RESUMO: As atualizações em nossos Ordenamentos permitem que a cada momento histórico situações sejam modificadas em prol do benefício comum, fazendo com que se encaixem melhor com a realidade vivenciada, ficar um grande tempo sem qualquer mudança faz com que indivíduos de uma época tenham que seguir ditames passados. Isso foi visto no longo período de esperada da sociedade brasileira por um novo Código Civil, isso prejudicou pontos relevantes, como o caso da união homoafetiva que será debatido no presente artigo.
PALAVRAS-CHAVE: Código Civil; União homoafetiva; Promulgação.
INTRODUÇÃO
As mudanças que ocorreram no novo Código Civil são de chamar a atenção de qualquer leitor do meio. Muita coisa aconteceu, muito tempo se passou e, por isso, iremos trabalhar se essas ditas mudanças do Código de 1916 para o de 2002 foram benéficas as atuais necessidades privadas protegidas pelo Código. Estudo esse imprescindível, haja vista a importância desse código em nossa sociedade, como um instrumento de segurança e de garantia de que as relações privadas aconteçam de forma correta, sem alguma violação.
Dessa forma, a análise será dividida em dois ramos, o primeiro sobre o quão mais o culturalismo de Miguel Reale poderia ter desenvolvido esse novo código, procurando, então, pontos que poderiam ser mais avançados na hora da positivação dos artigos, junto com a exposição do exemplo da união homoafetiva, como forma de aplicação ao caso, pois seria um ponto que o código já poderia ter abordado, e o segundo ramo sobre a demora da promulgação do código atual, devido o tempo de vinte e seis anos de tramitação no Congresso nacional, que ficou em construção, e se ele merece o rótulo que lhe foi dado de “o código que nasceu velho”. Após dissertação sobre os temas, será feita uma análise final, contendo uma conclusão sobre o estudo.
1 O CULTURALISMO DE MIGUEL REALE PODERIA TER AVANÇADO MAIS O CÓDIGO CIVIL DE 2002?
A priori, é necessária saber quem foi Miguel Reale e o que seria esse culturalismo exposto por ele. Reale é considerado como a maior expressão do Culturalismo Jurídico da Faculdade de Direito de São Paulo, participando na coordenando da elaboração do novo Código Civil. Bom, poderíamos definir o culturalismo jurídico como uma corrente que é advinda do pensamento kantiano. Kant (apud GONZALEZ, 2011, p.3) observa que "A produção, em um ser racional, da capacidade de escolher os próprios fins em geral e, consequentemente, de ser livre, deve-se à cultura”. Porém é notável o sentido próprio tomado por esse pensamento de Reale, representado pela Teoria Tridimensional do Direito.
Uma das transformações nesse código foi a aplicação de cláusulas gerais em seus artigos, que seriam a utilização de termos mais abertos, que dariam margem à diversas interpretações. Sua finalidade seria a construção de um código mais agregado de valores, tornando-o, assim, independente de atualizações, pois adaptariam aos valores e às interpretações vigentes. Mas alguns autores, como Gustavo Tepedino (2007), comentam que essas cláusulas gerais já não deram certo em outras oportunidades, citando o Código Comercial de 1850 que tinha a boa-fé objetiva que sequer foi utilizada na época.
Outro exemplo (TEPEDINO, 2007) foi no Código Civil italiano de 1942, que também não obteve êxito. Completa sua crítica dizendo que essa estrutura além de gerar insegurança, torna difícil o trabalho da jurisprudência. É importante comentar também que, com essa modificação, os juízes ganham ainda mais poder na hora de encontrar a solução mais justa, isso baseado no princípio da eticidade introduzido por Reale no código.
Após relatar alguns posicionamentos dessa mudança é válido dizer que essa transformação seja eficaz a certo ponto. Como dito, há uma independência de atualizações, fazendo com que não se modifique tanto o código, trazendo mais segurança nas relações privadas, por essa dificuldade de alteração. Mas, por outro lado, esse “arbítrio” a mais dado ao juiz, sem algumas vezes nenhuma limitação positivada sobre os atos praticados, é passível de questionamento, visto o grande poder já admitido a esses magistrados.
Outro ponto a ser examinado serão artigos do direito da personalidade, todos evidentemente omissos, no Código Civil de 1916, por nele não conter esses direitos, que seriam segundo Elimar Szaniawsky[...]” direitos atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à esfera de proteção de sua dignidade e integridade[,...]” (apud TEPEDINO, 2004, p.31) e completa Carlos Alberto Bittar, que não existiam normas de referência expressa a esses direitos, apenas aos “bens interiores, ou seja, bens que aderem á personalidade” (apud TEPEDINO, 2004, p.32).
Ao pegar o artigo 12 do Código Civil, de enunciado.
Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. “Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”
Percebe-se um grande avanço na questão da proteção do falecido, entretanto, toca em um ponto um tanto quanto controverso nesse parágrafo único.
É importante salientar que, com a morte do titular, os seus direitos da personalidade são extintos, e, portanto, intransmissíveis. Então é questionado que o cônjuge sobrevivente e parentes tenham legitimidade para requerer perdas e danos, de outrem morto, sem esse ter os direitos. Várias teorias tentam explicar essa legitimidade, mas sua explicação é um tanto nebulosa. Porém, cabe ressaltar que mesmo sem os direitos da personalidade, o falecido tem interesses ainda resguardados sob a tutela, como a imagem, o nome, a autoria, a sepultura e ao corpo (cadáver), colocando o cônjuge e os parentes como os afetados por tal lesão. Essa situação ajuda na interpretação da situação, mas é clara a omissão ao positivar tal norma, para uma melhor compreensão é necessária uma otimização nas palavras desse artigo.
Em síntese a resposta da pergunta acima feita é em grande escala subjetiva. Cabe ao indivíduo concluir com os argumentos expostos, mas em geral o avanço poderia ser muito maior, pelas circunstâncias da criação. Isso será fortalecido no exemplo a seguir e após na exposição sobre a demora da promulgação desse esperado código.
2 UNIÃO HOMOAFETIVA
Um assunto que sem dúvida tomou os noticiários brasileiros foi a questão da união homoafetiva. Não que seja um tema atual, pelo contrário, como será visto tal tema é muito antigo e ganha vem ganhando grandes proporções atualmente, principalmente no meio jurídico.
Essa questão é bem referida na escrita de Francisco Carlos Moreira Filho (2008), que em seu artigo comenta o ponto da busca histórica dos homossexuais por seus direitos.
[...] percebe-se que as relações homossexuais não causavam nenhum tipo de estranheza e eram praticadas em várias civilizações, dentre as mais importantes: a Romana, Grega e Asiática. Porém com o surgimento de novos entendimentos religiosos e questões de interesse político, a homossexualidade passou a ser vista com outros olhos, sendo condenada por não ser uma prática não natural, em que se passou a perseguir e condenar os seus praticantes, sendo repudiada pela sociedade, que ainda hoje, vê a homossexualidade como um ato imoral e pecaminoso que não merece nenhum tipo de amparo, por considerar os homossexuais como pessoas doentes e que necessitam de tratamento.
Isso explicita o grande tempo de luta por esses direitos dos homossexuais, que não foram abarcados pelo código civil de 2002. No enunciado do artigo 1.723 “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Mostrando no trecho “[...] reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e a mulher [...]” uma segregação no reconhecimento familiar para casais apenas heterossexuais, mas essa separação é recheada de preposições complexas, há todo um contexto histórico, porém, não cabe o trabalho relatar as justificativas dadas para tal ato.
Como dito, não é um tópico novo e, por isso, foi questionado até anteriormente a promulgação do código, como relatado em um artigo do Dr. Rodrigo da Cunha Pereira (1996).
A parte desse projeto relativa à família já nasceu velha. Está na contramão da história. No limiar do terceiro milênio, em que a família é vista de forma plural, ou seja, em que já se reconhecem várias formas de família, o legislador insiste em nomeá-las legítimas e ilegítimas. Ora, essa é uma nomeação totalmente descabida, retrógrada, que nem mesmo está de acordo com a Constituição de 1988.
O que pela data já demonstra a preocupação da desatualização do Código com a questão da legitimação da família e, em questão, a constituição de família por homossexuais. Chegando o Dr. Rodrigo da Cunha Pereira (1996) a dizer que esse ponto vai de encontro com a Constituição Federal de 1988, que, em sua positivação, dita no art.5, caput, fala sobre a igualdade perante a lei, sem qualquer distinção, garantindo entre outras coisas a igualdade entre os indivíduos. E mais claramente no art.3, inciso IV, que confere promover o bem de todos, sem preconceito algum e dentro deles, sem descriminação por sexo. Sem falar a afronta aos direitos fundamentais, que seriam direitos inerentes da pessoa humana e por isso necessário para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária.
Por esse atraso mantido pelo legislador na hora da criação, fez-se com que esse assunto viesse parar atualmente no STF, e em uma decisão histórica, a união estável homoafetiva foi discutida e, por unanimidade, foi criada uma decisão que a permitia.
Poderia ser dito que se isso ocorresse naquela época, a maioria pública iria repudiar, até se manifestar contra tal ato, haja vista a grande parcela de brasileiros que tem preconceito contra os homossexuais, ainda mais no tocante à união estável de tais. Mas inegavelmente esse avanço já poderia ter ocorrido, pela histórica e longa luta dos homossexuais por seus direitos, que são percebidos desde a década de 40 até hoje, com uma maior ênfase na década de 70, com a criação do Somos, primeira grupo em defesa dos direitos LGBT do Brasil. Buscam direitos que evidentemente estão garantidos na Constituição e, por isso, deveriam ser respeitados e difundidos na sociedade. Seria um pensamento utópico achar que a resposta iria ser esperar uma época em que tais indivíduos fossem tratados mais justamente para aplicação de tal direito, pois claramente continuaria a mesma coisa, os mesmos preconceitos passados de geração à geração.
Nesse momento, buscaremos entender esse atraso do Código e se, por isso, houve prejuízos a ele.
3 DEMORA DA PROMULGAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Devido ao longo período para promulgação desse importante e fundamental Código, é necessário saber como isso ocorreu.
Inicialmente, foi feito um Anteprojeto em 1972, que foi revisto em 1973, e após convertendo-se em Lei nº 634, de 1975, depois, quando aprovada pela Câmara Federal dos Deputados, em 1984, virou nº 634-B. Foi, então, enviado ao Senado, que formou uma Comissão Especial de onze membros, um desses membros, o Senador Josaphat Marinho, que indicou os nomes do Professor Miguel Reale e do Ministro Moreira Alves para apresentação de sugestões. Desse período de 1984 até 2001, ano de aprovação na Câmara dos Deputados, por votação simbólica, foram feitas diversas sugestões por influentes do meio para esse novo Código Civil. Foi promulgado no dia 10 de janeiro de 2002, com prazo de vacatio legis de um ano.
Diante desse longo período, é evidente que a espera por esse código fosse tida como um marco, criando uma expectativa de mudanças radicais pela população. O que, em parte, não aconteceu como R. Limongi França diz que todo Código é obra de seu tempo, e que visualizou o novo texto civil de maneira razoavelmente atualizado (apud ZULIANI, 2002, p.31).
Esse período em que foram apenas para sugestões, ajudou pelo longo tempo, a desatualizar esse código, ao passar do tempo, por descuido, foram se esquecendo dos fatos sociais emergentes e dignos de positivação. Por isso, adquiriu para alguns o rótulo de “o código que nasceu velho”, é inegável dizermos que esse código trouxe diversas melhorias para a sociedade privada, mas é claro também dizer a oportunidade foi desperdiçada na hora de abranger diversos temas.
O curioso de ressaltar é que ele foi feito por figuras importantes e renomadas do meio jurídico e político, o que esperaria ter por parte deles consciência de aspectos culturalmente já implantados e defendidos na sociedade.
Por isso, foi colocado no trabalho a questão dos homossexuais, como um avanço que já poderia ter ocorrido. E na questão da expressão dada ao Código, de “o Código que já nasceu velho”, é um apelido válido, por tudo que já foi contemplado no trabalho, e com relação principalmente a esse tópico sobre a demora da sua promulgação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após exposição dos fatos, é notório o comentário que esse Código Civil de 2002 em certas partes deixou a desejar, sendo pelo tempo decorrido para sua implantação, o que gerou certo mal estar na sociedade, pela expectativa depositada. E na questão de não abranger alguns pontos já defendidos pela sociedade.
Não apenas na questão dos casais homoafetivos, mas existem diversos temas que poderiam ser abordados, como a mudança de nomes pelos transexuais após a cirurgia de modificação de sexo, e também a questão sobre doação de órgãos, que foi parcialmente abarcado ao falar sobre o art.12º do CC.
Mas, em geral, o novo código trouxe grandes modernizações, pontos que já deveriam ter sido postos, pois sua inclusão era necessária, haja vista o tempo perdido nesse processo de criação. Então, é inevitável considerarmos esse código um grande avanço para nós brasileiros, cabe, porém, agora uma ciência dos próximos estudiosos que irão confeccionar futuramente um novo código, para que não deixem pontos importantes de nossa sociedade de fora, fazendo com que possamos nos evoluir cada vez mais.
GONZALEZ, Everaldo Tadeu Quilici. A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale e o novo Código Civil brasileiro. Disponível em .<http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/4mostra/pdfs/145.pdf>. Acesso em 10 set. 2011.
TEPEDINO, Gustavo. Código Civil Interpretado: Conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
SILVA, Francisco Carlos Moreira. A Homossexualidade e a sua história. Disponível em .<http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/view/1646>. Acesso em 17 set. 2001.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Código Civil já nasce velho. São Paulo: Folha de São Paulo, 1996.
AZEVEDO, Álavaro Villaça e ZULIANI, Ênio Santarelli. Novo Código Civil: Aspectos Relevantes. N. 68. São Paulo: Revista dos Advogados, 2002.
Estudante do curso Direito da Faculdade de Direito de Vitória - FDV;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, José Neto Rossini. Código Civil de 2002: Pontos necessários para uma efetiva atualização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2012, 09:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29474/codigo-civil-de-2002-pontos-necessarios-para-uma-efetiva-atualizacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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