Atividade médica
A atividade médica, conforme a grande maioria dos doutrinadores de nosso pais, gera uma responsabilidade de natureza contratual, diversa da aquiliana. Ainda que sua colocação no Código Civil possa levar à conclusão de que sua natureza é extracontratual, tal entendimento vem sendo veementemente rechaçado.[1]
Isso ocorre na grande maioria das vezes, pois a relação médico – paciente tende a ser pactual, com a prestação de serviços pelo médico e o consumo dos mesmos pelo paciente.
Obviamente, há a possibilidade de que a responsabilidade médica não se origine na relação tradicional entre médico e paciente, sendo, assim, de natureza aquiliana. É o caso, por exemplo, de médico que, pelas exigências do momento, atende um indivíduo que desmaiou na rua, o que, de modo algum, desvia do agente a obrigação de reparar o dano causado, ainda que nessas circunstâncias.
No sentido da natureza tradicional da responsabilidade médica, Tereza Ancona Lopez afirma o seguinte:
(...) há realmente entre esse profissional e o cliente um acordo de vontades no qual um oferece seus serviços e o outro fornece uma contraprestação pelos mesmos. Aliás, mesmo nos atendimentos gratuitos essa relação contratual se verifica.[2]
Definida a natureza da responsabilidade médica, cabe tecer algumas linhas gerais a respeito da obrigação assumida pelo profissional, prestador do serviço, perante o paciente, consumidor do mesmo.
Acerca do tema, a orientação doutrinária dominante vem sendo no sentido de que, em geral, a obrigação assumida pelo médico é de meio, não de resultado.
Segundo os ensinamentos de Miguel Kfouri Neto, “ao assistir o cliente, o médico assume obrigação de meio, não de resultado. O devedor tem apenas que agir, é a sua própria atividade o objeto do contrato. o médico deve apenas esforçar-se para obter a cura, mesmo que não a consiga”.[3]
José de Aguiar Dias assevera que “o objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência”.[4]
Já Jurandir Sebastião, sobre a natureza da atividade médica, destaca:
Sendo o exercício da atividade profissional um contrato tático ou expresso de meios, cumpre ao médico empenhar-se, quanto necessário e possível, para o bom resultado da prática médica, com objetivo de curar o paciente. Isso importa em obrigação de utilização de todas as técnicas disponíveis aceitas pelo consenso profissional como adequadas ao fim proposto.[5]
Cabe, ainda, que se defina com clareza o conceito de ato médico, para que se possa prosseguir no presente estudo. Nesse sentido, ato médico é, de acordo com o Manual de Orientação Ética e Disciplinar do Conselho Federal de Medicina:
Aquele ato profissional realizado por quem está habilitado a exercer a medicina, e está embasado em anamnese, exame físico, formulação de hipóteses diagnósticos, interpretação de exames complementares, formulação e prescrição terapêutica, preventiva ou curativa de ordem farmacológica, cirúrgica ou psiquiátrica. É intransferível a responsabilidade do médico num ato médico realizado em equipe com outros profissionais, da área da saúde ou no (engenharia biomédica, cinegrafistas, etc.). Sendo ato médico o cerne da profissão médica, sua prática e seu ensino são privativos de médico.[6]
Deveres do profissional da área médica
Os deveres de conduta do profissional médico são condições essenciais para que o mesmo possa desempenhar suas funções com desenvoltura e responsabilidade. Devem, portanto, ser observados à todo momento, para que possa reduzir a uma margem mínima a incidência de erro médico.
Ademais, não somente no que concerne aos médicos, mas para que se possa avaliar a responsabilidade de qualquer profissional, seja no âmbito ético ou legal, imprescindível é a consideração de todos os seus deveres de conduta.
Desta feita, o exercício da medicina vem regido por uma gama de norma e princípios. Sua atividade, em termos legais, vem não só disciplinado no Código de Ética e em normas de caráter estatutário dos órgãos corporativos, mas também encontra disciplina no texto da Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional, podendo citar o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Processo Civil, o Código Penal e o Código Civil.
Cabe ao médico, assim, com intuito de evitar a incidência da responsabilidade civil sobre sua pessoa quanto aos atos por ele praticados, observar sempre os princípios e regras pelos quais se pauta a profissão, como, por exemplo, sempre informar com clareza total ao paciente, os riscos que acarreta determinada prática a qual este é submetido.
O médico tem o dever de zelar pela vida e pela saúde da pessoa humana, exercer sempre de forma ética a medicina, fornecer atestados e receitas sempre legíveis e que estejam de acordo com a condição do seu paciente, atender da melhor maneira possível aos interesses do paciente, assumir atos por ele praticados e suas conseqüências, manter o sigilo profissional a que está obrigado, denunciar qualquer prática ilegal da medicina de que possua conhecimento, respeitar e levar em consideração a religião e as crenças de seu paciente, entre outros deveres.
A doutrina, entretanto, estabelece alguns deveres principais do médico para com seu paciente, que refletem todas as regras e princípios a que o profissional estaria obrigado para a prática da medicina, tais como, dever de efetivamente prestar o atendimento prometido, dever de informação (engloba todo e qualquer esclarecimento na relação médico-paciente que são considerados como incondicionais e obrigatórios), dever de abstenção de abuso ou desvio de poder (o médico é proibido de no exercício de suas funções definidas, usar de sua superioridade para induzir o paciente na escolha de um determinado tratamento que não condiga com a prática médica), dever de atualização (aprimoramento continuado do profissional para melhoria da capacidade e da qualidade dos serviços prestados) e dever de vigilância (o ato médico, sempre que analisado e vislumbrado em sua licitude e integralidade, deve, obrigatoriamente, encontrar-se isento de todo e qualquer tipo de omissão caracterizada por inércia, passividade ou descaso por parte do médico).[7]
Erro médico
Os operadores jurídicos, mormente os próprios aplicadores do direito, acabam por enfrentar serias dificuldades na verificação da ocorrência ou não do erro médico, pois, nas demandas de caráter indenizatório, que versam sobre erro médico, os advogados dos autores costumam exagerar nas evidências de má prática médica, enquanto os advogados dos requeridos esforçam-se em demonstrar que o profissional agiu de acordo com os ditames da ciência médica.
O erro médico seria a falha do profissional médico no exercício de sua profissão. Assim, o erro médico, bem como sua caracterização, sempre dependerá do ponto de vista, seja esse do paciente, de sua família, ou mesmo do próprio médico.
Para Jurandir Sebastião, o erro médico pode ser definido como “a conduta voluntária ou involuntária, direta ou indireta, caracterizada como conduta profissional imperita, imprudente ou negligente, que causa dano ao paciente”.[8]
Jerônimo Romanello Neto assevera que o erro médico “pode derivar de uma das formas da ação ou omissão culposa, em qualquer de suas formas: imprudência, imperícia ou negligência, e da ação ou omissão dolosa”.[9]
O médico, assim responde tanto pelo erro de conduta como pelo erro de diagnóstico, conforme explica Genival Veloso de França:
A maioria tem-se pronunciado, achando que o erro de diagnóstico não é culposo desde que não tenha sido provocado por manifesta negligência e que o médico tenha examinado seu paciente segundo as regras e técnicas atualizadas e disponíveis da ciência médica e de sua especialidade em particular. já os erros de conduta podem ocorrer, mas convém que eles sejam analisados criteriosamente, pois há muita controvérsia sobre a validade e eficiência de cada método e de cada conduta.[10]
O diagnóstico é a análise, por parte do profissional, do estado do paciente. Consiste basicamente em identificar e determinar a enfermidade ou moléstia que abate o paciente, escolhendo, com base no mesmo, o tratamento mais adequado e eficiente.
Entretanto, o diagnóstico não é uma operação matemática. Às vezes, para que se possa chegar ao diagnóstico correto, torna-se necessária uma agudeza de observação de que nem todo médico é dotado.
Ainda cumpre examinar o erro escusável, definido por Sálvio de Figueiredo Teixeira como sendo como sendo “aquele que decorre da falha não imputável ao médico e que depende das naturais limitações da medicina, pois o erro existe, é intrínseco às deficiências da profissão e da natureza humana do paciente”.[11]
Trata-se, portanto, de espécie de erro que não se origina de uma inobservância de princípios e diretrizes que regem a profissão médica, mas sim da insuficiência de conhecimento do próprio ser humano.
Ponto importante a ser ressaltado é que o médico deverá, no exercício da sua profissão, sempre agir com prudência e diligência, seguindo à risca o Código de Ética Médica.
A responsabilidade civil médica
No que tange aos profissionais da medicina, a importância e necessidade dos seus serviços tornam a atividade médica uma profissão indispensável em qualquer sociedade. Aos médicos incumbe prevenir os males e melhorar os padrões de saúde e vida da coletividade, resguardando a própria existência do ser humano.
Porém, é inegável a suscetibilidade do médico para o cometimento de erros, assim como também o é em relação aos demais profissionais. Entretanto, quando de tais erros surgem prejuízos para as outras pessoas, estes devem ser reparados sob pena de ruptura do equilíbrio social, que só se poderia ser restabelecido com a intervenção do Direito mediante o instituto da responsabilidade civil.
Na ciência em apreço, fala-se em erro médico como aquele de cujas constatação decorre a aplicação das regras jurídicas pertinentes à responsabilidade civil, ou seja, é do erro médico que advém prejuízos ao paciente, que merece ser ressarcido através de uma indenização. Entretanto, há uma dificuldade em se estabelecer um consenso acerca do verdadeiro conceito de erro médico. Basicamente, verificam-se três definições acerca da expressão.
A primeira delas constitui uma acepção mais genérica, considerando o erro como todo ato do médico que colida com os dispositivos do Código de Ética Médica. A segunda concepção corresponde ao entendimento da maioria dos pacientes, para os quais o erro médico é o resultado diverso ou frustrante em relação ao desempenho do médico. Por fim, há um aspecto mais restrito, pelo qual o erro médico coincide com a prática de ato profissional danoso ao paciente, caracterizado por qualquer das três modalidades de culpa: imprudência, negligência e imperícia.
O melhor entendimento, segundo Maria Helena Diniz, seria o que caracteriza erro médico, para fins de responsabilidade civil, como todo e qualquer ato comissivo ou omissivo praticado pelo profissional da medicina, do qual decorre um prejuízo para o paciente, desde que fiquem demonstrados o dano causado, a conduta culposa do médico e o nexo de causalidade.
De acordo com Raul Canal “é evidente, então, que o conceito de responsabilidade civil médica não foge do gênero da responsabilidade civil, do qual é espécie, ou melhor, um braço, uma ramificação”.
[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
[2] LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 184.
[3] KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 152.
[4] DIAS, Op. Cit., p. 255.
[5] SABASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade médica: civil, criminal e ética. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 97.
[6] GRISARD, Nelson. Manual de orientações ética e disciplinar. 2. ed. Florianópolis: Conselho Federal de Medicina, 2000. p. 106.
[7] KFOURI NETO, Op. Cit., p. 165.
[8] SEBASTIÃO, Op. Cit., p. 206.
[9] ROMANELLO NETO, Jerônimo. Responsabilidade civil dos médicos. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2001. p. 58.
[10] FRANÇA, Genival Veloso de. Comentário ao código de ética médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p. 113.
[11] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Direito e medicina: aspectos jurídicos da medicina. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 196.
Estudande do décimo período da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EUGENIO, Arthur Barral. A responsabilidade civil do médico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 abr 2012, 07:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28538/a-responsabilidade-civil-do-medico. Acesso em: 23 dez 2024.
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