O instituto da progressão de regime tem como objetivo precípuo a aplicação da pena privativa de liberdade para os casos nos quais não haveria outra solução. Ela visa, portanto, tirar do convívio carcerário, pernicioso, corrupto e insalubre, condenados que ostentam condições de voltar ao convívio social, diminuindo a possibilidade de um criminoso de menor potencial ofensivo ter contato com criminosos de maior periculosidade e, assim, tornar-se mais violento, agressivo e por que não dizer, mais apto à reincidência criminal do que ao retorno ao trabalho.
Estima-se que 70% dos presos no Brasil sejam reincidentes e os criminosos habituais não encontram a menor possibilidade de recuperação no sistema carcerário brasileiro, como bem ressalta o professor Guaracy Moreira Filho:
“A experiência no trato com criminosos ensina que os reincidentes são, inegavelmente, menos redutíveis ao processo de ressocialização, haja vista que 70% dos mais de 360 mil presos no país são reincidentes. Mostra também que os denominados criminosos habituais são irrecuperáveis, jamais deixarão de cometer crimes, não apenas porque o Estado não lhes oferece condições de recuperação diante do modelo prisional existente, mas, principalmente, porque eles não querem. A pena, como dor, aflição e sofrimento em nada modifica seu instinto criminoso.”
Diante desse cenário, verificamos que a progressão de regime tem íntima relação não somente com a reincidência, mas com a eficácia do sistema prisional brasileiro. Nesta relação, ainda vemos espaço para que haja a discussão política de como recuperar o falido sistema carcerário brasileiro, direcionar os investimentos em novos presídios ou reforma dos já existentes. O que fica claro é que, pela absoluta desumanidade dos presídios brasileiros, o Poder Público preferiu tutelar o retorno antecipado do condenado menos perigoso do que recriar todo o sistema prisional. Isso gera, de fato, o retorno precoce de pessoas que cometeram crimes, aqui se incluindo agora, aqueles que cometeram crimes graves, ao convívio social, com os mesmos requisitos legais que os menos afortunados que cometeram crimes de menor repercussão na sociedade.
Esse retorno precoce, aliado ao preconceito que a sociedade brasileira tem pelo ex-condenado, novamente marginaliza aquele que sai da cadeia em busca de um recomeço. Hoje, é bem mais fácil ele voltar para o crime, agora muito mais preparado para isso, do que para o mercado de trabalho. Na brilhante ótica do professor Guaracy Moreira Filho, isso pode ser verificado pelo fato de que o ex-detento, ao sair da cadeia, recebe muito mais propostas de prática de crimes do que propostas de emprego. Na verdade, deveria haver uma conscientização, partindo do Poder Público, de que a população aceitasse melhor o ex-detento, evidentemente que assistido pelo Estado. Como bem exposto pelo ilustre doutrinador, o pensamento deveria ser no sentido de que:
Àqueles que não desejam se imiscuir com ex-detento em seu local de trabalho ou não desejam contratá-lo devido aos seus antecedentes, diríamos que é preferível suportá-lo perdendo um pouco do orgulho do que rejeitá-lo perdendo a vida.
Como regra, a progressão de regime, seja nos crimes hediondos ou não, representa na visão do criminoso, uma possibilidade de ficar menos tempo preso. Decorre disso que o preso se vê em duas situações antagônicas, mas intrinsecamente ligadas. A primeira diz respeito a ele ostentar um comportamento ora mais agressivo nas ruas, tendo em vista que ele sabe que ficará pouco tempo preso, e a segunda, de que, uma vez preso, o fato de ele ostentar bom comportamento carcerário e cumprir parte diminuta da pena, ele já estará habilitado a retornar ao convívio social e às ruas.
Todavia, esses mesmos cidadãos que se encontram nessa situação de marginalização são os que compõem a triste estatística da reincidência no Brasil. Em grande parte dos casos, o reincidente apresenta distúrbios psicossociais que fazem com que ele seja indiferente ao fato de ser condenado a uma pena privativa de liberdade. Ou seja, ao sair da prisão, o mesmo certamente vai se reencontrar com o crime, como bem descrito pelos professores Newton Fernandes e Valter Fernandes, que assinalam:
Habita, nesses delinquentes empedernidos, uma força compulsiva, um potencial explosivo, endógeno, liberado por um processo verdadeiramente mórbido. Eles são dotados de um poder irreversível de praticar o mal. Neles não existe qualquer traço de simpatia humana, não existe qualquer noção de dever para com a comunidade. O regramento social nada lhes diz.
E finalizam afirmando se tratarem de criminosos por tendência, forjados no vício, no crime e no cometimento do mal, nenhum impulso pode movê-los em direção ao bem. São portadores de manifesta periculosidade social e seus desvios, ou condutopatias, já foram sobejamente pesquisados e atestados pelos criminologistas.
A consequência disso é que a reincidência vai se tornando prática comum, pois, além dos fatores sociais e psicológicos envolvidos, vemos também uma ausência do Estado no que diz respeito ao acompanhamento dessas pessoas, que voltam ao convívio social de maneira precoce e sem o menor preparo. Ainda segundo os professores Newton Fernandes e Valter Fernandes, “retornando ao convívio comunitário, o ex-presidiário quedar-se-á desambientado, marginalizado, sem meios econômicos de sobrevivência e aliciado por antigos parceiros de crimes.”
Ou seja, de nada adianta o Estado buscar a ressocialização do ex-detento somente dando-lhe uma liberdade precoce, pois isso somente causa a falta da personalização da sua pena, um dos fatores de reincidência no Brasil, tendo em vista a discrepância entre o tratamento que o criminoso precisaria para receber para sua recuperação e aquele que lhe é de fato imposto.
Como consequência em médio e longo prazo, dessa realidade, vemos hoje o fruto que vem sendo plantado há gerações, que é o aumento da criminalidade impulsionado pelas múltiplas infrações cometidas por reincidentes.
A progressão de regime prisional está assentada no artigo 112 da Lei Federal nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), estabelecendo que a pena privativa de liberdade seja executada de forma progressiva, ou seja, inicia-se no regime mais rigoroso e progride para o menos rigoroso.
Para tal, estabelece dois requisitos fundamentais a serem cumpridos pelo preso, sendo o primeiro, o requisito objetivo, que estipula que a pena seja cumprida, no mínimo, por um sexto do que fora sentenciado. O segundo trata-se ao requisito subjetivo, que estipula que o preso deve ostentar bom comportamento carcerário, fato que deve ser comprovado através de atestado emitido pelo diretor do estabelecimento prisional no qual o preso cumpre sua pena.
Este mecanismo sofreu alteração pela Lei Federal 10.792/03, estabelecendo que progressão deva ser concedida por intermédio do cumprimento do requisito objetivo, mantendo os prazos da lei anterior, porém mudando a redação do critério subjetivo, não mais falando em mérito, mas condicionando a progressão ao atestado de boa conduta carcerária, exarado pelo diretor do estabelecimento prisional.
Em que pese o texto legal ter mudado, nossa posição é de que o requisito mérito ainda se faz presente, haja vista que a lei ainda fala em bom comportamento carcerário, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional. Esse instrumento, de certa forma, é uma tentativa de se prever se o sentenciado tende à reincidência ou não e o legislador entendeu que se o preso se comporta bem na prisão, ele tem sim, mérito para estar apto à progressão de regime.
Cumpre ressaltar, entretanto, que tal mudança legal visou facilitar a concessão da progressão de regime, de modo que a individualização da pena também fosse banalizada, conforme crítica do ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci que destaca:
É realidade que a Lei 10.792/2003, como já expusemos em item anterior, modificou o teor do art. 112 da Lei de Execução Penal, com a finalidade de banalizar o processo de individualização executória da pena, facilitando a passagem entre os regimes e permitindo o esvaziamento do cárcere (algo muito mais fácil do que construir presídios, certamente um elevado investimento de recursos).
Desta forma, a decisão sobre a progressão de regime do condenado, em última análise, deve ser do juiz da execução, devidamente motivada, conforme estabelecido no § 1º do artigo 112 da Lei Federal 7.210/84. Isso representa dizer que juiz pode negar a progressão, desde que fundamente sua decisão. Entretanto, não é isso que se tem visto ultimamente, pois devido à superlotação dos estabelecimentos prisionais e a necessidade cada vez maior de novas vagas, a tendência é de que se conceda a progressão quando o condenado alcançar o requisito objetivo, sendo o bom comportamento carcerário um requisito bem menos rigoroso do que deveria ser.
Servidor do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acadêmico do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo/SP. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Marcelo Mazella de. Aspectos Sociais, Psicológicos e Morais da Progressão de Regime Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2012, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29306/aspectos-sociais-psicologicos-e-morais-da-progressao-de-regime. Acesso em: 23 dez 2024.
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