrito, mas sim de aparência no Direito, já que tem seu fundamento e sua tutela em institutos definidos, devendo ser entendido como objeto da aparência de direito a manifestaçào de “algo realmente novo” não preexistente, não se fundamentando em nenhum outro princípio para existir, se não na sua própria “aparência”, como destaca Malheiros, baseado em Falzea. Seria, então, a aparência de direito uma situação de fato que sugere como verdadeiro uma situação jurídica que não é, mas capaz de criar um direito subjetivo a favor de quem tomou certo aspecto como manifestação de uma situação jurídica verdadeira, por causa do seu erro e da sua boa-fé, ainda que em sacrifício da própria realidade, ou seja, na aparência de direito um fenômeno não real acaba apresentando-se como verdadeiro. O parecer sem ser acaba originando efeitos jurídicos (Orlando Gomes).,
Alguns autores combatem veementemente a aparência de direito, já que esta atenta contra a liberdade do consentimento, forçando o verdadeiro titular a respeitar uma operação realizada em seu prejuízo e sem o concurso de sua vontade, contrariando a regra de que ninguém pode transferir direito que não seja seu, ou mais direito que tenha9 nemo dat quod non habet nemo ad alium transfere potest quam ipse quam ipse habet), ou até, porque consagra o triunfo do fato sobre o direito, segundo o entendimento daqueles autores: porém, diga-se, o fundamento da aparência de direito está na necessidade social de conferir-se segurança às operações jurídicas, se, sem descurar dos interesses legítimos daqueles que procedem de modo correto ( Vicente Ráo), daí sua importância ao mundo jurídico para consagração do princípio da equidade, evitando-se, contudo, a extrapolação dos limites para a configuração da aparência, face ao perigo da contradição entre a negação total da teoria e o exagero de que a aparência de direito está em tudo.
Daí deve conter a aparência de direito alguns elementos essenciais: a) situação fática, que a apresenta como de direito, segundo a ordem geral e normal das coisas, sugerindo o titular aparente como titular legítimo (elemento objetivo); b) a incidência em erro de alguém de boa-fé que considerasse a situaçào fática como situação de direito; c) erro esse escusável, ao menos, dependendo das condições pessoais de quem no erro incidisse (elementos subjetivos) segundo Ráo.
No tocante à aplicabilidade da aparência em sentido estrito, ou aparências de direito, ou, então, para os que não concordam e entendam tratar-se de aparência no Direito, a ausência poderá ensejar algumas situações de inter-relacionamento, como estas
Ausência do mandante nas mesmas condições transitórias mencionadas no exemplo anterior, poderá ocasionar a celebração de negócios jurídicos por parte do mandatário (ciente ou não da ausência), salientando-se que enquanto não houver a declaração judicial da ausência o mandato conferido continua a vigorar. Nesta hipótese avençada, o mandatário, se ciente da ausência do mandante, ainda que não declarada judicialmente, responderá por excesso de mandato ou abuso de poder, agindo, então, com má-fé. O mesmo raciocínio aplica-se ao caso de representação aparente, dada a ausência do representado, com a diferença de que este se torna direta e imediatamente devedor em relação ao terceiro que tratou com o representante (Fábio Maria de Mattia). Com a ausência, havendo boa-fé-crença de terceiros, os sucessores do representado *ausente) sofrerão com má-fé- responder, em ação regressiva, pelos prejuízos ocasionados ainda que o contrato entre representado e o representante já estivesse com seu prazo expirado, hipóteses em que se converte em contrato por prazo não determinado, uma vez prorrogado o prazo inicial tácita ou expressamente (Lei 4.886, de 09.12.1965, com a redação da Lei 8.420 de 08.05.1992, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos, arts. 27, §§ 2º e 3º e 30, § único, no caso brasileiro). Podem os sucessores do ausente, se relapsos, responder também em relação ao representante, se desconhecer da ausência do representado, e que age com boa-fé perante terceiros, como ocorreria também em relação ao mandatário age por conta do mandante, mas em seu próprio nome, ao passo que na representação a atuação representante se efetiva em nome representado;
Note-se em qualquer das hipóteses acima exemplificadas a aparência pode vir fundamentada tanto na teoria alemã ( que a vincula ao princípio geral da publicidade , e, nos exemplos, na falta da mesma), como na teoria francesa (baseada na velha máxima erro communis facit ius, ou seja, em erro tal em em que o homem de média diligência incorreta), como ainda na teoria italiana (que vincula a apar6encia ao princípio da proteção aos terceiros) de boa-fé –crença escudada numa situação de fato objetivamente idônea de fazer incidir em erro qualquer pessoa); lembre-se, porém, que não se confunde a aparência com a simples proteção da boa-fé, nem com as simples hipóteses de erro comum e invencível (ou escusável), devendo tais situações ser completadas pelos elementos específicos da a aparência de direito, já referidos, tanto objetivos como subjetivos, sob pena de aplicação da mesma a todas as situações que sugerem.
Ressalta-se, também, que em algumas das situações exemplificadas, os sucessores do ausente poderão ser responsabilizados pelos prejuízos sofridos tanto por terceiros de boa-fé-crença, como por mandatários, ou por representantes, no caso de não terem dado a devida publicidade da ausência do titular do direito antes, ou principalmente, após a publicação da sentença declaratória da ausência. Nos casos de mandatários e representantes caberia notificação, ainda que extrajudicial, alertando-os da ausência do mandante, ou do representado, e que contratara os préstimos daqueles, gratuita ou onerosamente.
Conclusão
O presente trabalho traduz, no correr de suas partes diversas, a preocupação de delimitar a correta dimensão da teoria da aparência e de avaliar as diferentes formas possíveis de sua aplicação, nos multíplos campos sob os quais incide. Seu pressuposto básico foi o da necessidade de se conhecer mais a fundo não só a doutrina corrente acerca dessa questão, mas sobretudo, como esta vêm sendo entendida, deglutida e reelaborada pela prática criadora dos Tribunais em nosso ordenamento e, na medida do possivelmente comparável, nos sistemas jurídicos alienígenas.
Esse estudo teve como elemento norteador de sua sistemática a preocupação com a eficácia social das diferentes formas de aplicação da teoria da aparência. Esta é a idéia pré-compreensiva que informa o texto. Dentro de uma exegese rigorosa, entendendo o Direito como um sistema hermético, mas contudo aberto a múltiplas possibilidades diversas de compreensão cognitiva e de integração de seus dispositivos, buscou-se dar à aplicação da teoria da aparência no direito civil a sua maior efetividade possível, dentro dos cânones rigorosos do sistema jurídico pátrio. Em síntese de todos esses cenários, tendo sempre em vista o processo de realização efetiva da teoria da aparência, é possível resumir algumas idéias em proposições objetivas, relativamente a cada uma de suas partes:
1 - A idéia de aparência se dá quando um fenômeno manifestante faz aparecer como real aquilo que é irreal, ou seja, quando há uma descoincidência absoluta entre o fenômeno manifestante e a realidade manifestada.
2 - Na aparência de direito ocorre a predominância da segurança jurídica sobre a certeza do direito, por isso, os terceiros de boa fé, com base na aparência, podem ter em conta a exteriorização e ignorar a realidade oculta. Outro aspecto relevante da aparência de direito é o de que ela se restringe tão-somente aos casos para os quais só se possa aplicar o princípio geral da aparência: sempre que estivermos diante de situações para as quais o direito já tenha assegurado tutela específica, não estaremos diante de situações regidas pelos cânones da aparência de direito
3 - Da análise do direito comparado, de sua doutrina e jurisprudência, reluz a idéia de que a proteção mais efetiva e assecuratória da aplicação da aparência de direito é aquela proporcionada pelo princípio geral da aparência de direito, abarcando todo o ordenamento jurídico, cuja aplicação às diversas situações fáticas a lei condiciona ao prudente arbítrio do juiz, sopesados a boa fé de terceiros, a legitimidade do seu erro e as demais circunstâncias de cada caso.
4 - No ordenamento brasileiro foi assegurada proteção jurídica a diversos casos de aparência de direito, não só no Esboço de Teixeira de Freitas mas também no próprio Código Civil. Entretanto, o Código Civil de 1916 não estabeleceu em seus preceitos uma teoria geral da aparência, a partir da qual se pudesse, por via da analogia, reconhecer situações aparentes como situações jurídicas de fato . Assim, de acordo com o sistema estabelecido pelo Código de 1916, a aparência, per se, não é fonte formal de obrigação. Só gerará a obrigação, ex lege, quando a lei assim o determine, ou naquelas situações rigidamente analógicas aos preceitos positivos.
5 - A aceitação e aplicação da teoria da aparência pelos Tribunais ainda é vacilante, prendendo-se muito mais a critérios valorativos pessoais de cada juiz do que a uma sistematizada e metódica teorização da matéria, que assegrasse a uniformidade dos julgados.
6 - É inúmera a casuística da aparência de direito reconhecida na doutrina e na jurisprudência, destacando-se: domicílio aparente, posse do estado de casado, casamento putativo, malitia supplet aetatem (menor que dolosamente oculta a idade), proprietário aparente, credor aparente, autorização aparente, mandato aparente, herdeiro aparente, sociedade civil aparente, casamento putativo, posse do estado de filiação, atos praticados pelo funcionário aparente ou de fato, comerciante de fato, efeitos de negócio inexistente ou nulo, quitação ou aceite por representante aparente etc..
7 - São várias as doutrinas que procuram fundamentar a aparência de direito. Dentre estas destacam-se a doutrina francesa, alemã e italiana. A doutrina francesa buscou fundamentar a aparência de direito no adágio error communis facit ius, ou seja, na idéia de que, desde que o erro seja compartilhado pela maior parte, senão por todos, e inescusável, não podendo ser previsto nem impedido, a aparência seria criadora de direito. A teoria alemã procurou vincular a aparência ao princípio geral da publicidade: desde que o titular fosse portador de um título de investidura formal, estaria criada uma situação de garantia para o terceiro, embora o direito em questão fosse apenas aparente. O direito italiano procurou fundamentar a aparência de direito em critérios objetivos, partindo sobretudo da interpretação analógica dos preceitos reguladores da aparência no direito positivo, sobretudo o relativo ao herdeiro aparente, e eregindo esse ius singulare em princípio, extensível a todo o ordenamento jurídico.
8 - São também inúmeras as teorias levantadas por doutrinadores para fundamentar a eficácia da aparência de direito. Ionesco após constatar a eficácia do ato ostensivo nas simulações e a similitude dos efeitos deste com a aparência, procura estender essa eficácia a todas as hipóteses de aparência de direito. Outros autores invocam o princípio da responsabilidade para explicar, juridicamente, o dever do verdadeiro titular de respeitar o ato praticado por outrem com o titular aparente, seja o princípio da responsabilidade pela culpa, seja o da responsabilidade pelo risco, seja o da responsabilidade pelo não exercício do direito por parte de seu titular . Um fundamento de caráter psíco-social é apresentado por Emmanuel Levy que sustenta que os direitos repousam sobre as crenças. Cada indivíduo deve ter uma confiança legítima na regularidade de seu direito e a cada qual incumbe a obrigação de não iludi-la, de sorte que se por sua atividade ou inatividade violar esta obrigação, deverá suportar as consequências de sua atitude: quando, pois, um terceiro acreditou na operação realizada por um titular aparente, o titular verdadeiro não a poderá invalidar desrespeitando a confiança legítima que houver criado. Aqui, a crença errônea é criadora de direito.
9 - A refutação da doutrina francesa do error communis facit ius é feita principalmente por Jean Calais-Auloy. Argumenta ele que essa doutrina é questionável porque não abrange todos os casos possíveis de aparência de direito e também porque devido à multiplicação das exteriorizações materiais e legais e à segurança dinâmica das relações jurídicas, exige-se uma dispensa maior de investigações; deve-se procurar um fundamento da aparência que seja menos imperioso, que não exija um erro absoluto, compartilhado pela massa, nem que seja invencível, mas erros capazes de ocorrer no cotidiano, no mundo apressado das relações civis e comerciais. A doutrina alemã do princípio da publicidade também não é aplicável à generalidade dos ordenamentos jurídicos porque falta a estes a formalidade absoluta dos títulos que é característica essencial do direito civil alemão. Quanto à doutrina italiana de estabelecimento de princípios gerais aplicáveis a todo o ordenamento, parece ser este o caminho seguido pela doutrina e pela jurisprudência para a fundamentação em termos rigorosos da teoria da aparência, desde que, se estabeleça com precisão os mecanismos que possibilitam a transformação de regras positivas específicas em princípios gerais .
10 - Não pode prosperar também as doutrinas propostas no item 8 para a fundamentação da eficácia da aparência de direito porque estas não explicam, em geral, a totalidade dos casos de aparência de direito. A extensão da validade dos atos ostensivos na simulação a todos os casos de aparência não é pertinente porque existem inúmeros casos de aparência onde não há qualquer conduta dolosa por parte do agente ativo. A validade desses atos simulados, longe de constituir um princípio geral, é, na verdade, uma aplicação particular feita pelo legislador das regras da aparência.
11 - A fundamentação da eficácia da aparência de direito no princípio da responsabilidade embora possa explicar certos casos, também não explica a totalidade das hipóteses de aparência. Argumenta Calais-Auloy que mesmo nos casos onde se admite a responsabilidade decorrente de falta é necessário haver um nexo de causalidade entre a falta e o dano. Ora, na idéia de aparência não é necessário haver esse nexo de causalidade, apenas a boa fé específica da aparência, já cria o vínculo obrigacional: assim, um terceiro que contrata de boa fé com um mandatário aparente pode agir contra o falso mandante sem precisar provar a insolvabilidade do falso mandatário. Essa solução não pode se explicar pela exigência de um nexo de causalidade; é preciso portanto recorrer à idéia de boa fé específica da aparência.
12 - No caso da fundamentação psíco-social da aparência de direito unicamente na boa fé de terceiros, a idéia dominante no direito é a de que se a boa fé do contratante é condição necessária para a configuração da aparência de direito, ela não é contudo suficiente para cobrir, em princípio, a inexistência jurídica ou a nulidade de uma situação ou de um ato.
13 - O fundamento proposto para a eficácia da aparência é o de que a pessoa que está na origem da situação aparente é obrigada porque ela corre um risco participando da vida dos negócios. Ela não necessariamente simulou, nem necessariamente cometeu uma falta, mas é, entretanto engajada porque correu um risco, aquele de provocar, por sua atividade, uma aparência enganosa. A existência de tal risco importa numa diminuição de certo tipo de segurança jurídica, pois a pessoa não está jamais certa de engajar-se no limite de sua vontade. Porém trata-se de uma segurança estática, própria do direito civil, dos direitos já adquiridos e consolidados e não da segurança dinâmica mais afeita ao direito comercial, à fortuna em movimento. Assim a idéia de risco aplicado à aparência é uma idéia de aparência criada. A pessoa é engajada porque sua atividade suscitou uma aparência enganosa; ela é engajada no limite dessa aparência e não no limite dos danos eventualmente resultantes.
14 - Idéia correspondente a esta é a do direito correlativo: se um risco é posto no encargo de certas pessoas é porque outras pessoas mereceram ser titulares de um direito correlativo. A explicação desse direito se encontra no erro legítimo cometido sob o engano das aparências. Para se prevalecer da aparência é necessário, que, primeiramente, tenha-se cometido um erro, acreditando-se que a situação aparente era uma situação verdadeira. Esse erro confunde-se com a noção corrente de boa fé-crença. Mas embora necessária, a boa fé não é suficiente para configurar o erro criador de direito. É necessário também a legitimidade dessa crença, ou seja, que a realidade esteja escondida sob um elemento visível diferente e que este conduza os terceiros a se enganarem, tomando a aparência por realidade. Nas relações sociais modernas a segurança dinâmica é mais favorecida, pois o erro é protegido, mesmo se ele não é invencível, basta somente que seja legítimo. Deve-se portanto, em cada aplicação que o direito faz da teoria, procurar o erro legítimo que fundamenta o direito reconhecido aos terceiros. Erro, isto é, elemento psicológico. Legitimidade do erro, quer dizer, elemento material constitutivo da aparência. É o erro legítimo, portanto, em sua dupla acepção de boa fé e erro escusável, que fundamenta a idéia de aparência de direito.
15 - A aparência de direito se caracteriza e produz os efeitos que a lei lhe atribui somente quando realiza os seguintes requisitos objetivos e subjetivos:
Requisitos essenciais objetivos: a) uma situação de fato cercada de circunstâncias tais que manifestamente a apresentem como se fora uma situação de direito; b) situação de fato que assim possa ser considerada segundo a ordem geral e normal das coisas; c) e que, nas mesmas condições acima, apresente o titular aparente como se fora titular legítimo, ou o direito como se realmente existisse.
Requisitos essenciais subjetivos: a) a incidência em erro de quem, de boa fé, a mencionada situação de fato como situação de direito considera; b) a escusabilidade desse erro apreciada segundo a situação pessoal de quem nele incorreu.
16 - A aparência de direito não constitui, para numerosos doutrinadores, um princípio jurídico geral, aplicaável a todos os casos de aparência do ordenamento, mas somente àqueles expressamente previstos em lei ou que possam a esses ser equiparados pelo recurso da analogia.
17 - Entretanto, a aceitação bastante generalizada da aparência na doutrina e na jurisprudência parece não dar amparo a essa visão mais restrita. A aparência de direito se configura num princípio ético-jurídico, ou seja, uma pauta orientadora da normação jurídica que, em virtude de sua própria força de convicção, pode justificar decisões jurídicas. A noção de aparência de direito possui todas as características que informam a idéia de um princípio ético-jurídico, apta a desenvolver um sentido superador da regra legal estrita: tem um conteúdo material de justiça, está de acordo com a consciência jurídica geral de nosso tempo (vide o direito comparado), pode ser inferida de diversas normas legais, recorrendo-se à mesma ratio legis e é constituída por toda uma série de casos de igual teor, o que constitui o fundamento de uma analogia global. É portanto um princípio geral, aplicável a todo o ordenamento jurídico brasileiro.
18 - Dos casos expressamente ou implicitamente admitidos por lei a doutrina extraiu o princípio jurídico da aparência de direito, não mediante o simples processo de analogia, mas através da investigação do fundamento das disposições legais, e, assim sendo, a indicação legal desses casos não é taxativa, pois não exclui a admissão dos demais que realizarem os requisitos da aparência segundo sua qualificação jurídica, o que se deve apurar através do exame de cada espécie concreta, de fato.
19 - Se a aparência de direito possui a força de princípio, nem por isso, em sua aplicação, pode-se dispensar o emprego da máxima cautela, à vista da delicadeza da matéria e da possibilidade de causar prejuízo injusto ao direito alheio.
Em resumo, aplicando-se as idéias desenvolvidas em outros ordenamentos jurídicos e fundamentando-se a eficácia da aparência de direito na noção de erro legítimo, chega-se à conclusão de que o único critério capaz de efetivamente cumprir o escopo ontológico da teoria da aparência é o da sua equiparação a um princípio geral de direito, extensível a todo o ordenamento, mas sujeita sua aplicação ao prudente arbítrio judicial, atentando-se para as circunstâncias do caso, a boa fé dos terceiros, a legitimidade do erro e as condições peculiares em que se encontram os agentes da relação jurídica.
1. Ato Jurídico, Saraiva, São Paulo, 2ª ed. 1979, p. 226
2. A Regra Moral nas Obrigações Civis, tradução ao português de Osório Oliveira, Saraiva, 1937, São Paulo, p. 296.
3. José Puig Brutau, Estudos de Derecho Comparado, La Doctrina de los Actos Propios, Ediciones Ariel, Barcelona, 1951, p. 103.
4. Lição de Ângelo Falsea (Enciclopedia de Diritto, verbete apparenza´ 1958.
5. Pontes de Miranda, in Tratado de Direito Privado, III/253, 3ª Ed. 1970, Borsoi, São Paulo, § 311, n. 4.
6. Mário Moacyr Porto, Ação de Responsabilidade Civil e Outros Estudos, Ver. Dos Tribs., São Paulo, 1966, p. 132.
7. Mariano D´Amélio, in Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, i/277, Saraiva, 2ª, ed., 1962, São Paulo.
8. José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 93/94.
9. BOBBIO, Norberto - Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. Ed. Brasília: UNB, 1999, p. 58.
10. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3. Ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999, p. 9.
11. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 248/254.
12. BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 249
13. Daniel Sarmento, A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. Ed. (Segunda tiragem). Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002, p.44. (13).
14. professor Ricardo Lobo Torres, in Curso de Direito Financeiro e Tributário. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 79,
15. v. Norberto Bobbio, op. cit. p. 91 e seguintes,
16. [1] Sobre o tema, v. BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 259/265.
17. Paulo Bonavides, BONAVIDES, op. cit. p. 265,
18. [1] Sobre Interpretação do Direito Tributário, v. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do direito Tributário. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar.
19.Vergé, et Rippert, in Rép. Droit Civil, Dalloz, 1951, vb. Apparence.
20. Vicente Ráo ( O Direito e a Vida Dos direitos, II/109, Tomo i< Ed. Resenha Universitária, São Paulo, 1978, 2ª ed.).
21. José Puig Brutau, obra citada, p.119).
22. Orlando Gomes, in Transformações Gerais do Direito das Obrigações, Ver. Dos Tribs. São Paulo, 1967, p.96)
23. ensina EDUARDO ESPINOLA (Lei de Introdução ao Código Civil, v. 1, p. 95)
24. M. HENRI MAZEMD (trabalho cit., “Revue Trimestrielie”, 1924, p. 951)
25. Cândido DE OLIVEIRA FILHO, Prática Civil, v. 10, n. 65; JOSSERANO, Cours de Droit Civil Positil França&, 1940, v. III, n. 1 022, p. 616
26. in Código Civil Interpretado, de CARVALHO SANTOS. v. Xxii, p 238-241)
27. ” (ob. e v. cits., p. 237-238 e 99-101. Os Tribunais de Justiça de São Paulo e Minas têm decidido consoante êsse entendimento (“Rev. dos Tribs. “, v. 123, p. 181; v. 138, p. 631; “Rev. For.” v.CXXXII, p. 475
28. DEMANTE (Cours Ana.lytique, tomo 1, n. 176-bis, IV, p. 307-308
29. AUBRY et RAU, ob. cit., v. 10, p. 41-42)
30. AUBRY et RAU , ob. cit., v. 3, n. 1 027, p. 619-620)
ADVOGADO, ex-titular do escritório jurídico C. Martins & Advogados Associados no Rio de Janeiro, Assessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Conceição de Macabu, Pós Graduando em Gestão Pública Municipal em Rio das Ostras, especialista em Segurança Pública pelo SENASP Brasilia, Graduando em Administração de Empresa, Consultor Jurídico, especialista em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: IORIO, Luiz Carlos da Cruz. A Análise técnico-jurídico da Teoria da Aparência como princípio de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 fev 2012, 09:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27855/a-analise-tecnico-juridico-da-teoria-da-aparencia-como-principio-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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