RESUMO: A prática reiterada do delito de desaparecimento forçado de pessoas teve início na década de sessenta, período histórico em que grande parte da América Latina vivia o modelo de Estado ditatorial ocasionador de turbulências sociais, e conseqüentemente da formação de grupos guerrilheiros de esquerda. Quando se deram os grandes casos de desaparecimento forçado não havia, no Uruguai, um tipo penal específico para a conduta somente tratados internacionais que obrigavam o país a proteger e promover determinados direitos e garantias do homem. Classificado como crime de lesa humanidade, dita conduta só foi tipificada pelo legislador uruguaio em 2006, ainda assim, criou-se uma espécie de delito especial, uma vez que no Uruguai, somente agentes estatais, ou particulares com apoio e aquiescência destes podem realizar o delito de desaparecimento forçado. Observando tal fato, e a prática desta conduta por organizações políticas e narcotraficantes, propõe-se um tipo penal semelhante ao que impera na Colômbia, onde desaparecimentos forçados praticados por particulares, agentes estatais e organizações políticas, detém a mesma penalidade.
Palavras-chave: Uruguai - Direitos Humanos - Desaparecimento Forçado - Lesa humanidade
ABSTRACT: The repeated practice of forced disappearance crime began on 60’s when large part of Latin America was domined by dictatorships, what generated a lot of social turbulences and, consequentially, the structure of guerrilla fighter groups. When those principal cases of forced disappearance occurred didn’t exist, in Uruguay, a specific legislation to that behavior, only international pacts that obligated that country to protect and promote rights and human guarantees. Classified how as a crime against humanity , that behavior only became typical in 2006, but the legislator created a special kind of crime, that is, in Uruguay only public functionary or private people, with support and acquiescence of them, were able to practice forced disappearance crime. Because of these facts and the practice of this crime by political organizations and narcotic traffic, was proposed a law similar to the Legislation of Colombia, where the forced disappearance practiced by private people, public functionary, or political organizations receives the same punishment.
Key words: Uruguay - Human Rights - Forced Disappearance - Crime against Humanity
1 INTRODUÇÃO
O surgimento em larga escala de governos ditatoriais na América Latina, aliado ao inconformismo social e o conseqüente surgimento de grupos anti-governamentais, visionários da queda do regime vigente, culminou em uma série de crimes de desaparecimento forçado utilizado como arma do dito “terrorismo de Estado” para a manutenção do modelo de governo.
A prática do delito de desaparecimento forçado teve início na Guatemala e espalhou-se pela América Latina chegando ao Uruguai, cujos episódios são objeto deste estudo. No Brasil, também há relatos da ocorrência deste tipo de crime, sendo o caso da guerrilha do Araguaia apontado como grande exemplo e a lei da anistia como vilã da salvaguarda dos direitos humanos.
Partindo destes fatores, esta produção acadêmica objetiva analisar o crime de desaparecimento forçado alinhando dados históricos, bem como concepções da doutrina Penal e Internacional, diferenciando o tipo desaparecimento forçado de tipos penais similares, apontando, ainda, um possível modelo de tipo penal de desaparecimento forçado. São, também, objetos deste estudo as teorias monista e dualista e, do mesmo modo, a recepção dos tratados e convenções internacionais pelo direito interno em variados países.
2 DESAPARECIMENTO FORÇADO versus SEQÜESTRO: CONCEITOS E DIFERENÇAS
O debate acerca da salvaguarda dos direitos humanos, remonta ao período iluminista em que se difundiu a idéia de que a humanidade seria detentora de determinados caracteres invioláveis. Após o emblemático período das revoluções burguesas, passou-se a considerar imprescindível para a formação de uma constituição, que se assegurem determinados direitos do homem: “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada não possui constituição”[1]. Nesta conjectura, Klaus Stern leciona: “as idéias de constituição e direitos fundamentais são, no âmbito do pensamento da segunda metade do século XVIII, manifestações paralelas e unidirecionadas da mesma atmosfera espiritual [...]”. (STERN apud SARLET)
Na pós-modernidade, a proteção destes direitos está vinculada tanto às constituições e a firmação de acordos e convenções entre os países, quanto às normas determinadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), criada no século XX, com a finalidade de manter a paz e a segurança mundial, bem como a amizade, a cooperação econômica, social e humanitária entre os países-membros. A criação de tal órgão fora impulsionada pela devastação ocorrida ao final da segunda guerra mundial, pelas violações das convenções internacionais ocasionadas pelo conflito e a conseqüente conscientização da necessidade de se evitar a deflagração novos confrontos.
Inúmeros documentos apontam o desenvolvimento do conceito e da proteção dos direitos humanos na órbita internacional. Neste contexto é salutar que se cite a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 e, na linha do tema a que se presta este artigo, cita-se o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional de Direitos Civis e políticos, e principalmente, a Convenção de Imprescritibilidade de Crimes de Guerra e Lesa Humanidade (CICGLH) de 1968, cujo Uruguai é signatário.
No que tange às violações dos Direitos Humanos, a década de sessenta é uma das maiores representações. O fato é que durante tal período impulsionou-se em todo o mundo a formação de regimes ditatoriais sob os quais a opinião pública e a sociedade civil mal se desenvolviam. Observando-se a formação de uma frente de idéias oposta à vigente e visionando a manutenção daquele tipo de regime, o Estado utilizou-se do que Galain Palermo[2] (2009) denomina “terrorismo de Estado”, isto é, práticas delituosas organizadas pelo Estado, durante período ditatorial, com a finalidade de combater qualquer grupo subversivo e sedicioso mantendo, assim, o modelo de governo vigente.
Paralelamente ao ocorrido no Uruguai, o Brasil também sofreu o chamado “estado de guerra interna” ou “estado de luta total”. Neste contexto, cita-se o episódio da “guerrilha do Araguaia” marcado pela pesada repressão a grupos guerrilheiros de esquerda, que buscavam derrubar o regime ditatorial através da luta armada. A história relata episódios que exemplificam dito estado:
No segundo semestre de 1980 e início de 1981 os militares da “linha dura” ao que se supõe, foram responsáveis por vários atentados sangrentos ainda hoje não esclarecidos. Conforme notícias veiculadas os atentados foram praticados por forças policiais militares comprometidas com a repressão, a tortura e o assassinato de presos políticos. (KOSHIBA; PEREIRA, 2003)
A repressão, por parte do regime governamental, ocorria sob a forma de atentados à bomba, como o ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 1981: “Havia a mais indisfarçável evidência de que os militares vitimados pela bomba eram terroristas, porém foram apresentados oficialmente como vítimas de terroristas não identificados” (KOSHIBA; PEREIRA, 2003)
As violações aos direitos e garantias humanas são tipificadas sob o título de crimes de lesa humanidade, nomenclatura ratificada pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1988), segundo o qual são considerados crimes de tal natureza: “[...] qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque [...]”. Dentre os atos considerados lesivos à humanidade, encontra-se o tipo “desaparecimento forçado” conceituado, ainda, pelo citado estatuto:
i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.
A grande semelhança entre os tipos penais de desaparecimento forçado e seqüestro ocasiona determinada celeuma, que incita a uma distinção. Para o Código Penal Brasileiro, art. 148, tem-se como seqüestro privar alguém da própria liberdade, devendo o agente ser punido com 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão. O crime de “desaparecimento forçado”, por seu turno, traz características de maior profundidade, uma vez que é denominado tipo penal pluriofensivo. O desaparecimento forçado viola cerca de nove direitos humanos, dentre estes o direito à vida, à liberdade, ao trabalho, à identificação, a garantias fundamentais, à memória e à justiça.
Ainda no que tange às discrepâncias entre os citados tipos penais, o tipo desaparecimento forçado suprime o quadro de agentes determinando a necessidade de intervenção de agentes estatais ou de organizações políticas, ao passo que o tipo penal seqüestro não determina qual deve ser o agente, apenas a conduta e penalidade. Neste aspecto, ainda se deve citar os caracteres de permanência e imprescritibilidade do crime de desaparecimento forçado, uma vez que todos os crimes de lesa humanidade são classificados como imprescritíveis. Para a doutrina penal brasileira, o seqüestro também é caracterizado como crime necessariamente permanente, visto que, a continuidade do estado danoso é essencial à sua configuração. Opostamente, no que toca aos casos de crimes de desaparecimento forçado, o simples fato de “fazer desaparecer” não configura o tipo penal, uma vez que a negativa de informações sobre a situação da vítima o complementa.
3 O DESAPARECIMENTO FORÇADO NOS CÓDIGOS PENAIS LOCAIS: BRASIL versus URUGUAI
A reiterada prática do delito de desaparecimento forçado de pessoas teve início na década de sessenta, na Guatemala, espalhando-se pela América Latina, como obra do citado “terrorismo de Estado”. Neste período não existia tipo penal que se adaptasse a determinado ato, exceto delitos comuns como o seqüestro. Em determinados países, como o Brasil, a semelhança entre os tipos penais desaparecimento forçado e seqüestro ocasionou tal confusão a ponto de o primeiro não estar presente no ordenamento jurídico do país, sendo o crime somente tipificado por força de convenções internacionais assinadas pelo Brasil. Paralelamente, em território uruguaio quando se deram os casos de desaparecimento forçado não havia um tipo penal determinado para a conduta, entretanto, existiam variados tratados internacionais de força cogente que determinavam ao Uruguai a salvaguarda dos direitos humanos e a punibilidade a quem os violasse. Todavia, ditas normas somente foram adotadas pelo ordenamento jurídico interno após o período de ditadura militar.
No que concerne ao caráter cogente das normas internacionais, há no Uruguai, um dissídio doutrinário, isto é, para determinada parte da doutrina as normas internacionais tem natureza auto-executória, ao passo que outros doutrinadores as conceituam como não-executórias, passando a ter validade em território nacional somente quando adotadas pelo ordenamento jurídico interno. Para a doutrina majoritária e a jurisprudência, quando as normas internacionais tratam de figuras penais, impera o princípio da legalidade, ou seja, para que os tipos penais sejam adotados pelo país, as normas internacionais têm de ser abarcadas pelo ordenamento jurídico interno.
A clássica discussão da executoriedade das normas internacionais em território nacional remonta às doutrinas de monismo e dualismo que, em apertada síntese, diferenciam-se pela necessidade de transformação do Direito Internacional em Direito Interno por meio da atividade legislativa interna. Para o monismo, as normas de Direito Internacional devem ter aplicabilidade direta e automática, isto é,
[...] não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito Interno após a ratificação. Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os tratados já ratificados incorporados à legislação interna através da promulgação ou simples publicação. (RODAS, 1991 apud RAMOS, 2009)
Em países, como a Inglaterra, as normas internacionais consuetudinárias têm aplicabilidade similar à da doutrina monista, ao passo que a norma internacional convencional é recepcionada de acordo com a doutrina dualista. Em cada Estado, a constituição determina de que modo as normas internacionais devem ser recepcionadas pelo Direito interno.
Apesar do citado dissídio e da inexistência do tipo penal desaparecimento forçado, a constituição uruguaia determinava, de modo genérico, que o Estado uruguaio estava obrigado a proteger os cidadãos no gozo da vida, honra, liberdade, segurança, trabalho e propriedade. Do mesmo modo, ainda determinava que os direitos, deveres e garantias nela contidas não exclui outros que sejam inerentes à personalidade humana.
Genericamente, na América Latina, os tratados ratificados e em vigor possuem status de lei ordinária, podendo revogar leis anteriores e incompatíveis. Em países como a Costa Rica, a Guatemala e Honduras, os tratados internacionais gozam de status superior ao das leis, sendo inferiores apenas à constituição. No Brasil, os tratados e convenções internacionais que versarem sobre direitos humanos, se aprovados pelo Congresso Nacional, passam a ter status de emenda constitucional, conforme explica Gilmar Mendes (MENDES, 1996 apud RAMOS, 2009):
Ao contrário do sistema adotado na Alemanha, o Congresso Nacional aprova o tratado mediante a edição do decreto legislativo (CF, art. 49, I), ato que dispensa sanção ou promulgação por parte do Presidente da República. Tal como observado, o decreto legislativo contém aprovação do Congresso Nacional ao tratado e simultaneamente a autorização para que o Presidente da República ratifique-o em nome da República Federativa do Brasil. Esse ato não contém, todavia, uma ordem de execução do tratado no território nacional, uma vez que somente ao presidente da República cabe decidir sobre sua ratificação. Com a promulgação do tratado através do decreto do chefe do executivo recebe aquele ato a ordem de execução, passando, assim, a ser aplicado de forma geral e obrigatória.
No que alude ao delito de desaparecimento forçado, ainda que tipificado pelas normas internacionais, somente se tornou parte do ordenamento jurídico uruguaio em 2006, como crime permanente e imprescritível. Determina o tipo penal:
Art. 21.1 - Aquele que de qualquer maneira e por qualquer motivo, sendo agente do Estado ou sem o ser, contando com a autorização, apoio ou aquiescência de um ou mais agentes de Estado, proceder a privar de liberdade uma pessoa, seguido da negativa de informar sobre a privação de liberdade ou sobre o paradeiro e a sorte da pessoa privada de liberdade; ou que se omita e se negue a oferecer informação sobre o feito de privação de liberdade da pessoa desaparecida, seu paradeiro ou sorte, será castigado com dois a vinte e cinco anos de reclusão.
Art. 21.2 - O delito de desaparecimento forçado será considerado como delito permanente, ainda que não se estabeleça o paradeiro da vítima.
Art. 21.3 - O juiz poderá considerar como atenuantes do delito de desaparecimento forçado de pessoas as seguintes circunstâncias: a) que a vítima seja posta em liberdade em prazo inferior a dez dias; b) que se informe ou se atue para possibilitar ou facilitar a aparição com vida do desaparecido.
Observando-se a exacerbada restrição à figura do agente, o legislador uruguaio parece ter criado um tipo de delito especial, uma vez que o desaparecimento forçado de pessoas estaria intimamente ligado a atividade de agentes estatais ou a aquiescência destes, sem se considerar a possibilidade de particulares, como grupos políticos, praticarem a mesma conduta.
Sendo o Estado obrigado a proteger a promover os direitos humanos, o legislador uruguaio parecer ter transformado o delito de lesa humanidade em mero delito de infração de dever. Sendo então para o Uruguai a atividade estatal imprescindível para a caracterização do delito de desaparecimento forçado de pessoas, o tipo penal parece ser conduzido a uma nova questão, uma vez que a ninguém se obriga fazer prova contra si próprio.
Em outro aspecto, o tipo penal uruguaio parece ser simultaneamente comissivo e omissivo, isto é, há a ação de privar alguém da própria liberdade e, logo após, negar informações sobre o paradeiro e sorte da pessoa desaparecida. Do mesmo modo, não há obrigatoriedade de que o sujeito a oferecer informações sobre o desaparecimento tenha participado da fase de privação de liberdade, podendo ser, portanto, qualquer particular ou agente do Estado que conheça a situação do desaparecido.
4 O TIPO DESAPARECIMENTO FORÇADO NO URUGUAI E O MODELO COLOMBIANO
Em contrapartida aos movimentos guerrilheiros de esquerda, crescentes na América Latina, Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai reuniram-se em aliança militar com a finalidade de reprimir ditos movimentos guerrilheiros e manter o modelo de governo ditatorial vigente. Parte da chamada doutrina de segurança nacional, o denominado plano condor, no Brasil, apelidado de Carcará, tinha como objetivo central a perseguição, detenção, interrogatório, bem como a desaparição ou morte de pessoas consideradas subversivas da ordem e contrárias ao pensamento político ideológico da região.
Enquanto no Brasil os ventos da ditadura militar sopraram em 1964, no Uruguai, em 1966, após uma reforma constitucionalista Oscar Gestido foi elevado ao poder, governando o país de modo austero, fazendo frente à crise econômica que se passava. A oposição entre governo e sindicatos, e a chegada de um novo governante, levou a situação conflituosa ao auge. Os partidos de esquerda foram proibidos, o Estado de sítio declarado, as garantias constitucionais suspensas e os salários congelados.
Como exaustivamente repetido, a prática do crime de desaparecimento forçado de pessoas surgira como fruto do dito terrorismo de Estado, encontrando empecilho para a punibilidade dos agentes na inexistência de tipo penal específico à época. Sob outra ótica, os princípios basilares de irretroatividade da lei penal e o princípio da legalidade, também podem ser vistos como entraves à punibilidade dos crimes de desaparecimento forçado.
Para a doutrina penalista, as normas penais só terão caráter retroativo quando ocasionam benefício do réu. Neste ponto, instala-se verdadeira dicotomia, uma vez que os casos de desaparecimentos forçados de pessoas se deram em período anterior à tipificação da conduta no país. Após a tipificação de dita conduta, em território uruguaio, gerou-se um tipo penal especial, isto é, a figura do agente foi suprimida de tal forma que a participação de agentes estatais tornou-se imprescindível para a configuração do crime de desaparecimento forçado.
No que tange à configuração do tipo penal, a legislação colombiana encobre as falhas da uruguaia. Em território colombiano, a participação de agentes estatais não é imprescindível para que a conduta seja classificada como desaparecimento forçado, uma vez que grupos guerrilheiros e narcotraficantes também se utilizam desta prática.
Art. 268 A. - Desaparecimento forçado. O particular que pertencendo a um grupo armado à margem da lei submeta outra pessoa a privação de sua liberdade, qualquer que seja a forma, seguido do seu ocultamento e da negativa ao reconhecimento de dita privação ou de dar informação sobre o seu paradeiro [...] incorrerá em prisão de vinte e cinco (25) a quarenta (40) anos, multa de quinhentos (500) a dois mil (2000) salários mínimos mensais vigentes e em interdição de direitos e funções públicas de cinco (5) a dez (10) anos.
A mesma pena se dará ao servidor público ou ao particular que atue sob a determinação ou a aquiescência daquele, e realize a conduta descrita no inciso anterior.
Para o tipo penal uruguaio, o desaparecimento forçado foi reduzido a um crime de infração de dever, visto que é missão estatal proteger e fazer proteger os direitos do homem. O fato é que o bem jurídico violado pelo crime desaparecimento forçado é múltiplo, e sendo assim, atinge não só o próprio desaparecido, mas o círculo social que o envolve.
Além de provocar danos sociais no que toca a proteção dos bens jurídicos liberdade, integridade física, dentre outros, o delito de desaparecimento forçado de pessoas, ainda interfere na esfera individual, uma vez que viola o exercício pessoal da salvaguarda dos direitos da vítima. Observados todos estes fatores, é fundamental que o tipo penal desaparecimento forçado de pessoas tenha maior possibilidade de agentes, isto é, que os agentes estatais não sejam necessários para que se configure tal delito, bem como deve ser considerado o dolo. Para Ambos e Böhm, deve ser tipificado o desaparecimento forçado de pessoas:
Desaparecimento forçado de pessoas
1. O Estado ou o particular que atue com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, que em ataque sistemático ou generalizado [...]
1) privar a uma pessoa da liberdade por qualquer modo, e logo não informar sobre a privação de liberdade ou sobre o paradeiro ou sorte dessa pessoa dentro do prazo legalmente estipulado ou, no prazo de quarenta e oito (48) horas;
2) não informar sobre a privação de liberdade ou sobre o paradeiro ou sorte da pessoa privada de liberdade dentro do prazo legalmente estipulado ou, no prazo de quarenta e oito (48) horas a partir de se haver tido conhecimento da privação de liberdade [...] com a intenção de deixar essa pessoa fora do amparo da lei, será apenado com [...]
2. A organização política ou o particular que atue com a autorização, apoio ou aquiescência de uma organização política, que em ataque sistemático ou generalizado prive uma pessoa da liberdade e a mantenha presa em território de controle de dita organização, com a intenção de deixar essa pessoa fora do âmbito de proteção do Estado, será apenada com [...]
Portanto, sendo o delito de desaparecimento forçado de pessoas um crime de lesa humanidade, a punibilidade da conduta não está obrigatoriamente vinculada à atividade de terrorismo de Estado, mas sim, à múltipla ofensividade da conduta e ao dano social provocado pela situação de insegurança individual.
6 CONCLUSÃO
Ainda que não existisse, à época da ocorrência dos delitos de desaparecimento forçado de pessoas em território uruguaio, tipo penal adequado para tal conduta, a Constituição uruguaia o condenava, mesmo que implicitamente, uma vez que dito delito viola uma série de direitos salvaguardados pela carta magna. Havia também diversos documentos internacionais assinados pelo Uruguai, que determinavam o comportamento estatal no sentido de proteger e fazer promover direitos invioláveis, o que corrobora a tese de que o delito, objeto deste estudo, não é crime próprio, mas pode ser praticado sem intervenção de agentes do Estado.
Além de ser dito pluriofensivo, por violar variados direitos do homem, o delito de desaparecimento forçado de pessoas representa, ainda, grave dano social, configurando hipótese de insegurança jurídica. Deste modo, visado o citado princípio de segurança jurídica, bem como a definitiva efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana e das normas jurídicas uruguaias observa-se a necessidade de alargamento da figura do agente do delito de desaparecimento forçado, sendo este praticado não só através de ingerência do Estado, mas também pelas mãos de particulares.
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SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos Fundamentais. 8ª Ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2007.
Acadêmica de Direito na Fundação Universidade Federal de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BáRBARA HELICIENE LARANJEIRAS BATISTA ARAúJO, . Desaparecimentos forçados na América do Sul: uma análise do caso Uruguai Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2012, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30153/desaparecimentos-forcados-na-america-do-sul-uma-analise-do-caso-uruguai. Acesso em: 23 dez 2024.
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