SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ELEMENTOS FORMADORES DAS CONSTITUIÇÕES. 3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS. 4. PROCESSOS DE CRIAÇÃO E DE FORMAÇÃO DE NOSSAS CONSTITUIÇÕES. 5. PRINCIPAIS ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS. 6. CONCLUSÃO. 7. BIBLIOGRAFIA.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição é a base da pirâmide das leis que regula a vida de um povo, servindo como parâmetro de validade para todas as outras espécies normativas, localizando-se, como sabido, no topo do ordenamento jurídico de uma nação. No espaço temporal, desde sua independência do reino Português, em 07 de setembro de 1822, o Brasil já teve as seguintes Constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 (com a emenda de 1969), e a atual de 1988.
O presente estudo tem por finalidade investigar o processo histórico de criação e de formação das Constituições brasileiras, objetivando ainda, verificar como se desenvolveu ao longo deste tempo, a partir da nossa primeira Constituição (1824), o direito constitucional brasileiro. Pesquisaremos ainda, que tipos de Constituições tivemos, suas classes, modelos de Estado e de normas, quais foram as ideologias que influenciaram no processo de elaboração das citadas Constituições brasileiras, bem assim, quais foram as principais características/aspectos das Constituições pátrias, além dos direitos consagrados (ou excluídos) por elas.
Sem pretendermos esgotar o assunto, nossa intenção é a de contribuir para que haja um salutar debate e uma maior divulgação do importante tema ora analisado, que merece maior estudo e reflexão.
2. ELEMENTOS FORMADORES DAS CONSTITUIÇÕES
Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, vamos fazer um breve comentário sobre os estudos de Konrad Hesse e de Ferdinand Lassalle, acerca dos elementos formadores de uma Constituição. Como enfatizou Bruno Zilberman Vainer[1], em brilhante trabalho, com o qual comungamos na íntegra, a impressão inicial que se tem acerca da obra “A essência da Constituição”, de Ferdinand Lassalle, é que a tese por ele defendida é praticamente perfeita. Isso porque, ao se realizar uma análise sociológica da Constituição, verificar-se-ia que a Lei Maior de um determinado país, só seria realmente eficaz se refletisse os “fatores de poder” desse país.
Portanto, a Constituição só surtiria efeito se estivesse de acordo com os interesses da classe dominante, de acordo com a vontade de quem de fato comanda o país, em concordância absoluta com os chamados “fatores de poder”. E os “fatores de poder” são formados pela burguesia, aristocracia, banqueiros, Exército ou quem quer que possua alguma relação com o poder em determinada região. Sem tais fatores, a Constituição não possuiria nenhuma eficácia. Seguindo esse raciocínio, chega-se à conclusão que, para Lassalle, os assuntos constitucionais possuem mais a ver com os assuntos diretamente ligados ao poder do que a assuntos jurídicos propriamente ditos. Assim, sua análise trata da Constituição como sendo, mais do que uma relação jurídica, uma relação de poder, podendo-se afirmar que um texto que não se refira a tais relações é um texto natimorto, que já nasce sem eficácia, nem durabilidade.
Durante praticamente toda a história da humanidade, especialmente, da idade antiga à idade média, passando pelo absolutismo, pela tripartição de poderes, revolução francesa, segunda grande guerra, etc., as leis ou regras de conduta sempre representaram tão somente os fatores do poder. Entretanto, observa-se que os fatores de poder estão em constante mudança, de modo que uma Constituição que previsse os interesses de determinada classe dominante seria revogada no exato momento em que outra classe assumisse o poder. Destarte, uma Constituição baseada nos fatores de poder tende a ser extremamente mutável.
Agora ingressando no assunto a ser pesquisado, podemos notar que na história do Brasil, a maioria das Constituições sempre refletiu somente os fatores de poder. Como exemplo, temos a Constituição de 1824, que instituiu o Poder Moderador, o qual concedia amplos e quase que totais poderes ao Imperador, mas possuía rol pequeno de direitos individuais. A Constituição de 1937 foi uma clara demonstração de que uma Carta Política elaborada somente com base nos fatores reais de poder não é eficaz. Isso porque a Carta Magna de 1937 somente refletia os interesses do Estado Novo, ditadura imposta por Getúlio Vargas, já que seu texto possuía caráter claramente fascista e autoritário, com desrespeito completo à tripartição dos poderes, tendo ainda, instituído a pena de morte para os crimes políticos. Não estava assente com a vontade popular. Privilegiava o poder de uma pessoa, o Presidente da República, em detrimento de toda a população. Não exprimia a vontade popular e não possuía o reconhecimento de preservação dos direitos fundamentais em seu bojo.
Como resultado, tal Constituição nunca chegou a viger, uma vez que dependia de um plebiscito que jamais ocorreu. Foi substituída com a queda do Estado Novo, e a consequente queda de seu maior fator de poder (o próprio Presidente Getúlio Vargas), pela Constituição de 1946, de caráter democrático. Outro exemplo de Constituição baseada somente nos fatores de poder é a Carta de 1967, instituída pelo Governo da Ditadura Militar. Não é preciso mencionar que a referida Constituição possuía caráter extremamente autoritário. Assim, reforçou os poderes do governo, mais precisamente os poderes do Presidente da República, reduziu a autonomia individual e permitiu a suspensão de direitos e garantias constitucionais. A referida norma não era uma Carta baseada na vontade popular, mas simplesmente no fator de poder do momento: o regime militar. Durou somente enquanto houve a ditadura, enquanto o regime encontrava-se no poder.
Portanto, chegamos à inevitável conclusão que as Constituições, especialmente as outorgadas (como as CFs brasileiras de 1824, 1937 e 1967), assim como as demais regras que regem uma sociedade, não podem ser o reflexo somente dos fatores de poder, sob o risco de serem institutos temporários, que privilegiam a minoria e que necessitam de modificações permanentes, ocasionando incerteza jurídica.
Em contraponto à Lassalle, Konrad Hesse, na conhecida obra chamada “A força normativa da Constituição”, expõe com perfeição os pontos fracos da mencionada teoria dos fatores de poder de Ferdinand Lassalle. Conforme o mesmo, as normas constitucionais não podem somente prever relações fáticas, devendo prescrever condutas. Não fosse assim, as Constituições somente serviriam para justificar o poder dominante em determinada época. E essa não é a função da Carta Magna de um país.
A doutrina é unânime em afirmar que, como dissemos, a Constituição é o conjunto máximo de leis de um país. Karl Marx define a Constituição como a superestrutura que define as regras da infraestrutura da sociedade. Ademais, a Constituição cria o Estado de Direito. É nela que estão os princípios, as vigas mestras da sociedade. Pode-se afirmar que a Constituição dá vida ao Estado de Direito, norteando todo o seu ordenamento jurídico.
Desse modo, verifica-se que a Constituição, advinda do poder soberano do povo, nos Estados Democráticos, deve trazer em seu bojo o que há de mais precioso para o homem. Com isso, também é papel da Magna Carta positivar os direitos fundamentais do homem, tanto na sua esfera individual como perante a coletividade.
E os direitos fundamentais constituem a chamada “força normativa da Constituição”, na medida em que, ao tentar alcançar a toda a sociedade, buscam impedir que somente os interesses dos fatores de poder sejam protegidos pela Constituição. Neste sentido, e com base na breve análise histórica do item, pode-se afirmar que o que faltou às normas que privilegiam uns poucos em detrimento da maioria foi justamente a força normativa, que faz, ou deveria fazer valer determinados direitos para toda a sociedade, direito e garantias “mínimas”, como saúde, educação e moradia.
Portanto, a força normativa da Constituição deve voltar-se para o lado social, deve cuidar dos hipossuficientes, dos menos abastados, deve garantir a igualdade jurídica de todos, englobando-se aqui tanto o conceito de igualdade formal quanto o conceito de igualdade material. Só através da força normativa da Constituição, capaz de proteger as pessoas externas aos fatores de poder é que se poderá imaginar uma sociedade mais justa e, em consequência, mais igualitária.
Só assim ter-se-á segurança jurídica nas relações entre as pessoas. E a segurança jurídica presume a confiança no direito, nas leis, na Constituição Federal, trazendo harmonia à sociedade. A citada segurança busca alcançar a efetividade das normas, a extinção da justiça privada e o conhecimento das leis por parte dos seus destinatários finais, o povo, ocasionando estabilidade e eficácia jurídica.
Em conclusão, podemos dizer que a distinção básica entre as obras de Hesse e Lassalle, se encontra nos elementos formadores da Constituição. Para o primeiro, os fatores de poder são um elemento formador da Magna Carta, que possui força normativa, entre outros aspectos. Já para Lassalle, a Constituição é formada pelos fatores de poder. Entretanto, entendemos que as Constituições não podem ser somente reflexo dos fatores de poder, haja vista a temporariedade de tais fatores, que resguardam só a minoria. É essencial que a Constituição tenha verdadeira força normativa no intuito de garantir e tutelar os interesses da sociedade, em especial, da que se encontra fora do chamado “fator de poder”.
A legítima Constituição deve ter entre suas normas, não só os interesses inerentes aos fatores de poder, mas também, elementos de ordem política, social e econômica, positivados através do reconhecimento e da garantia dos princípios fundamentais, para resguardar seus cidadãos de toda sorte de abusos ou injustiças.
3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Podemos iniciar o presente tópico dando algumas denominações, conceituando, por exemplo, constitucionalismo: Trata-se de um movimento jurídico e político, em que vários países no passado, buscaram editar Constituições para limitar o poder do Estado (e dos governantes). Suas origens podem ser vistas na Independência dos E.U.A (04.07.1776), na Constituição Americana de 1787, e na Revolução Francesa, em 14.07.1789, além da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), e no “Bill of Right”, em 1791, fatos esses que se espalharam pelo mundo afora, semeando as ideias de normatização legislativa para um país.
E o que se entende por neoconstitucionalismo? Segundo Bidart Campos[2], falar de Direito Constitucional, equivale a afirmar que a Constituição manda, proíbe, permite, obriga, vincula, ou seja, tem força normativa, ou vigor normativo. Isto não são conselhos, não são orientações. São normas jurídicas que descrevem o que se deve fazer, o que não se deve fazer, e o que se pode fazer. Trata-se de um movimento surgido após a 2ª guerra mundial. Segundo ele, a Constituição é Lei. É força normativa e deve ser cada vez mais efetiva. Segundo tal movimento, o Direito não é só positivismo (só a letra fria da Lei). Também se faz necessário que exista um maior controle de constitucionalidade na tutela dos interesses dos indivíduos.
Só para fins de compreensão, o que seria então Direito Constitucional? Trata-se do ramo do saber que se debruça sobre o estudo da Constituição. É importante entendermos que a Constituição é, por excelência, o instrumento que disciplina o poder do Estado, visto que cria os próprios elementos constitutivos deste, assim como dispõe sobre os limites e obrigações estatais. Sendo assim, vemos que a Constituição é o elemento central do estudo do direito público, pois este nada mais é do que o ramo de estudo que aborda a relação de poder soberano que o Estado exerce tanto no sentido vertical (em relação aos cidadãos, aos particulares), quanto no sentido horizontal (em relação a outros Estados).
Assim, podemos dizer que estudar a Constituição é estudar o próprio Estado, pois será ela, repete-se, quem dará os contornos e as possibilidades de exercício do poder estatal. Devemos notar que a função constitucional de dar os contornos ao poder estatal representa a dimensão constitucional que se realiza no presente, enquanto a função de expor todas as possibilidades de exercício do poder do Estado representa uma dimensão que se projeta para o futuro, tornando, assim, a Constituição também um documento programático no que tange à evolução do povo, da nação e do próprio Estado.
Da perspectiva didática do ensino do direito, o direito constitucional se conceitual como um ramo do direito público. Devemos ter em mente que não é tarefa das mais simples, como pensam alguns, separar o que é direito público do que é direito privado. Enquanto de forma superficial se diz que o direito público é aquele em que se verifica a predominância do poder soberano do Estado, vê-se que de forma crescente áreas tidas como essencialmente privadas, a exemplo do direito civil, passam a apresentar interferência gradativa do poder publico, mesmo que como vetor regulador das relações entre particulares. Contentamo-nos em afirmar que o direito constitucional é um ramo do direito público nos limites impostos pelo interesse estritamente didático do ensino jurídico, mas sempre nos lembrando de que é defensável a tese de que não há e nem mesmo é possível a distinção entre público e privado no direito, pois ele é um só.
O que vem a ser Direito constitucional positivo? O Direito Constitucional Positivo é aquele que tem por objeto de estudo uma determinada Constituição. Como nos ensinou nossa estimada Professora Maria de las Nieves Cenicacelaya, no curso de Doutorado da UNLP, é o “Conjunto de normas jurídicas supremas de um Estado, que conferem validez ao resto do ordenamento, sem depender de uma validez superior, mas só, de sua eficácia”. Assim, por exemplo, o estudo sistemático da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é um estudo que é feito pelo direito constitucional positivo, assim como também o é o estudo da constituição americana, por exemplo. E Direito constitucional comparado? O Direito Constitucional Comparado, como o próprio nome diz, é aquele que estuda com interesse predominantemente comparativo duas ou mais Constituições. Assim, se o nosso estudo tiver por objeto a comparação das liberdades civis constitucionais abraçadas pelas constituições do Brasil e dos Estados Unidos, por exemplo, estaremos exatamente dentro dos limites impostos pelo direito constitucional comparado, pois aqui o interesse não é a análise de uma constituição, mas sim a comparação de mais de uma delas, mesmo que o foco da comparação seja específico, como no caso exemplificado, que é o da análise das liberdades civis. O que se entende por Direito constitucional geral? O Direito constitucional geral é aquele que não se detém a constituições específicas. Ele tenta vislumbrar elementos e conceitos que devem, ou deveriam estar presentes em todas as constituições. Em outras palavras, o direito constitucional geral é o ramo do saber que tenta identificar se há princípios gerais inerentes, ou que deveriam ser inerentes a todas as constituições, independentemente de suas peculiaridades. Podemos conceituar Direito constitucional geral descritivo como aquele que se propõe a fazer uma descrição dos princípios que estão explícita ou implicitamente presentes em todas as Constituições. Aqui, o interesse do pesquisador é o de identificar no grupo de Constituições o conjunto da intercessão dos princípios presentes nelas, mesmo que esses princípios estejam implícitos.
Por fim, Direito constitucional geral prescritivo é o que tenta vislumbrar os princípios que por suas naturezas deveriam estar presentes em todas as Constituições, independentemente do fato de se já se fazem presentes ou não. O trabalho aqui consiste em levantar argumentos das mais diversas naturezas, tais como a filosófica, sociológica, legal, etc., para que, com base neles, se possa desenvolver uma espécie de doutrina que proponha a necessidade de certos elementos principiológicos estarem presentes em todas as constituições.
Adentrando ao tópico especificado, temos a dizer que a análise da evolução político-constitucional brasileira, consoante Lilian Lofredo[3], requer uma digressão acerca dos dogmas da Teoria Política que constituíram a fonte do nosso Direito Positivo, remontando à identidade do Estado brasileiro, desde o período colonial até os dias de hoje. Depois da chegada dos portugueses, o território brasileiro foi fracionado em doze porções irregulares: as capitanias hereditárias. José Afonso da Silva[4], registra que "a primeira concessão se deu pela carta de doação expedida por D. João III, a 10 de março de 1534, em favor de Duarte Coelho, a quem coube a Capitania de Pernambuco."
De maneira geral, podemos afirmar que as capitanias hereditárias não mantinham laços umas com as outras, muito embora nelas estivessem agregados pequenos núcleos sociais e econômicos "o que veio a repercutir na futura estruturação do Estado Brasileiro", leciona José Afonso da Silva[5]. Poucas prosperaram, dentre elas, merece especial destaque a Capitania de São Vicente. O supracitado autor diz ainda, que seus titulares, os donatários, dispunham de poderes quase absolutos. Afinal de contas, elas constituíam seus domínios, onde exerciam seu governo com jurisdição cível e criminal, embora o fizessem por ouvidores de sua nomeação e juízes eleitos pelas vilas. A dispersão do poder político e administrativo era assim completa, sem o elo que permitisse qualquer interpenetração, salvo apenas a fonte comum que era a metrópole.
A metrópole portuguesa, preocupada com a descentralização política, logo tratou de inserir um "elemento unitário na organização colonial": o sistema dos governadores-gerais, em 1549. Assim, o primeiro governador-geral nomeado foi Tomé de Souza. Convém assinalar que o sistema inaugurado coexistia com as capitanias hereditárias. Todavia, a presença do governador-geral serviu para atenuar o poder absoluto conferido aos donatários, considerado na amplitude que a metrópole portuguesa havia lhes conferido. Em alusão a Oliveira Vianna, José Afonso da Silva menciona que em torno desse órgão central agrupavam-se outros órgãos elementares e essenciais à administração: o ‘ouvidor-mor’, encarregado geral dos negócios da justiça; o ‘procurador da fazenda’, encarregado das questões e interesses do fisco real; o ‘capitão-mor da costa’, com a função da defesa do vasto litoral, infestado de flibusteiros.
O referido sistema perdurou somente de 1572 a 1621, momento no qual a colônia brasileira foi dividida em dois "Estados". O primeiro deles foi denominado "Estado do Brasil" e abrangia as capitanias desde o Rio Grande do Norte até São Vicente. Já, o segundo, "Estado do Maranhão", compreendia as capitanias situadas entre o Ceará e o Norte do território brasileiro. José Afonso da Silva explica que "sob o impulso de fatores e interesses econômicos, sociais e geográficos esses dois ‘Estados’ fragmentam-se e surgem novos centros autônomos subordinados a poderes político-administrativos regionais e locais efetivos".
No Ciclo do Ouro surgem os "capitães-mores das minas", a "junta de arrecadação da fazenda real", as "intendências do ouro" ou "dos diamantes", as "casas de fundição", ficando reunida nos centros de mineração uma modalidade de organização diferenciada. O embrião do município brasileiro, considerando-se a forma de organização municipal, em muito distanciada da que participamos atualmente, teve suas primeiras manifestações nas zonas de exploração agrícola. O Senado da Câmara ou Câmara Municipal constituiu-se no órgão do poder local. Era composto de vários “oficiais”, à imitação do sistema de Portugal. Seus membros eram eleitos dentre os “homens bons da terra” que, na realidade, representavam os grandes proprietários rurais.
Em síntese, era exatamente esse o cenário do Brasil antes da proclamação da Independência. Em 1808, o imperador D. João VI chega ao Brasil, fato da História que deflagrou a fase monárquica. Em 1815, o Brasil passa a figurar como "Reino Unido a Portugal", por determinação de D. João VI, o que faz cessar o monopólio da metrópole e, por conseguinte, o sistema colonial. Deixa no Brasil o filho, Dom Pedro de Alcântara.
No entanto, os relatos da época registram que a extinção do controle do Brasil por parte de Portugal verificou-se apenas de forma fictícia. Em 1822, Dom João VI exige a volta do filho para Portugal. Instado, o príncipe regente, Dom Pedro de Alcântara, negou-se a seguir tal determinação (fato esse ocorrido no dia 09 de janeiro daquele ano, conhecido como "Dia do Fico"). A vontade real de se tornar independente e, mais que isso, a de constituir um Estado, ocorreu somente com a Proclamação da Independência em 7 de setembro de 1822, sob a forma de monarquia, a qual perdurou até 15 de novembro de 1889. José Afonso da Silva nos lembra que transferida a sede da Família Reinante para o Rio de Janeiro, era preciso instalar repartições, os tribunais e as comodidades necessárias à organização do governo; cumpria estabelecer a ordem, com a polícia, a justiça superior, os órgãos administrativos, que tinham até aí faltado à colônia.
A referida forma de organização político-administrativa do governo imperial ficou adstrita somente às imediações do Rio de Janeiro, sendo certo que "pouca influência exerceu no interior do país, onde a fragmentação e diferenciação do poder real e efetivo perduravam, sedimentadas nos três séculos da vida colonial", esclarece o autor acima indicado.
Assim, estabeleceram-se a nobreza brasileira e a aristocracia intelectual, na época, influenciada por ideias liberalistas que agitavam toda a Europa. Referimo-nos, é certo, às teorias do Liberalismo e ao Constitucionalismo. Preleciona o supracitado autor que tudo isso justifica o aparecimento do movimento constitucional, no Brasil, ainda quando D. João VI mantinha sua corte no Rio de Janeiro. Cogitou-se até de aplicar aqui, salvo as modificações que as circunstâncias locais tornassem necessárias, a própria constituição elaborada pelas cortes portuguesas, chamada Constituição do Porto.
Como podemos verificar, faltava mesmo ao Brasil uma unidade nacional. Era imperativa a existência de uma organização central de caráter nacional, a fim de romper com os governículos regionais. A conjuntura política brasileira foi propícia para que aqui se instalassem as ideias inovadoras e universais embandeiradas pela Revolução Francesa. Afinal, segundo proclamado no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, "não tem constituição a sociedade onde não é assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes."
Diversas manifestações eclodiram. De certa forma, lograram êxito os revolucionários brasileiros, pois, como afirma o José Afonso da Silva, "conseguiram-no dentro dos limites permitidos pela realidade vigente, montando, através da Constituição de 1824, um mecanismo centralizador capaz de propiciar a obtenção dos objetivos pretendidos, como provou a história do Império."
Deste modo, a Constituição de 25 de Março de 1824 foi imposta, ou melhor, "oferecida e jurada por sua Majestade o Imperador", conforme disposição dela constante. Surge a primeira Constituição brasileira, cujas peculiaridades e características veremos a seguir.
4. PROCESSOS DE CRIAÇÃO E DE FORMAÇÃO DE NOSSAS CONSTITUIÇÕES
O Brasil foi marcado por três épocas no que se refere à sua evolução constitucional, tudo em face dos valores políticos, jurídicos e ideológicos que tiveram enorme influência na criação e formação de nossas constituições.
A primeira fase, associada ao modelo constitucional francês e inglês do século XIX. A segunda época, representando a ruptura, inspirada no modelo norte americano (EUA). A terceira, ainda em vigor, onde se percebe com toda nitidez, a presença dos traços fundamentais ensaiados no constitucionalismo alemão.
Nossa primeira Constituição, a de 1824, teve inspiração ideológica dos franceses e dos ingleses, com suas ideias liberais, que dominaram o final do século XVIII e o início do século XIX. Tivemos em razão destas ideias libertárias, inúmeros movimentos de sublevação (as chamadas revoltas populares), que, embora, tivessem fracassado, trouxeram as primeiras ideias liberais.
Não podemos conceber a CF de 1824, senão à luz dos ideais liberais, ou melhor, do liberalismo reinante, em especial na Europa, à época. Tal corrente de pensamento, que tem como ponto central colocar o homem, individualmente considerado, como base de todo o sistema social, foi a inspiração para as principais ideias contidas na referida Carta Magna, pois as mesmas se opunham frontalmente à monarquia absolutista.
Entretanto, é necessário reconhecer, que este constitucionalismo liberal encontrava plena consonância com os ideias dominantes na época, inclusive com as elites do país. Porém, não deixaria de encontrar toda a sorte de dificuldades para se tornar eficaz, como por exemplo, o pequeno desenvolvimento econômico do país, a falta de participação política, as grandes distâncias, e a precariedade dos transportes e das comunicações.
E o que seriam estas idéias liberais? Liberalismo, nada mais foi que uma corrente política que se afirma na Europa, mas também na América do Norte a partir de meados do século XVIII. Combate o intervencionismo do Estado em todos os domínios. Na economia defende a propriedade e a iniciativa privada, assim como a autoregulação econômica através do mercado. Na política preconiza um Estado mínimo confinado a simples funções judiciais e de defesa.
O pensamento liberal é marcado por uma enorme diversidade de ideias, que foram evoluindo de acordo com a própria sociedade. John Lock conta-se entre os pioneiros do liberalismo, ao defender um conjunto de direito naturais inalienáveis do indivíduo anteriores à própria sociedade: a liberdade, a propriedade e a vida. Entre as grandes referências clássicas do pensamento liberal, conta-se entre outros:
Adam Smith (1723-1790): O papel do Estado na econômica devia de ser reduzido, sendo esta confiada à auto-regulação do mercado. O Estado deve limitar-se a facilitar a produção privada, a manter a ordem pública, fazer respeitar a justiça e proteger a propriedade. Smith defende ainda a concorrência entre os privados, num mercado livre, acreditando que os seus interesses naturalmente se harmonizariam em proveito do coletivo.
Jeremy Bentham (1748-1832): Defende uma concepção otimista da iniciativa privada, ao afirmar que quando um indivíduo trabalha para concretizar os seus objetivos econômicos, está igualmente a contribuir para o desenvolvimento da riqueza de todos. O Estado devia evitar interferir no desenvolvimento da sociedade, limitando-se a função judiciária e a garantir a segurança da riqueza adquirida pelos particulares.
Edmund Burke (1729-1797): O Estado é o pior inimigo da sociedade e da riqueza coletiva. Condena qualquer tipo de intervenção do Estado na Economia.
Thomas Malthus (1766-1834): Muito popular no início do século XIX afirma claramente que o Estado devia limitar-se a proteger os mais ricos, recusando quaisquer direitos aos pobres. O único conselho que lhes dá é que não se reproduzam.
Wilhelm Von Humboldt (1767-1835): O crescimento do Estado é associado ao mal. O aumento da burocracia só pode gerar a ruína dos cidadãos. Humboldt defende um Estado mínimo.
John Suart Mill (1806-1873): A principal função do Estado é a de procurar promover as melhores oportunidades de desenvolvimento pessoal e social para todos os indivíduos, nomeadamente através da educação. Não devia ser aceite a intervenção do Estado em coisas que os indivíduos sejam capazes de resolver por si.
O liberalismo tinham três grandes exemplos para mostrar a concretização destas ideias: a Revolução Inglesa, a Revolução Americana e a Revolução Francesa. Esta última estava longe de ser consensual dado que terminara numa sucessão de ditaduras e numa enorme matança que destruiu muitos países europeus, como a Rússia e Portugal.
Como dissemos, com o retorno da família real à Portugal, e a regência de D. Pedro I, antecipa-se no país o movimento no sentido de criar uma Constituição no Brasil. Assim, em 1822, é convocada uma assembléia constituinte, que funcionou até maio de 1823, quando, por desavenças com o Imperador (D. Pedro I), foi por ele dissolvida. Criou-se então, um Conselho de Estado, que elaborou um novo projeto, que seria submetido á opinião das câmaras, que na época era o órgão representativo da vontade popular. No entanto, D. Pedro I, antecipando-se, outorgou o texto constitucional de 1824, antes que o mesmo estivesse referendado por aquele órgão.
Já a nossa CF de 1981, originada de um golpe de estado dado pelos militares que acabaram com a monarquia, em 15.11.1889. Seu ponto central foi o ideário Republicano Federalista, inspirado modelo norte americano, além do incentivo advindo das inúmeras revoltas ocorridas no Brasil, como a Revolução Pernambucana, em 1824, a Confederação do Equador, em 02 de julho de 1824, a república do Piratini, no Rio Grande do Sul, em 1835, e outros movimentos republicanos. Tal período foi marcado pela inspiração militar, que aderiu ao positivismo de Augusto Comte, tanto que até hoje, nossa bandeira tem os dizeres positivistas “Ordem e Progresso”.
Positivismo é um conceito utópico que possui distintos significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX quanto outras do século XX. Desde o seu início, com Augusto Comte (1798-1857) na primeira metade do século XIX, até o presente século XXI, o sentido da palavra mudou radicalmente, incorporando diferentes sentidos, muitos deles opostos ou contraditórios entre si. Nesse sentido, há correntes de outras disciplinas que se consideram "positivistas" sem guardar nenhuma relação com a obra de Comte. Exemplos paradigmáticos disso são o Positivismo Jurídico, do austríaco Hans Kelsen, e o Positivismo Lógico (ou Círculo de Viena), de Rudolph Carnap, Otto Neurath e seus associados.
Para Comte, o Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial, processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte.
Seria exagero atribuir aos positivistas a Proclamação da República: é no processo de consolidação da mesma que se verifica a influência que exerceram, destacando-se o Coronel Benjamim Constant (que, depois, foi homenageado com o epíteto de "Fundador da República Brasileira").
Como falamos, o lema Ordem e Progresso na bandeira do Brasil é inspirado pelo lema de Auguste Comte do positivismo: “L'amour pour principe et l'ordre pour base, le progrès pour but” ("Amor como princípio e ordem como base, o progresso como meta"). Ele foi colocado, pois várias das pessoas envolvidas no golpe militar que depôs a monarquia e proclamaram o Brasil República, eram seguidores das ideias de Comte.
A conformação atual da bandeira do Brasil é um reflexo dessa influência na política nacional. Na bandeira lê-se a máxima política positivista Ordem e Progresso, representando as aspirações a uma sociedade justa, fraterna e progressista.
Outros positivistas de importância para o Brasil foram Nísia Floresta Augusta (a primeira feminista brasileira e discípula direta de Auguste Comte), Miguel Lemos, Euclides da Cunha, Luís Pereira Barreto, o Marechal Cândido Rondon, Júlio de Castilhos, Demétrio Ribeiro, Carlos Torres Gonçalves, Ivan Monteiro de Barros Lins, Roquette-Pinto, Barbosa Lima, Lindolfo Collor, David Carneiro, David Carneiro Jr., João Pernetta, Luís Hildebrando Horta Barbosa, Júlio Caetano Horta Barbosa, Alfredo de Morais Filho, Henrique Batista da Silva Oliveira, Eduardo de Sá, e inúmeros outros.
Houve no Brasil dois tipos de positivismo: um positivismo ortodoxo, mais conhecido, ligado à Religião da Humanidade e apoiado pelo discípulo de Comte Pierre Laffitte, e um positivismo heterodoxo, que se aproximava mais dos estudos primeiros de Augusto Comte que criaram a disciplina da Sociologia e apoiado pelo discípulo de Comte Émile Littré.
Em 1934, tivemos a promulgação de nova CF, sob inspiração e influência das constituições do “Weimar” e da carta de “Bonn”. O matiz dominante desta CF, foi seu caráter democrático, com um colorido social. Procurou-se conciliar a democracia liberal, com o socialismo, no domínio econômico-social, o federalismo com o unitarismo, o presidencialismo com o parlamentarismo.
A Constituição de Weimar (alemão: Weimarer Verfassung) era o documento que governou a curta república de Weimar (1919-1933) da Alemanha. Formalmente era a Constituição do estado alemão (Die Verfassung des Deutschen Reiches).
O título da Constituição era o mesmo que a constituição imperial que a precedeu. A palavra alemã Reich é traduzida geralmente como “império”; entretanto, uma tradução mais exata seria “reino” ou “comunidade”. O termo persistiu mesmo após o fim da monarquia em 1918. O nome do oficial de estado alemão era Deutsches Reich até a derrota da Alemanha Nazista no final da Segunda Guerra Mundial.
A Constituição de Weimar representa o auge da crise do Estado Liberal do séc. XVIII e a ascensão do Estado Social do séc. XX. Foi o marco do movimento constitucionalista que consagrou direitos sociais, de 2ª geração/dimensão (relativos às relações de produção e de trabalho, à educação, à cultura, à previdência) e reorganizou o Estado em função da Sociedade e não mais do indivíduo.
Porém, com mais um golpe dado pelo então Presidente Getúlio Vargas, instalou-se no Brasil o chamado “Estado Novo”, outorgando-se nova CF, a de 1937, inspirada na Constituição Polonesa, de cunha extremista, tanto pela direita, através do nazi-fascismo, chamado na época de ação integralista, quanto pela esquerda, do partido comunista. Sua inspiração foi de modelo fascista, antiliberal, que dominava a Alemanha e a Itália na ocasião. Tal Constituição brasileira, suprimiu direitos individuais e colocava o presidente da república como “autoridade suprema do Estado”.
Fascismo: é uma doutrina totalitária desenvolvida por Benito Mussolini na Itália, a partir de 1919 e durante seu governo (1922–1943 e 1943–1945). A palavra "fascismo" deriva de fascio, nome de grupos políticos ou de militância que surgiram na Itália entre fins do século XIX e começo do século XX; mas também de fasces, que nos tempos do Império Romano era um símbolo dos magistrados: um machado cujo cabo era rodeado de varas, simbolizando o poder do Estado e a unidade do povo. Os fascistas italianos também ficaram conhecidos pela expressão camisas negras, em virtude do uniforme que utilizavam.
Felizmente em 1946, a democracia foi restabelecida no Brasil, com a promulgação de outra Constituição, totalmente antagônica à de 1937. A mesma tinha uma linha de pensamento libertária, cuidava da área social, e dos direitos individuais dos cidadãos. Entretanto a alegria não durou duas décadas, pois, com o golpe militar de 01 de abril de 1964, caiu o governo democrático de João Goulart, e, em 1967, nos foi outorgada mais uma CF, agora centralizadora, que exacerbava os poderes do presidente, uma vez mais, suprimindo, como sempre, os direitos sociais e individuais. Tal CF Emendada em 1969, perdurou até a volta da democracia ao Brasil, em 1985.
Três anos depois, em 1988, nos foi dada a atual CF, a de 05 de outubro. Ela teve o seu processo de criação e formação iniciado em primeiro de fevereiro de 1987, quando instalou-se a Assembléia Nacional Constituinte, sob a presidência do Ministro do STF, Moreira Alves. O saudoso Deputado Federal Ulisses Guimarães, foi eleito seu Presidente. Surgiu assim, como mencionado linhas atrás, nossa CF “cidadã”, a melhor e mais completa norma constitucional de todos os tempos do Brasil, protegendo inclusive, direitos de todas as gerações, inclusive indígenas, idosos e ambientais.
Desde 1964 estava o Brasil sob o regime da ditadura militar, a partir de 1967 (particularmente subjugado às alterações decorrentes dos Atos Institucionais) sob uma Constituição imposta pelo governo.
O regime de exceção, em que as garantias individuais e sociais eram diminuídas (ou mesmo ignoradas), e cuja finalidade era garantir os interesses da ditadura (internalizado em conceitos como segurança nacional, restrição das garantias fundamentais, etc.) fez crescer, durante o processo de abertura política, o anseio por dotar o Brasil de uma nova Constituição, defensora dos valores democráticos. Anseio este que se tornou necessidade após o fim da ditadura militar e a redemocratização do Brasil, a partir de 1985.
Independentemente das controvérsias de cunho político, a Constituição Federal de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, abrangendo direitos de todas as gerações, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos. Para demonstrar a mudança que estava havendo no sistema governamental brasileiro, que saíra de um regime autoritário recentemente, a constituição de 1988 qualificou como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional, criando assim dispositivos constitucionais para bloquear golpes de qualquer natureza. Com a nova constituição, o direito maior de um cidadão que vive em uma democracia foi conquistado: foi determinada a eleição direta para os cargos de Presidente da República, Governador do Estado e do Distrito Federal, Prefeito, Deputado Federal, Estadual e Distrital, Senador e Vereador.
A nova Constituição também previu uma maior responsabilidade fiscal. Pela primeira vez uma Constituição brasileira define a função social da propriedade privada urbana, prevendo a existência de instrumentos urbanísticos que, interferindo no direito de propriedade (que a partir de agora não mais seria considerado inviolável), teriam por objetivo romper com a lógica da especulação imobiliária. Em suma, a CF de 1988 teve em seu ordenamento, normas de proteção e garantias individuais, coletivas, sociais, ambientais, etc., ou seja, é um conjunto normativo completo, prevendo inclusive a incorporação do direito internacional em seu texto, como a incorporação dos tratados e convenções que o Brasil ratificar, em nível de norma constitucional.
5. PRINCIPAIS ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Como falamos, nossa primogênita Lei Magna foi Outorgada, em 25 de março de 1824, tendo como causas originárias, a transferência da família Real portuguesa para o Brasil, devido à invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte. Posteriormente à declaração da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I convoca uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, com ideais marcadamente liberais. Todavia, esta vem a ser desfeita, arbitrariamente, pois divergia dos ideias autoritários do Imperador.
Em substituição a Assembleia Geral Constituinte, Dom Pedro I, em 1824, cria um Conselho de Estado para elaborar um novo projeto, agora, em total acordo com suas pretensões. A Constituição de 1824, dentre outras características, foi outorgada, sendo marcada por forte centralismo administrativo e político tendo em vista o Poder Moderador. Foi a Constituição brasileira que mais tempo durou (67 anos). Conforme demonstra adiante, em todos os históricos das CFs Brasileiras, André Reis[6], a referida Constituição teve as seguintes características:
Com o fim da monarquia em 1889, via vitória das forças políticas descentralizadoras, e a proclamação da República em 15.11.1889, tivemos em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição da República do Brasil. Seu relator foi o Senador Rui Barbosa, sendo inspirada na Constituição dos EUA, tanto que o Brasil chamava-se “Estados Unidos do Brasil”. Consagrou o sistema presidencialista e a forma de Estado Federal. Assim, forma de governo Republicana substituiu à Monarquia. Houve a previsão, pela primeira vez do Habeas Corpus, que tutelava quaisquer direitos. Eis suas principais características:
· Forma de Governo e regime representativo. Adotou-se como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa e, ainda, a união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias;
Depois da primeira Constituição da República, o Brasil teve nova CF, em 16 de julho de 1934, sob forte influência da Constituição de Weimar, evidenciando Direitos humanos de 2ª geração (direitos econômicos e sociais) e a perspectiva de um Estado Social de Direito. Infelizmente, recebeu também, influência do fascismo. São algumas de suas características:
Uma nova Constituição seria outorgada ao Brasil, em 10 de novembro de 1937. Getúlio Vargas foi eleito para governar de 1934 a 1938. Todavia, esse período foi marcado por grande rivalidade política, entre a direita fascista (Ação Integralista Brasileira – AIB), que defendia um Estado autoritário, e a esquerda, com ideais sociais, comunistas e sindicais (Aliança Nacional Libertadora – ANL).
Em 11 de julho de 1935, o governo fechou a ANL, por considerá-la ilegal, com base na “Lei de Segurança Nacional”. Por causa da Intentona Comunista, o Governo decretou o estado de sítio e difundiu um forte movimento de repressão ao comunismo. Getúlio recebe apoio do Congresso Nacional que decretou “estado de guerra”.
Segundo Pedro Lenza[7]: “em 30 de setembro de 1937, os jornais noticiaram que o Estado- Maior do Exército havia descoberto um plano comunista para a tomada do Poder (‘Plano Cohen’). Este foi o ‘estopim’ para que o governo decretasse o golpe como suposta ‘salvação’ contra o comunismo que parecia ‘assolar’ o país...em 10 de novembro de 1937 Getúlio Vargas dá o golpe ditatorial, centralizando o Poder e fechando o Congresso Nacional”.
A Carta de 1937 foi apelidada de “Polaca”, pois sofreu forte influência da Constituição polonesa fascista de 1935.
Dentre outras características, podemos elencar:
A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados trouxe efeitos irreparáveis para o Estado. Isso porque, imaginava-se que, com essa atitude, o fascismo fosse “apagado” da realidade brasileira. Seria uma contradição manter uma Constituição baseada no modelo fascista e externamente lutar contra esse regime.
Assim, em decorrência desta perda de legitimidade, o Estado Novo entra em crise e tem o seu fim em outubro 1945. Após a queda de Getúlio Vargas, ocorre um período de redemocratização que irá culminar na promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946, que, restabelecendo a CF de 1934, apresentava as principais características:
Através do golpe militar de 01.04.1964, que derrubou o Presidente João Goulart, veio, por outorga, a Constituição de 1967. Nos moldes da Carta de 1937, houve a concentração do poder na esfera Federal e, por conseqüência disso, conferindo-se amplos poderes ao Presidente da República, destacando-se algumas peculiaridades:
Anos mais tarde, surge sob tutela militar, com regime duro e autoritário, e com a supressão dos direitos fundamentais pela Constituição de 1967, ocorreu sua emenda (EC n.1, de 17.10.1969).
Assim, a Constituição Brasileira sofreu profundas alterações em decorrência da emenda constitucional n. 1, outorgada pela junta militar que assumiu o Poder no período em que o Presidente Costa e Silva encontrava-se doente. Para considerável parte da doutrina, na verdade, a EC n. 1 de 1969 trata-se na verdade de nova Constituição, como expende o professor José Afonso da Silva, na obra já citada, “Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil”.
As três principais alterações promovidas pela citada emenda constitucional foram:
1. Estabelecimento de eleições indiretas para o cargo de Governador de Estado
2. Ampliação do mandato presidencial para cinco anos
3. Extinção das imunidades parlamentares.
Com fundamento no AI n. 12, de 31.08.1969, instaurou-se no Brasil um governo de “Juntas Militares” legitimadas pelo referido ato, o qual permitia que, enquanto o Presidente da República (Costa e Silva) estivesse afastado por motivos de saúde, governassem os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. Desse modo, a EC n. 1/69 foi baixada pelos Militares, já que o Congresso Nacional encontrava-se fechado.
Por fim, restabelecida a democracia, veio a atual CF de 1988, conhecida como “cidadã”. Cumprindo a determinação da emenda constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985, houve convocação e uma Assembléia Nacional Constituinte que, tinha por finalidade, elaborar uma nova Constituição, cujo texto expressasse a atual realidade social. Isto significa, mais explicitamente, o processo de redemocratização e término do regime ditatorial. Destarte, em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a atual Constituição da Republica Federativa do Brasil, a qual apresenta as seguintes características:
(art. 5º, LXXII).
6. CONCLUSÃO
Após o que foi exposto, em análise aos problemas inicialmente enfocados, podemos concluir que:
Acerca dos elementos formadores da constituição, pudemos observar que tanto Ferdinand Lassalle, quanto Konrad Hesse, defendem a existência da Constituição como o conjunto de leis máxima de um país. A distinção básica entre as duas obras reside nos elementos formadores da Constituição. De fato, para Lassalle a Constituição é formada pelos fatores de poder, enquanto que para Hesse os fatores de poder são um dos elementos formadores da Carta Magna, possuindo a mesma, verdadeira força normativa, entre outros elementos. Contudo, e como referido anteriormente, as Constituições, bem como as demais regras que regem uma sociedade, não podem ser o reflexo somente dos fatores de poder, sob o risco de serem institutos temporários, que privilegiam a minoria e que necessitam de modificações permanentes, ocasionando insegurança social e jurídica. Assim, é de essencial importância que se verifique nas Constituições verdadeira força normativa capaz de criar determinadas normas atinentes a todos os setores da sociedade, outorgando garantias e tutelando os interesses das camadas da sociedade que se situam externamente aos denominados por Lassalle como fatores de poder.
A Constituição não deve, e nem poderia, ser simplesmente um instrumento de afirmação dos fatores de poder. Sua natureza e função vão muito além, devendo a Carta Magna, através de sua força normativa, impor tarefas a toda a sociedade e se fazer presente na consciência geral do povo. Destarte, a verdadeira Constituição deve possuir em seu bojo os interesses inerentes aos fatores de poder, possuindo, igualmente, elementos de ordem política, social e econômica, positivados através dos princípios, dos direitos fundamentais e de toda sorte de demais regras que tornam uma Constituição o retrato de seu tempo, sempre tentando corrigir as injustiças do passado, de modo a construir um futuro menos desigual.
Nas Constituições brasileiras, como vimos, houve forte presença do liberalismo e do constitucionalismo, inspirados nas revoluções inglesa e francesa, e na Constituição americana, isto na fase do Império (CF de 1824), que foram substituídos pelos movimentos republicanos e federalistas, com ideais positivistas, na CF de 1891. O totalitarismo, o fascismo, a ditadura, a ausência da liberdade de expressão, e a supressão de direitos individuais e fundamentais caracterizaram nossas Constituições de 1937, 1967 e sua emenda de 1969. Já as Constituições brasileiras de 1934, 1946 e 1988, foram, ao contrário de tudo isso, marcadas pelo pensamento democrático e libertário, ou seja, como dissemos, contém os direitos de todas as gerações, em especial, a democratização no Brasil, tanto que a atual CF brasileira (1988) foi chamada de “cidadã”, ao prever direitos e garantias individuais e coletivos, sociais, e outros. É importante registrar que todas as Constituições do Brasil tiveram em seus textos (mesmo as outorgadas) a inserção de Declarações dos Direitos do Homem, normatizando-os e protegendo-os seja na 1ª, 2ª ou 3ª geração.
Pensamos que toda Constituição deve ser caracterizada pela expressão da vontade de seu povo. A busca da redução das desigualdades sociais, a contemplação de direitos para todos, sem exceção, a manutenção dos princípios da igualdade e da liberdade devem sempre nortear as Leis de um país. Felizmente nossa atual Constituição contempla todos estes tópicos. Temos a eterna esperança de que, mesmo após mais de 20 (vinte) anos de sua promulgação (05.10.1988), nossas autoridades governamentais e nossos legisladores passem da teoria à prática, efetivando os direitos consagrados na Constituição, a fim de que o Brasil se torne em um país mais justo em todos os seus setores.
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[1] VAINER, Bruno Zilberman. A força normativa da constituição como garantidora da segurança jurídica: uma análise das obras de Konrad Hesse e de Ferdinand Lassale. Revista Brasileira de Direito Constitucional, nº 10-jul/dez.2007.
[2] BIDART CAMPOS, German Jose. Compendio de Derecho Constitucional. Buenos Aires. Ediar, 2008, p. 13.
[3] LOFFREDO, Lília de Castro Monteiro. A evolução político-constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2335, 22 nov. 2009. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2012.
[4] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.
[5] SILVA, op. cit. p. 69
[6] REIS, André. Histórico das Constituições Brasileiras. Artigonal. Disponível em: Fonte do artigo: http://www.artigonal.com/direito-artigos/historico-das-constituicoes-brasileiras-1594026.html>Acesso em 04.01.12
[7] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009.
Promotor da Justiça Militar, em Campo Grande/MS. Membro do Ministério Público Militar da União. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Nacional de La Plata. Especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação. Ex-Professor de Direito Processual Penal I e II, na UFMS, em 2004, e de Direito Penal Militar, na Escola de Administração do Exército (EsAEx), em 2006.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Marcos José. Um breve histórico sobre as Constituições Brasileiras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2012, 09:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28114/um-breve-historico-sobre-as-constituicoes-brasileiras. Acesso em: 23 dez 2024.
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