Introdução
O princípio da proporcionalidade é um tema extremamente importante no mundo jurídico, pois serve para dar equilíbrio ao direito no que tange aos casos concretos que ocorrem no dia a dia. Tal princípio encontra-se nos mais variados ramos do direito, no entanto, aparece com mais frequência no Direito Administrativo e no Direito Constitucional.
O estudo realizado neste artigo busca compreender a aplicação do princípio da proporcionalidade sempre que for necessário, bem como desenvolver o raciocínio referente aos aspectos mais relevantes da proporcionalidade em sentido amplo, e de seus desdobramentos que resultam na necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Considerações relevantes do Critério da Proporcionalidade
Antes de tudo, cabe mencionar que o princípio da proporcionalidade não tem previsão expressa no ordenamento pátrio embora tenha seu fundamento jurídico encontrado no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal in verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Conforme aponta José Joaquim Gomes Canotilho,[1] o princípio da proporcionalidade ou, como o próprio autor se refere, princípio da proibição do excesso, foi introduzido no direito administrativo no século XIX como princípio geral do direito de polícia. Mais tarde, seria o princípio da proporcionalidade elevado à dignidade de princípio constitucional.
Para uma análise mais profunda sobre o critério da proporcionalidade, é fundamental que se faça referência à doutrina alemã e norte-americana. Foi nestes dois países que tal princípio teve maior desenvolvimento ao longo da história. Na doutrina alemã o critério da proporcionalidade deriva do Estado Democrático de Direito e, por sua vez, é considerada como norma constitucional não escrita.[2] A doutrina refere também que em 1955 foi realizada a primeira monografia que tratava exclusivamente da proporcionalidade visando seus mais diversos aspectos.
Paulo Bonavides acrescenta que:
A Alemanha é o País onde o princípio da proporcionalidade deitou raízes mais profundas, tanto na doutrina como na jurisprudência. Talvez seja aquele que primeiro guardou consciência da importância de sua natureza de princípio constitucional nesta segunda metade do século XX, embora a respectiva introdução no Direito Constitucional haja ocorrido primeiro na Suíça.[3]
O princípio da proporcionalidade começou vinculado na jurisdição administrativa onde se dilatou pelos Estados Alemães, no entanto, após a Segunda Guerra Mundial, esse princípio teve larga aplicação no campo do Direito Constitucional, tanto na Alemanha como na Suíça. Surgiram alguns julgamentos de suma importância sobre o princípio da proporcionalidade no que tange aos direitos fundamentais vinculados à esfera constitucional. Um dos casos tratava do direito de opinião, uma garantia ao exercício de liberdade. Em outro caso tratou-se ao livre exercício de profissão e as limitações que lhe são possíveis de traçar.[3]
Já a doutrina norte-americana considera o princípio da proporcionalidade uma decorrência do princípio do devido processo legal. André Ramos Tavares aduz que:
A doutrina norte-americana deriva a proporcionalidade do devido processo legal, que corresponde em sua vertente substantiva, à limitação constitucional dos poderes do Estado, limitação essa atrelada a alguns direitos fundamentais, tradicionalmente a vida, a liberdade e a propriedade.[2]
Quando se fala no princípio da proporcionalidade, surgem vários termos para designar o princípio em questão. Na Alemanha, os termos mais usados são, proporcionalidade e proibição de excesso.[3] “Os americanos falam em razoabilidade. O termo, que qualifica tudo quanto seja conforme a razão, tem sentido bastante amplo.”[4] Alexandre de Moraes sustenta que o princípio da razoabilidade exige proporcionalidade, justiça e adequação entre os meios utilizados pelo Poder Público no exercício de suas competências e os fins almejados por ela, sempre levando-se em conta critérios racionais e coerentes. Na esfera tributária, por exemplo, a imposição de um novo tributo será adequada se, para alcançar sua finalidade, respeitar o critério de proporcionalidade entre as vantagens e desvantagens e, causar ao contribuinte o menor prejuízo possível.[5]
Na lição de Suzana de Toledo Barros:
Razoabilidade enseja desde logo uma ideia de adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, equidade, traduz aquilo que não é absurdo, tão somente o que é admissível. Razoabilidade tem, ainda, outros significados, como, por exemplo, bom senso, prudência, moderação.[4]
A autora ao fazer referência ao princípio da proporcionalidade assevera que o princípio tem um sentido amplo, e outro mais restrito. De forma mais limitada, o princípio passa a ideia de equilíbrio entre duas grandezas, uma relação harmônica. Por outro lado, em sentido amplo, a proporcionalidade envolve adequação entre meios e fins, e a utilidade de um ato para a proteção de um determinado direito. Conclui dizendo que o princípio da proporcionalidade se divide em três subprincípios, sendo o princípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.[4]
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também utiliza o termo razoabilidade para tratar do tema.
Segundo posicionamento de Hely Lopes Meirelles:
Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa.[6]
Como já mencionado na presente pesquisa, a proporcionalidade se divide em subprincípios, sendo eles: adequação; necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Começando pela adequação, que é um princípio que busca um fim pretendido, o que acontece é a intervenção estatal no âmbito de proteção de um direito fundamental, devendo tal medida ter um fim constitucionalmente legítimo, ou seja, a realização de outro direito fundamental. Essa medida adotada deve ser adequada para a realização do direito pretendido. Não se deve ter em mente ser a realização por completo do objetivo perseguido, pois isso é tarefa muito complicada, visto que dificilmente é possível ter certeza se determinada medida chegará ao fim que se propõe. Por vezes, o legislador acaba tendo de agir em situações incertas, sem saber se suas previsões serão realizadas.[7]
Passando-se à análise do princípio da necessidade, este deve ser entendido como a forma menos gravosa de atingir o fim pretendido, ou seja, quando um ato estatal limita um direito fundamental para atingir o objetivo proposto, este ato só será necessário se não tiver nenhum outro meio que realize o mesmo objetivo com a mesma intensidade e que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido. Existe uma fórmula quase matemática para resolver o princípio da necessidade, conforme ensina Virgílio Afonso da Silva:
Vamos supor que o Estado lance mão da medida M1, que limita o direito fundamental D mas promove o objetivo O. Se houver uma medida M2 que, tanto quanto M1, seja adequada para promover com igual eficiência o objetivo O, mas limite o direito fundamental D em menor intensidade, então a medida M1, utilizada pelo Estado, não é necessária.[7]
Por fim, resta o comentário referente ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. Trata-se da relação entre meio e fim. O que se verifica é um sopesamento entre valores em um determinado caso concreto para garantir os direitos do cidadão, de um lado as desvantagens do meio, e de outro, as vantagens do fim. As vantagens devem superar as desvantagens. Não resta dúvida que o critério nesse caso é muito mais subjetivo do que objetivo.[2]
Para ilustrar o tema, existem inúmeros exemplos que podem ser expostos e que trarão melhor compreensão do ponto de vista jurídico. Um belo exemplo é citado na obra “Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho” do Professor Eugênio Hainzenreder Júnior. O autor aborda o fato de o empregador monitorar o correio eletrônico do empregado no ambiente de trabalho. Por um lado existem os direitos da personalidade do empregado, como direito a intimidade e privacidade, sendo considerados direitos fundamentais expressos na Constituição Federal de 1988. Em contrapartida, encontra-se o poder diretivo do empregador e seu direito de propriedade, que assim como os direitos da personalidade dos empregados, também é considerado direito fundamental. Percebe-se, portanto, que existe nesse caso concreto um choque de direitos, que na verdade é uma colisão de direitos fundamentais, e que necessita de uma solução.[8]
Como se pode constatar, tem um problema no exemplo acima, e em todos os outros casos de colisão entre direitos fundamentais, que deve ser resolvido, portanto, uma solução deve ser encontrada para resolver esse conflito. Manoel Gonçalves Ferreira Filho sugere algumas formas de solucionar a colisão de princípios:
Vários critérios podem ser propostos. O primeiro óbvio é o de se procurar a conciliação de ambos. Outro, o da pertinência, ou seja, qual o princípio que concerne, mais de perto, a matéria em causa. Aponte-se mais um – o do ‘peso’. Entretanto, este presume uma valoração – qual o princípio mais importante –, o que é sempre arbitrário e discutível, já que a Constituição não estabelece tal escala.[9]
Robert Alexy aduz que, para solucionar colisão de direitos fundamentais, é necessário fazer alguma limitação ou sacrifício. O autor faz, primeiramente, a distinção entre regras e princípios mencionando que princípios são mandamentos de otimização. A solução para a colisão de princípios seria a ponderação. Já as regras, são completamente diferentes, pode-se dizer que se trata de algo definitivo; elas, ou só podem ser cumpridas ou não cumpridas. Portanto, consideradas como mandamentos definitivos. Assim sua forma de aplicação é a subsunção. No conflito entre regras, uma delas deverá ser considerada inválida e eliminada do ordenamento jurídico. No caso de conflito entre princípios deve-se analisar o peso de cada um deles, que é na verdade uma ponderação de valores.
Segundo a lei da ponderação, a ponderação deve realizar-se em três graus. No primeiro grau deve ser determinada a intensidade da intervenção. No segundo grau trata-se, então, da importância dos fundamentos que justificam a intervenção. Somente no terceiro grau realiza-se, então, a ponderação no sentido restrito e verdadeiro.[10]
Nelson Nery Junior, ao tratar da proibição da prova ilícita, refere ter este princípio relação direta com a proporcionalidade. Deve-se partir da premissa que nenhum direito é absoluto, assim mesmo sendo proibido produzir prova ilícita, em alguns casos essa proibição deve ser desconsiderada para proteger um direito considerado superior, como é o caso de uma pessoa inocente que prova que não cometeu nenhum crime através de uma gravação ilegal. Ora, neste exemplo, parece claro que a liberdade de alguém deve prevalecer diante do princípio inserido no inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal de 1988.[11]
Surge uma dúvida pouco tratada na doutrina: se por acaso o juiz deixa de analisar o critério da proporcionalidade ao analisar um conflito de direitos em um caso concreto, seria caso de nulidade da decisão, algum vício ocorreria com a falta da proporcionalidade no caso concreto, ou esse critério ficaria a cargo do julgador? A resposta parece estar primeiro na elucidação do que seja exatamente o critério da proporcionalidade. Alguns autores definem como princípio, outros como regra, bem como aqueles que dizem tratar-se de postulado, ou mesmo de garantia constitucional. O fato, é que a proporcionalidade traz ao direito um meio de solução de conflitos envolvendo direitos fundamentais, pois através do sopesamento dos direitos colidentes o juiz poderá julgar o caso concreto da melhor maneira possível, sem restringir de forma ofensiva os direitos postos em causa. Este estudo posiciona-se no entendimento de tratar-se o critério da proporcionalidade de um princípio, sendo assim, a falta do critério da proporcionalidade no caso concreto, geraria consequências jurídicas ao processo, podendo a parte requerer aos julgadores que mencionem qual o critério de proporcionalidade que foi considerado no julgamento. Assim como o juiz deve respeitar, por exemplo, o duplo grau de jurisdição ou a motivação das decisões, bem como o contraditório e a ampla defesa, a proporcionalidade surge também como medida fundamental.
Percebe-se que existe uma grande dificuldade dos operadores do direito, quando se deparam com casos concretos, em que ambos os direitos colidentes são da mesma hierarquia, no entanto, alguma solução deve ser buscada para solucionar da melhor maneira possível, e graças ao princípio da proporcionalidade o mundo jurídico se torna mais equilibrado.
Conclusão
Como foi abordado na pesquisa, o princípio da proporcionalidade nasceu no Direito Administrativo e foi se espalhando pelos demais ramos do direito, sendo considerado extremamente relevante no Direito Constitucional.
O princípio da proporcionalidade se divide em três subprincípios: da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Apesar de não se encontrar expresso no ordenamento jurídico, aparece de forma implícita e torna-se uma solução para a colisão de direitos fundamentais que surgem nos mais variados casos concretos. Quando dois direitos da mesma hierarquia se chocam, deve-se medir o peso dos direitos em questão e fazer um critério de sopesamento, cada um cedendo de forma razoável para encontrar a melhor solução, e sempre respeitando os critérios da adequação necessidade e proporcionalidade. Nesse desiderato, deve-se restringir um direito o mínimo possível, apenas o necessário para a solução do conflito.
Referências
1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2010. p.266-7.
2 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. pp.737;744-5.
3 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.370-1.
4 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. pp.69;73-5.
5 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.865-6.
6 .MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.92.
7 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p.169-71
8 HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p.147.
9 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.397.
10 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Traduzido por Luis Afonso Heck. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.62-9.
11 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6.ed. rev. ampl. atual. com a lei da ação direta de inconstitucionalidade (9.868/99), Lei de arguição de descumprimento de preceito fundamental (9.882/99), e a Lei do processo administrativo (9.784/99). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.152-3.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. O Critério da Proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2012, 08:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29796/o-criterio-da-proporcionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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