1. INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico brasileiro, o sistema de impugnação das decisões judiciais é composto dos seguintes instrumentos: a) recursos e b) ações autônomas de impugnação.
O recurso é o meio de impugnação utilizado dentro do mesmo processo em que é proferida a decisão judicial. Trata-se, em sentido estrito, do remédio jurídico-processual por meio do qual se provoca o reexame de uma decisão. (TOURINHO FILHO, 2009, p. 803).
Instrumento processual voluntário, o recurso, previsto em lei, é posto à disposição dos interessados para ser utilizado, no mesmo processo, com o objetivo de reformar, invalidar, integrar ou esclarecer uma decisão judicial anterior.
Pois bem, pelo recurso, prolonga-se o curso (a litispendência) do processo, ou seja, prolonga a pendência do processo em outra instância (DIDIER JÚNIOR, 2010, p. 27).
A ação autônoma de impugnação, por sua vez, é o instrumento de impugnação da decisão judicial, pelo qual se dá origem a um processo novo, cuja finalidade é atacar ou interferir no provimento jurisdicional.
Diferencia-se do recurso, justamente porque não é veiculada no mesmo processo em que a decisão recorrida fora proferida. Ao contrário, o meio autônomo de impugnação instaura uma nova relação processual, configura o exercício de uma nova ação.
São exemplos de ações autônomas de impugnação no processo penal brasileiro: a revisão criminal, o habeas corpus e o mandado de segurança contra ato jurisdicional.
Todos esses meios de impugnação da decisão judicial não são recursos. Tanto assim é que, no habeas corpus e na revisão criminal, por exemplo, existe um verdadeiro pedido do autor (tendente a uma sentença de mérito), dando vida a uma diversa relação jurídica processual, ainda que, no caso da revisão criminal, nos mesmos autos. (GRINOVER, 2009, p. 27).
O presente artigo tem como objeto a análise detida do instituto da revisão criminal no processo penal brasileiro, como meio não recursal de impugnação da decisão judicial que é, com a finalidade de que os aspectos relevantes no tocante a este importante remédio processual sejam enfrentados, porquanto a sua utilização na prática configura um salutar mecanismo para impugnar decisões condenatórias injustas.
2. REVISÃO CRIMINAL
2.1. Considerações iniciais – conceito, histórico, natureza jurídica, pressuposto primordial e previsão constitucional.
A revisão criminal está erroneamente posicionada na estrutura do Código de Processo Penal, visto que se encontra no título referente aos recursos em geral (Título II). Todavia, como já foi visto neste trabalho, tal colocação não torna a revisão criminal um recurso, é, diversamente, uma ação de impugnação autônoma e, como tal, não se sujeita aos requisitos de todo e qualquer recurso e, tampouco, exige uma decisão não transitada em julgado, porquanto pode atacar, até mesmo, uma decisão acobertada pela coisa julgada formal e material. (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 613).
Conforme esclarece o doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho (209, p. 921):
A atividade jurisdicional, como outra de qualquer setor da atividade humana, está sujeita a erros. A justiça é feita pelos homens, simples criaturas humanas, sem o dom da infalibilidade. [...] Aliem-se, ainda, a ilusão, a emoção, a falta de atenção, o transcurso do tempo, a brevidade da percepção e outras causas. Tudo são fatores que produzem má apreciação do fato objeto do processo. [...] Não houvesse órgãos jurisdicionais hierarquicamente superiores para controlar e reexaminar as decisões provindas dos órgãos inferiores, inegavelmente a situação seria de descalabro. Mesmo fazendo uso dos meios legais de impugnação da decisão, há um momento em que impossível se torna outra reexame: quando se esgotam todas as instâncias. O ato jurisdicional torna-se irrecorrível, e a sentença, justa ou injusta, é considerada inatacável e irrevogável. Torna-se ela, então, inimpugnável (coisa julgada formal), impedindo, também, que em outro qualquer juízo se instaure outro processo sobre o mesmo litígio (coisa julgada material).
Por isso, uma condenação injusta é prejudicial não somente ao réu, mas também à sociedade, que passa a desacreditar da Justiça. Em virtude dessa situação, desde épocas remotas, se admitem providências para impugnar a injustiça de uma decisão condenatória.
Hoje, em todos os ordenamentos jurídicos ditos civilizados, a coisa julgada penal, a despeito de necessária à ordem pública, pode ser atacada diante de uma sentença condenatória manifestamente injusta. E “o remédio jurídico-processual que permite reabrir-se o processo, em que se cometeu a injustiça, rasgando-se o selo da intangibilidade, é a revisão criminal.” (TOURINHO FILHO, 2009, p. 922).
Trata-se, portanto, a revisão criminal de um meio extraordinário de impugnação que não se submete a prazos e se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado, assumindo por vezes papel similar ao de uma ação de anulação, ou constitutiva negativa, sem ver-se obstaculizada pela coisa julgada. (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 613).
Com efeito, há uma linha de tensão entre o valor “segurança jurídica” instituída pela imutabilidade da coisa julgada, que tem assento constitucional no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, e o valor “justiça”. Tal tensão não poderia ser resolvida de outro modo, a não ser pela necessidade de relativização do mito da coisa julgada imutável e indiscutível em nome da verdadeira justiça.
Frise-se que a revisão criminal é uma medida excepcional cabível apenas nas situações expressamente previstas em lei. Sua aplicação deve ser restrita, exatamente para preservar também o instituto da coisa julgada. Logo, “não se pode aplaudir a linha doutrinária que tende a ver na revisão criminal um meio comum de impugnação da decisão judicial, equiparável à apelação”, por exemplo. (PELLEGRINI, 2009, p. 237).
Nesse sentido, são as lições de Ada Pellegrini Grinover, et al (2009, p. 237):
Só em casos excepcionais, taxativamente arrolados pelo legislador, prevê o ordenamento jurídico a possibilidade de desconstituir-se a coisa julgada por intermédio da ação de revisão criminal e da ação rescisória para o juízo cível. Isto ocorre quando a sentença se reveste de vícios extremamente graves, que aconselha a prevalência do valor “justiça” sobre o valor “certeza”.
No tocante ao histórico da revisão criminal no Brasil, foi o Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, que introduziu tal remédio processual na legislação brasileira, com atribuição da competência ao Supremo Tribunal Federal. A partir daí, passou a ser possível revisão dos processos criminais findos em que houvesse sentença condenatória.
A Constituição republicana, no artigo 81, deu status constitucional ao instituto da revisão criminal, o que foi mantido pela Carta Magna de 1934 (art. 76).
A Lei Maior de 1937, por sua vez, não previu o instituto, mas o Código de Processo Penal, surgido sob sua égide, acabou por consagrá-la.
Nos diplomas posteriores, sempre foi contemplada em nível constitucional e, malgrado não tenha sido disciplinada no capítulo concernente aos direitos e garantias fundamentais, guarda ela natureza de ação constitucional e é considerada tradicionalmente direito fundamental do condenado. Logo, tradicionalmente, a revisão criminal, em nosso sistema, é remédio exclusivo da defesa. (GRINOVER, 2009, p. 238)
No que se refere à natureza jurídica do instituto, trata-se de ação penal autônoma de impugnação, de natureza constitutiva e competência originária dos tribunais, embora erroneamente rotulado como recurso pelo Código de Processo Penal.
Enquanto o recurso, no ordenamento jurídico pátrio, tem por finalidade precípua substituir uma decisão por outra, ainda que proferida pelo mesmo órgão, a revisão visa, exclusivamente, a invalidar a entrega da prestação jurisdicional, ou seja, destina-se ao desfazimento dos efeitos produzidos por uma sentença condenatória transitada em julgado. (TOURINHO FILHO, 2009, P. 923).
Como se observa, o pressuposto primordial da revisão criminal é a existência de um processo penal com sentença condenatória ou absolutória imprópria[1]transitada em julgado.
Em relação à previsão constitucional, a doutrina entende que o fundamento da revisão criminal está no artigo 5º, LXXV, da Carta Magna de 1988, segundo o qual “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.
2.2. Cabimento – análise do art. 621 do CPP
Antes da análise do art. 621 do Código de Processo Penal, é preciso esclarecer que a revisão criminal pode ser proposta para desconstituir sentenças tanto de juízes singulares ou do Tribunal do Júri, bem como acórdãos proferidos pelos tribunais.
Assim, malgrado a longa discussão que se firmou a respeito do cabimento da revisão criminal em relação às decisões proferida pelo Tribunal do Júri, diante da soberania desta decisão, atualmente, a questão se pacificou no sentido da plena possibilidade da revisão criminal. (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 614).
Pois bem, a revisão criminal pode ter como objeto uma sentença condenatória (ou absolutória imprópria) ou acórdão condenatório (ou absolutório impróprio).
Logo, quando o réu é absolvido na primeira instância e o Ministério Público apela, sendo acolhido o recurso, a decisão condenatória objeto da revisão criminal é o acórdão proferido pelo tribunal e não a sentença (absolutória) do juiz.
Com efeito, da análise do caput do artigo 621[2] do Código de Processo Penal, podemos extrair dois pressupostos da revisão criminal, quais sejam: a) a existência de uma sentença penal condenatória ou absolutória imprópria; e b) que esta sentença tenha transitado em julgado (art. 625, §1º, do CPP).[3]
Como já mencionado neste trabalho, a revisão criminal é medida excepcional, isto faz com que os casos em que ela é admitida sejam taxativamente previstos. Não há, portanto, possibilidade de ampliação deste rol, no qual não se encaixam as situações de absolvição propriamente dita ou absolvição sumária.
O modelo brasileiro, portanto, não admite a conhecida revisão criminal pro societate, isto é, a revisão das sentenças absolutórias. Isso porque constituiria uma verdadeira reformatio in pejus. Logo, a revisão criminal é instrumento a disposição do réu contra sentenças injustas.
Pois bem, a revisão criminal será admitida nos casos listados nos incisos do art. 621 do Código de Processo Penal, quais sejam:
Inciso I: quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
Tal dispositivo prevê que são duas as situações em que a sentença condenatória (ou absolutória imprópria) deve ser contrária. Vejamos cada uma delas.
a) “ao texto expresso da lei penal” - o que quer dizer uma contrariedade à lei penal, mas também processual penal, à Constituição Federal ou a qualquer ato normativo que tenha sido utilizado como fundamento da sentença condenatória (por exemplo, portarias, às leis completivas empregadas na aplicação de uma lei penal em branco, etc.).
Além disso, também se encaixa nessa situação aquela sentença penal condenatória que incidir em erro no momento da subsunção dos fatos à lei penal, isto é, no momento da tipificação legal. Como, por exemplo, uma sentença que condena uma pessoa por peculato mesmo sem esta pessoa gozar da condição de funcionário público.
Também, com fundamento nesse primeiro inciso, é possível a revisão criminal sob o argumento de nulidade, porquanto significa dizer que a decisão judicial é contrária ao texto expresso da lei.
Portanto, nulidades absolutas também podem ser conhecidas na revisão criminal. É a existência de nulidade um fundamento jurídico válido para a revisão criminal.
Essa é a exegese que se extrai do artigo 626 do Código de Processo Penal, in verbis:
rt. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.
Parágrafo único. De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista.
Assim, o art. 626 do Código de Processo Penal, ao permitir ao tribunal “anular” a sentença ou acórdão, está reconhecendo expressamente a existência de mais de uma causa para a impetração da revisão criminal.
Aqui, abre-se a possibilidade de um questionamento bastante interessante: é possível revisão criminal por ser a decisão proferida contrária a novo entendimento jurisprudencial mais benigno?
O entendimento não é pacífico. Segundo Aury Lopes Júnior (2011, p. 616), essa situação é plenamente possível, desde que a mudança seja efetiva e no tocante a entendimento jurisprudencial pacífico e relevante. Ou seja, uma mudança efetiva de entendimento, um rompimento de paradigma. Como aconteceu, por exemplo, com o entendimento, hoje pacífico, acerca da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado para os crimes hediondos.
Ora, do mesmo modo que a lei penal mais benigna tem efeito retroativo, a mudança radical no entendimento jurisprudencial, que beneficie o réu, também deve retroagir, sendo cabível a revisão criminal para a obtenção deste efeito.
Nessa linha de pensamento, podemos destacar um julgado interessante: a decisão proferida pelo 4º Grupo Criminal do TJ/RS, na Revisão Criminal nº 70 002 052 959, Relator Des. Tupinambá Pinto de Azevedo, julgamento 27/04/2001, que reconheceu a retroatividade da decisão penal mais benigna.
Nesse sentido, encontramos também a Revisão Criminal nº 2009.04.00.030480-6/RS, Relator Des. Federal Tadaaqui Hirose, publicado em 24/02/2011. Senão vejamos.
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL. REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I , DO CPP. DESCONSTITUIÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. QUESTÃO CONTROVERTIDA. ALTERAÇÃO. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. PARÂMETROS JURISPRUDENCIAIS ALTERADOS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. CONDUTA TORNADA ATÍPICA. EXCEPCIONALIDADE. ABSOLVIÇÃO.
Em regra, não se admite a revisão criminal sob o fundamento de alteração de entendimento jurisprudencial em questão controvertida. Na hipótese, contudo, revela-se incongruente manter a condenação por crime de descaminho, pois a nova jurisprudência consolidada tornou atípica a conduta quando o valor dos tributos iludidos for inferior a R$ 10.000,00 (critério objetivo). Assim, tratando-se a revisão criminal de instituto que visa justamente atacar a coisa julgada, cumpre seja conhecida, e ao final provida, absolvendo-se o requerente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar procedente a revisão criminal para, nos autos da ACR 2002.71.08.016558-9, absolver CARLOS LUIZ MOSCHEM da prática do crime previsto no art. 168-A, do CP, com base no art.386, III, do CPP, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre (RS), 17 de fevereiro de 2011.
Des. Federal TADAAQUI HIROSE
Relator
Nesse diapasão, GIACOLOLLI apud LOPES JÚNIOR (2011, p. 617), argumenta:
A aplicação da jurisprudência mais favorável, nas mesmas hipóteses da incidência da lex mitor, inclui-se na limitação do ius puniendi pois, ao jurisdicionado, não se pode retirar a confiança de que receberá dos magistrados uma igualdade de tratamento diante da mesma situação fática. Proibir a retroatividade da jurisprudência, como afirmou Hassemer, suporia a paralisação de sua função de recriação da lei, observando-se “situações em que a comunidade jurídica tem um conhecimento maior do conteúdo da jurisprudência penal que da lei penal, confiando em sua aplicação.”
Em que pese a relevância desse entendimento, tal posição ainda goza de pouca aceitação.
b) “à evidência dos autos” – o art. 621 do Código de Processo Penal também menciona que a decisão deve ser contrária à evidência dos autos, ou seja, a contrariedade deve ser entre a decisão condenatória e o contexto probatório.
Nesse caso, a reabertura da discussão através da revisão criminal situa-se na dimensão probatória e não apenas jurídica, como no caso anterior.
A doutrina e jurisprudência costuma afirmar que a contrariedade deve ser frontal, isto é, a decisão condenatória deve estar completamente divorciada dos elementos probatórios do processo, isto para evitar que uma nova valoração da prova seja feita, enfraquecendo, por assim dizer, o livre convencimento do juiz. Logo, não cabe revisão criminal buscando a reapreciação da prova, como se fosse substitutivo da apelação.
Nesse sentido, podemos mencionar a seguinte jurisprudência: REsp 988408-SP 2007/0218985-3, rel. Min. FELIX FISCHER; julgamento 30/05/2008, 5ª Turma do STJ; Publicação DJe 25/08/2008:
Ementa
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. ART. 621, INCISO I DO CPP. ALCANCE DA EXPRESSÃO SENTENÇA CONDENATÓRIA CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM A PRECARIEDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO.
I - A fundamentação baseada apenas na fragilidade das provas produzidas não autoriza o e. Tribunal a quo a proferir juízo absolutório, em sede de revisão criminal, pois esta situação não se identifica com o alcance do disposto no art. 621, inciso I do CPP que exige a demonstração de que a condenação não se fundou em uma única prova sequer, daí ser, portanto, contrária à evidencia dos autos.(Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso) II - Esta Corte, a propósito, já firmou orientação no sentido de que: "A expressão"contra a evidência dos autos"não autoriza a absolvição por insuficiência ou precariedade da prova." (REsp 699773/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 16/05/2005). III - Assim, uma vez verificado constar no voto condutor do reprochado acórdão que a absolvição ali determinada fundava-se na fragilidade do conjunto probatório, imperioso reconhecer-se a ofensa ao art.621, inciso I do CPP. Recurso especial provido
Inciso II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos.
Este inciso consagra uma situação típica de caso judicial penalmente viciado, isto é, traz a hipótese de uma situação em que a decisão se funda em um caso penal que está contaminado, porque tomou como base depoimentos, exames ou documentos falsos.
Frise-se que o vício é de natureza penal, haja vista que essas falsidades constituem crimes autônomos.
É importante ressaltar que o legislador brasileiro utilizou a expressão “comprovadamente falsos”, dando maior flexibilidade, isso porque não exige que o crime de falsidade tenha sido criminalmente punido. “Claro que se isto tiver ocorrido, maior probabilidade de êxito terá a revisão” (LOPES JÚNIOR, 2011, P. 619).
Ademais, a falsidade completamente periférica e irrelevante em termos probatórios não vai justificar a revisão criminal. Ou seja, deve haver demonstração do nexo causal entre a sentença condenatória e a falsidade. Em outras palavras, é preciso que se demonstre que a prova falsa serviu de fundamento para a sentença condenatória. Basta, portanto, que a prova falsa tenha relevância no julgamento do caso penal para que a revisão criminal seja acolhida.
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Cabe o registro de que devemos considerar novas provas não somente aquelas provas desconhecidas e que surgiram depois do processo. Ao contrário, torna-se imprescindível uma interpretação ampla, no sentido de que também são provas novas aquelas preexistentes, não introduzidas no processo, ou mesmo aquelas que ingressaram nos autos, mas não foram devidamente valoradas.
Frise-se, ainda, que a prova nova não precisa estar apta a provocar a absolvição do acusado, mas, tão somente, deve haver a possibilidade de ela influir na redução da pena aplicada. Somente desta forma será possível o ingresso com a revisão criminal.
2.3. Legitimidade
Conforme já foi mencionado neste trabalho, somente a defesa é titular do direito potestativo à revisão criminal da decisão judicial.
Com efeito, o art. 623 do Código de Processo Penal dispõe que tem legitimidade ativa para promover a revisão criminal o próprio réu, por si ou por procurador legalmente habilitado, ou, em caso de morte do condenado, seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, independentemente de ordem de nomeação.
Frise-se que, à luz da nova concepção de família trazida pela Constituição Federal de 1988, que reconhece a União Estável com entidade familiar, merecedora, portanto, de proteção (art. 226, §3º, CF), também estão legitimados à revisão criminal o companheiro ou companheira. Logo, embora a enumeração do art. 623 do Código de Processo Penal seja taxativa, deve-se dar interpretação ampla ao termo “cônjuge”.
Diante dos termos da lei, discute-se se o Ministério Público possui legitimação ativa em benefício do acusado. A doutrina e jurisprudência não são unânimes.
Grande parte da doutrina entende não estar o Ministério Público legitimado à ação de revisão. Nesse sentido, Aury Lopes Júnior (2011, pp. 621-622) argumenta:
(...) pensamos ser uma patologia processual. (...) Não vislumbramos como possa uma parte artificialmente criada para ser o contraditor natural do sujeito passivo (...), ter legitimidade para a ação de revisão criminal, a favor do réu, para desconstituir uma sentença penal condenatória que somente se produziu porque houve uma acusação (levada a cabo pelo mesmo Ministério Público, uno e indivisível). Não é necessário maior esforço para ver a manifesta ilegitimidade do Ministério Público. Ainda que se argumente em torno da miserável condição econômica do réu, nada justifica.
Todavia, há posições mais abertas, a exemplo de Tourinho Filho, no sentido de que o posicionamento do Ministério Público no processo penal brasileiro, como parte parcial que é, mas também como órgão da justiça e fiscal da lei, investido frequentemente de poderes defensivos, também o torna legítimo à revisão criminal em favor do réu.
Segundo Ada Pellegrini Grinover et al (2009, p. 243):
O problema seria também de interesse processual do parquet à ação de revisão em favor do réu, mas, como já se admite seu interesse no recurso para beneficiar a defesa e no habeas corpus, não há porque negar o mesmo interesse em obter uma sentença justa pela via revisional.
O Supremo Tribunal Federal, no RO em HC 80.796-8-SP, 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 10/08/2001, RT 795/524, assim se manifestou:
O Estado-acusador, ou seja, o Ministério Público, não tem legitimidade para formalizar a revisão criminal, pouco importando haver emprestado ao pedido o rótulo de habeas corpus, presente o fato de a sentença já ter transitado em julgado há mais de quatro anos da impetração e a circunstância de haver-se arguido a competência da Justiça Federal, e não da Justiça Estadual, sendo requerente o Procurador da República”
Em suma, o que prevalece é que o Ministério Público não é parte legítima para requerer a revisão criminal. Poderá impetrar habeas corpus. Revisão, não. Isso porque, não se deve “sacrificar o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo, legitimando que o acusador o defenda...” (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 622).
Ainda sobre a capacidade postulatória do réu, a título de esclarecimento, é preciso colacionar a seguinte jurisprudência, in vebis:
Pode a defensoria pública requerer revisão criminal quando nomeada ou legitimada pela vontade do réu, em nosso sistema processual penal, não se estendendo a nomeação de defensor dativo para a ação penal à rescisão da sentença condenatória (grifo nosso, STJ, HC 13.118-MS, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 19/02/2001, RT 789/567).
Outra observação importante acerca da legitimidade é a de que a Constituição de 1891, no §1º do art. 81, permitia que “qualquer do povo” promovesse a revisão criminal. O sistema brasileiro atual, porém, não trata da matéria, ou seja, não legitima mais à revisão criminal “qualquer do povo”.
No tocante à legitimação passiva, na ação de revisão criminal o legitimado passivo é o Estado, representado pelo Ministério Público, sendo certo que, no ordenamento jurídico brasileiro, não se prevê, na revisão, a assistência do ofendido. “Trata-se de grande omissão do Código, porquanto o resultado da revisão pode afetar juridicamente a vítima, inclusive quanto a seus interesses civis.” (GRINOVER, 2009, p. 243)
2.4. Interesse de agir: a existência de coisa julgada
O interesse de agir (interesse-necessidade) caracteriza-se, na ação de revisão, pela existência de coisa julgada. “Somente quando a sentença condenatória já estiver ao abrigo dos recursos ordinários e extraordinários é que surge para o condenado a necessidade de utilização da revisão para rescindi-la.” (GRINOVER, 2009, p. 243).
Indaga-se: cabe revisão criminal contra sentença de juiz de primeira instância com trânsito em julgado?
Como é sabido, os recursos extraordinários pressupõe o prévio esgotamento do questionamento da matéria nas instâncias inferiores, sendo, neste caso, exigido o pré-questionamento. No que se refere à revisão criminal, todavia, não é necessário o pré-questionamento. Desse modo, mesmo diante da decisão de um juiz de primeira instância, é plenamente cabível a revisão criminal. Logo, a resposta à supra referida indagação só pode ser positiva.
É importante destacar que a revisão criminal somente é cabível contra sentença condenatória ou absolutória imprópria, mesmo após o cumprimento da pena.
Há situações em que o requerente tem interesse de agir, ou seja, existe utilidade de cassar a sentença para obter resultado mais favorável, porém o pedido esbarra na impossibilidade jurídica. São exemplos: a) revisão criminal contra sentença absolutória, para mudar sua fundamentação; b) revisão da sentença que declara extinta a punibilidade antes da sentença. Tais casos merecem análise a seguir.
Pois bem, no sistema brasileiro, não cabe pedido de revisão de sentença absolutória, para modificar a fundamentação da absolvição.
Para tanto, de fato, haveria interesse de agir, não só pelos efeitos patrimoniais diversos que da sentença podem decorrer, mas também pelos diferentes reflexos na dignidade do acusado, que tem o reconhecimento de um motivo em vez do outro. Porém, o art. 621 do Código de Processo Penal torna juridicamente impossível o pedido de modificação da fundamentação da absolvição, pela via da revisão.
Inclusive, a jurisprudência é firme quanto a descabimento da revisão para atacar o fundamento da sentença absolutória. São exemplos: RT 578/353 e JTACrimSP 75/41; TJSAP, RvCr 321.904-3/8, 2ª Câm., rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, RT 811/600; TACrimSP, ver. 416.950/5, 7º Grupo, rel. Juiz Teodomiro Méndez, Boletim IBCCrim 128/720; TJMSP, RT 844/709. (GRINOVER, 2009, p. 246).
Ademais, conforme já foi dito acima, é possível o pedido revisional após a extinção da pena (art. 622 do CPP). Todavia, a revisão criminal é impossível após a extinção da punibilidade anterior à sentença.
Ocorre que, se a extinção da punibilidade do autor se dá depois da sentença, como, por exemplo, quando o condenado é beneficiado pela anistia, graça ou indulto, possível se torna o pedido de revisão.
Porém, se ocorrer extinção da punibilidade antes da sentença, como, por exemplo, morte ou prescrição, não caberá revisão dessa sentença em virtude da impossibilidade jurídica do pedido (não há sentença condenatória), embora possa haver interesse do réu em ver plenamente restaurada sua dignidade pela via da absolvição.
Indaga-se: Nos casos de prescrição, é sempre incabível a revisão criminal? A resposta é negativa. Em se tratando de prescrição da pretensão punitiva abstrata, não terá havido o trânsito em julgado, nesse caso, pois, não é cabível a revisão criminal. Contudo, se o caso for de prescrição da pretensão executória, em que terá havido o trânsito em julgado, será cabível revisão criminal.
Outro ponto relevante a ser destacado diz respeito à possibilidade de revisão criminal de veredicto do júri.
Durante algum tempo, discutiu-se se o princípio constitucional da soberania das decisões do Tribunal do Júri impediria a revisão da sentença condenatória proferida pelos jurados. Tal discussão não encontra guarida nos dias atuais, haja vista que hoje não resta dúvida que a soberania dos veredictos é preceito estabelecido como garantia do acusado, podendo ceder diante de norma que visa exatamente garantir os direitos de defesa e a própria liberdade.
Em outras palavras, como bem afirmou Frederico Marques apud Tourinho Filho (2009, p. 925): “a soberania dos veredictos não pode ser atingida, enquanto preceito para garantir a liberdade do réu. Mas, se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, atentado algum se comete contra o texto constitucional.”
Logo, se a finalidade da soberania das decisões do Tribunal do Júri é resguardar o direito de liberdade do réu, absurdo seria manter a intangibilidade dessa decisão quando se demonstra que o júri o condenou equivocadamente.
Portanto, é possível revisão criminal contra decisões do júri, não havendo nenhuma incompatibilidade em razão da soberania dos veredictos. Tanto a revisão criminal quanto a soberania dos veredictos são garantias instituídas em prol da liberdade do acusado.
Há quem afirme (a exemplo de Guilherme Nucci, Jorge A. Romeiro, Adalberto José de Camargo Aranha, dentre outros) que ao Tribunal competiria apenas o juízo rescindente (judicium rescindens), com cassação da sentença e encaminhamento dos autos à primeira instância para que o acusado se submeta a um novo júri que proferirá outro veredicto. Porém, prevalece corrente oposta, segundo a qual o tribunal de segundo grau é também competente para o juízo rescisório (judicium rescissorium).
Com efeito, no julgamento do HC 19.419-DF, a 5ª Turma do STJ, rel. Min. Jorge Scartezzini, entendeu que “o deferimento da revisão criminal implica que o mérito da ação seja apreciado, novamente, pelo Tribunal Popular, não podendo o Tribunal ad quem decidir a questão, sob pena de violação à soberania dos veredictos, assegurada constitucionalmente” (RT 811/557).
Frise-se, ainda, que, embora não expressamente prevista na Lei 9.099/95, a revisão criminal também é admissível para reparar eventual erro judiciário contido em decisão condenatória proferida pelos Juizados Especiais Criminais, isso porque referida lei excluiu o cabimento da ação rescisória nas pequenas causas cíveis e não fez o mesmo na sua parte criminal, ou seja, de maneira implícita, a recebeu.
Por fim, quanto à possibilidade de novo pedido revisional, o parágrafo único do art. 622 do Código de Processo Penal aduz que “não será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas”, isto significa que: a) o impedimento à reiteração do pedido opera só quando houver mesmas partes, mesmo pedido e causa de pedir); b) mesmo no caso de tríplice identidade e, consequentemente, de verdadeira reiteração do pedido, a revisão caberá,se fundada em novas provas.
Logo, em última análise, a restrição contida no parágrafo único retromencionado deve ser vista com cuidado, pois o que não se admite é uma repetição da mesma ação, ou seja, o mesmo réu, fazendo o mesmo pedido de revisão do mesmo caso penal. Assim, onde houver uma alteração em torno destes elementos, estaremos diante de uma nova ação, sendo incabível a restrição contida no parágrafo único. E, da mesma forma, não se aplica a restrição quando o pedido estiver fundado em novas provas.
2.5. Prazo
A revisão criminal pode ser requerida a qualquer tempo, esteja o réu cumprindo pena, tenha esta sido cumprida, ocorrida ou não a extinção da punibilidade, tenha ele morrido. Não há prazo, até porque o propósito da revisão criminal não é apenas evitar o cumprimento de uma pena imposta injustamente, mas, primordialmente, o de corrigir uma injustiça, restaurando-se, assim, com a rescisão do julgado, a dignidade do condenado.
Com efeito, o art. 622 do Código de Processo Penal dispõe: “a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após.”
Portanto, não há prazo para a interposição da revisão criminal.
2.6. Competência
A competência para o julgamento da revisão criminal é sempre dos tribunais, mais especificadamente, do próprio tribunal que proferiu a última decisão naquele processo, mas sempre por outro órgão.
Assim, compete ao STF rever, em benefício dos condenados, as decisões criminais em processos findos, quando a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de ação penal originária ou recurso criminal ordinário.
Se a condenação foi proferida pelo STJ, em causas criminais da sua competência originária (art. 105, inciso I, da Constituição Federal) competir-lhe-ão o processo e julgamento da revisão criminal.
Caso a decisão condenatória seja proferida pelo TRF em única ou última instancia, caber-lhe-á julgar a revisão criminal dos seus julgados (art. 108, inciso I, alínea b, da Constituição Federal).
Nos demais casos, compete aos Tribunais de Justiça apreciar a revisão criminal, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar Federal e da Justiça Militar Estadual (onde houver órgão de segundo grau dessa Justiça). Entretanto, nos Estados onde houver Tribunal de Alçada, a exemplo de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, caber-lhe-ão o processo e julgamento da revisão nas causas de sua competência recursal.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o processo e julgamento da revisão, nas causas de competência originária ratione personae do Tribunal de Justiça, são da competência exclusiva do Plenário. Nos demais casos, sendo sua competência recursal, o processo e o julgamento da revisão são dos Grupos de Câmaras, que decidirão por maioria de votos, prevalecendo, em caso de empate, a decisão mais favorável ao réu.
Nas hipóteses de a decisão objeto da revisão for de Turma Recursal, uma vez que o STF já reconheceu a competência do Tribunal de Justiça para conhecer de habeas corpus contra ato de Turma Recursal, a competência será sua também para conhecer da revisão.
Por fim, tratando-se de Juizado Especial Criminal Federal, a competência deve ser do Tribunal Regional Federal a que estiver vinculada a Turma Recursal.
Com efeito, vejamos o que dispõe o art. 624 do Código de Processo Penal:
Art. 624. As revisões criminais serão processadas e julgadas:
I - pelo Supremo Tribunal Federal, quanto às condenações por ele proferidas;
II - pelo Tribunal Federal de Recursos, Tribunais de Justiça ou de Alçada, nos demais casos.
§ 1o No Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Federal de Recursos o processo e julgamento obedecerão ao que for estabelecido no respectivo regimento interno.
§ 2o Nos Tribunais de Justiça ou de Alçada, o julgamento será efetuado pelas câmaras ou turmas criminais, reunidas em sessão conjunta, quando houver mais de uma, e, no caso contrário, pelo tribunal pleno.
§ 3o Nos tribunais onde houver quatro ou mais câmaras ou turmas criminais, poderão ser constituídos dois ou mais grupos de câmaras ou turmas para o julgamento de revisão, obedecido o que for estabelecido no respectivo regimento interno.
Frise que, nesta matéria, é fundamental consultar o Regimento Interno do respectivo tribunal, pois lá também se encontram regras da organização interna que dizem respeito à competência.
Em todo e qualquer caso, a revisão criminal não poderá ter como relator a mesma pessoa que anteriormente tenha atuado no julgamento da apelação ou outro recurso. Essa é a exegese que se extrai do art. 625 do Código de Processo Penal, segundo o qual:
Art. 625. O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo.
§ 1o O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos argüidos.
§ 2o O relator poderá determinar que se apensem os autos originais, se daí não advier dificuldade à execução normal da sentença.
§ 3o Se o relator julgar insuficientemente instruído o pedido e inconveniente ao interesse da justiça que se apensem os autos originais, indeferi-lo-á in limine, dando recurso para as câmaras reunidas ou para o tribunal, conforme o caso (art. 624, parágrafo único).
§ 4o Interposto o recurso por petição e independentemente de termo, o relator apresentará o processo em mesa para o julgamento e o relatará, sem tomar parte na discussão.
§ 5o Se o requerimento não for indeferido in limine, abrir-se-á vista dos autos ao procurador-geral, que dará parecer no prazo de dez dias. Em seguida, examinados os autos, sucessivamente, em igual prazo, pelo relator e revisor, julgar-se-á o pedido na sessão que o presidente designar.
Cumpre observar que não há que se falar em “efeito devolutivo ou suspensivo”, pois revisão criminal não é recurso. Por óbvio, estando o réu em liberdade, não é necessário recolher-se à prisão para ingressar com a revisão. Inclusive, existe a Súmula 393 do STF nesse sentido: “para requerer a revisão criminal, o condenado não é obrigado a recolher-se à prisão.”
Ademais, em situações excepcionais, estando o réu preso e sendo fortes os elementos contidos na inicial, poderá o relator conceder habeas corpus de ofício (art. 654, §2º do CPP), para que o condenado aguarde em liberdade o julgamento da revisão criminal.
Outrossim, também já se admitiu a conversão de habeas corpus em revisão criminal, na medida em que o writ pretendia desconstituir uma sentença transitada em julgado e existia uma cognição ampla, que excedia os limites do habeas corpus.
Nesse diapasão, encontramos o Resp nº 158.028, Rel. Min. Luiz Vicente Cenicchiaro, julgamento 19/03/98, segundo o qual:
EMENTA
RESP - PROCESSUAL PENAL - "HABEAS CORPUS" - REVISÃO CRIMINAL – A fungibilidade dos recursos é admissível. Resulta da natureza instrumental do processo. Nada impede, outrossim, uma ação ser acolhida como outra. O "habeas corpus" é ação constitucionalizada: visa a fazer cessar, ou impedir que ocorra ofensa ao direito de liberdade. A revisão criminal também é ação, não obstante a colação no CPP.
2.7. Procedimento
No que toca ao procedimento da revisão criminal, a pessoa legitimada encaminhará ao Presidente do Tribunal competente requerimento, devidamente assinado, em que se deduzirá, com clareza, a pretensão, instruindo-o com a certidão da sentença penal condenatória que se pretende revisar, com a nota de haver transitado em julgado, bem como com os documentos comprobatórios dos fatos alegados.
Encaminhado o requerimento ao Presidente do Tribunal, poderá este ou o Relator designado indeferir liminarmente o pedido. O indeferimento liminar poderá ocorrer em quatro situações: 1) se o pedido não estiver suficientemente instruído, a critério do prolator do despacho; 2) se constituir reiteração de outro pedido, com os mesmos fundamentos e sem novas provas; 3) se o pedido não se amoldar às exigências dos arts. 621 ou 626 do CPP; e 4) se, por acaso, houver necessidade do apensamento dos autos originais e essa providência for inconveniente ao interesse da Justiça.
Caso o Presidente não indefira o requerimento, será aberta vista dos autos ao órgão do Ministério Público que atuar perante o Tribunal revidendo, pelo prazo de 10 dias.
Não há oitiva do ofendido, mesmo porque não existe previsão no Código de Processo Penal.
Após a manifestação do Ministério Público, retornando os autos, serão eles remetidos ao relator, que lançará relatório no prazo de 10 dias e, em seguida, dentro do mesmo prazo, o revisor analisará, o qual pedirá dia para o julgamento.
Cabe ressaltar que se o pedido for indeferido liminarmente, o despacho negativo enseja a interposição de agravo regimental (art. 625, §3º, do CPP), que será dirigido ao próprio prolator do despacho agravado. Recebendo-o, ou há retratação por parte do prolator, ou será submetido à apreciação do órgão competente que julgar a revisão, podendo, ou não, conforme dispuser o Regimento, ser-lhe computado o voto.
Pois bem, não havendo indeferimento in limine, ou se desfeito por meio do agravo regimental, o Tribunal passará a apreciar o pedido.
No ordenamento jurídico pátrio, o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito, no processo de revisão criminal, cabem ao mesmo órgão. Ou seja, o mesmo Tribunal julga admissível o pedido e analisa o mérito da causa.
Acolhida a revisão criminal, ou seja, julgada procedente, o Tribunal poderá “alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.” (art. 626 do CPP).
E mais: “de qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista” (parágrafo único do art. 626 do CPP).
Outrossim, o art. 627 do CPP aduz que “a absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação, devendo o tribunal, se for caso, impor a medida de segurança cabível”
Frise-se que há expressamente a vedação, no parágrafo único do art. 626 do CPP, da reformatio in pejus, de modo que em nenhuma hipótese poderá ser agravada a situação jurídica do autor.
Ademais, considerando que a revisão criminal é uma ação de impugnação de caráter excepcional, somente admissível em favor do réu, nada impede que se produza uma decisão ultra petita. Assim, por exemplo, o Tribunal pode absolver o réu, ainda que o pedido tenha sido de anulação do processo ou apenas uma diminuição da pena.
Segundo Aury Lopes Júnior (2011, p. 625):
Quando a decisão for de anulação, o feito com defeito deverá ser refeito, de modo que o processo (a extensão dependerá da contaminação) terá nova tramitação e decisão. Não poderá, esta nova decisão, ser mais grave que a anterior, sob pena de constituir uma reformatio in pejus indireta. (...) Por ‘alterar a classificação da infração’ entenda-se a aplicação do art. 383 do CPP, ou seja, emendatio libelli, uma mera correção da tipificação legal desde que não seja prejudicial à defesa (...). Situação mais complexa diz respeito à mutatio libelli, art. 384 do CPP, na medida em que implicaria alteração na situação fática contida na acusação. (...) estamos revisando nossa posição, no sentido da impossibilidade de aplicação da mutatio libelli em sede de revisão criminal.
Nesse sentido, é a Súmula 453 do STF, in verbis:
Aplicabilidade à Segunda Instância - Possibilidade de Nova Definição Jurídica a Fato Delituoso - Circunstância Elementar na Denúncia ou Queixa
Não se aplicam à segunda instância o Art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa.
Denegado o pedido de revisão, por sua vez, poderá o condenado interpor embargos declaratórios, recurso especial e extraordinário, se cabíveis. Porém, em caso de decisão denegatória não unânime, não poderá interpor embargos infringentes, pois estes somente têm cabimento nas decisões não unânimes proferidas no julgamento de apelação e recurso em sentido estrito.
Por derradeiro, se houver pedido expresso na revisão criminal, o tribunal, acolhendo-a, poderá reconhecer o direito a uma indenização pelos prejuízos sofridos, conforme o disposto no art. 630 do CPP, segundo o qual:
Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1o Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2o A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.
Como se vê, a responsabilidade do Estado é objetiva, conforme estabelece o art. 37, §6º, da Constituição Federal, sendo indenizável o erro judiciário, como estabelece o art. 5º, inciso LXXV, da Carta Magna.
É importante destacar que o §2ª do art. 630 não foi recepcionado pela Lei Maior. Assim, o condenado fará jus a uma indenização, pouco importando tenha o processo se iniciado por denúncia (ação penal pública) ou queixa (ação penal privada). “O fato de a ação penal ser de iniciativa privada não exime a responsabilidade do Estado, pois o ato danoso é a decisão proferida pelo juiz, ou seja, a responsabilidade decorre não da acusação, mas pelo julgamento errôneo.” (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 627).
3. CONCLUSÃO
A pressa ou falta de diligência na realização das audiências criminais, a falta de cuidado por parte do órgão julgador na colheita do material probatório, a desídia e falta de perspicácia das partes envolvidas no litígio, a instrução processual mal feita, enfim a falsidade dos meios de prova, tudo são fatores que levam o magistrado a proferir uma sentença manifestamente injusta.
Como visto, o remédio para tal situação é a revisão criminal examinada neste trabalho. Esta, conforme se constatou, serve ao desfazimento da coisa julgada material ou formal, quer por motivos de invalidade, quer por motivos de injustiça. É, pois, meio processual de extrema importância, que relativiza o valor da segurança jurídica, previsto constitucionalmente em razão da imutabilidade da coisa julgada, em nome do valor justiça. Instrumento nobre, portanto, válvula de segurança para as condenações iníquas.
4. REFERÊNCIAS
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Volume 3. 8ª ed., - Salvador: Jus Podivm, 2010.
FEITOZA, Denilson. Reforma processual penal: Leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008: uma abordagem sistêmica. – Niterói, RJ: Impetus, 2008.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Provas – Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (org.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 246-297.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais/Ada Pellegrini, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes. – 6ª. ed. rev., atual., e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume II. 5ª. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
NETO, Arthur da Mota Trigueiros; MOTEIRO, Marcelo Valdir. Comentários às recentes reformas do Código de Processo Penal e legislação extravagante completa. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2009.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
__________, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado (arts. 1º a 393) – 13. ed. rev. atual., - São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1.
[1]Aquela em que se aplica medida de segurança ao réu inimputável, que inegavelmente possui um caráter “condenatório”. Isso porque, a situação gerada pela medida de segurança é, em geral, mais grave do que a daquele réu submetido à pena privativa de liberdade, em virtude da situação de incerteza e indeterminação que a medida causa. Além disso, não existe progressão de regime, trabalho externo etc. (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 615).
[2] Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
[3]Art. 625. O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo.
§ 1o O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos argüidos.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Sergipe; Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BISPO, Márcia Margareth Santos. A revisão criminal no processo penal brasileiro: aspectos relevantes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2012, 12:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28543/a-revisao-criminal-no-processo-penal-brasileiro-aspectos-relevantes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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