1 INTRODUÇÃO
O dinamismo no Direito do Trabalho sempre foi algo constante, visto que as necessidades requeridas pela sociedade também o são. Entretanto, apesar dessas modificações serem necessárias, mister se faz atentar os direitos e garantias assegurados constitucionalmente aos trabalhadores, de forma a evitar que o desenvolvimento econômico, consequente dessas mudanças, viole esses direitos.
O cenário trabalhista, por se chocar ao clássico modelo bilateral empregatício consolidado pelo Direito do Trabalho, obrigou o TST rever o caráter extremamente conservador que possuía. A princípio, a Corte Trabalhista não era a favor da terceirização, mas posteriormente, com a edição da Súmula n. 256, passou a admiti-la de forma limitada. Logo depois, por ser alvo de constantes críticas, tal súmula foi revisada, originando a Súmula n. 331 do TST, a qual passou por uma última modificação em maio de 2011, através da Resolução Administrativa n. 174/2011, em virtude de recentes julgamentos a respeito do assunto.
Durante muito tempo, a visão defendida pelo TST – nos termos da Súmula n. 331, antes da recente alteração – se consolidou, mesmo não tendo amparo na Constituição Federal de 1988 (norma constitucional) ou legal que fundamentasse as exigências do Judiciário Trabalhista. Contudo, recentemente, a terceirização voltou a ser alvo de muitas discussões em virtude de divergências presentes entre posicionamentos do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal.
De fato, embora a terceirização não possua uma legislação específica, esse instituto encontrou amparo na Súmula n. 331 do TST, a qual, no intuito de tutelar os direitos dos trabalhadores presentes no ordenamento jurídico brasileiro, assegurando os princípios inerentes a eles, como o princípio da proteção, da isonomia, da realidade dos fatos, entre outros, restringiu a hipótese de cabimento das prestações de serviços exercidas por terceiros somente à atividade-meio em empresas tomadoras de serviços. A ampliação dessa possibilidade de contratação cingiu-se a alguns casos previstos em leis específicas, como a do trabalho temporário.
Entretanto, há pouco tempo, foram concedidas liminares no STF suspendendo decisões julgadas pelo TST (Rcl. 10132 MC/PR) e pela Primeira Turma do TRT da 14ª Região (Rcl. 11275 MC/AC), que reconheceram vínculo empregatício de terceirizados com as empresas tomadoras de serviço, o que levantou questionamentos sobre as hipóteses de incidência da terceirização, bem como sobre a legalidade do art. 94, II, da Lei n. 9472/97 e do §1º do art. 25 da Lei n 8987/95 – que segundo o TST são contrários ao que está disciplinado na Súmula n. 331.
Em consequência, pretende-se trazer neste trabalho um estudo da terceirização com base no posicionamento jurisprudencial em si, tanto do Tribunal Superior do Trabalho quanto do Supremo Tribunal Federal. Faz-se uma análise sobre a Súmula n. 256, primeira editada pelo TST sobre o tema, com suas posteriores alterações, destacando-se os principais assuntos tratados pela atual Súmula n. 331 do TST, que alterou a primeira. E finalmente atenta-se para a necessidade de se ter uma uniformização entre os posicionamentos do TST e do STF a respeito da terceirização.
2 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
2.1 Tribunal Superior do Trabalho – da Súmula 256 à 331
A terceirização tem sido determinante para uma saudável competição no mercado de trabalho. Ela foi uma das formas encontradas por muitas empresas para manter a competitividade no mercado, flexibilizando as relações laborais, os direitos trabalhistas advindos do contrato de trabalho, e direcionando seus esforços para o seu objetivo principal, a atividade-fim.
Os valores conquistados pela sociedade como um todo e que de certa forma refletem na Justiça, como defensor dela, fez com que a mesma adquirisse uma enorme desconfiança do processo de terceirização ao acreditar que esse fenômeno poderia provocar prejuízos aos direitos já adquiridos pelos trabalhadores. Por tais razões, doutrina e jurisprudência, intitulavam a terceirização como uma forma de marchandage – “[...] mercantilização da força de trabalho”, redução do trabalhador a mera mercadoria (RAMOS, 2001, p. 58).
A consequente desconcentração produtiva e econômica do trabalho que envolvia a terceirização provocou certo descontentamento dos sindicatos, fazendo com que estes não encontrassem outra saída, a não ser de denunciar os prejuízos sofridos pelos trabalhadores. Como exemplo, Luiz Alberto de Vargas e Almir Goulart da Silveira (apud RAMOS, 2001, p. 60) destacam:
[...] as empresas terceirizadas exigiam um ritmo de trabalho mais intenso, com remuneração menor e perda de benefícios como alimentação, transporte, assistência médica. A perda de postos de trabalho, apenas parcialmente repostos pela contratação de empresas terceirizadas, e a diminuição da massa salarial, com o pagamento de salários inferiores ao piso da categoria terceirizante, também foram indicadas como conseqüências (sic) perniciosas do processo.
Diante desse quadro, a Justiça do Trabalho se sentiu na obrigação de se posicionar acerca do assunto editando algumas súmulas, quais sejam: Súmula n. 256 e Súmula n. 331.
2.1.1 Súmula n. 256
Em 1986, a Justiça Laboral, repudiando o processo de terceirização editou a Súmula n. 256, firmando o seguinte entendimento:
Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos nas Leis nº 6019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.
Aprovada pela Resolução Administrativa n. 4/86, a súmula surgiu visando pacificar o entendimento jurisprudencial acerca da terceirização e impedir sua prática generalizada. Assim, não sendo admitida pela jurisprudência, estaria caracterizada a contratação por pessoa interposta, a marchandage. Portanto, a Justiça Trabalhista passou a defender que se a terceirização confrontasse o que estava prescrito na respectiva súmula, estaria caracterizado o vínculo empregatício clássico com o efetivo tomador de serviços.
No entanto, o citado posicionamento foi alvo de muitas críticas por parte dos estudiosos por considerarem que ele contrariava a ideia de modernidade trazida pela terceirização, pois sua inspiração havia partido de uma completa repulsa a essa modalidade de contrato.
Corroborando esse entendimento, Gabriela Neves Delgado e Carlos Augusto Junqueira Henrique (2004, p. 102-103) observam:
[...] a jurisprudência pecou pela generalidade, como se todas as empresas prestadoras de serviços fossem ilegais; de outra feita, foi muito restrita, ao excepcionar apenas os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância. Existindo outros casos em que se mostrava necessária a terceirização, decorrente, por exemplo, da especialização da mão-de-obra, a contratação por empresa interposta não haveria de ser considerada ilegal. Há de se verificar cada caso, [...] como no caso da limpeza. Nesse caso, interessa ao tomador apenas a prestação do serviço, não podendo, de imediato, imputar-lhe o vínculo de emprego. A fraude deve ser comprovada [...].
No mesmo sentido, Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p. 61-62) destaca:
Autores como Pedro Vidal Neto, Marly Cardone e Octavio Bueno Magano acentuaram a impropriedade da jurisprudência então assentada, dado que no âmbito das relações privadas o que prevalece é a possibilidade de se fazer tudo que não é vedado pelo ordenamento jurídico. Admitindo o direito o contrato entre empresas, nada justificaria a posição adotada pelo TST contra a terceirização, especialmente porque a Constituição Federal garante a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal).
Diante do abarrotado de crítica, aos poucos a jurisprudência foi reconhecendo que as descrições pertinentes à terceirização na Súmula n. 256 não eram taxativas, isto é, deveria ser interpretada apenas de maneira restrita e exemplificativa. Desta feita, ela não condenaria a terceirização lícita – aquela que não representa apenas intermediação de mão-de-obra (RAMOS, 2001).
Oportuno ponderar que posteriormente à Súmula n. 256, surgiu a Súmula n. 257. Aprovada pela Resolução Administrativa n. 5, do TST, em 1986, ela vem negar a equiparação do vigilante ao bancário, contendo a seguinte redação: “O vigilante, contratado diretamente por banco ou por intermédio de empresas especializadas, não é bancário” (HENRIQUE; DELGADO, 2004, p. 103).
Daí porque não se pode igualar a figura do vigilante ao bancário, visto que as obrigações atribuídas a um é completamente diferente da outra. Enquanto que o primeiro realiza atividade-meio, o segundo realiza atividade-fim da empresa, “atividade esta repetitiva, extenuante, razão pela qual o legislador teve por bem reduzir sua jornada de trabalho” (HENRIQUE; DELGADO, 2004, p.103).
Retomando à Súmula n. 256, em virtude de tamanhos descontentamentos e críticas, houve a necessidade dela passar por uma revisão, seu cancelamento deu-se pela Resolução nº 121 do TST, de 19 de novembro de 2003, a qual teve como fruto a edição da Súmula n. 331 do TST (de 17.12.1993, DJU de 4.1.1994).
2.1.2 Súmula n. 331
A primeira edição da Súmula n. 331 do TST veio com a seguinte redação:
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74);
II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição Federal);
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, 20.6.1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta; e
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial (DELGADO, 2007, p. 439-440).
Com o advento dessa Súmula n. 331 algumas críticas recebidas pela Súmula n. 256 perderam funcionalidade, pois houve a incorporação das hipóteses de terceirização de conservação e limpeza e atividade-meio (Lei n. 5.645/70 e Decreto-lei n. 200/67) e o reconhecimento, inclusive, da vedação constitucional pertinente à contratação de servidores sem a realização de concurso público (DELGADO, 2007).
Entretanto, em meados do ano de 2000, o inciso IV recebeu nova redação, no intuito de esclarecer que a responsabilidade subsidiária ali destacada abrangia também “órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista” (Resolução 96, de 11.9.2000, TST, apud DELGADO, 2007, p. 440).
Recentemente, nos dias 27, 30 e 31 de maio de 2011, foi divulgada nova redação do mesmo item IV e foram inseridos dois novos incisos à Súmula n. 331 do TST (BRASIL, 2011g, p. 1), passando, a presente súmula, a conter a seguinte forma:
SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Como se nota, a recente alteração envolveu, exclusivamente, a questão da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, posto que este assunto encontra-se como um dos mais discutidos na seara trabalhista, tornando claro o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho quanto à existência dessa responsabilização, caso reste configurado a sua conduta culposa diante do cumprimento das obrigações da Lei de Licitações, abrangendo todas as verbas decorrentes da condenação referente ao período da prestação laboral.
Em linhas gerais, uma das alterações mais importantes presentes na Súmula n. 331 foi referente à distinção entre atividade-meio e atividade-fim do tomador do serviço, esclarecendo o contraponto entre terceirização lícita e terceirização ilícita, bem como explicando a natureza e a extensão da responsabilidade decorrente da respectiva relação jurídica.
2.1.2.1 Formação do Vínculo de Emprego
Traçando algumas considerações referentes às situações destacadas na Súmula 331, o inciso I destaca o seguinte: “I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)”.
Por meio do referido inciso, buscou-se impedir que “situações tipificadoras de verdadeiras relações de emprego sejam acobertadas pelo direito, como se fossem contratos civis” (RAMOS, 2001, p. 65). Doravante vedações, o discutido inciso não atinge o que está prescrito nos arts. 1.237 a 1.247, como também nos arts. 1.216 a 1.236, todos do Código Civil, os quais abordam acerca do contrato de empreitada e prestação de serviços, respectivamente. Os citados artigos abrangem formas de terceirização lícita.
Como há de se verificar, o item I preocupou-se em colocar como ressalva as contratações de trabalho temporário. Outra forma de terceirização lícita, essa espécie de contrato de trabalho está expressamente especificada na Lei n. 6.019/74. Em síntese, “ou se trata de necessidades transitórias de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora ou se trata de necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços dessa empresa” (DELGADO, 2007, p. 441).
De fato, como frisa Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011, p. 354), aplica-se ao Direito do Trabalho “o princípio da primazia da realidade, no sentido de que importa a efetiva verdade dos fatos, e não a simples forma ou denominação atribuída ao negócio jurídico”.
Portanto, fora as hipóteses elencadas, sendo o trabalhador contratado por empresa interposta, forma-se o vínculo de emprego com o tomador de serviços.
2.1.2.2 Inexistência do Vínculo Empregatício pelo Poder Público
De outra face, o inciso II dispõe: “A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988) (Revisão do Enunciado nº 256 - TST)”. De acordo com esse item, “[...] não há vinculo de emprego com a Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional”. A crítica, que de certa forma surgiu, pelo menos para José Felipe Ledur (apud RAMOS, 2001, p. 68), por não ter sido bem compreendida, deu-se, principalmente, por entenderem ter sido uma forma de camuflar as artimanhas do Estado ou protegê-lo da punibilidade diante dos atos irregulares praticados, ofendendo, assim, o princípio da isonomia.
Em contrapartida, os que defendem o posicionamento do TST acreditam que a inexistência do vínculo empregatício veio assegurar a aplicação dos princípios da moralidade e da legalidade. Ressalta-se que, inobstante esse posicionamento, ele mantém a responsabilização do administrado pela contratação irregular penal, civil e administrativo (inciso IV).
O que ocorre é que o item II tem como arcabouço o art. 37, II da Constituição Federal que dispõe:
A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Destarte, o inciso II irá impedir a prática que alguns administradores tinham de utilizar a terceirização para preencher o quadro de funcionários com seus “conhecidos” (grifo nosso) – prática reconhecida como fraude –, assegura os princípios da moralidade e legalidade. Nesse sentido, Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p. 69):
[...] se outra tivesse sido a decisão do TST, as portas estariam abertas à fraude, servindo o contrato de terceirização para inflar, de forma inconstitucional e lesiva ao erário e ao princípio da moralidade, os quadros do funcionalismo. O concurso público, expressamente exigido por norma constitucional (artigo 37, II), é instrumento altamente salutar de seleção dos trabalhadores do setor público, assegurando igualdade de oportunidades e privilegiando o mérito, de forma a democratizar o acesso aos cargos e empregos públicos.
Portanto, só é permitido o ingresso aos cargos e empregos públicos da Administração Pública se o indivíduo tiver sido aprovado em concurso público, assegurando, assim, o preenchimento do quadro de funcionários com as pessoas mais capacitadas.
Por sua vez, o administrador que agir com ilegalidade estará sujeito aos rigores da lei de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), devendo reparar os cofres públicos, caso tenha causado algum prejuízo ao erário e, sendo o Estado condenado, pagar indenização.
Alerta-se, entretanto, que de acordo com a Orientação Jurisprudencial 321 da SBDI-I do TST, tratando-se de período anterior à vigência da Constituição Federal de 1988, ocorrendo a contratação ilegal mediante empresa interposta, com exceção dos serviços de vigilância e trabalho temporário, restará configurado vínculo empregatício do terceirizado com a tomadora de serviço, ainda que esta tenha sido a Administração Pública, posto que na Carta Magna anterior não havia a dependência de aprovação em concurso público para investidura ao emprego público, a dependência se dava somente aos cargos públicos (GARCIA, 2011).
2.1.2.3 Pessoalidade e Subordinação
Direciona-se, agora, o estudo para o inciso III da discutida súmula. Grande parte dos doutrinadores, como Sergio Pinto Martins (2007) e Maurício Godinho Delgado (2007), consideram que existe a relação de emprego sempre que os requisitos de pessoalidade (prestação pessoal do serviço), onerosidade (pagamento do salário pelos serviços prestados), não eventualidade (tem que ser contínuo) e subordinação (do empregado diante do empregador) estiverem presentes. Em contrapartida, o inciso III destaca somente a subordinação direta e a pessoalidade como determinantes para a caracterização da relação de emprego.
Eis o que dispõe o inciso III, da Súmula 331:
Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta
Nesse sentido, Carlos Augusto Junqueira Henrique e Gabriela Neves Delgado (2004, p. 106):
De acordo com esse item do Enunciado 331, inexistindo a pessoalidade e a subordinação direta, a relação de emprego não se forma com o tomador, mas com a empresa interposta, especializada em serviços de vigilância (Lei n. 7.102/83), de conservação e limpeza e em realizar serviços ligados à atividade-meio do tomador. Nesses casos, a terceirização é admitida. A contrario sensu, extrapolados esses limites, responde a tomadora, formando-se o vínculo diretamente com ela.
A subordinação direta é aquela relação direta do tomador com os empregados do prestador do serviço, estes recebendo ordens diretamente daquele. Por subordinação direta, Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p. 66) considera: “é necessário […] que o tomador dirija os serviços diretamente, dando ordens aos empregados da contratante e submetendo-os ao seu poder disciplinar, para que se caracterize o requisito da subordinação”.
Quanto à pessoalidade, ressalta-se que o contrato que for firmado apenas com pessoa física já pressupõe a realização de atividade por sujeito certo e determinado, configurando o caráter intuito personae.
Em síntese, Maurício Godinho Delgado (2007, p. 443) ressalta:
A Súmula 331 tem o cuidado de esclarecer que o modelo terceirizante não pode ser utilizado de modo fraudulento. Assim, estatui que se manterá lícita a terceirização perpetrada, nas três últimas situações-tipo acima enunciadas, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação direta entre trabalhador terceirizado e tomador de serviços (Súmula 331, III, in fine, TST).
Assim, a intenção da Súmula n. 331 é evitar a fraude. Para tanto, considera terceirização lícita aquela que inexista pessoalidade e subordinação direta entre o tomador do serviço com o trabalhador da empresa prestadora de serviços.
2.1.2.4 Responsabilidade Subsidiária
Outra novidade trazida pela súmula 331 foi referente à existência de responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, inclusive do tomador público, quanto ao inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador nos casos da terceirização ser regular e legal – as situações previstas no inciso IV são aparentemente estranhas aos casos de responsabilidade civil do art. 186 do CC (aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito).
O inciso IV da Súmula 331 dispõe:
O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. (Alterado pela Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011)
Acerca desse tema, tanto a Lei n. 7.102/83, alterada pelas Leis nº 8.863/94 e n° 9.017/95 – que dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento de empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores – quanto a Lei n. 6.019/74 (trabalho temporário) permitem a subcontratação, mas não asseguram a responsabilidade subsidiária ou mesmo solidária entre a empresa contratante e a contratada. Como exceção, a Lei de Trabalho Temporário assevera apenas uma, a falência:
Art. 16. No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.
Não obstante as duas leis citadas, o inciso IV da Súmula 331 se baseou pelo art. 9º da CLT, o qual considera fraude à lei todo ato que confrontar os direitos previstos na CLT. Ou seja, o empregador que sonegar qualquer direito trabalhista, assegurado ao empregado, pratica ato ilícito. Figura-se, nesse caso, o tomador dos serviços que não fiscaliza o cumprimento do contrato, como também não escolhe de forma mais cautelosa as empresas prestadoras dos serviços. Assim, mesmo que a terceirização seja lícita, o tomador poderá se responsabilizar subsidiariamente (CASSAR, 2010).
Fazendo uma ressalva, se houver mais de um tomador, a responsabilidade se limitará pelo período que cada um tomou o serviço, inexistindo, nesse caso, a responsabilidade solidária entre ambos.
Já com relação ao tomador público, a Lei de Licitações expressamente excluiu a responsabilidade trabalhista da administração pública nos seguintes termos (§1º do art. 71 da Lei n. 8.666/93):
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. §1º. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
Entretanto, como já mensurado, a jurisprudência trabalhista não dispõe do mesmo posicionamento.
Parte da doutrina argumenta que a referente norma da lei de licitações é inconstitucional, tendo em vista que afronta o §6º do art. 37 da CF, adotando, dessa forma, ao que está previsto na súmula 331 do TST.
De fato, o §6º do art. 37 da Constituição Federal expõe o seguinte: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Alice Monteiro de Barros (apud CASSAR, 20110, p. 510, grifo do autor), entende que quando a Administração Pública subcontrata mão-de-obra e o empregador, no caso quem intermediou a mão-de-obra, não cumpre suas obrigações, “[...] incorre em culpa in eligendo e in contrahendo [...]”.
A culpa in eligendo vem da má escolha da empresa contratada, como por exemplo, contratar empresa prestadora de serviços que não está habilitada legalmente – modalidade prevista no art. 932, III do CC e Súmula 341 do STF. Em contrapartida, a culpa in contrahendo deve ser entendida como uma responsabilidade obrigacional ou contratual “decorrente da culposa ou dolosa inobservância dos deveres de proteção, informação e lealdade, que são imputados pelo princípio da boa-fé, durante a fase negociatória e decisória do processo de formação contratual” (ALVES, 2006, p. 1)
Em livro mais recente, Alice Monteiro de Barros (2009, p. 455, grifo do autor) explana:
Trata-se de uma responsabilidade indireta, fundada na ideia de culpa presumida (in eligendo), ou seja, na má escolha do fornecedor da mão-de-obra e também no risco (art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002), já que o evento, isto é, a inadimplência da prestadora de serviços, decorreu do exercício de uma atividade que se reverteu em proveito do tomador.
Já Maurício Godinho Delgado (2007, p. 461, grifo do autor) se manifestou da seguinte forma:
Ora, a entidade estatal que pratique terceirização com empresa inidônea [...] comete culpa in eligendo [...], mesmo que tenha firmado a seleção por meio de processo licitatório. Ainda que não se admita essa primeira dimensão da culpa, incido, no caso, outra dimensão, no mínimo a culpa in vigilando (má fiscalização das obrigações contratuais e seus efeitos).
Vólia Bonfim Cassar (2010) ainda destaca aqueles que acreditam que não há inconstitucionalidade na norma presente na lei de licitações diante da Constituição Federal, e consequentemente a Administração Pública não deverá se responsabilizar pelos inadimplementos trabalhistas, tendo em vista que a regra especial revoga a geral.
Inobstante todos os posicionamentos levantados, a Administração Pública não responderá subsidiariamente sob o argumento de “culpa in eligendo e in contraendo, como pretendem alguns, uma vez que as exigências legais para a concorrência em licitações públicas são rígidas, não podendo fazer parte as empresas com débitos fiscais ou trabalhistas”. Desta feita, o argumento mais plausível para a responsabilização da administração pública é a teoria do empregador formal e do real, como também da culpa in vigilando (CASSAR, 2010, p. 511, grifo do autor).
Por culpa in vigilando entende-se a decorrente da falta de atenção com o procedimento de outrem, não fiscalização do contrato, responsabilizando, como no tema discutido, o tomador do serviço perante ato ilícito praticado pelo prestador do serviço – art. 932, III e art. 933 do CC.
A teoria do empregador formal e do real pode ser amplamente aplicada ao caso, tendo em vista que na terceirização, como possui uma relação triangular, sempre que um dos sujeitos, o empregador formal, vai de encontro com os direitos trabalhistas presentes no contrato de trabalho caberá ao empregador real, tomador do serviço, suprir essa falha, estendendo-se, assim, a responsabilidade.
De qualquer forma, a interpretação contida na Súmula 331, IV, envolve todas as hipóteses de terceirização existente, inclusive o trabalho temporário, superando, ainda, as limitações presentes no art. 16 da Lei n. 6019/74 e também ao §1º do art. 71 da Lei n. 8.666/93 (DELGADO, 2007).
Ademais, a nova redação do inciso IV e, logo em seguida, o surgimento dos incisos V e VI à redação da Súmula 331 (em 27, 30 e 31 de maio de 2011) apesar de não ter modificado o posicionamento anterior, o deixou mais claro:
SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Portanto, a questão da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, assunto que surtiu bastantes discussões na seara trabalhista, continua existindo, caso fique evidenciada sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações), especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora, abrangendo todas as verbas decorrentes da condenação referente ao período da prestação laboral.
2.2 Supremo Tribunal Federal
Sendo a mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal acumula competências típicas de Suprema Corte – a chamada competência recursal, onde analisará questões de última instância – e Tribunal Constitucional, que julgará questões de constitucionalidade independentemente de litígios concreto – a chamada competência originária que envolve assuntos de única instância, tendo como principal função guardar a Constituição Federal de 1988, impedindo que seja violada e assegurando o seu regular cumprimento. Sua competência encontra-se descrita nos arts. 102, 103 e 103-A da CF/88.
Sobre a competência originária, Klaus Schclaich (apud MORAES, 2005, p. 489) manifesta-se da seguinte forma:
A função precípua do Supremo Tribunal Federal é de Corte de Constitucionalidade, com a finalidade de realizar o controle concentrado de constitucionalidade no Direito Brasileiro, ou seja, somente ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, genéricas ou interventivas, as ações de inconstitucionalidade por omissões e as ações declaratórias de constitucionalidade, com o intuito de garantir a prevalência das normas constitucionais no ordenamento jurídico [...].
Já acerca da competência recursal, o STF pode ser acionado tanto pelos recursos ordinários constitucionais quanto pelos extraordinários. Por aqueles, se for crime político, habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção que forem decididos em única instância pelos Tribunais Superiores e se a decisão for denegatória (ar. 102, II, CF).
Por meio de recurso extraordinário, o Supremo poderá julgar as causas decididas em única ou última instância se a decisão recorrida: contrariar dispositivo desta Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta constituição; julgar válida lei local contestada em face de lei federal (art. 102, III, CF). A respeito dessa última hipótese de cabimento, autorizada pela Emenda Constitucional nº 45/04, Alexandre de Moraes (2005, p. 500) assevera:
Essa nova hipótese de cabimento [...] reforçou do (sic) papel do Supremo Tribunal Federal no controle da constitucionalidade das leis e atos normativos, pois o novo texto passou a entender como conflito de competência federativa o julgamento da validade de lei local contestada em face de lei federal, transferindo a antiga competência do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, para o STF.
Cumpre observar que o advento do instituto da Súmula Vinculante, em 18 de junho de 2008, inaugurou nova hipótese de cabimento de reclamação para o Supremo Tribunal Federal, conforme disposto no art. 103-A, § 3º, da Constituição da República, que assim dispõe:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Assim, havendo contrariedade a determinada súmula ou aplicação de forma indevida por ato administrativo ou decisão judicial, caberá ao STF, que, ao julgar a reclamação procedente, anular o ato ou cassar a decisão e determinar que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula.
Diante dessa pequena explanação acerca das funções do Supremo Tribunal Federal e voltando-se ao tema proposto nesse trabalho, pode-se perceber que as questões que têm envolvido a terceirização perante esta Suprema Corte têm encontrado guarida no art. 103-A, § 3º da Constituição Federal, principalmente em face do texto da Súmula Vinculante nº 10.
Pela Súmula Vinculante 10 do STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
As reclamações ao STF envolvendo a terceirização têm sido constantes nesse último ano. Os posicionamentos da Suprema Corte foram, por muito tempo, favoráveis às disposições presentes na Súmula 331 do TST. Pode-se destacar: Rcl. 10.376 CE, Rcl. 10.416 PA, Rcl. 10.645 PA e Rcl. 10.655 RJ. Em todas, realizadas ainda no ano de 2010, os reclamantes sustentavam que as decisões da Justiça Laboral teriam violado a Súmula Vinculante 10 do STF no que tange à reserva de plenário. Todas as reclamações requeriam, inclusive, o deferimento liminar do pedido, entretanto, todas foram indeferidos pelo STF.
Em verdade, a Rcla. 10376 CE foi ajuizada pelo Município de Ibiapina/CE em 06 de julho de 2010 contra julgados do TRT da 7ª Região que, nos autos dos Recursos Ordinários 591/2008, 010/2009, 013/2009, 014/2009, 015/2009, 016/2009, 017/2009, 092/2009, 094/2009 e 098/2009, afastaram a aplicabilidade do art. 71, §1º da Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações) e descumpriram a Súmula Vinculante 10 do STF (BRASIL, 2011d). Pela reserva de plenário, uma lei só pode ser declarada inconstitucional pelos tribunais se houver voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial.
Insta observar que, primeiramente, o Juiz da Vara do Trabalho de Tianguá/CE condenou o município de Ibiapina/CE ao pagamento de verbas trabalhistas, atestando a responsabilidade subsidiária do ente público com base na Súmula 331, IV do TST, conforme ementado: “RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ENTE PÚBLICO. SÚMULA Nº 331, INCISO IV, DO TST. A decisão está em sintonia com a Súmula 331, IV, do C. TST. Inegável a responsabilidade indireta do tomador de serviços, ainda que ente público. Recurso ordinário conhecido e desprovido”
No Recurso Ordinário, o Município sustentou a sua ilegitimidade passiva com fulcro no art. 71, §1º da Lei de Licitações, no qual estabelece que, ainda que houvesse inadimplência do contratado, os encargos trabalhistas não devem ser transferidos à Administração Pública – o TST negou o recurso.
De fato, o respectivo artigo expõe:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Em face da negativa recursal, o Município de Ibiapina ajuizou reclamação constitucional (Rcla. 10376 CE) contra o TST, com pedido de liminar, tendo este sido indeferido pela Ministra Carmen Lúcia, sob o argumento de existir uma exceção ao princípio da reserva de plenário, a qual se encontra no art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que expõe: “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.
Para a Ministra, esta exceção pode ser estendida aos tribunais regionais, dispensando-os da instauração de incidentes de inconstitucionalidade nos casos em que o tribunal superior, vinculados, já tenha pronunciado sobre a inconstitucionalidade de determinada norma legal. E continua a Ministra (BRASIL, 2010c, p. 1):
Em casos análogos ao presente, nos quais a responsabilidade subsidiária do poder público por débitos trabalhistas foi reconhecida com fundamento na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, os Ministros do Supremo Tribunal Federal têm negado seguimento à reclamação, nos termos do art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: Rcl 7.997, Rel. Min. Eros Grau, DJe 5.11.2009; Rcl 7.678, Rel. Min. Eros Grau, DJe 9.10.2009; Rcl 9.006, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 6.10.2009; Rcl 8.847, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 16.9.2009; Rcl 7.698, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 13.8.2009; Rcl 7.688, Rel. Min. Eros Grau, DJe 3.8.2009; Rcl 8.255, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 29.6.2009; Rcl 7.223, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 29.5.2009 (grifo nosso).
Pelo art. 21, §1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “§ 1º Poderá o Relator arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência”.
Nessa mesma linha segue a Rcl. 10.416 PA. Ajuizada pelo Estado do Pará, em 23 de julho de 2010, contra ato da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que também teria descumprido a Súmula Vinculante 10 do STF nos autos do Agravo de Instrumento no Recurso de Revista n. AIRR-119140-13.2007.5.08.0009.
No presente caso, o reclamante havia ajuizado reclamação trabalhista contra a Fundação de Estudos e Pesquisas em Administração e Desenvolvimento – FEPAD e o Estado do Pará requerendo o recebimento de verbas trabalhistas. Rejeitada a preliminar de carência de ação – tendo o juiz declarado que existe responsabilidade subsidiária do Estado do Pará pelas verbas trabalhistas, diante da inadimplência da primeira reclamada, em face da ocorrência de terceirização entre os reclamados – o Estado do Pará interpôs Recurso Ordinário n. 01191-2007-009-08-00-5 e posteriormente Recurso de Revista, sendo que ambos foram rejeitados, em conformidade com o item IV da Súmula 331 do TST.
Negando também Agravo de Instrumento interposto contra a decisão que não admitiu o Recurso de Revista, a Terceira Turma do TST ainda atentou para o comportamento irregular do Estado do Pará em não fiscalizar o cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado, o que caracterizou a culpa in vigilando e consequentemente o dever de responder, subsidiariamente, pela inadimplência configurada.
A reclamação foi indeferida também pela Ministra Carmen Lúcia, que fundamentou sua decisão nas Rcls. 7.345, 7.289, 7.812 e 8.020, bem como na Rcl. 10.376, acima apresentada; e, com fundamento no §1º do art. 21 do RISTF, a Ministra ainda destacou alguns julgados (BRASIL, 2010d, p. 1):
Não se exige a reserva estabelecida no art. 97 da Constituição sempre que o Plenário, ou órgão equivalente do Tribunal, já tiver decidido a questão (RE 278.710-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 28.5.2010). E: Controle de constitucionalidade; reserva de plenário (CF, art. 97): aplicabilidade, no caso, da exceção prevista no art. 481, parágrafo único, do C. Pr. Civil (red. da L. 9.756/98), que dispensa a submissão ao plenário, ou ao órgão especial, da arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (RE 440.458-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 6.5.2005).
Pode-se observar que grande parte das reclamações sobre a terceirização, que são direcionadas ao Supremo Tribunal Federal, envolvem a discutida responsabilidade subsidiária da Administração Pública presente no inciso IV, V e VI da Súmula 331 do TST.
Não obstante a isso, duas reclamações merecem atenção especial, Rcl. 10.132 MC/PR e Rcl. 11.275 MC/AC, uma vez que trouxeram indagações a respeito do que seria atividade-fim e atividade-meio, e que diferentemente das reclamações antes apontadas, tiveram seus pedidos de liminares concedidos.
Em síntese, recentemente foram concedidas liminares no STF suspendendo decisões julgadas pelo TST (Rcl. 10132 MC/PR) e pela Primeira Turma do TRT da 14ª Região (Rcl. 11275 MC/AC), as quais reconheciam vínculo empregatício de terceirizados com as empresas tomadoras de serviço por considerarem que os prestadores de serviço exerciam atividade-fim e não atividade-meio na respectiva empresa.
Analisando o caso, a Rcl. 10132 MC/PR foi feita com pedido de liminar pela Vivo S/A Empresa de Telecomunicações contra ato da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho que, nos autos do Recurso de Revista n. 6749/2007-663-09-00, contrariou a clausula de reserva do plenário, afastando a aplicabilidade do art. 94, II, da Lei n. 9.472/97, que permite a terceirização em concessionárias de serviços de telecomunicações.
Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:
[...] II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.
Na decisão reclamada, o Tribunal Superior do Trabalho afastou a aplicabilidade do referido dispositivo, apoiando-se, tão somente, na Súmula n. 331, III, da mesma Corte, conforme decisão ementada a seguir:
EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM - IMPOSSIBILIDADE. O § 1º do art. 25 da Lei nº 8.987/95, bem como o inciso II do art. 94 da Lei nº 9.472/97 autorizam as empresas de telecomunicações a terceirizar as atividades-meio, não se enquadrando em tal categoria os atendentes do sistema call center, eis que aproveitados em atividade essencial para o funcionamento das empresas. Recurso de revista conhecido e desprovido.
A reclamação feita pela Empresa de Telecomunicações, perante o Supremo Tribunal Federal, como já exposto anteriormente, sustentou-se também na Súmula Vinculante 10[1] do STF.
Com efeito, a decisão do TST violou o que está prescrito na Súmula Vinculante, pois, embora não tenha declarado expressamente a inconstitucionalidade do art. 94 da Lei n. 9.472/97, ele afastou a incidência do inciso II, configurando, assim, uma afronta à clausula de reserva de plenário.
De fato, o art. 94 da Lei n. 9.472/97 (BRASIL, 1997, p. 1) expõe o seguinte:
I - empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infra-estrutura que não lhe pertençam;
II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.
§ 1° Em qualquer caso, a concessionária continuará sempre responsável perante a Agência e os usuários.
§ 2° Serão regidas pelo direito comum as relações da concessionária com os terceiros, que não terão direitos frente à Agência, observado o disposto no art. 117 desta Lei. (grifo nosso).
Referido dispositivo vai estabelecer que concessionárias de serviços de telecomunicações poderão, observadas as condições e limites estabelecidos pela agência reguladora, contratar terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço. O que se indaga agora é se as atividades inerentes seriam as mesmas atividades-fim.
Em decisão monocrática, o Ministro Gilmar Mendes posicionou-se da seguinte forma:
Verifico que, enquanto a Súmula 331, III, do TST limita a possibilidade de terceirização à atividade-meio das empresas de telecomunicações, o art. 94, II, da Lei n. 9.472/1997 permite a contratação com terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares. Em um juízo sumário de cognição, os termos utilizados não parecem ser sinônimos, o que evidencia a existência de fumus boni juris que justifica a concessão da medida liminar pleiteada [...].
Torna-se oportuno destacar, também, recente decisão do Supremo Tribunal Federal, em 24 de novembro de 2010, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, que declarou a constitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 71 da Lei de Licitações (8.666/93), afastando a responsabilidade objetiva dos órgãos públicos pelo pagamento de débitos trabalhistas e fiscais de empresas terceirizadas, conforme ementado (BRASIL, 2010b, p. 1):
PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE 10. OCORRÊNCIA. AGRAVO PROVIDO. I – Para que seja observada a cláusula de reserva de plenário, é necessário que o Plenário ou o Órgão Especial do Tribunal reúna-se com o fim específico de julgar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. II - Embora tenha a atual redação do item IV do Enunciado 331 do TST resultado de votação unânime do pleno daquele Tribunal, o julgamento ocorreu em incidente de uniformização de jurisprudência. III – Dessa forma, afastada a incidência do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, sem o procedimento próprio, restou violada a Súmula Vinculante 10. IV – Agravo regimental provido, para julgar procedente a reclamação. (grifo nosso)
Observe-se o parágrafo 1º do art. 71 da Lei de Licitações:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
Daí porque, em 24 de novembro de 2010, o Ministro Gilmar Mendes reconsiderou uma decisão agravada e julgou procedente a Rcl. 9.894 RO, conforme ementado:
Agravo Regimental em Reclamação. 2. Direito do Trabalho. Súmula 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão de Órgão Fracionário. Violação à Cláusula de Reserva de Plenário. Súmula Vinculante 10. Ocorrência.3. Responsabilidade Subsidiária da Administração Pública. Afastamento. Art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993. Constitucionalidade. Precedente. ADC 16.71§ 1º8.6664. Agravo regimental a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada e julgar procedente a reclamação (9894 RO, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 24/11/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-032 DIVULG 16-02-2011 PUBLIC 17-02-2011)
Esse agravo regimental foi interposto pelo Estado de Rondônia contra decisão monocrática do Ministro Cézar Peluso que não conheceu a reclamação constitucional, sob a justificativa de que a decisão reclamada seria anterior à publicação da Súmula 10 do STF.
Inobstante a isso, o agravante sustentou que a lesão ao art. 97 da Constituição Federal seria suficiente para o ajuizamento da reclamação. Bem como, a inobservância do procedimento dos arts. 480-482 do CPC pela Sumula 331, IV, do TST veio violar o princípio da reserva do plenário (art. 97, CF), como também o foi em virtude da decisão reclamada ter sido proferida por órgão fracionário.
Ante o exposto, o Ministro Gilmar Mendes deu provimento ao agravo regimental, julgando procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade, declarando que o discutido dispositivo da Lei 8.666/93 é compatível com a Constituição, com base no art. 161, parágrafo único, RISTF – “O Relator poderá julgar a reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal. (Acrescentado pela ER-000.013-2004)”, e que, consequentemente, o acórdão reclamado seja cassado para que outro seja proferido em seu lugar. Por fim, diante do número de reclamações acerca do mesmo tema, foi determinado o efeito vinculante da decisão, tornando-a monocrática, com base na ADC 16.
Considera-se de extrema importância a ADC 16, principalmente porque ela foi de encontro às decisões da própria Suprema Corte, algumas citadas neste trabalho e que serão novamente destacadas, são elas: Rcl. 10.376 MC/CE, Rcl. 10.416 PA, Rcl. 10.645 PA e Rcl. 10.665 RJ.
Em verdade, com a ADC n. 16, houve a reconsideração das decisões agravadas, precedentes do plenário, citadas acima, e suas posteriores procedências.
Entretanto, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011, p. 361) entende:
[...] embora seja necessário acompanhar a evolução da jurisprudência a respeito do importante tema, é possível dizer que a exclusão da responsabilidade subsidiária da Administração Pública apenas pode ser aplicada quando esta tenha cumprido todos os preceitos da norma relativa a licitações e contratos administrativos, inclusive fiscalizando a empresa ou ente prestador dos serviços contratados, no sentido de verificar o regular adimplemento dos direitos trabalhistas. Nessa linha, pode-se defender que, conforme o caso em concreto e as suas peculiaridades de fato, ainda é possível a responsabilização do ente público tomador dos serviços terceirizados, quando incorrer em dolo ou culpa na contratação e fiscalização da empresa prestadora, notadamente se restar demonstrada a omissão da Administração Pública no acompanhamento e na exigência da demonstração de regularidade e de quitação das verbas trabalhistas devidas aos empregados da empresa contratada.
Já as decisões referentes as atividade-meio e atividade-fim, a Rcl. 11275 MC/AC, feita liminarmente pela Companhia de Eletricidade do Acre, foi ajuizada contra ato do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região por também ter afrontado a autoridade do STF e negado a aplicação da Súmula Vinculante nº 10, declarando de forma indireta a inconstitucionalidade do §1º do art. 25 da Lei 8.987/95.
A reclamação em questão é semelhante à Rcl. 10132 MC/PR, já exposta, tendo o Ministro Dias Toffoli o mesmo entendimento, do então Ministro Gilmar Mendes. Entretanto, neste caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região foi de encontro com a Súmula Vinculante n. 10 do STF ao afastar a aplicabilidade do §1º do art. 25 da Lei 8.987/95 (Lei Geral de Concessões), que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, apoiando-se, também, na Súmula n. 331 do TST, conforme decisão ementada a seguir:
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO ENERGIA. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM VEDAÇÃO. ART. 25, § 1º, DA LEI 8.987/95. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA.
A interpretação teleológica e sistemática do artigo 25, § 1º, da Lei 8.987/95 não alberga a possibilidade de terceirização de atividade-fim de empresa de economia mista, concessionária de serviço de fornecimento de energia, em razão de que esta submete-se ao regime próprio das empresas privadas, inclusive no que tange aos encargos trabalhistas, bem como diante dos princípios constitucionais da valorização do trabalho e dignidade da pessoa humana, além de que tal fato caracteriza-se intermediação de mão de obra repugnada pela ciência laboral, na forma da Súmula 331 do TST.
Neste espeque, note-se o §1º do art. 25 da Lei n. 8.987/95 (BRASIL, 1995, p. 1):
Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.
§ 1o Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.
§ 2o Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente.
§ 3o A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido (grifo nosso).
Com as liminares e tantas outras decisões não destacadas neste trabalho, passa-se a questionar as atuais hipóteses de cabimento da terceirização que são lícitas; questiona-se uma possível ampliação da visão até então restrita da atividade laboral do terceirizado e nos direciona para a necessidade de flexibilizar alguns direito trabalhistas visando acompanhar as renovações trazidas pela sociedade moderna.
2.3 Uniformização entre os posicionamentos do TST e do STF
Como se nota, a Súmula 331 se tornou a base norteadora dos jurisdicionados para assegurar a prestação de serviço na modalidade chamada terceirização.
Visando suprir a carência de regulamentação legal específica, o TST sentiu-se na obrigação de reconhecer e se posicionar acerca desta premissa. Isso deixa claro que apesar das súmulas servirem apenas para consolidar e uniformizar um posicionamento defendido pelo TST, como é o caso em questão, a Súmula n. 331 acabou assumindo um poder normativo, tendo em vista que inexiste legislação específica que aborde sobre o assunto. Nesses termos, José Felipe Ledur (apud RAMOS, 2001, p. 64) explicita:
Embora os enunciados representem mera uniformização da jurisprudência do TST, o Enunciado n. 331, pela ausência de legislação sobre a matéria, assumiu um caráter normativo, havendo até quem afirme que, pela aparência de lei, certos enunciados têm constituído verdadeira ‘usurpação do poder de legislar’, como seria o caso do enunciado em questão.
A par da súmula, é oportuna a transcrição do aresto de TST sobre a terceirização:
RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADES DE -CALL CENTER-. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO. ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CARACTERIZAÇÃO. PROVIMENTO. Cinge-se a controvérsia em se estabelecer a possibilidade ou não de terceirização, por parte das empresas de telecomunicações, de serviços que sejam considerados atividade-fim da empresa, ante os termos dos arts. 25 da Lei n.º 8.987/95 e 94, II, da Lei n.º 9.472/97. Ao contrário da interpretação conferida pelas empresas aos indigitados dispositivos legais, inexiste autorização legislativa para a terceirização ampla e irrestrita. Desse modo, a terceirização levada a efeito pelas empresas de telecomunicações deve, necessariamente, atender às disposições insertas na Súmula n .º 331, I e III, deste Tribunal Superior, que somente considera lícita a terceirização no caso de trabalho temporário, serviços de vigilância, conservação e limpeza e outros especializados, ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta. Nesse contexto, não podendo haver a terceirização de atividade-fim pelas empresas de telecomunicações, razão assiste ao Recorrente na sua pretensão de ver reconhecido o vínculo empregatício diretamente com a tomadora dos serviços. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST - RR 134600-05.2007.5.24.0006, 4ª Turma, Rel(a): Maria de Assis Calsing, Jul. 09/02/2011, Dejt. 18/02/2011).
Portanto, como se observa, as diretrizes impostas pelo TST contêm elementos caracterizadores de uma terceirização lícita, seja nas hipóteses expressamente previstas na súmula, seja aos efeitos e responsabilidades que decorreram dela.
A visão defendida pelo TST se consolidou, a ponto de também ser defendida por todos, mesmo não tendo amparo na Constituição Federal de 1988 (norma constitucional) ou legal que fundamente as exigências do Judiciário Trabalhista. Ocorre que, recentemente, a terceirização voltou a ser alvo de muitas discussões.
Ainda que a atual súmula constitua, por muitos, numa versão modernizada e liberalizante da Súmula 256, aquela, continua sustentando que a contratação de trabalhadores pelas empresas interpostas é ilegal, configurando em vínculo empregatício com o tomador dos serviços, com ressalva ao trabalho temporário (Lei nº 6019, de 03.01.1974). Limita, também, a terceirização à prática de atividade-meio.
Há, entretanto, elásticas possibilidades de praticá-la, como nos casos de atividades de conservação e limpeza, contanto que não haja subordinação direta e pessoalidade. Todavia, continua ao alvedrio a definição do que seria atividade-fim, ficando ao arbítrio do julgador.
Nesse sentido, o ex-Ministro Vantuil Abdala (1996, p. 508), decano do TST, pondera:
É verdade que não há parâmetros bem definidos do que sejam atividade-fim e atividade-meio e muitas vezes estar-se-ia diante de uma zona cinzenta em que muito se aproximam uma da outra. Quando tal ocorrer e a matéria for levada a juízo, ficará ao prudente arbítrio do juiz defini-la. E fá-lo-á, naturalmente, levando em conta as razões mais elevadas do instituto: a especialização; a busca de maior eficiência na sua finalidade original, e não apenas a diminuição de custos.
Em contrapartida, com a concessão das liminares presentes nas Rcl. 101132 MC/PR e Rcl. 11275 MC/AC, o STF se posicionou contrário a decisão defendida pelo TST e TRT, levantando questionamentos sobre as hipóteses de incidência da terceirização, bem como a legalidade do art. 94, II, da Lei n. 9472/97 e do §1º do art. 25 da Lei n 8987/95 – que segundo o TST são contrários ao que está disposto na Súmula n. 331.
No mesmo sentido, a Ação Declaratória de Constitucionalidade 16, ao declarar constitucional o §1º do art. 71 da Lei n. 8666/93, criou bastante polêmica gerando dúvidas no meio jurídico. Diante de diversos posicionamentos, André Luiz Amorim Franco (NO MÉRITO, 2011), juiz substituto da 1ª Região assevera:
A recente decisão do Supremo sobre a matéria em debate não isenta o ente público em toda e qualquer hipótese. O artigo 71, da lei 8666/93, agora reconhecidamente constitucional, não pode ser interpretado de forma isolada, como se fosse um preceito único [...] O Direito é um conjunto de normas e princípios. A leitura da regra deve comportar sintonia com a própria lei 8666/93, que, em outros artigos, exige do administrador contratante a fiscalização do ajuste (arts. 58, III e 67) [...] a administração não irá responder pela falta do contratado-particular se cumprir com o seu dever de fiscalizar, de cobrar lisura e saúde financeira – demonstrando isto nos autos do processo trabalhista correlato. Mas, por outro lado, continuará respondendo subsidiariamente se negligenciar tal fiscalização (como normalmente ocorre), deixando de acostar elementos que evidenciem o patrulhamento dos encargos cabíveis ao parceiro (como por exemplo, os registros das faltas e dos defeitos observados – na forma do parágrafo primeiro, do art. 67 – as advertências e/ou multas aplicadas, a retenção de valores, a declaração atualizada de bens, a regularização do FGTS e demais aspectos do gênero). E este ônus é do ente público (art. 818 da CLT c/c 333, II, do CPC). Enfim, a Súmula 331, IV, do TST (que me parece estar em vias de ser revisada) permanecerá sendo aplicada, com os abrandamentos em face dos motivos aqui exposto, em última na incidência de culpa in vigilando por parte da administração.
De fato, a Sumula 331 do TST passou por uma reformulação em maio de 2011, Res. 174/2011, com a OJ 383. Num curto espaço de tempo, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho proferiram decisões totalmente contrárias envolvendo a responsabilidade subsidiária da Administração Pública na terceirização.
Conforme reportagem do Diário do Comércio, Indústria e Serviços (DCI, 2011, p. 1), no dia 24 de abril de 2011 o Tribunal Superior do Trabalho criou a Orientação Jurisprudencial (OJ) 383 no sentido de manter o seu posicionamento afirmando a existência de responsabilidade subsidiária na terceirização de atividades da Administração Pública, reformulando o inciso IV e criando os incisos V e VI da Súmula 331. Em contrapartida, no dia 28 do mesmo mês, o STF julgou procedente uma ação movida pelo Estado de Rondônia contra o TST, indo de encontro com a OJ 383 e a Súmula 331 do TST.
Na decisão do TST, o Estado de Rondônia havia sido condenado ao pagamento de verbas trabalhistas, visto que, com base na Súmula 331, restou configurado a responsabilidade subsidiária do Estado, deixando de reconhecer o §1º do art. 71 da Lei de Licitações por considerar incompatível com o §6º do art. 37, CF, que dispõe:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Confrontando esta decisão, o Ministro Marco Aurélio de Melo julgou procedente o pedido do Estado de Rondônia, sob o argumento de que a decisão proferida pelo TST afrontaria a Súmula Vinculante 10 do STF, desrespeitando a reserva de plenário.
Alerta-se, inclusive, que a citada decisão do TST, ainda confronta a ADC 16 do STF que declarou a constitucionalidade do respectivo parágrafo do art. 71 da Lei de Licitações.
Além disso, a ministra Cármen Lúcia cassou quatro decisões do Tribunal Superior do Trabalho que impunha a responsabilidade subsidiária do Estado aos contratos de trabalho, súmula n. 331, IV do TST.
As solicitações foram feitas por meio de agravo regimental pelos Estados do Amazonas (Rcl. 7901), Rondônia (Rcl. 7711 e 7712) e Sergipe (Rcl. 7868). A mesma ministra havia negado o seguimento de todas essas reclamações, contra os julgados do TST. Entretanto, recentemente, ela as reconsiderou, tendo em vista que o STF, em 24 de novembro de 2010, havia deferido pedido na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 16, declarando a constitucionalidade do art. 71, §1º da Lei 8666/93 (Lei de Licitações). O citado dispositivo proíbe a transferência de responsabilidades por encargos trabalhistas aos entes públicos.
Em notícia publicada pela SEACSP (2011, p. 1), cuja fonte foi do próprio TST, foram destacadas algumas palavras presentes na manifestação da relatora:
‘Assim, ao afastar a aplicação do § 1º do artigo 71 da Lei n. 8.666/93, com base na Súmula 331, inc. IV, o Tribunal Superior do Trabalho descumpriu a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, pois negou a vigência do dispositivo pretensamente por ser ele incompatível com a Constituição’, ressaltou a ministra. Ela salientou que ao analisar a ADC nº 16, o Supremo decidiu que os ministros poderiam julgar monocraticamente os processos relativos à matéria, ‘na esteira daqueles precedentes’.
Com as liminares e tantas outras decisões do Supremo Tribunal Federal, passou-se a questionar as atuais hipóteses de cabimento da terceirização nos termos da Súmula n. 331 do TST, que se cinge somente à atividade-meio, deixando de observar o regramento das demais leis que tratam da matéria. Assim, o modo como esse entendimento do TST é concebido traz uma visão muito restrita da atividade laboral, não se coadunando com a renovação promovida pelos fenômenos sociais modernos, como a competição entre os mercados.
Ainda que o Supremo Tribunal Federal não tenha, explicitamente, se posicionado pelo não conhecimento da Súmula 331 do TST, as decisões por ele demonstrada nas reclamações – Rcl. 101132 MC/PR , Rcl. 11275 MC/AC e as demais citadas –, bem como na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 16 demonstram, claramente, a discordância acerca do posicionamento da Suprema Corte e do Tribunal Superior do Trabalho acerca do tema terceirização.
É de extrema importância que haja uma uniformização de pensamentos a respeito deste tema entre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho, tendo em vista que a terceirização é uma realidade que cada vez mais fará parte do cotidiano do mercado de trabalho em virtude das flexibilizações que as relações laborais têm sofrido para melhorar a competição nesse mercado, inclusive, internacionalmente.
Diante desse quadro, o TST realizou uma audiência pública nos dias 04 e 05 de outubro de 2011 sobre o tema: Terceirização de Mão-de-Obra. O objetivo foi buscar esclarecer questões relativas ao fenômeno da subcontratação de mão-de-obra por meio de empresa interposta; a manutenção do critério de atividade-fim do tomador de serviços, atualmente adotado pelo TST para declarar a licitude ou ilicitude da terceirização; a terceirização em empresas de telecomunicações ou concessionárias de energia elétrica; a terceirização em instituições financeiras e atividades bancárias, entre outros assuntos (CONSULTOR JURÍDICO, 2011).
De fato, foram levantados diversos posicionamentos, uns considerando a terceirização uma ameaça aos direitos e garantias tutelados constitucionalmente e outros a defenderam como sendo essencial para o desenvolvimento econômico do mercado brasileiro. Neste último caso, alguns asseveraram inclusive a regulamentação do tema como uma forma de assegurar o princípio da proteção aos trabalhadores, dentre outros assuntos.
Inobstante a realização dessa audiência pública, ainda não se tem um posicionamento do TST que confirme qual a consequência trazida à seara trabalhista.
3 CONCLUSÃO
Em verdade, o Direito do Trabalho deve ser tratado como uma ciência jurídica dinâmica, devendo estar sempre atento às modificações de cunho econômico e social que envolve a seara trabalhista. Por sua vez, deve-se buscar garantir as melhores condições de trabalho aos trabalhadores. O dinamismo trazido por essas modificações trouxe a necessidade de flexibilizar as relações no direito trabalhista, mediante a terceirização.
Direcionando-se ao Posicionamento Jurisprudencial, notou-se que apesar das súmulas servirem apenas para uniformizar um posicionamento defendido pelo TST, como no caso em questão, ao editar a Súmula 331 sobre o assunto, a mesma acabou assumindo um caráter de poder normativo diante da carência de regulamentação legal específica a respeito do tema.
O Supremo Tribunal Federal, por muito tempo, demonstrou ser favorável às decisões da Justiça do Trabalho que envolvia a terceirização das relações de trabalho. Ocorre que, recentemente, com a concessão de liminares nas Rcl. 101132 MC/PR, Rcl. 11275 MC/AC, dentre outras, o STF se posicionou contrário a decisão defendida pela Corte Trabalhista, permitindo-se, assim, levantar questionamentos sobre as hipóteses de incidência da terceirização, visto que o TST decidiu com base na Súmula n. 331.
Da mesma forma, a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, ao declarar constitucional o §1º do art. 71 da Lei n. 8666/93, criou bastante polêmica gerando dúvidas no meio jurídico pertinentes à responsabilidade trabalhista, sendo que o referente parágrafo dispõe de forma diversa da súmula do TST.
Diante desse quadro, alerta-se para a necessidade de uniformização nos posicionamentos a respeito deste tema entre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho, visto que a terceirização é uma realidade que cada vez mais fará parte das relações laborais a partir do momento em que ela facilita a competição no mercado de trabalho.
Em verdade, foram essas decisões da Suprema Corte que levantaram a possibilidade de rediscussão das hipóteses de cabimento da terceirização defendidas pela Justiça do Trabalho, ao ponto de se discutir se elas poderiam estar servindo de limitação para que empresas brasileiras competissem de igual para igual no âmbito internacional. E nesse ponto defende-se essa assertiva.
Nesse sentido, reforçando o posicionamento defendido nesta pesquisa, diante das decisões totalmente contrárias envolvendo a responsabilidade subsidiária da Administração Pública na terceirização, num curto espaço de tempo, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho, a Súmula 331 do TST passou por uma reformulação em maio de 2011, conforme Resolução Administrativa n. 174/2011, e o TST realizou uma audiência pública nos dias 04 e 05 de outubro de 2011 sobre a terceirização de mão-de-obra.
Não há como determinar quais serão os efeitos, tanto da alteração da súmula quanto da audiência pública, posto que ainda tramitam muitas Reclamações Trabalhistas no Supremo Tribunal Federal que ainda não tiveram coisa julgada. Porém, o que se pode ter certeza é que o Estado vem buscando soluções e pode ser uma tentativa de futuramente tornar o instituto da terceirização nas relações de trabalho uma prática mais cristalizada, assegurando os direitos mínimos inerentes aos trabalhadores, mas também se preocupando com o desenvolvimento econômico do mercado brasileiro.
REFERÊNCIAS
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[1] Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURTADO, Ingrid de Sousa. Terceirização, tendo como foco o posicionamento jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2012, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28034/terceirizacao-tendo-como-foco-o-posicionamento-jurisprudencial. Acesso em: 23 dez 2024.
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