O art. 52, inc. X, da Constituição Federal determina que “compete, privativamente ao Senado Federal: suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Assim, quando o STF decide no caso concreto, declarando incidentemente a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do Poder Público Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, oficia ao Senado Federal para que ele suspenda, por meio de resolução, a execução da lei violadora da Constituição.
Caso o presidente do STF não comunique ao Senado da declaração incidental de inconstitucionalidade, este órgão tomará conhecimento por meio de representação do procurador-geral da República ou através de projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, conforme art. 386, do Regimento Interno do Senado Federal, que assim dispõe:
Art. 386. O Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade total ou parcial de lei mediante:
I – comunicação do Presidente do Tribunal;
II – representação do Procurador-Geral da República;
III – projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição,Justiça e Cidadania.
Cumpre observar, entretanto, que o dispositivo constitucional citado acima, refere-se apenas às declarações de inconstitucionalidade prolatadas por meio do controle difuso, ou seja, incidenter tantum.
Sobre o controle difuso, Alexandre de Moraes afirma que:
a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito. Nesta via, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato, produzidos em desacordo com a Lei maior. Entretanto, este ato ou lei permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros (MORAES, 2009.p. 709/710).
Pois bem. A atribuição senatorial objeto de nossa análise surgiu com a constituição de 1934 e se manteve nas constituições posteriores, à exceção da carta magna de 1937(FERRARI, 1992, p. 219).
Ocorre que, na Constituição de 1934, o Senado Federal não integrava o Poder Legislativo, mas fazia parte de uma Coordenação de Poderes, como pode ser visto no art. 88 da citada constituição:
Ao Senado Federal, nos termos dos arts. 90, 91 e 92, incumbe promover a coordenação dos Poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência.[1]
Dessa forma, fazia mais sentido a interferência do Senado nas decisões julgadas pela Suprema Corte naquela época, uma vez que atuava como um poder moderador. Somente com a Constituição de 1946, o Senado Federal voltou a fazer parte do Poder Legislativo.
Para alguns, essa atribuição do Senado no controle de constitucionalidade é de caráter discricionário, para outros, vinculado.
Contudo, tanto o STF como o próprio Senado entendem que este órgão legislativo não está obrigado a editar a resolução suspensiva do ato estatal cuja inconstitucionalidade foi declarada na via difusa pela Corte Maior (STF, MI 460-9/RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ, de 16-6-1994, p. 15509; Senado Federal – Pareceres n. 154/71, 261/71, 282/71, RIL 48:265).
Daí se infere se tratar de atuação discricionária, devendo o Senado analisar a conveniência e oportunidade antes de editar a resolução suspensiva. Sobre o tema, Gilmar Mendes leciona:
Cuida-se de ato político que empresta eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal proferida em caso concreto. Não se obriga o Senado Federal a expedir o ato de suspensão, não configurando eventual omissão qualquer infração a princípio de ordem constitucional. Não pode a Alta Casa do Congresso, todavia restringir ou ampliar a extensão do julgado proferido pela Excelsa Corte (MENDES, 2008, p. 1082)
É de se observar ainda que o Senado Federal não declara a inconstitucionalidade de lei ou decreto, mas apenas determina a suspensão de sua execução. Esgota-se, portanto, sua competência nesse ato, não podendo voltar atrás, alterando a resolução que havia editado anteriormente (STF, RTJ, 38:5, 38:569 e 39:628).
No que tange aos efeitos, quando o Senado edita a Resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional incidentalmente pelo STF, essa suspensão atingirá a todos, ou seja, o efeito será erga omnes.
Por outro lado, o efeito é ex nunc, não retroagindo. É de se observar, entretanto, que o art. 1º, §2º do Decreto n. 2.346/97 admite expressamente a produção de efeito ex tunc para a Resolução do Senado, apenas no que concerne à Administração Pública Federal direta e indireta, in verbis:
Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto.
§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal.
No mesmo rumo da irretroatividade, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello entende que o Senado ao editar a resolução suspensiva, cassa a lei, fazendo-a perder a sua executoriedade, pois, dessa data em diante, a revoga simplesmente (MELLO, 1980).
Assim, o Senado Federal ao suspender da execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF nos recursos extraordinários tem a função de dar efeito erga omnes a uma decisão incidenter tantum, que antes gerava efeitos somente às partes do processo.
Vale ressaltar, todavia, que em algumas oportunidades, o próprio Supremo Tribunal Federal reconhece a eficácia geral de suas decisões no controle difuso e, em outras situações, confere efeito vinculante à decisão de inconstitucionalidade, tornando a participação do Senado um tanto quanto desnecessária, ainda mais, com a evolução do controle abstrato de constitucionalidade, em virtude da ampliação da legitimação para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Nessa senda, Gilmar Mendes entende que a amplitude conferida ao controle abstrato, com a possibilidade de o STF em ação direta de inconstitucionalidade, suspender liminarmente a eficácia de uma lei, fez com que o papel do Senado no controle de constitucionalidade difuso perdesse parte de seu significado (MENDES, 2008).
Mendes (2004) defende ainda que, se o STF decide de modo definitivo que determinada lei é inconstitucional, em sede de controle incidental, esta decisão é definitiva. Nesse caso, para o eminente Ministro a resolução tem a finalidade apenas de dar publicidade à decisão.
Diante do exposto, conclui-se que a função do Senado no atual controle de constitucionalidade incidental é além de emprestar eficácia geral ao que foi decidido no caso concreto, também é tornar pública a decisão do tribunal. Todavia, a adoção de institutos como a súmula vinculante, a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade no controle difuso, bem como a evolução do controle abstrato, tornam o art. 52, inciso X da Constituição cada vez mais obsoleto, perdendo sua relevância na atualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituições que marcaram o século XX. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Senado Federal. Secretaria especial de editoração e publicações. Subsecretaria de edições técnicas. Brasília, DF, 1999.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 219.
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de Melo, Teoria das Constituições rígida. 2.ed. São Paulo: Bushatsky, 1980, p.211)
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Brasília: Saraiva, 2008, p. 1082.
_________. O papel do Senado no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de informação legislativa, Brasília, 2004, p. 165-166.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo. Editora Atlas S/A. 2009.
[1] BRASIL. Constituições que marcaram o século XX. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Senado Federal. Secretaria Especial de Editoração e Publicações. Subsecretaria de Edições Técnicas. Brasília, DF, 1999.
Procuradora Federal desde 2006, atualmente em exercício na Procuradoria Regional Federal da 5 ? Região (Recife). Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pós-graduada em Direito Público e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera- Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATINGA, Sybelle Morgana Macena. A função do Senado Federal no controle de constitucionalidade incidental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2012, 08:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29810/a-funcao-do-senado-federal-no-controle-de-constitucionalidade-incidental. Acesso em: 23 dez 2024.
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