RESUMO
A atividade portuária comporta trabalhadores com vínculo empregatício e trabalhadores avulsos. Estes, atualmente, são intermediados pelo OGMO (Órgão Gestor de Mão-de-obra) e subdivididos no sistema em trabalhadores portuários avulsos (TPA) cadastrados e registrados. Essa diferenciação consiste em um dos critérios para determinar a escalação de labor disponível aos trabalhadores, ou seja, uma forma de distribuição de trabalho aos TPA. Ocorre que há preferência de escolha aos trabalhadores registrados, portanto, o presente estudo tratará minuciosamente como isso ocorre e se esta forma de tratamento diferenciado entre cadastrados e registrados fere o princípio da igualdade.
PALAVRAS-CHAVE: trabalhador portuário avulso, OGMO, princípio da igualdade.
1 INTRODUÇÃO
A atividade portuária possui duas ramificações quanto aos seus trabalhadores de acordo com o caput do artigo 26 da Lei 8.630/93 (BOTELHO, 2008, p. 414), a saber, trabalhadores com vínculo empregatício, que são aqueles contratados pelos operadores portuários, e trabalhadores avulsos, estes que serão o cerne do presente estudo.
Quando um indivíduo inicia seus serviços como um TPA, necessariamente ele é um trabalhador com título de cadastrado no sistema. Ele realiza um concurso público, o qual, se aprovado, realiza uma bateria de exames médicos e, em seguida, ingressa no meio portuário.
Ser um cadastrado, para muitos, se assemelha a uma fase de especialização na qual o indivíduo realiza uma série de cursos relacionados ao trabalho portuário para ir se aperfeiçoando e ampliando suas possibilidades de trabalho. Em um determinado momento (o qual ocorre de forma imprevisível), o TPA cadastrado se torna registrado no sistema; isso acontece quando a demanda de trabalhos aumenta ou quando algum TPA registrado, por ventura, falece, aposenta ou cancela o seu registro como disposto no artigo 27, §3º da Lei 8.630/93 (BOTELHO, 2008, p. 414).
A diferença entre ambos, cadastrados e registrados, não consiste em salários, jornadas de trabalho ou algo do tipo, mas sim, como elenca o art. 54 da Lei 8.630/1993 (BOTELHO, 2008, p. 421), à preferência dos trabalhos aos registrados, visto que se tem o cadastro como força supletiva.
Diante disso, é possível trazer em pauta o questionamento a cerca da diferença entre essas duas categorias e se esta pode atentar contra o princípio da igualdade, tal como é positivado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2008, p. 15). Em suma, seguindo este raciocínio, o tema a ser traçado aqui será a cerca do tratamento diferenciado conferido aos TPA, cadastrados e registrados, e se este pode ser considerado abusivo, ferindo o princípio da igualdade.
2 TRABALHADORES CADASTRADOS E REGISTRADOS
Inicialmente, mister se faz identificar um breve contexto histórico acerca da atividade portuária no Brasil que “teve seu início em 1808, com a abertura dos portos às nações amigas” (CASTRO JR.; PASOLD, 2010, p. 127) e, desde então, sofreu diversas modificações legislativas.
A priori, o labor utilizado para tal atividade se concentrava, em grande parte, na mão-de-obra escrava. “A questão social, no Brasil, recebe a tônica da disseminação de novas ideologias no governo de Getúlio Vargas” (CASTRO JR.; PASOLD, 2010, p. 128) e, consoante a isso, Osvaldo Agripino de Castro Jr. e Cesar Luiz Pasold (2010, p. 129), aludem que foi neste governo que houve o advento da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A partir de então, o trabalho portuário passou a ter maiores garantias e a ser regulado pelos artigos 254 a 292 da CLT, além de legislações esparsas.
Nesta época, a atividade portuária ainda não especificava a distinção de trabalhadores cadastrados e registrados, porém, “existia a figura do trabalhador que compunha a força supletiva. Era aquele que, sem ser inerente ao sistema, completava as equipes” (PAIXÃO; FLEURY, 2008, p. 31). Sendo assim, ainda não se falava em trabalhador cadastrado, apenas em registrado e força supletiva.
O regime laboral portuário avulso regulado pela CLT foi expressamente revogado conforme expressa o art. 75 da então nova Lei n. 8.630/93 (BOTELHO, 2008, p. 424), conhecida como “Lei de Modernização dos Portos”.
A Lei nº 8.630/93 regulamentou de forma definitiva, os portos organizados, acabou com o monopólio dos sindicatos e implementou mudanças que possibilitaram reformas estruturais e administrativas no trabalho portuário, buscando uma melhor competitividade com descentralização do mercado de trabalho e redução de tarifas e eliminando alguns entraves e impedimentos que dificultavam a adaptação dos portos brasileiros à livre iniciativa mercadológica. (CASSAR, 2009, p. 237).
Para uma melhor organização dos portos e o fim do monopólio sindical sobre a atividade portuária foi criado um órgão gestor denominado OGMO (Órgão Gestor de Mão de Obra). Este órgão foi criado com inúmeros objetivos, porém, para o presente estudo, vale destacar os objetivos de “qualificar os trabalhadores portuários avulsos e implantar novas formas de organização [...]” (CASTRO JR., PASOLD, 2010, p. 133).
Para destrinchar a assertiva anterior, ao dizer que o OGMO objetivou implantar novas formas de organização, é revelar que, a partir da edição da Lei de Modernização dos Portos, os trabalhadores portuários avulsos passaram a estar agrupados em cadastrados e registrados.
Foi então que surgiu a figura do TPA cadastrado. Neste ponto, o artigo 54 da Lei 8.630/93 (BOTELHO, 2008, p. 421) regulamentou-o como aquele que complementa as equipes de trabalho na falta do registrado. Sendo assim, quando o quantitativo de trabalhadores registrados não é suficiente para o preenchimento das equipes, os cadastrados podem prestar serviços de forma complementar, pois aqueles que possuem o registro mantêm a preferência para a composição das equipes de trabalho.
Destarte, cabe ao órgão gestor, realizar a distribuição de trabalho disponível aos TPA de forma justa e organizada. Neste ponto, cabe dizer que há uma série de elementos que determinam as distribuições dos trabalhadores na escalação de trabalhos, no entanto, o que nos importa é apenas um, este consiste numa distinção interna (do OGMO) determinada entre os TPA. Essa distinção estabelece uma subdivisão entre eles em cadastrados e registrados.
O momento da escolha dos trabalhadores ocorre da seguinte maneira, primeiramente, o trabalhador deve marcar presença na escalação, que ocorre em local predeterminado pelo OGMO ou via internet, com a opção dos turnos manhã, tarde, noite e madrugada. Cada trabalhador é livre para escolher o turno em que deseja trabalhar, inclusive quais dias, desde que efetue 2/3 de presença em relação aos dias do mês.
No momento em que o trabalhador está marcando a presença ele elencará todos os trabalhos que deseja fazer, porém, isso não quer dizer que ele irá ser convocado em todos e nem sequer em um dos que ele escolheu. Dessa forma, ele pode cair em um dos trabalhos que indicou ou não (quando isso ocorre se diz que ele vai trabalhar a pulso) ou então pode ainda “sobrar” e não pegar nenhum serviço, isso ocorre quando há mais trabalhadores disponíveis do que trabalhos ofertados.
Sendo assim, a fim de esclarecer como seria a preferência do TPA registrado sobre o cadastrado, ao supor uma escalação na qual esteja ofertando 100 vagas de trabalho e há 200 TPA com a presença marcada, dentre eles 90 registrados e 110 cadastrados. Os 90 registrados garantirão sua vaga, enquanto, dentre os 110 cadastrados, apenas 10 destes serão escalados para complementar as 10 vagas remanescentes.
O fato dos registrados terem preferência dos trabalhos em relação aos cadastrados faz com que muitos destes marquem presença na escalação e “sobrem” ou então sejam direcionados aos piores labores.
A referida distinção dos TPA em cadastrados e registrados é apenas um dos inúmeros critérios de distribuição dos trabalhos no qual o OGMO se baseia, mas, para tanto, é o único que importa para este estudo. A questão aqui é entender como se dá essa distinção entre os TPA em cadastrados e registrados.
É inquestionável que o acesso inicial dos TPA ao OGMO “deve acontecer via seleção pública, em respeito aos princípios constitucionais da igualdade, da valorização do trabalho e da busca do pleno emprego” (PAIXÃO; FLEURY, 2008, p. 36). Em seguida, todos os trabalhadores ingressam no sistema de trabalho como TPA cadastrados, fase esta que é considerada o momento em que os trabalhadores receberão qualificação de trabalho pelo OGMO (ponto suscitado anteriormente como objetivos deste órgão) por meio de uma série de cursos de capacitação. E, enquanto isso, os trabalhadores cadastrados servirão apenas como força complementar de trabalho.
Entretanto, resta saber como ocorre a evolução de um TPA cadastrado para um registrado, pois é de fácil compreensão que todo o TPA registrado um dia foi um TPA cadastrado. Para tanto, de acordo com o art. 18, V, da Lei 8.630/93 (BOTELHO, 2008, p. 412), o OGMO deve estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para o acesso ao registro do trabalhador portuário avulso. No entanto, ocorre que essa passagem do trabalhador cadastrado ao registro ocorre de forma imprevisível e dependente do aumento da demanda de trabalho ou quando, de acordo com o art. 27, §3º, da Lei 8.630/93 (BOTELHO, 2008, p. 414), um TPA registrado, por ventura, falece, aposenta ou cancela o seu registro no sistema.
A partir dessa dependência supracitada, torna-se claro que o número de trabalhadores registrados deve ser compatível com o número de oportunidades de trabalho e, caso faltem trabalhadores registrados na escalação de trabalhos, estes, e apenas nesse caso, devem ser complementados pelos trabalhadores cadastrados.
Esse é o entendimento que se pode chegar à risca da atual legislação. Contudo, cabe questionar se tais disposições legislativas ordinárias não se tratam, na verdade,
[...] de instituto de frágil constitucionalidade, em face da regra de isonomia constante do art. 5º, caput, da carta magna, considerando-se que o trabalhador avulso registrado e o cadastrado realizam o mesmo trabalho. Essa discussão, contudo, ainda não surgiu, de forma consistente, nas relações de trabalho brasileiras. (PAIXÃO; FLEURY, 2008, p. 31).
Vale retratar que este princípio pode tomar duas vertentes: a igualdade material e a igualdade formal, esta é a que nos interessa. Nesta vertente há a “impossibilidade de tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas” (TOSCANO, 2004).
Portanto, a igualdade formal é prevista constitucionalmente como uma igualdade de aptidão, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei. Tal ideia pode se operar em dois sentidos. Um consiste em que os indivíduos devem ser tratados igualmente sem distinção de raça, sexo, religião, classe social, convicções políticas ou filosóficas. Enquanto o outro sentido reside na impossibilidade de tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. É este o sentido que deve ser apregoado nesta pesquisa.
Tal sentido principiológico é cabível, pois ambos os TPA, cadastrados e registrados, ingressam no labor em situações idênticas, ou seja, por meio do mesmo concurso público. Além disso, ambas as categorias realizam o mesmo trabalho portuário quando escalados. Assim, diante de toda essa conjuntura, cabe o posicionamento de que o tratamento conferido aos TPA, cadastrados e registrados, pode ser considerado abusivo ao ponto de ferir o princípio da igualdade.
3 CONCLUSÃO
Ao longo da história, os trabalhadores portuários avulsos adquiriram diversos direitos frente a evolução da legislação trabalhista. Inclusive, ganharam o OGMO como órgão gestor para organizar e qualificar os trabalhadores, bem como ofertar e escalar os trabalhos de forma justa seguindo uma série de critérios.
Ocorre que um dos critérios, a saber, a diferenciação entre trabalhadores cadastrados e registrados é um instituto de frágil constitucionalidade à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Isto, pois, ambas as categorias ingressam no sistema portuário por meio do mesmo concurso e realizam o mesmo labor, porém, os TPA cadastrados configuram apenas uma força supletiva.
Entratanto, não pode deixar de se pensar na necessidade do período de cadastro do indivíduo para que ele seja qualificado às atividades portuárias, bem comon as discussões que rodeiam a redução do efetivo caso haja o aumento do registro dos trabalhadores. Porém, ainda que hajam essas discussões, a violação da igualdade formal entre as categorias dos TPA resta nítida. Portanto, torna-se necessário repensar o funcionamento do sistema em busca de outras formas de ingresso e distinção de trabalho que justifiquem o tratamento diferenciado conferido a cada categoria de trabalhadores portuários avulsos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 8.212 de 24 de julho de 1991. 1991. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/42/19 91/8212.htm>. Acesso em: 14 de jun. de 2012.
BOTELHO, Martinho Martins. Coletânea de Legislação Brasileira de Direito Marítimo e Portuário: Lei 8.630/93. São Paulo: Lex Editora S.A., 2008.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 3. ed. Niterói: Impetus, 2009.
CASTRO JR., Osvaldo Agripino de; PASOLD, Cesar Luis. Direito Portuário, Regulação e desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 1991.
PAIXÃO, Cristiano; FLEURY, Ronaldo Curado. Trabalho Portuário – A modernização dos portos e as relações de trabalho no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2008.
TOSCANO, Fernando. Direito & Defesa do Consumidor – O princípio da igualdade. 2004. Disponível em: <http://www.portal brasil.net/2004/colunas/direito/ marco_ 01.htm>. Acesso em: 26 de maio de 2012.
Acadêmica do curso de Direito da Faculdade de Direito de Vitória - FDV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Michele Dela Fuente. Trabalhador portuário avulso, cadastrado e registrado, distinção que fere o princípio da igualdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jul 2012, 11:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29936/trabalhador-portuario-avulso-cadastrado-e-registrado-distincao-que-fere-o-principio-da-igualdade. Acesso em: 23 dez 2024.
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