Sumário: 1 – Resumo 2 – Introdução 3 – Do tratamento constitucional do assunto 4 – O que dispõe a lei 12.351/2010? 5 – As disposições são compatíveis? 6 – Conclusões 7 - Referências Bibliográficas.
A descoberta de novas jazidas petrolíferas no litoral brasileiro trouxe à tona a necessidade de nova regulamentação visto que a existente apenas contemplava as jazidas pós-sal, e àquelas, por possuírem peculiaridades, carecem de uma regulamentação condizente com as tais.
Objetiva-se com o presente estudo analisar a compatibilidade da Lei 12.351/2010, que regula a forma de exploração na camada pré–sal, e a Constituição Federal.
PALAVRA CHAVES: PETRÓLEO – PRÉ-SAL – LEI 12351/2010 – CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – COMPATIBLIDADE – CONCESSÃO/AUTORIZAÇÃO X PARTILHA
É crescente o consumo mundial do petróleo, principalmente devido à industrialização e ao desenvolvimento mundial baseado neste recurso mineral. Assim o petróleo se torna o ‘ouro negro’ dos tempos modernos.
Embora a sua relevância se torne cada vez maior, trata-se de um recurso mineral não renovável e finito, de modo que se faz necessário a busca por meios alternativos.
Dada a incessante necessidade deste recurso, a pesquisa em busca da descoberta de novas jazidas é crescente, incluído o desenvolvimento de alta tecnologia nesta busca.
Atentando ao contexto pátrio, o ciclo do petróleo brasileiro iniciou-se no final do século XIX, quando ocorreram as primeiras buscas no subsolo. O Brasil é hoje uma grande potência na extração e produção de petróleo, principalmente na plataforma continental, em virtude das descobertas recentes sob o potencial de produção nas jazidas do pré-sal.
Embora tal exploração seja de alto custo, a rentabilidade do mesmo é muito grande haja vista a importância de tal produto tanto no mercado interno quanto no mercado internacional.
As jazidas petrolíferas, bem como todas as riquezas do subsolo são de propriedade da União, nos termos do artigo 176 da Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB/88, de modo que para que haja a sua exploração/pesquisa faz-se necessária prévia autorização da União. Além desta autorização, em virtude desta exploração, o explorador deve fazer o pagamento de contraprestações financeiras como forma de ‘indenizar’ a sociedade pela utilização de tais recursos.
A descoberta das jazidas petrolíferas na camada pré-sal promovem um ruptura na concepção outrora estabelecida pela legislação que regula a extração nas camadas pós-sal. Tal descoberta ensejou a criação da lei 12.351/2010, a qual regulamenta a extração nas jazidas pré-sal.
Contudo a lei supracitada cria um novo modelo de exploração, modelo este não elencado no rol do artigo 176 da CRFB/88, logo surge o questionamento: É possível que lei infraconstitucional modifique os ditames da lei maior do Estado?
Diante de tal questionamento pretende-se analisar com o presente estudo os impactos da introdução da lei 12.351/2010 na estabilidade jurídica brasileira.
3.1 – Da propriedade
É de longa data que a legislação brasileira faz distinção entre a propriedade do solo e a do subsolo, de modo que tal concepção fora avançando ao logo dos tempos vindo a ser disciplinada de igual forma na Constituição de 1988, assim assevera o artigo 176 da CRFB/88:
“Art. 176 - As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. [grifei]
Logo se conclui claramente que o constituinte considera solo e subsolo como partes distintas, e, por conseguinte a propriedade de tais é distinta.
3.2 – Da Forma de Exploração
Ao tratar da forma de exploração o constituinte assevera que a pesquisa e a lavra de recursos minerais SOMENTE poderão ser efetuadas mediante autorização ou concessão da União, conforme o disposto no §1º do artigo 176:
§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, [...]. [grifei]
3.3 – Autorização e Concessão: definição.
Como já salientado anteriormente são de propriedade da União as jazidas, recursos minerais e potenciais hidráulicos e por tal motivo compete a este a gestão de tais bens.
Tanto pessoas de direito público como de direito privado podem utilizar os bens públicos, observando, no entanto a natureza do bem, qual seja de uso especial ou uso comum.
Como ensina José dos Santos Carvalho Filho, existem duas formas de uso dos bens públicos: o uso comum e o uso especial, de modo que:
“Uso comum é a utilização de um bem público pelos membros da coletividade sem que haja discriminação entre os usuários, nem consentimento estatal específico para esse fim [...] São bens que pela sua própria natureza são destinados a utilização coletiva. Já o uso especial é a forma de utilização de bens públicos em que o individuo se sujeita a regras especificas e consentimento estatal, ou se submete à incidência da obrigação de pagar pelo uso.”[1]
Neste sentido assevera o artigo 103 do Código Civil que “O uso comum dos bens público podem ser gratuitos ou retribuídos, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem”.
Embora o texto legal fale em uso comum, devemos interpretá-lo como um tipo de uso especial, tendo em vista que quando este uso é retribuído ou mediante a limitações administrativas deixa de ter o caráter de livre uso.
Diante de tal conceituação entendemos que as jazida petrolíferas e demais recursos minerais são bens públicos de uso especial, visto que possuem destinação constitucionalmente pública e o seu uso de dá mediante retribuição a poder público.
Para que haja a exploração dos bens públicos de natureza especial é necessário que a Administração pública mediante instrumento jurídico específico determine tal exploração.
No que tange a exploração petrolífera, bem como dos demais recursos minerais, o constituinte afirma no artigo 176, §1º da CRFB/88[2] que os instrumentos jurídicos para a exploração se darão SOMENTE por concessão ou autorização.
José dos Santos Carvalho Filho define autorização do uso de bem público como sendo “ato administrativo pelo qual o Poder Público consente que determinado indivíduo utilize bem público de modo privativo, atendendo primordialmente a seu próprio interesse.”[3]
Neste sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que autorização “é o ato administrativo unilateral e discricionário, pelo qual a Administração consente, a título precário que o particular se utilize de bem público com exclusividade”[4]
Verifica-se que em tal ato administrativo é prevalente o interesse privado do autorizatário.
No que tange a concessão ensina José dos Santos Carvalho Filho que concessão de uso de bem público é “O contrato administrativo pelo qual o Poder Público confere a pessoa determinada o uso privativo de bem público, independentemente do maior ou menor interesse público da pessoa concedente ”[5]
Já Maria Sylvia Zanella afirma que concessão é “o contrato administrativo pelo qual a Administração faculta ao particular a utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação”. [6]
Diante de tal definição, não comungamos com o entendimento do douto professor Alexandre de Moraes, que a exploração da atividade no campo petrolífero é uma novo regime jurídico:
“[...] concessão de petróleo não corresponde a concessão de serviço público, uma vez que, a Administração Pública não delegou a outrem a execução de um serviço público, mas sim, a possibilidade de exploração de um bem que é público. Dessa forma, trata-se de concessão de exploração de bem público. Assim, estabeleceu-se um novo regime jurídico para concessões, visando a exploração da atividade econômica no campo petrolífero, cujas normas legais apresentam algum distanciamento das regras gerais estabelecidas para as concessões de serviço público.”[7]
Conforme ensina Raimundo Nonato Fernandes, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
“A concessão pode ser feita das seguintes modalidades: 1 – de exploração ou de simples uso, conforme seja, ou não conferido ao concessionário poder de gestão dominial, substituindo-se à Administração concedente; como por exemplos da primeira, o autor indica as concessões de minas”[8].
Deste modo entendemos que a concessão para exploração dos campos petrolíferos é uma modalidade de concessão de uso haja vista que o uso também engloba a exploração, portanto não podendo se falar em um novo regime jurídico diverso.
3.4 – Modelo de exploração empregado
Embora fosse possível a autorização do uso como forma de exploração, entendeu o legislador que a melhor forma de exploração das jazidas de petróleo seria mediante contrato de concessão, conforme a redação original do artigo 23 Lei 9478/1997:
“Art. 23. As atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta Lei.” (grifei)
A lei 12.351/2010 inova no ordenamento jurídico criando uma nova forma de exploração: a partilha.
Segundo disciplina a lei partilha em seu artigo 2º, partilha é:
Art. 2º- [...]
I - regime de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato. [grifei]
Portanto, a partilha é um novo tipo jurídico onde o Poder Público através de um contrato ficaria com parte do petróleo retirado depois de declarada a viabilidade comercial da jazida. Os riscos do empreendimento seriam suportados pelo contratado, e caso seja declarada a viabilidade de um poço, os custos e os investimentos realizados serão ressarcidos.
Segundo proposto pela teoria de Kelsen o ordenamento jurídico é um sistema de normas e estas se encontram em ordem hierárquica estando a Constituição no ápice desta pirâmide.
A Constituição Federal é, portanto a lei fundamental e suprema do Estado e rege a organização político-jurídica, de modo que também elenca os preceitos norteadores do Estado. Logo, todas as legislações infraconstitucionais devem ser confrontadas com a Constituição de modo a seguir os preceitos nela elencados.
A primeira parte do parágrafo §1º do artigo 176 da CRFB/88 assevera que a exploração dos recursos “somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União”. A partir deste fragmento é possível aferir que o constituinte originário ao legislar sobre a forma que se daria a exploração petrolífera previamente já estipulou os tipos de contratos que viriam a ser feitos.
Utilizando-se do sistema de interpretação hermenêutico-clássico[9] valendo-se da análise do elemento gramatical, vemos que há o emprego da palavra somente, que de acordo com o dicionário Aurélio significa “Adv. 1- Unicamente, exclusivamente, só. 2-Apenas, só”. Não obstante a análise de tal elemento, podemos nos valer do elemento sistemático[10] onde através de uma análise do sistema constitucional, constataremos que os instrumentos jurídicos delimitados pelo constituinte para a utilização do particular de bem públicos, são a concessão e a autorização.
Por sua vez, analisando a parte final do parágrafo em epígrafe:
“§1º - A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.” (grifo nosso)
Observamos que embora dúbia a redação, entendemos que o termo ‘na forma da lei’, não incumbiu o legislador derivado de criar novos instrumentos jurídicos, mas tão somente regular os que foram instituídos pelo legislador originário, qual seja a concessão e a autorização.
Logo, constatamos que o rol de formas de exploração, bem como da pesquisa é taxativo, e, portanto não permite que a legislação infraconstitucional o reduza ou amplie.
Não comungamos da ideia de que a interpretação deva se dar de maneira ampliativa, especialmente em consideração ao principio da segurança jurídica, uma vez que delimitada “as regras do jogo” pelo constituinte, a mera vontade do legislador derivado não pode ser tida como motivo legítimo para a livre a modificação do instrumento maior do Estado democrático Pátrio, principalmente, pois para tal há procedimentos específicos, para tal alteração.
Observando o atual texto constitucional, entendemos que a lei 12.321/2010 ao criar um novo instrumento jurídico para a exploração petrolífera afronta o disposto na Lei Maior do Estado Brasileiro, e, portanto apresenta uma inconstitucionalidade material, uma vez que em seu teor legisla além dos parâmetros constitucionais.
Logo, com base nos breves apontamentos citados anteriormente entendemos que para que haja a compatibilização, bem como a harmonização de tal diploma legislativo com o contexto constitucional faz-se necessária a modificação do texto constitucional, através de uma Emenda Constitucional, com o objetivo de viabilizar que tal lei regulamente este novo instrumento jurídico.
· DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23º Edição.2010. Editora Atlas S.A.
· CARVALHO. José dos Santos Filho. Manual de Direito Administrativo. 15 edição, revista, ampliada e atualizada. Lúmen júris Editora.2006
· PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6º Edição. Editora Método. 2010
· MARTINS, Daniela Couto. A regulação da Indústria do Petróleo Segundo o Modelo Constitucional Brasileiro. 1º edição. Editora Fórum. Minas Gerais. 2006.
· COSTA, Maria D’Assunção. Comentário à lei do Petróleo – Lei federal n 9.478 de 6-8-1997. 2º Edição Revista e Atualizada.Editora Atlhas. São Paulo. 2009
· FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
· MORAES, Alexandre de. Regime jurídico da concessão para exploração de petróleo e gás natural. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2426>. Acesso em: 2 abr. 2012.
· BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 2 abr. 2012
· Brasil. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Brasília: Senado Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 2 abr. 2012
· Lei 12.351/2010. Brasília. Senado Federal 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12351.htm>. Acesso em 2 abr 2012.
· Lei 9.478/1997. Brasilia: Senado Federal, 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9478compilado.htm>. Acesso em 2 abr. 2012
· Revista Consultor Jurídico, 2 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-dez-02/camara-aprova-novas-regras-distribuicao-royalties-petroleo> Acesso em 2 abr. 2012.
[1] -CARVALHO. José dos Santos Filho. Manual de Direito Administrativo. 15 edição, revista, ampliada e atualizada. Lúmen júris Editora. São Paulo. 2006 pág. 944/945
[2] Art. 176 § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
[3] CARVALHO. José dos Santos Filho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição, revista, ampliada e atualizada. Lúmen júris Editora. 2006 pág. 950
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23º Edição. 2010. Editora Atlas S.A. pág. 694
[5] CARVALHO. José dos Santos Filho. Manual de Direito Administrativo. 15 edição, revista, ampliada e atualizada. Lúmen júris Editora. 2006 pág. 953
[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23º Edição.2010. Editora Atlas S.A.pg 698
[7] MORAES, Alexandre de. Regime jurídico da concessão para exploração de petróleo e gás natural. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001
[8] - op. Cit pág. 699
[9] - LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13º edição. Editora Saraiva. São Paulo. 2009. Pág. 92
[10] - Op. Cit. p. 92
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário São Camilo/ ES; Estagiária do MPU.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Rejane Porcino. A compatibilidade jurídica da lei do pré-sal (12.351/2010) e o atual ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2012, 09:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28603/a-compatibilidade-juridica-da-lei-do-pre-sal-12-351-2010-e-o-atual-ordenamento-juridico. Acesso em: 23 dez 2024.
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