A atividade de notários e oficiais de registro possui contornos de serviço público, porém é exercida em caráter privado. Na forma da Lei n. 8935/1994 (art. 3º) notário ou tabelião, e oficial de registro ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Existem condições específicas e pessoais para que se possa exercer a profissão de notário ou registrador e as três principais são: I - habilitação em concurso público de provas e títulos; II - diploma de bacharel em direito; e III - verificação de conduta condigna para o exercício da profissão. Ou seja, para efetiva delegação para o exercício da atividade notarial e de registro essas pessoas devem ser concursadas, cursar e concluir o curso de ciências jurídicas e exercer a profissão com conduta pessoal exemplar.
Apenas com as informações acima, todas extraídas da Lei n. 8935/1994, poder-se-ia afirmar que se trata de uma profissão de caráter científico, exercida pela pessoa do notário ou registrador.
Ocorre que, para o exercício dessa profissão a já mencionada lei permite que esses profissionais possam dispor de prepostos, considerados escreventes; e dentre eles escolher os substitutos, e auxiliares para ajudá-los no cumprimento das suas atribuições, de forma a prestar um serviço público de qualidade e eficiente. Por óbvio, mas, improvável, poderia, se quisesse, o notário ou registrador trabalhar sozinho, mas, não se imagina nos dias atuais, com tantos atos jurídicos, praticados diariamente, que necessitam a garantia de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia, que se disponha, em determinada localidade, de uma única pessoa para cumpri-los. Por conta disso e para uma melhor prestação de serviço público à população é que, pessoalmente, o notário ou registrador ensina parte de seu ofício artesanal a seus prepostos, ficando a seu exclusivo encargo, todos os atos que são privativos de sua profissão, tais como: I - formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando redações ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III - autenticar fatos; IV - lavrar escrituras, testamentos e procurações; V - lavrar atas notariais; e, os mais comuns, reconhecer firmas e autenticar cópias. Tudo isso, nos termos da lei, são atribuições pessoais. Se, em alguma parte desse formalismo legal, algum preposto tomou parte, certamente, foi sob os ensinamentos, supervisão e ao final, assinatura e aprovação pessoal do notário ou registrador.
O exercício dessa profissão muito se parece com o exercício da advocacia, que é considerada uma atividade de natureza científica, guardada as proporcionalidades e a expedição de documentos que cada profissional produz, tendo em vista a peculiaridade e o papel de cada um perante a sociedade. O advogado ajuda a produzir atos (e efeitos) jurídicos e também os pratica, já o notário ou registrador pode até produzir atos jurídicos, mas, sua função é a de concede-lhes publicidade, autenticidade, segurança e eficácia.
Segundo a lei substantiva civil, que após as alterações promovidas pela Lei n. 10.406/2002 passou a regular as questões comerciais, aquele que exerce profissão intelectual de natureza científica não é considerado empresário. Esta é a exceção expressa no parágrafo único do artigo 966 do CCB. A profissão do notário ou registrador é exercida pessoalmente; e apenas ele é responsável exclusivo pelo gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços (art. 21, da Lei n. 8935/94), além de responder por si e por seus prepostos pelos danos causados a terceiros, na prática de atos próprios da serventia.
Desta forma, pode-se dizer que o notário ou oficial de registro não é empresário, tendo em vista a natureza científica e intelectual de seu serviço. O uso de prepostos serve ao propósito de apenas auxiliá-lo na sua prestação de serviço, ficando a cargo do titular a prática e a aprovação de todos os atos de sua serventia.
Não há o que se falar em atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, até porque a pessoa do titular não determina suas margens, não define o preço dos serviços e boa parte da receita de sua serventia não é a remuneração do próprio trabalho. Como, por exemplo, as taxas e os repasses de verbas a fundos, por determinação legal.
É preciso destacar que os emolumentos, “remuneração devida pelos serviços notariais e de registros destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, sob chancela da fé pública.” (v.g.: art. 34, da Lei RJ n. 3350/99), não são definidos pelos titulares; e a destinação dessa receita não é o lucro do titular. Ainda que lhe sobre uma determinada quantia, a lei veda (v.g.: art. 35 da Lei RJ n. 3350/99), repasses ao usuário do serviço a qualquer título ou sob qualquer pretexto. Portanto, não há como determinar os emolumentos. Estes são fixados de acordo com o ato praticado, sendo custas e emolumentos contados e cobrados em conformidade com a Lei e Tabelas anexas à lei em vigor. Não obstante, também não dá para limitar a remuneração do trabalho próprio, porque o titular, por dever legal, tem que exercer o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços que são de sua responsabilidade exclusiva – inclusive, no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, tudo à luz da Lei Federal nº 8.935/94.
Na Adin 3089/DF, que determinou a incidência de ISS sobre os serviços de registro público, cartoriais e notariais, se falou em “lucro”. Mas, auferir lucro, não é mais pecado, desde os tempos em que caiu em desuso as sociedades em comandita. E mais, “lucro” não é o componente definidor do elemento de empresa e nem sequer determina se a atividade é econômica ou não-econômica. Na esteira de acórdãos da Suprema corte, ressalte-se: “não se pode ler as leis aos retalhos”! Assim, para que notário ou registrador fosse considerado empresário, seria necessário alterar toda a estrutura da legislação em vigor que regulamentou o artigo 236 da Carta Magna. Seria primeiro necessário definir o tipo societário, com capacidade financeira e contributiva, técnica e jurídica, para prestar serviços públicos.
Os mais desavisados confundem o cartório, que possui CNPJ, mas, não é dotado de personalidade jurídica, com a pessoa do titular da serventia. Há quem notifique e autue cartórios! O que realmente ocorre é que o delegatário paga seus tributos como pessoa física e é assim que deve ser.
Diante do exposto, pelas características próprias e pessoais que notários e oficiais de registro exercem sua profissão, pela pessoalidade e exclusividade da responsabilidade, pelo caráter pessoal e científico da atividade, por não configurar elemento de empresa, por não poder determinar os emolumentos, por fazer repasses de taxas e valores a diversos fundos e, ainda, pela necessidade de ser cientista jurídico e concursado é que se chega a lógica conclusão que notários e oficiais de registro não podem ser considerados empresários ou confundidos como tal. Todas as questões comerciais e tributárias que rodeiam a prestação de serviços desses profissionais devem ser definidas sob essa ótica, sob a pessoalidade do serviço prestado, sob pena de desqualificar essa honrosa profissão que presta serviços públicos à sociedade.
É advogado, associado ao G. Ivo Advogados, professor universitário e escritor. Multiespecialista em direito do petróleo, tributário e empresarial. Autor de diversas obras jurídicas entre elas "Sociedades Empresárias e Sociedade Simples". Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUINTANS, Luiz Cezar Pazos. Notários e registradores não são empresários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 abr 2012, 07:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28406/notarios-e-registradores-nao-sao-empresarios. Acesso em: 23 dez 2024.
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