Segundo o artigo 28 da Lei 11.343/2006, aquele que adquiri, guarda, tem em depósito, transporta, traz consigo drogas para consumo próprio é enquadrado como usuário e punido com penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Como podemos bem ver, no Brasil depois de muitos anos foi modificada a pena para o usuário de drogas, pois até então a Lei n.º 6.368/76 em seu artigo 16 punia o usuário com pena de detenção de 6 meses a 2 anos.
No Brasil mesmo através de campanhas como a “Marcha da Maconha” e da Comissão Latino-Americana Sobre Drogas e Democracia[1], tendo como um de seus membros o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, vem se discutindo sobre a liberação das drogas para consumo próprio.
Vemos que a intenção do legislador brasileiro dificilmente será esta, pois é uma medida muito brusca para nossas leis, o que percebemos é que o legislador amenizou sim as penas para o usuário por entender ser este um doente que precisa de tratamento, mas que mesmo assim comete uma infração penal, e não mais como criminoso suscetível de pena.
Apenas por argumentar, muito se falou se houve através da lei uma descriminalização do porte para consumo próprio através da lei n. 11.343/2006.
Não é este o entendimento de quem vos fala, muito menos da doutrina majoritária, pois não houve descriminalização e nem despenalização, pois a conduta do usuário ainda é punida, a própria Constituição Federal elencou como pena outras que não a de reclusão e detenção e o artigo 28 está presente no título dos crimes da referida lei.[2]
Há quem entenda que o Brasil está correto em manter como proibida a figura do uso de drogas, e alguns que nosso país está ultrapassado. Mas de que parâmetros podemos tirar essas conclusões? Do direito comparado.
Em decisão mais recente o Governo Mexicano aprovou a descriminalização da figura do usuário de drogas, ou seja, o porte para consumo pessoal, porém de
pequenas quantidades de drogas, tendo como objetivo focar a atividade policial/judiciária no combate ao tráfico de drogas.
O governo do México através de seu presidente, Felipe Calderón, foi efusivo em deixar bem claro através de entrevistas que não tem a mínima intenção de legalizar as drogas, pois esta ação seria ao ver do presidente mexicano, uma ação suicida.
O que vemos, portanto no México não é a legalização das drogas e sim a descriminalização da figura do usuário que por possuir pequenas quantidades de drogas não é punido, pois o poder judiciário mexicano visa combater o tráfico de drogas e entende ser este um crime de bagatela, sendo, portanto, a aplicação real do princípio da insignificância.
Segundo decisão, os usuários que forem encontrados com quantidades como cinco gramas de maconha, 50 miligramas de heroína, 500 miligramas de cocaína, 0,015 miligramas de LSD e 40 miligramas de metanfetamina, segundo a lei não serão processados.
Logo como vemos é a mais evidente forma de se atentar para um dos princípios primordiais do direito penal, o princípio da insignificância. Porém, esqueceram de um grande detalhe para a prática policial, pois deverá os agentes policiais mexicanos andar com uma balança em suas viaturas para verificar o peso das drogas apreendidas, sob pena de prender alguém de forma ilegal?
Conforme deixou claro a Procuradoria mexicana, esta nova legislação é uma forma de prevenir que policiais subornem pequenos consumidores (o que a meu ver não muda muito, pois se existe esta intenção o importante não é mudar a lei e sim punir os agentes) e incentivar os usuários que se tornam muito das vezes viciados, a procurar tratamento.
O que nos faz voltar a falar de nossa legislação sobre drogas, pois a nova lei mexicana deixa evidente a nova sistemática mundial com relação a drogas. Primeiro aplica-se uma medida mais branda e aos poucos chega-se ao ato de descriminar o uso de drogas, pois se não se pune, por óbvio que o Estado perdeu o interesse de agir nesses casos.
Além do caso Mexicano, o fato mais contemporâneo é a decisão da Suprema Corte Argentina, através do caso Arriola e outros, deu provimento a um recurso extraordinário interposto contra uma decisão de primeira instância, que julgou culpado os que portavam a droga para consumo pessoal.[3]
Tal decisão foi unânime em julgar procedente a ação, descriminalizando a posse de drogas para consumo pessoal, com base no artigo 19 da Constituição Argentina que reza:
“Artigo 19 – Las acciones privadas de los homebres que de ningún modo ofendan al orden y a La moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están solo reservadas a Dios, y exentas de La autoridad de los magistrados. Ningún habitante de La Nación será obligado a hacer lo que no manda La ley, ni privado de lo que Ella no prohíbe”
Logo, a Constituição Argentina, é antagônica a sua lei federal confrontada (art. 14, parágrafo 2°, da lei 23.737/1989), pois garante às ações privadas que não ofendam a ordem ou moral públicas a isenção de responsabilidade, desde que não prejudiquem terceiros.
Cumpre a nós lembrarmos que o que fez a Corte argentina nada mais foi que o controle difuso de constitucionalidade também previsto em nossa Constituição, pois embora a lei federal continue em vigor, no caso concreto ela não é válida perante a Constituição.
Tal modalidade de controle de constitucionalidade foi criada no ordenamento brasileiro desde a Constituição de 1891, e tem como origem um caso concreto nos Estados Unidos datado de 1803 denominado, Madison VS. Marbury.
Neste controle de constitucionalidade também denominado via de defesa, via de exceção, a verificação não constitui o objeto principal da lide, trata-se, portanto de questão incidente que se não sanada poderá prejudicar o mérito da causa.[4]
Mais uma vez fica a falsa idéia de que a decisão dos sete magistrados foi a de legalizar a droga no País, mas pelo contrário, a intenção foi a de que o porte de drogas para consumo pessoal deva estar fora do Direito Penal. Novamente vemos mais um princípio sendo respeitado pelos países Latino-Americanos, qual seja o princípio da fragmentariedade.
Conforme já comentado vemos que tanto na Argentina como no México, foi adotado o princípio da intervenção mínima, o qual engloba o princípio da fragmentariedade e o da insignificância.
O fundamento deste princípio está previsto no artigo 8° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que preconiza que a lei somente deveria estabelecer penas que fossem evidentemente imprescindíveis.
Logo, o México adotou esse princípio, pois percebeu que combater a posse de drogas não era um meio necessário para combater o crime organizado e, igualmente, a Suprema Corte argentina teve a decisão de que o porte para consumo pessoal é um perigo à saúde individual e não à saúde pública.
No Brasil como já dito o porte de drogas em seu artigo 28, é tratado diferentemente dos países comentados, eis que aqui o princípio adotado foi o da proporcionalidade. Consiste este princípio na aplicação de pena adequada e necessária ao tipo penal, ou seja, a pena deve ser suficiente e eficaz ao delito cometido, logo proporcional à gravidade do delito.
Vemos, portanto, que em comparação as legislações de países latino-americanos nosso legislador brasileiro está atrasado em relação aos demais, pois aqui não é se quer tolerado o uso de drogas, visto que este continua sendo crime, e a mudança foi apenas do caráter relativo à pena e a objetividade jurídica.
Destarte, fica evidente que o Brasil tem a lei mais dura a respeito do usuário de drogas, e que estamos caminhando a uma possível e futura descriminalização do porte para consumo pessoal para se adequar aos outros países da América Latina, os quais passaram a visar o ataque em massa do tráfico de drogas, e tratar o usuário apenas como “doente”.
A Colômbia, em 1994, foi o primeiro país a tomar essa decisão, afastando dos crimes a penalidade para consumo privado. Bolívia e Equador também descriminalizaram o uso de drogas. Essas tendências são coerentes com as da Europa: a Holanda descriminalizou as drogas há tempos atrás, Portugal em 2001 assim também o fez, alegando que a criminalização só aumentou os custos com tratamento e que causava constrangimento em quem gostaria de buscar auxílio.
As políticas públicas devem notadamente combater o tráfico de drogas, que tantas vidas tiram da sociedade, que tantas famílias destroem e somente depois pensar em criminalizar o usuário, vez que se combaterem o problema pela raiz este não gerará frutos, é o princípio de economia aplicada ao direito, ou seja, se não há oferta não há demanda.
Por incapacidade do Poder Público, traficantes assumem cada vez mais as funções públicas, construindo verdadeiros Estados paralelos, (o que vemos hoje combatidos no Estado do Rio de Janeiro pelas UPP’s - Unidades de Polícia Pacificadoras -) cobram tarifas, dão segurança, impõem regras. Como a repressão penal não vem surtindo efeito há entendimentos neste país de que talvez a legalização das drogas possa mudar a visão social.
Deve é claro, tal medida vir acompanhada de campanhas de prevenção e conscientização sobre os malefícios da droga e com a fiscalização do Estado.
O ex- Ministro da Justiça, Tarso Genro quando de seu mandato era a favor de um projeto de lei que visa aumentar o peso das punições contra traficantes de drogas e tornar mais duras as regras para progressão de regime, como a obtenção do direito de cumprir a pena em regime semi-aberto.
Deste modo, podemos ver que o Brasil a passos curtos, chegará ao mesmo entendimento dos nossos países irmãos da América Latina.
Porém, “data máxima vênia”, todos esses entendimentos ainda não estão corretos, pois o usuário realmente não deveria ser considerado um criminoso, pois este é em muitas das vezes um doente, que precisa de cuidados médicos para fazer cessar sua dependência.
Dependência está que pode ser física quando há uma natureza fisiológica entre o indivíduo e a droga, onde o primeiro desenvolve uma necessidade patológica de continuar a consumir a substância entorpecente, dependendo desta para viver sob pena de interrompido seu tratamento, provocar intenso sofrimento físico, levando ao come e à morte. Já a dependência psíquica independentemente da dependência física é a vontade incontrolável, uma compulsão invencível, mais forte que a razão.[5]
Logo, precisa de cuidados médicos e psiquiátricos e não ser aplicada qualquer pena de reclusão ou detenção tendo em vista que, a pena não poderia ter caráter retributivo nem mesmo educativo, porque a um doente não se pune nem se educa, se cuida.
Seria, portanto conduzido a uma clínica judiciária e de lá não sairia até que fosse tratado e constatado por laudo médico a possibilidade de viver em harmonia com a sociedade.
Lembrando que, o custo desta internação para tratamento deveria ser subsidiada pelo Governo, porém paga com ajuda de sua família ou com o trabalho do interno.
Já mencionava Cesare de Beccaria em sua obra publica em 1764, denominada Dos Delitos e das Penas que (...) o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. (...) É pois necessário escolher penas e modos de infligi-las, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura nos espíritos dos homens, e a menos penosa no corpo do réu.”[6] (g.n)
Há quem não irá concordar com esta idéia alegando não ser esta também à solução adequada, mas vemos que o tratamento que damos ao usuário hoje também não é eficaz.
Tampouco será eficaz daqui a cem anos se o nosso poder constituinte não tomar consciência de que ele é o verdadeiro causador disto.
Logo que um dado problema do cotidiano aparece na televisão por programas sensacionalistas, os apresentadores já logo dizem que a pena deve ser aumentada, que deve existir pena de morte, que a maioridade penal deve ser diminuída.
Ora, desde já percebemos que nenhum destes apresentadores foram hermeneutas da ciência jurídica, pois não se deve aumentar nada e sim realizar a real aplicação das leis já disponíveis.
É de se pensar que o Brasil sendo um país tão rico, que será sede de uma copa do mundo e uma olimpíada, que nossos governantes admiram tanto a justiça porque também são cegos?!
Só há uma forma de mudar tudo isto e não é complexo, visto que nossa Constituição prevê estes direitos e nós da também garantias sobre eles, que são educação, cultura, civilismo, trabalho, vida digna..., ou seja, antes de pensar em combater o traficante ou até mesmo o usuário, o poder público deveria ter mais atenção a quem ainda não entrou neste mundo de destruições, pois novamente frisa-se a exaustão, que se combaterem o problema pela raiz está não gerará frutos.
Cabe, portanto apenas ao Poder Público o dever de cumprir com os direitos e garantias que o texto frio de nossa Constituição nos outorga, pois se tivermos ao menos o mínimo de dignidade em nossa sociedade, a garantia é total de que tudo mudará para melhor e não haverá preocupação com discursos sobre a descriminalização ou não das drogas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
1- “A comissão Latino – Americana sobre Drogas e Democracia é uma iniciativa dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso do Brasil, César Gaviria da Colômbia e Ernesto Zedillo do México e está composta por 18 personalidades eminentes de diversos países da região. Seu objetivo é avaliar a eficácia e impacto das políticas de combate às drogas e formular recomendações para políticas mais eficientes, seguras e humanas”. COMISSÃO LATINO – AMERICANA SOBRE DROGAS E DEMOCRACIA. Disponível em <http://www.drogasedemocracia.org/Objetivo.asp>. Acesso em 30/09/2011 às 12h05.
2- GRECO FILHO, Vicente. Lei de drogas anotada: Lei n. 11.343/2006. Saraiva: São Paulo, 2008. página 44.
3 - A. 891. XLIV. Recurso de Hecho. Arraiola, Sebastián y otros s/causa nº 9080.
4 - RUSSO, Luciana. Direito Constitucional 9. Saraiva: São Paulo, 2009. página 40.
5 - CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Volume 4: Legislação Penal Especial. São Paulo: Saraiva, 2006.
6 - BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das Penas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Advogado. Bacharel em direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE. Pós Graduado em Direito Penal pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Vinicius Cottas. As políticas públicas nos países da américa latina contra o usuário de drogas e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2012, 12:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29456/as-politicas-publicas-nos-paises-da-america-latina-contra-o-usuario-de-drogas-e-a-lei-n-11-343-2006-lei-de-drogas. Acesso em: 23 dez 2024.
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