O Código de Processo Civil instituído pela Lei nº 5.869/73, no Capítulo V do seu Livro IV (DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS), trata das ações possessórias.
A prática forense tem mostrado que, não raras vezes, as disposições do CPC sobre as ações possessórias têm sido aplicadas tanto aquelas manejadas por particulares quanto às ajuizadas para a proteção do patrimônio público, sem que se atente para as especificidades do regime jurídico-administrativo ou para a especialidade da norma contida no art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/46.
O singelo propósito do presente trabalho é fomentar a discussão sobre o assunto. Para tanto, faz-se uma análise dos requisitos estabelecidos pelo CPC para as ações possessórias, cotejando-se as lições da doutrina e a jurisprudência que trata das especificidades de tais requisitos quando as referidas ações são aforadas para a proteção do patrimônio público e examina os efeitos do art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/46 nas ações possessórias destinadas à proteção do patrimônio público federal.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Análise dos requisitos estabelecidos pelo art. 927 do CPC
Dispõe o Código de Processo Civil, na Seção II (Da Manutenção e da Reintegração de Posse) do CAPÍTULO V (DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS) do TÍTULO I (DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE JURISDIÇÃO CONTENCIOSA) do seu LIVRO IV (DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS):
Art. 927. Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.
Já, na Seção III (Do Interdito Proibitório) do mencionado CAPÍTULO V (DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS), prescreve:
Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.
Art. 933. Aplica-se ao interdito proibitório o disposto na seção anterior.
2.1.1. Posse
De proêmio, cumpre trazer à colação o escólio de Nery Júnior e Nery:
"I: 1. Posse. As possessórias se caracterizam pelo pedido de posse com fundamento no fato jurídico posse. O que determina o caráter possessório de uma ação não é só o pedido, como à primeira vista poderia parecer, mas sim a causa petendi e os fundamentos do pedido do autor. (Nery, RP 52/170)"[i] (grifos originais)
Em um precedente isolado, o Superior Tribunal de Justiça seguiu tal entendimento em ação de reintegração de posse ajuizada pela União:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRENOS INCRUSTADOS EM ÁREA MILITAR E OCUPADOS POR CIVIS.
I - Não há dúvida quanto à inconveniência da permanência de civis residindo e explorando economicamente áreas de instalações militares. Todavia, em nenhum momento logrou a União demonstrar que algum tempo tenha sido detentora da posse. Não basta ao autor da ação provar o domínio. Exige-se que demonstre "a sua posse" (art.
927 do CPC).
II - Matéria de prova (Súmula 07/STJ).
III - Recurso não conhecido.
(REsp 150.931/PE, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/1998, DJ 30/11/1998, p. 153)
Não obstante, há uma firme corrente pretoriana no sentido de que, em se tratando de imóvel público, a posse do ente público é inerente ao domínio, sendo presumida à vista dos documentos comprobatórios da propriedade imobiliária. Senão vejamos:
“Ementa: ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL PÚBLICO DESTINADO AO COMANDO DO EXÉRCITO. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. OCUPAÇÃO POR PESSOA ESTRANHA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. I – Tendo o laudo pericial atestado que se trata de imóvel de propriedade da União, inserido nos limites de área militar de responsabilidade administrativa do Campo de Instrução de Gericinó, não pairam dúvidas de que consiste em ocupação irregular, cuja posse desautorizada de terceiros caracteriza esbulho possessório, a ser reparado via reintegratória. II – A desídia da Administração na vigilância e fiscalização de seu patrimônio não elide a má-fé do particular em construir em imóvel público apossado clandestinamente. III – O longo tempo de ocupação não possui relevância jurídica quando se trata de bem público, face à natureza imprescritível do mesmo, impassível de aquisição por usucapião (Súmula 340/STF). IV – Considerando-se que o réu somente pode ostentar a condição de ocupante da área em litígio, já que inoponível, à vista da indisponibilidade que reveste o bem público, qualquer e eventual documento particular de aquisição de posse, e ainda, levando-se em conta o princípio da instrumentalidade das formas, impõe-se temperar a norma prevista no art. 927, do CPC, para presumir a posse do autor sobre a mesma, vez que a União comprou nos autos a propriedade do imóvel, não sendo caso, portanto, de inadequação da via eleita.” (TRF 2ª R. – 7ª T. – AC 390652 – Rel. Des. Federal Sergio Schwaitzer, in DJU de 11/04/2008, p. 841)
“APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL PÚBLICO. CONFLITO POSSESSÓRIO COM BASE NA PROPRIEDADE DE AMBOS OS LITIGANTES. REGISTRO IMOBILIÁRIO EMITIDO COM ERRO. PROVA DOCUMENTAL E PROVA PERICIAL. Tratando-se de bem público, a posse do ente público é presumida. Amparando ambos os litigantes a questão possessória nos seus respectivos títulos, incide a Súmula 487 do STF. Registro do demandado produzido posteriormente com flagrante erro de localização do imóvel a partir da esquina da rua, gerando sobreposição de áreas. Sentença de procedência mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70021192976, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 19/12/2007)
“REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INÉPCIA DA INICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA. PRELIMINARES DESACOLHIDAS. BEM PÚBLICO. POSSE PRESUMIDA. INVIABILIDADE DE USUCAPIÃO. REQUISITOS PARA A AÇÃO POSSESSÓRIA. Preliminares desacolhidas. Não há falar em sentença extra petita, se deferiu conseqüência lógica da procedência do pedido. É parte passiva legítima a ré que mantém edificação sobre a área, ainda que em regime de comodato. Não há cerceamento de defesa se a prova pretendida não é pertinente. Sentença que atende aos requisitos do art. 282 do CPC. Em se tratando de bem público, a posse é inerente ao domínio. Esbulho configurado. Requisitos do art. 927 atendidos. Preliminares desacolhidas e apelos desprovidos. (Apelação Cível Nº 70022988117, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 19/02/2009)”
“AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE INJUSTA E CLANDESTINA DEMONSTRADA. IMÓVEL PÚBLICO. POSSE PRESUMIDA. BENFEITORIAS. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ NA OCUPAÇÃO DO BEM E CONSTRUÇÃO DE ACESSÕES. PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. Evidenciado nos autos que a posse do réu já foi transmitida de boa-fé, tendo em vista que por ser imóvel público presume-se a posse da municipalidade, ainda que não exteriorizada, torna-se absolutamente desnecessária a produção de prova para demonstrar o valor das acessões. Vale dizer, em tendo sido realizadas sem que o requerido ocupasse legitimamente o imóvel e não se caracterizando benfeitorias necessárias, descabe ressarcimento. Agravo retido e apelação desprovidos. (Apelação Cível Nº 70017729435, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 05/07/2007)”
2.1.2. Ameaça, turbação ou esbulho praticado pelo réu
Acerca do esbulho, que desafia a propositura de ação de reintegração de posse, Theodoro Júnior pontifica:
Por esbulho deve-se entender a injusta e total privação da posse, sofrida por alguém que a vinha exercendo"[ii].
A jurisprudência vem se firmando no sentido de que, tendo ocorrido a regular notificação do réu para desocupação dos imóvel público, e deixando este de tomar as devidas providências neste sentido, resta plenamente caracterizado o esbulho possessório. Vejamos:
“Ementa: REINTEGRAÇÃO DE POSSE. NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO. ESBULHO POSSESSÓRIO. INTERESSE DE AGIR. I – A posição de recalcitrância do possuidor que, embora notificado a desocupar o imóvel publico, não o faz, caracteriza esbulho possessório, a justificar a propositura da reintegratória. II – Caso em que a parte ré reconheceu a procedência do pedido. III – Recurso e remessa necessária conhecidos e parcialmente providos.” (TRF – 2ª R. – 5ª T. – AC 337272 – Rel. Des. Vera Lucia Lima – in DJU de 07/05/2008, p. 335)
“Ementa: POSSE – ÁREAS PÚBLICAS – ESBULHO – CONFIGURAÇAO
Tratando-se de ocupação de áreas publicas sem a devida autorização, não há direito à permanência, configurado o esbulho pela não devolução da área ocupada após a devida notificação.” (TJ-MS – Ac. Unânime da 3º turma. Cível, publicada no DJ. de 8/11/2004 - Ap – 2003.013170 – 1/000000-00 Brasilândia, rel. Dês. Oswaldo Rodrigues de Melo)
Com efeito, o parágrafo único do art. 397 do Código Civil dispõe que, não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Todavia, como o caput do referido dispositivo legal prescreve que o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor, pelo que, por exemplo, a não restituição de um imóvel integrante do domínio público no prazo avençado caracteriza a mora de pleno direito, independentemente de qualquer ato ou iniciativa do credor. É o que denomina mora ex re, por aplicação da regra dies interpellat pro homine, isto é, o termo interpela em lugar do credor. Nesse sentido é a jurisprudência:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO. TERMO FINAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
1. REINTEGRAÇÃO LIMINAR DA UNIÃO NA POSSE DE ÁREA ANTERIORMENTE CEDIDA EM ARRENDAMENTO, POR FORÇA DO TÉRMINO DE CONTRATO, SEM QUE TENHA OCORRIDO A DEVOLUÇÃO ESPONTÂNEA DO IMÓVEL.
2. AVENÇA QUE PRECONIZAVA A CESSAÇÃO, FINDO O PRAZO DO ARRENDAMENTO, DE TODOS OS EFEITOS DELA DECORRENTES, INDEPENDENTEMENTE DE NOTIFICAÇÃO JUDICIAL OU EXTRA-JUDICIAL.
3. INEXISTÊNCIA DE TRAÇO OU FEIÇÃO DE ILEGALIDADE OU DE TERATOLOGIA NO ATO IMPUGNADO. REINTEGRAÇÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO.
(PROCESSO: 9605073048, AG6363/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 20/03/1997, PUBLICAÇÃO: DJ 08/05/1997 - Página 31657)
No que pertine à turbação e à ameaça, cumpre trazer à colação o escólio de Donizetti:
"Destarte, adequado se reputa o ajuizamento da ação de manutenção de posse quando ocorrer a turbação, consistente ao embaraço ao livre exercício da posse. O possuidor é turbado quando, apesar de continuar possuindo a coisa, perder parte do poder sobre ela. Na lição de Orlando Gomes, os atos de turbação podem ser positivos, como o corte de árvores ou a implantação de marcos, ou negativos, como quando o turbador impede o possuidor de praticar certos atos.
(...)
Finalmente, o interdito proibitório será cabível quando se estiver diante de ameaça ao exercício da posse. Caracteriza-se a ameaça quando há fundado receio de que a posse seja turbada ou esbulhada. Nesse caso, nenhum ato ofensivo à posse foi perpetrado, mas há indícios concretos de que algo pode ocorrer."[iii]
2.1.3. Data da turbação ou do esbulho
No que pertine ao requisito em liça, Nery Júnior e Nery ensinam:
Caso o esbulho ou turbação tenha ocorrido há mais de ano e dia, não cabe ação possessória pelo procedimento especial. É admissível, contudo, ação possessória pelo rito comum (ordinário ou sumário). Nessa, poderá o autor pedir a tutela antecipatória de mérito (CPC 273, com os mesmos efeitos da liminar possessória da ação de rito especial. Contudo, para obtê-la, terá de comprovar não apenas sua posse, a turbação ou esbulho, mas também os requisitos do CPC 273.
Com efeito, o art. 924 do CPC dispõe:
Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.
O art. 924 do CPC é uma norma geral, aplicável às ações de manutenção e de reintegração de posse.
Todavia, o Decreto-Lei nº 9.760/46, que dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências, prescreve:
Art. 71. O ocupante de imóvel da União sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos arts. 513, 515 e 517 do Código Civil.
Parágrafo único. Excetuam-se dessa disposição os ocupantes de boa fé, com cultura efetiva e moradia habitual, e os direitos assegurados por êste Decreto-lei.
O art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/46, por ser norma de caráter especial, afasta a aplicabilidade do art. 924 do CPC às ações possessórias destinadas à proteção do patrimônio público federal. Nesse sentido é a jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. BEM IMÓVEL DA UNIÃO. DECRETO-LEI N 9760/46.
- EM HIPÓTESES COMO A PRESENTE EM QUE O ESBULHO SE DÁ EM BENS IMÓVEIS DE TITULARIDADE DA UNIÃO, DEVE-SE APLICAR O ART. 71 DO DECRETO LEI 9760/46, NORMA DE CARÁTER ESPECIAL E QUE PORTANTO NÃO PODE SER REVOGADA PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NORMA DE CARÁTER GERAL.
- AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
(PROCESSO: 9805100081, AG17423/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 20/03/2003, PUBLICAÇÃO: DJ 13/05/2003 - Página 405)
“Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. UTILIDADE PÚBLICA. LIMINAR. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BENS PÚBLICOS (IMÓVEL DA UNIÃO). APLICABILIDADE DECRETO-LEI Nº 9.760/46. INAPLICABILIDADE DO ART. 924, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (POSSE VELHA). 1. Tratando-se de bens públicos a que se refere o Decreto-lei nº 9.760/46, não se discute se a posse é velha ou nova. Por tratar-se de matéria de direito administrativo, não se aplicam as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil pertinentes aos requisitos para reintegração liminar da posse. 2. Em casos como tais, é deferido ao magistrado o poder geral de cautela, diante da impossibilidade de o legislador prever todas as situações em que os direitos em litígio no processo pudessem sofrer perigo de dano e elencar todas as formas de proteção a esses direitos (arts. 798 e 799, do Código de Processo Civil). 3. Agravo de instrumento provido.” (TRF1 – 4ª T. – AG 200501000096410 – Rel. Juíza Rosimayre Gonçalves de Carvalho Fonseca – in DJ de 13/09/2006, p. 11)
“Ementa: PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO. POSSE. BENS PÚBLICOS. - Contra os bens do domínio público não se pode opor, com êxito, a posse velha, a fim de impedir a imissão liminar.” (TRF4 – 3ª T. – AG 9604675079 – Rel. Des. Luiza Dias Cassales – in DJ de 24/06/1998, p. 568)
ADMINISTRATIVO. CIVIL. IMÓVEL DO INSS. BEM PÚBLICO. OCUPAÇÃO IRREGULAR POSTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 9.702/98. TAXA DE OCUPAÇÃO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CABIMENTO.
I. Ação em que se debate a reintegração de posse de imóvel pertencente ao INSS, localizado nos números 67 e 81, do lote 36, da Rua "K", Rua do Cajá, no bairro de Areias, em Recife/PE, irregularmente ocupado desde de 2006.
II. A ocupação de bem público pelo particular não tem o condão de conferir à apelante o direito de permanecer no bem, independente do lapso temporal transcorrido, uma vez que esta exerce sobre o bem tão somente a detenção, nos termos do art. 71, do Decreto-Lei 9.760/46 (Precedente: STJ. Resp 816.585/RJ. Rel. Min. José Delgado. DJ. 26/10/2006. p.240), já que a lei impede efeitos possessórios em favor do ocupante ilícito.
III. Quanto à possibilidade de regularização da ocupação, observa-se que a Lei nº 9780/98 autorizou o INSS a proceder à alienação, mediante ato de autoridade competente, de bens imóveis de sua propriedade considerados desnecessários ou não vinculados às suas atividades operacionais, observando-se, no que coubesse, as disposições da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998.
IV. No entanto, o art. 3º deste mesmo regramento estabeleceu que nas alienações dos imóveis residenciais e rurais seria dada preferência a quem, comprovadamente, em 31 de dezembro de 1996, já ocupasse o imóvel e estivesse, até a data da formalização do respectivo instrumento, regularmente cadastrado e em dia com quaisquer obrigações junto ao INSS. De igual modo, estipulou a normativa, no art.11, que o INSS poderia promover a regularização da posse dos imóveis não passíveis de alienação, mediante a celebração de contratos de locação com aqueles que à época já os ocupassem.
V. Portanto, a regularização da ocupação, seja pela cobrança de taxa de ocupação, seja pela alienação com atribuição de preferência, nos termos do art. 3º e 11 da Lei nº 9.702/98, é prevista para aqueles que à época da entrada em vigor desta lei já ocupavam bens públicos.
VI. Apelação improvida.
(PROCESSO: 200983000033938, AC526926/PE, DESEMBARGADORA FEDERAL MARGARIDA CANTARELLI, Quarta Turma, JULGAMENTO: 25/10/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 04/11/2011 - Página 200)
2.1.4. A continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração
O indigitado requisito pertine à causa petendi da ação de manutenção, que pressupõe a continuação da posse, ou da ação de reintegração, que está fulcrada na perda da posse.
Deve ser interpretado sistematicamente com o art. 920 do CPC, segundo o qual a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados.
2.2. A aplicação do art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/46 às ações possessórias destinadas à proteção do patrimônio público federal
Como dito alhures, o Decreto-Lei nº 9.760/46 dispõe sobre os bens imóveis da União, estabelecendo, em seu art. 71, que “o ocupante de imóvel da União sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos arts. 513, 515 e 517 do Código Civil”.
O dispositivo legal em epígrafe prescreve o despejo ou desapossamento sumário daquele que detiver imóvel da União sem anuência desta, sendo, portanto, aplicável às ações possessórias destinadas à proteção do patrimônio público, para dispensar os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, com exceção do previsto no inciso II, nos termos de pacífica orientação do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, exemplificada nas ementas a seguir colacionadas:
“Ementa: ADMINISTRATIVO. BEM PÚBLICO. OCUPAÇÃO DE IMÓVEL DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE ASSENTIMENTO EXPRESSO. PRECARIEDADE. REINTEGRAÇÃO SUMÁRIA. POSSIBILIDADE.
(...)
3. De acordo com o art. 71 do Dec.Lei n. 9.760/46, "o ocupante de imóvel da União, sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo ...". Trata-se, na verdade, de uma ação de despejo ou desapossamento, dispensando os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, com exceção do previsto no inciso II, e há possibilidade do deferimento liminar mesmo se intentada além do prazo de ano e dia da turbação ou esbulho.
4. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (AG 2005.01.00.069791-0/DF, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Quinta Turma,e-DJF1 p.145 de 11/04/2008) (grifos nossos)
“ADMINISTRATIVO. DOMÍNIO PÚBLICO. TERRAS DA UNIÃO DESTINADAS À REFORMA AGRÁRIA. OCUPAÇÃO POR PARTICULARES. AÇÃO DE MANUTENÇÃO (OU REINTEGRAÇÃO) DE POSSE MOVIDA PELO INCRA. ALEGAÇÃO, PELOS OCUPANTES, DE INEXISTÊNCIA DE POSSE ANTERIOR. AÇÃO POSSESSÓRIA DESPROVIDA DOS REQUISITOS ESPECÍFICOS DO ART. 927 DO CPC. POSSIBILIDADE. PARTICULARIDADE DO REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO. BENFEITORIAS. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. PERDA EM FAVOR DO INCRA. INDENIZAÇÃO PELOS FRUTOS COLHIDOS E PERCEBIDOS E PELOS QUE SE PERDERAM POR CULPA DOS RÉUS. REFORMA DA SENTENÇA.
1. São distintas as relações de propriedade e administração, a que correspondem os regimes do direito civil e do direito administrativo. A chamada propriedade pública não é adaptação para o direito administrativo da propriedade regida pelo direito civil. Embora haja pontos de contato entre a relação de administração e a de propriedade, aquela é secundária a esta, à qual se deve conformar (Cirne Lima). Apenas subsidiariamente aplicam-se ao regime dos bens públicos as regras de direito civil e, por conseqüência, as regras do processo civil também devem ser adaptadas para atender ao interesse público.
2. Às ações possessórias destinadas à proteção do patrimônio público aplica-se o art. 71 do Decreto-Lei n. 9.760/46: "O ocupante de imóvel da União, sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos arts. 513, 515 e 517 do Código Civil".
3. Trata-se, na verdade, de uma ação de despejo ou de desapossamento. Dispensem-se os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, com exceção do previsto no inciso II, e há possibilidade do deferimento liminar mesmo se intentada além do prazo de ano e dia da turbação ou esbulho. Excetuam-se daquela disposição (art. 71 do Decreto-Lei n. 9.760/46), na forma do parágrafo único, e ainda assim apenas quanto ao aspecto da sumariedade e do direito a indenização pelo que haja sido incorporado ao solo, as ocupações de boa-fé, com cultura efetiva e morada habitual.
(...)”(AC 2001.01.00.017437-8/MA, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Quinta Turma,DJ p.37 de 09/11/2006)
Com efeito, no que pertine à proteção da posse de ente público federal, a qual é inerente ao domínio e presumida da comprovação da propriedade do imóvel, as disposições do art. 927, I, III e IV, do CPC, são inaplicáveis, em razão da existência da especial disposição do art. 71, Decreto-Lei nº 9.760/46, sendo a matéria afeta ao direito administrativo.
3. CONCLUSÃO
O CPC estabelece normas gerais sobre as ações possessórias.
O Decreto-Lei nº 9.760/46, que dispõe sobre os bens imóveis da União, em seu art. 71, contém uma norma especial, que afasta a aplicabilidade dos arts. 924 e 927, I, III e IV, do CPC nas ações possessórias manejadas para proteção do patrimônio público federal.
A posse do ente público é inerente ao domínio, sendo presumida à vista dos documentos comprobatórios da propriedade imobiliária.
REFERÊNCIAS
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9ª edição. Salvador: Juspodivm, 2008, vol. I.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 13ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Da (im)possibilidde de antecipação de tutela nos pleitos possessórios. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3542>. Acesso em: 4 abr. 2012.
NERY JÚNIOR, Nélson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
SAMPAIO, Sérgio Humberto de Quadros. Liminar nas ações possessórias. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1478, 19 jul. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10163>. Acesso em: 3 abr. 2012.
[i] Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pág. 995.
[ii] Curso de Direito Processual Civil, vol. III, Procedimentos Especiais, Forense, 16ªed., 1997, p. 141.
[iii] Curso Didático de Direito Processual Civil. 13ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 168.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Breves notas sobre as ações possessórias destinadas à proteção do patrimônio público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 abr 2012, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28428/breves-notas-sobre-as-acoes-possessorias-destinadas-a-protecao-do-patrimonio-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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