Embora tenham transcorrido dois anos desde o julgamento do recurso especial nº 1.120.295 - SP, que consolidou a jurisprudência sobre a matéria no Superior Tribunal de Justiça - STJ, há consideráveis posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais contrários ao efeito retroativo da interrupção da prescrição à data da propositura da execução fiscal, seja da citação, ou do despacho que a ordena. É certo que a decisão ainda está pendente de julgamento de embargos de declaração, opostos pelo contribuinte, mas as novas decisões têm repetido os ditames que a seguir são transcritos:
“13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN).
14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.
15. A doutrina abalizada é no sentido de que:
"Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição. Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil: 'Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da
propositura da ação.' Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a
prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação . Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação, é desqualificado pelo exercício da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição." (Eurico Marcos Diniz de Santi, in "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Ed. Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 232/233)
16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN.”[1]
Assim, numa interpretação conjunta do direito, o tribunal superior entendeu que a Fazenda exerce plenamente seu direito-dever de cobrar o crédito tributário tempestivamente no momento em que ingressa em juízo, não podendo ficar à mercê da demora do poder judiciário, havendo inclusive antiga súmula neste sentido (106 STJ).
As críticas não tardaram a surgir, pois diversos juristas acreditam ser inconstitucional esta interpretação conjunta, visto que o código de processo civil - CPC, lei ordinária, estaria modificando prazos prescricionais em matéria tributária, reservada a Lei Complementar.
A questão envolve diferentes contextos legislativos e jurisprudenciais, expostos a seguir.
Do contexto histórico-legislativo
Diz o § 1º do artigo 219 do CPC:
“Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 1o A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.” (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)”
Esta é a redação mais atual do parágrafo 1º do artigo 219 do CPC. Porém, anteriormente a esta mudança legislativa, embora a citação válida também tivesse o condão de interromper a prescrição, essa interrupção retroagia a data do despacho citatório, in verbis:
“§ 1º A prescrição considerar-se-á interrompida na data do despacho que ordenar a citação. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).”
Foi neste contexto legislativo que a Lei de Execução Fiscal - LEF, editada em 1980, parametrizou em seu artigo 8º, § 2º, a mesma causa de interrupção da prescrição, vejamos:
“Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
§ 2º - O despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.”
O Código Tributário Nacional - CTN, por sua vez, da sua edição em 1966 até 2005, dispunha que somente com a citação pessoal do executado, a prescrição dava-se por interrompida. Desta forma, o CTN destoa tanto da LEF, pois não fala em despacho que interrompe a prescrição; quanto do CPC, pois nada dispõe quanto à retroação da prescrição, seja à data do despacho citatório (antes de 1994), seja à propositura da ação da execução fiscal (a partir de 1994); no caso de citação válida (em conformidade com os prazos do artigo 219).
Mesmo não tendo o CTN feito menção alguma sobre a retroação da prescrição, o STJ entendia, no que tange ao período anterior à publicação da LEF, que o artigo 174, I, do CTN harmonizava-se com os parágrafos do artigo 219 do CPC. Vale transcrever os parágrafos segundo e terceiro do referido artigo, com redação anterior a 1994, in verbis:
“ § 2º Incumbe à parte, nos dez (10) dias seguintes à prolação do despacho, promover a citação do réu. (Redação dada pela Lei nº 5.925,de1º.10.1973)
§ 3º Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de noventa (90) dias, contanto que a parte o requeira nos cinco (5) dias seguintes ao término do prazo do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”
Assim, obedecidos tais prazos, a citação válida e pessoal remetia-se a data do despacho que ordenava citação. Do contrário, o despacho de nada valia para efeitos da prescrição, que só considerava-se interrompida quando o executado, de fato, fosse citado, nos termos do parágrafo 4º do artigo 219, que permanece praticamente inalterado desde a edição do código, in verbis:
“§ 4o Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”
Nestes termos, foi que parte da jurisprudência, referindo-se ao contexto legislativo anterior a 1980, consolidou o seguinte entendimento, interpretado a “contrariu sensu”, exarado pelo Relator Ministro Demócrito Reinaldo, no julgamento do Recurso Especial nº 16.378-0/SP:
“Ora, se o despacho que ordenou a citação aperfeiçoou-se sob o pálio do artigo 219, §§ 1º ao 4º, do CPC, acima mencionados, não teve o condão de interromper o fluxo prescricional, já que não satisfeitas as exigências desses dispositivos processuais. É evidente que o despacho não poderia ter provocado a interrupção da prescrição, nos termos da LEF, porquanto ela sequer existia, naquele momento.”[2]
Havia já, portanto, há longa data, a utilização do mecanismo da retroação da prescrição aos feitos de execução fiscal, mesmo que supostamente ferindo a reserva constitucional material de lei complementar, sem que nada fosse dito a respeito. Mas esta questão será tratada mais a frente.
Interessante comentar também sobre a existência do artigo 263 do CPC, que nele se encontra desde sua gênese. Vejamos:
“Art. 263. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado.”
Nos dias atuais, com a nova redação do parágrafo 1º do artigo 219, o dispositivo acima vem bem a calhar, pois só reforça a ideia atual da retroação da prescrição à data da propositura da ação. No entanto, considerando que na redação anterior a citação válida retroagia à data do despacho citatório, sem que houvesse distinção do lugar onde fosse proposta a ação, então não havia que se igualar a propositura da ação ao despacho citatório. Nesse sentido, diversas decisões foram exaradas à época, por mais criticadas que fossem pela doutrina. Até porque, o CPC anterior também falava em retroação à data do despacho citatório.
Aliás, muitos juristas, vislumbrando o problema, propuseram à época da edição do CPC, que o parágrafo 1º do artigo 219 fosse, desde sua redação original, semelhante ao que é hoje.
Da edição da LEF e sua repercussão nos feitos executivos tributários
Prosseguindo em nossa jornada histórica, cabe analisar como ficou a questão da interrupção da prescrição após o marco da LEF, que dispunha sobre o “despacho que ordenar a citação” como causa de interrupção da prescrição. No início, falava-se em interpretação sistemática da LEF, CPC e CTN, vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DESPACHO CITATÓRIO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. EFEITOS. LEI Nº 6.830/80. ART 8º, IV, CPC, ART. 219, § 4º. CTN. 174, PARÁGRAFO ÚNICO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA.
Em sede de execução fiscal, a mera prolação do despacho citatório que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º, do Código de Processo Civil e com o artigo 174 e seu parágrafo único do Código Tributário Nacional.”[3]
Embora a decisão tenha sido publicada em 1996, refere-se a questões atinentes a década de 80. O que se quer inferir, deste julgado, é que havendo citação promovida na forma do artigo 219, ou ainda, nos moldes do artigo 8º da LEF, considerar-se-ia interrompida a prescrição à data do despacho. Assim, vejamos:
“EXECUÇÃO FISCAL - CITAÇÃO EDITALÍCIA - PRESCRIÇÃO - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO.
Procedida a citação por edital, interrompe-se a prescrição, a partir do despacho que determinou a citação. O juiz não pode, de ofício, conhecer da prescrição de direitos patrimoniais. Recurso provido.”[4]
Mais não é preciso dizer, confirmando-se que era o despacho, e não a propositura da ação, que tinha o condão de interromper a prescrição; isto quando a citação era procedida tempestivamente, caso contrário, valia a regra do CTN, da qual só ficava interrompida prescrição com a citação pessoal, sem que retroagisse a data do despacho. No entanto, da simples “interpretação sistemática”, evoluiu-se para uma tese de cunho constitucional.
Assim, o STJ declarou, em incidente de inconstitucionalidade, que o artigo 8º, § 2º não se aplica as execuções fiscais de caráter tributário, uma vez que neste âmbito o tema prescricional é afeto à Lei Complementar, nos termos do artigo 146, III, b, da CF, conforme se transcreve abaixo:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 2º, § 3º, E 8º, § 2º, DA LEI 6.830/80. PRESCRIÇÃO. RESERVA DE LEI
COMPLEMENTAR.
1. Tanto no regime constitucional atual (CF/88, art. 146, III, b), quanto no regime constitucional anterior (art. 18, § 1º da EC 01/69), as normas sobre prescrição e decadência de crédito tributário estão sob reserva de lei complementar. Precedentes do STF e do STJ.
2. Assim, são ilegítimas, em relação aos créditos tributários, as normas estabelecidas no § 2º, do art. 8º e do § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80, que, por decorrerem de lei ordinária, não podiam dispor em contrário às disposições anteriores, previstas em lei complementar.
3. Incidente acolhido.”[5]
Frisa-se que o tema que culminou no Incidente de inconstitucionalidade já era debatido e julgado desta forma há muitos anos. É que não se falava literalmente em inconstitucionalidade, apenas em restringir a aplicação daquele dispositivo da LEF aos executivos de caráter não-tributário.
Na mesma linha evolucionária, aplicando o princípio da especialidade das normas, a corte superior afastou a aplicação do CPC aos executivos fazendários de caráter não-tributário, no que tange às disposições a respeito da prescrição. Isto porque a LEF prevê apenas a aplicação subsidiária do CPC. Assim, considerando que há disposição plena a respeito deste tema na LEF, tal legislação deve prevalecer sobre aquela.
Neste sentido, inúmeros acórdãos, dos quais se seleciona o mais elucidativo, no esforço de se demonstrar cabalmente que não é a propositura da ação, e sim seu despacho citatório, que tem a força para interromper a prescrição:
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO-TRIBUTÁRIO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL.
DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO.
1. Nas execuções fiscais de créditos não-tributários, o despacho que ordena a citação interrompe o fluxo do prazo prescricional. Prevalência da regra específica do art. 8º, § 2º, da LEF sobre o art. 219 do CPC.
2. Agravo Regimental não provido.”[6]
Assim, o julgador, no intuito de saber se teria ocorrido a prescrição, não dirige seu olhar para a data da propositura da ação e sim para a data do despacho que ordenou a citação. Aliás, esse de fato é o único benefício que o executado pela Fazenda pode vislumbrar com a redação deste artigo, isto porque ele traz muito mais benefícios à Fazenda, pois não importa se a citação é ou não procedida nos termos dos parágrafos do artigo 219, uma vez que a disposição do parágrafo 2º do artigo 8º é objetiva.
No entanto, ao afastar a aplicação de todo o dispositivo aos casos da LEF, fatalmente o julgador deixou escapar o resultado inevitável desta conclusão: também não se aplica o parágrafo 1º do artigo 219 (qualquer que seja a sua redação) às execuções fiscais. Primeiro porque sob a ótica anterior a 1994, embora a LEF e o CPC tivessem marcos de interrupção semelhantes, a LEF não faz ressalvas e nem fala sobre retroatividade, segundo porque após a redação nova, o parágrafo 1º do artigo 219 passa a falar em citação e propositura da ação, então não há mais correlação entre os dois dispositivos, vez que a citação em si não interfere no marco interruptivo da prescrição na LEF.
De tudo que fora exposto neste tópico, adentra-se agora ao tema central da questão.
Da aplicação do artigo 219, § 1º (redação atual), às execuções fiscais de caráter-tributário anteriores a LC 118/05
A tese encampada na decisão do recurso transcrito no início deste artigo não é nova, nem inovadora. Embora longa cronologia tenha sido traçada a fim de demonstrar as estreitas relações entre o CPC e o CTN, não há que se falar em verdades universais, pois no que se refere a esta matéria, o STJ já tomou as mais diversas decisões, inclusive decisões que coexistiram. Neste sentido, a corte superior já invocou e já ignorou o parágrafo 1º do artigo 219 do CPC, na sua redação original.
O arresto que modificou o pensamento mais atual da jurisprudência surge do contexto da excessiva demora na citação, não imputável ao exeqüente, no que passou a se aplicar a súmula 78 do antigo TFR, de 1981, reeditada pelo STJ, na súmula 106 (com mínima alteração) em 1994, vejamos:
“Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição” (ou decadência – acréscimo da súmula 106 do STJ)
Daí então, embora a súmula tenha surgido em contexto não-tributário, muitas decisões acabaram por desconsiderar o marco interruptivo do inciso I do artigo 174 do CTN, considerando, até 1994, vezes a data do despacho, vezes a data da própria da propositura da ação em si, vejamos:
“Processual Civil. Execução Fiscal. Prescrição. Recurso Conhecido e Provido.
I – Se a Fazenda Pública não ficou inerte durante o qüinqüênio prescricional, não há como acolher a argüição de prescrição. A orientação consubstanciada na súmula n. 78 do extinto TFR também favorece a Fazenda nas ações de execução fiscal.
II – Recurso Especial conhecido e provido.”[7]
Com o advento da Lei 8952/94, modificando os parágrafos do artigo 219, convalidando aquilo que a súmula 106 já dizia e a doutrina exigia há muitas décadas, não houve mais dúvida, a jurisprudência passou a utilizar a retroação da prescrição à época da propositura da ação sempre que a demora na citação não fosse imputável à Fazenda, vejamos:
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL PARALISADA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO. DEMORA NA CITAÇÃO NÃO IMPUTÁVEL AO EXEQUENTE. SÚMULA 106/STJ.
1. É aplicável às execuções fiscais o entendimento da Súmula 106 do STJ, segundo a qual "Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência". Precedentes: REsp 176365/CE, 2ª T., Ministro Castro Meira, DJ de 16.11.2004, REsp 242838/PR, 2ª T., Ministra Nancy Andrighi, DJ de de 11.09.2000 e AgRg no Ag 198807/RS, 2ª T, DJ
de 23.11.1998
3. Recurso especial a que se nega provimento”[8]
E considerando que a) já não havia mais previsão para retroceder-se a data do despacho, e sim ao ajuizamento da própria ação e b) o parágrafo 2º do artigo 8º da LEF não era mais aplicável aos créditos de natureza tributária, a conclusão lógica que se chegou, embora ignorando uma possível ofensa constitucional, foi a de que havendo a citação “tempestivamente”, é a propositura da ação que interrompe a prescrição em matéria tributária.
No entanto, seguindo a lógica do raciocínio, a jurisprudência fez uma ressalva, baseada nos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 219 do CPC (redação atual), vejamos:
“§ 2o Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.
§ 3o Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias.
§ 4o Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição. ”
É justa a aplicação integral do artigo 219, embora muitas vezes na prática, seja necessário fazer uma análise concreta in casu. O problema, então, é que a morosidade judiciária transfere-se para o contribuinte, que pode ser citado anos após o ajuizamento da ação. De qualquer modo, as novas jurisprudências são todas neste sentido, vejamos:
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. RETROAÇÃO À DATA DA PROPOSITURA DA AÇÃO APLICÁVEL APENAS AOS CASOS DE PARALISAÇÃO DO PROCESSO, POR CULPA EXCLUSIVA DO PODER JUDICIÁRIO. SÚMULA 106 DO STJ. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 219, § 1º, DO CPC.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.120.295/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos,
consolidou entendimento segundo o qual, mesmo nas Execuções Fiscais, a citação retroage à data da propositura da ação para efeitos de interrupção da prescrição, na forma do art. 219, § 1º, do CPC.
2. No entanto, a interrupção da prescrição só retroage à data da propositura da ação quando a demora na citação é imputada exclusivamente ao Poder Judiciário, nos termos da Súmula 106/STJ. Precedente: AgRg no REsp 1.260.182/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20.9.2011, DJe 23.9.2011.
3. Hipótese em a citação tardia não decorreu dos mecanismos inerentes ao Poder Judiciário. Não incidência do art. 219, § 1º, do CPC. Prescrição caracterizada.
Agravo regimental improvido”.[9]
Esta é a tese da aplicação da retroatividade da prescrição às execuções fiscais de caráter tributário.
De outro bordo, diversas discussões nas quais a lei ordinária ultrapassou sua esfera de competência material e imiscuiu-se em questões de prescrição tributária foram deflagradas no Supremo e na corte superior. Como exemplo, a inconstitucionalidade declarada pelo Supremo, dos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, o incidente de inconstitucionalidade já citado aqui sobre os artigos 2º, § 3º, E 8º, § 2º da LEF, entre outros. Merece aqui a transcrição do artigo 146, III, b, da CF, in verbis
“146. Cabe à lei complementar:
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”
No que diz respeito à tese anteriormente comentada, este é o grande problema a ser enfrentado quando se permite que a lei ordinária, no caso o CPC, tenha o condão de modificar, ainda que disfarçada de “efeito retroativo”, prazo prescricional em matéria tributária.
Vislumbrando o problema, os tribunais “a quo” lançaram mão de outra tese, mais nova, na qual o parágrafo 1º do artigo 219 jamais poderia ser utilizado naqueles casos. Tal tese chegou, inclusive, no STJ, que chegou a referendá-la, vejamos:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PRAZO PRESCRICIONAL – INTERRUPÇÃO – CITAÇÃO VÁLIDA – REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 174, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CTN – ERRO MATERIAL – OCORRÊNCIA – ANÁLISE DE MATÉRIA ESTRANHA AOS AUTOS – POSSIBILIDADE DE EFEITOS INFRINGENTES – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS.
1. Os embargos declaratórios são cabíveis para a modificação do julgado que se apresenta omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível erro material existente na decisão.
2. Procede a afirmação da embargante acerca da existência de erro material quanto à questão tratada no recurso especial.
3. A prescrição do crédito tributário vem disciplinada no CTN e, por exigência constitucional, somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, não se aplica a regra do art. 219, § 1º, do CPC, segundo o qual a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, se a citação for válida. Aplica-se o disposto no art. 174, parágrafo único, I, do CTN. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para sanar o erro material e negar provimento ao recurso especial da FAZENDA NACIONAL.”[10]
E também no Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 219, § 1º, DO CPC.
1. Os embargos declaratórios têm cabimento restrito às hipóteses versadas nos incisos I e II do art. 535 do CPC. Justificam-se, pois, em havendo, no decisum reprochado, obscuridade, contradição ou omissão quanto a ponto sobre o qual deveria ter havido pronunciamento do órgão julgador, contribuindo, dessa forma, ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Porém, é de gizar-se, não prestam à rediscussão do julgado.
2. O art. 219, § 1º, do CPC não tem aplicação ao caso, uma vez que se trata de crédito tributário, cujas normas relativas à prescrição possuem regulação própria no CTN.”[11]
Porém, o que agora prevalece em todas as instâncias e no STJ, é a eterna repetição da fundamentação da decisão proferida no recurso especial nº 1.120.295 – SP, transcrito no início do artigo, que, diga-se de passagem, nem sequer transitou em julgado, pois aguarda julgamento dos Embargos de Declaração. Mesmo assim, não parece haver grande discussão acerca do problema constitucional, limitando-se a aplicar a retroatividade ou afastá-la, nos casos em que a citação não se procede na forma dos parágrafos 2º e 3º do CPC.
E mais, todas as decisões, tanto no STJ, quanto nos tribunais “a quo”, referem-se ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos que consolidou a jurisprudência, quando na verdade o Ministro Luiz Fux vislumbrou a necessidade do “julgamento por amostragem” por outras razões que não aquela que se tem debatido neste texto, in verbis:
“A presente insurgência especial versa sobre o termo inicial do prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança judicial dos créditos tributários declarados pelo contribuinte (mediante DCTF ou GIA, entre outros), mas não pagos.
Deveras, há multiplicidade de recursos especiais a respeito dessa matéria, por isso que submeto o seu julgamento como "recurso representativo da controvérsia", sujeito ao procedimento do artigo 543-C, do CPC, afetando-o à Primeira Seção (artigo 2º, § 1º, da
Resolução n.º 08, de 07.08.2008, do STJ).”[12]
Ou seja, numa passagem do voto do respeitado Ministro Luiz Fux, sobre um tema que não era o ponto principal do processo, decidiu-se algo de extrema importância, sobre a qual talvez não tenha havido o necessário debate sobre a constitucionalidade do efeito retroativo da prescrição. Por fim, todos os Ministros acompanharam o voto do Ministro Relator, inclusive o Ministro Humberto Martins, que há três anos tinha justamente apontado a inconstitucionalidade desse efeito retroativo disposto em lei ordinária, no que se refere à execução fiscal tributária.
Da aplicação do artigo 219, § 1º (redação atual), às execuções fiscais de caráter-tributário após a LC 118/05
É aqui, de fato, que se pretende fazer juízo de valor sobre o tema.
A partir da edição da LC 118/05, o primeiro inciso do artigo 174 do CTN se iguala ao parágrafo 2º do artigo 8º da LEF, ou seja, o despacho que ordena a citação passa a ser o primeiro marco interruptivo da execução fiscal para a cobrança de crédito tributário.
Também é fato que a LEF, embora ainda contenha dispositivos que só se aplicam a execuções fiscais não-tributárias, é a lei especial que regula a cobrança judicial da divida ativa da Fazenda, entre elas, a execução fiscal a que faz menção o artigo 174 do CTN. Em outras palavras, a LEF é a norma especial processual que trata da lei complementar geral em matéria tributária, o CTN.
Inevitável, a partir destas breves conclusões, concordar com o mestre Leandro Paulsen:
“Inaplicabilidade da retroação ao ajuizamento da ação prevista no 1º do artigo 219 do CPC. O CTN, enquanto lei de normas gerais de direito tributário, sob reserva de Lei Complementar, e a LEF, enquanto lei processual especial, prevalecem sobre as normas gerais de processo estabelecidas pelo CPC, que prevê que a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. Nas execuções fiscais, decorrido o prazo prescricional após o ajuizamento, mas antes de proferido o despacho inicial que determinará a citação, cabe ao juiz reconhecer de ofício, a prescrição, não havendo modo de vir a ser sanada.”[13]
Daí vem a grande questão, que vai além da discussão constitucional: se o STJ decidiu que no âmbito das execuções fiscais de caráter não-tributário, o artigo 8º, § 2º é suficientemente pleno a ponto de dispensar a aplicação subsidiária do CPC, prevalecendo sobre o artigo 219 dessa lei, como pode admitir aquela mesma Corte, exatamente o contrário, se o CTN agora dispõe da mesma forma que a LEF?
Não faz o menor sentido. E não só porque há decisões contrárias, mas porque o raciocínio é completamente incoerente. Ora, se o CTN fala em despacho que ordena a citação, mudança que veio em 2005, muito após a reforma do CPC, que por sua vez retirou a mesma expressão da antiga redação do artigo 219, é porque o legislador quis assim. Não é possível, então, forçar uma correlação entre os dois dispositivos, pois um fala de citação e seus efeitos retroativos a data da propositura da ação, enquanto outro fala objetivamente em despacho que ordena a citação.
Na verdade, o novo marco interruptivo veio para beneficiar a Fazenda, que teoricamente tem um novo prazo de prescrição intercorrente. Assim, caso tenha ocorrido o despacho citatório até cinco anos da constituição definitiva do crédito tributário, mesmo que a citação demore e seja a inércia a ela imputada, ela tem cinco anos para fazê-lo, contados da data do despacho.
Surge então outra incoerência da aplicação combinada do CPC e CTN. Se o primeiro diz que a citação intempestiva inibe o efeito retroativo da prescrição, então só se pode concluir, pelo caput do artigo 219, que esta interrupção só ocorrerá na data em que o executado for citado. Mas tal raciocínio implicaria em ignorar completamente o inciso I do artigo 174 da lei tributária.
Os tribunais “a quo” têm entendido que não procedida a citação tempestivamente, tem-se como interrompida a prescrição na data do despacho citatório (caso este tenha se dado dentro dos 5 anos da constituição definitiva do crédito, do contrário está prescrito o direito de cobrança). A partir daí, conta-se 5 anos se há inércia do fisco, pois se não há, em tese não importa o tempo da citação nem do despacho, pois a interrupção da prescrição irá retroagir a data do seu ajuizamento.
É claro que o ajuizamento da ação parece, sob o ponto de vista do dever-ser, o resultado da atividade do exeqüente, em oposição à sua inércia, mas isto não pode implicar em desrespeito a vontade do legislador. Também pode surgir a questão de que a Fazenda ficaria refém das varas de execução fiscal, com toda sua morosidade, o que acabaria por acrescentar meses, senão anos, entre o dia da propositura da ação e o dia do despacho que ordenasse a citação. Tal argumento seria plenamente procedente, não fosse o fato de que qualquer advogado pode despachar suas petições diretamente com o magistrado. Consequentemente caberia a Fazenda a cautela de distribuir os feitos com certo período de antecedência, daí então acompanhar sua tramitação. Em último caso, despachar suas execuções diretamente com o magistrado, evitando a ocorrência da prescrição.
Não se tem ainda notícia de Recurso Extraordinário recebido no STF para discutir a questão, embora este venha apreciando questões atinentes ao tema, como já foi dito. Adicionalmente, em 2011 a corte suprema reconheceu a repercussão geral na discussão sobre o marco inicial da contagem do prazo que a Fazenda dispõe para localizar bens do executado (Art.40 da LEF), no Recurso Extraordinário 636.562 – SC. Portanto, é possível que venha, futuramente, a discutir também a questão aqui debatida.
Até 2005, em defesa da constitucionalidade, seria possível alegar que o CTN fazia menção ao instituto da citação, cujas bases estão no CPC, daí dizer que o efeito retroativo da interrupção da prescrição, da citação para o ajuizamento do feito, é apenas uma conseqüência lógica do direito de ação.
Após 2005, antes de qualquer discussão sobre reserva de lei complementar, é necessário tecer outras considerações. O CTN não mais menciona a citação como marco interruptivo da prescrição, harmonizando-se com a LEF. E o despacho citatório nunca teve o condão de fazer retroagir a interrupção da prescrição à data do ajuizamento da ação. Mesmo na redação original do CPC, era a citação que retroagia à data do despacho, por mais que a doutrina e parte da jurisprudência entendessem que o correto era retroceder ao seu ajuizamento.
Afinal, com todas estas considerações, pergunta-se: qual é a base legal para afirmar que o despacho citatório retroage a data da propositura da ação? Simplesmente não há, caracterizando-se a ofensa ao princípio da legalidade. Fica claro também, pelos fundamentos apostos na decisão do recurso especial, que há uma aplicação do que “deveria ser”, ferindo-se o princípio da separação dos poderes, de modo que temos o STJ legislando em matéria prescricional tributária, o que é inaceitável.
Parece que a única justificativa possível e constitucional seria interpretar que o primeiro marco interruptivo da prescrição estaria na verdade implícito no caput do artigo 174 do CTN, não nos seus parágrafos. Assim, o ajuizamento da ação seria o marco natural para impedir a prescrição. No entanto, a redação daquele dispositivo não é clara neste sentido; principalmente nos dias atuais, não faria sentido haver duas interrupções tão próximas uma da outra, qual seja a distribuição e o despacho que ordena a citação.
BIBLIOGRAFIA
Machado, Antonio Claudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7ª ed., 2008, Ed. Manole.
Moraes, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, 1ª ed., 1984, Ed. Forense.
Paula, Alexandre de. Código de Processo Civil Anotado. Vol. 1. 1ª ed., 1979. Ed. RT.
Paulsen, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, 10ª ed., 2008, Ed. Livraria do Advogado.
Santos, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol.2. 24ª ed. 2008. Ed. Saraiva.
[1] Recurso Especial nº 1.120.295 – SP. DJE: 21/05/2010
[2] Recurso Especial nº 16.378-0/SP, DJ. 07.12.1992
[3] Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 36.855-1-SP. DJ 19.06.1996
[4] Recurso Especial nº 217401 – CE. DJ. 27.09.1999
[5] AI no Agravo de Instrumento nº 1.037.765 – SP. 17.10.2011
[6] AgRg no AgRg no Recurso Especial nº981.480-SP, DJE 13.03.2009
[7] Recurso Especial n. 180.644 – SP. DJ. 16.11.98
[8] Recurso Especial nº 708.186 – SP. DJE. 03.04.2006
[9] Agrg no Agravo em Recurso Especial nº 131.367 – GO. DJE 26/04/12
[10] Edcl no AgRg nos Edcl no Recurso Especial nº 1.038.753 – RJ – DJE 28.11.2008
[11] Embargos de Declaração em Apelação Cível Nº 0002352-06.2010.404.9999/RS - D.E. 13.01.2011. TRF/4ª Região.
[12] Recurso Especial nº 1.120.295 – SP. DJE 23.03.2010
[13] Paulsen, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, 10ª ed, 2008, Ed. Livraria do Advogado.
Advogado. Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Alexandre Wolff. Da Aplicação do artigo 219, § 1º, do Código de Processo Civil às execuções fiscais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2012, 08:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29540/da-aplicacao-do-artigo-219-1o-do-codigo-de-processo-civil-as-execucoes-fiscais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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