Sumário: 1.A greve declarada – 2. Ausência de investimentos – 3. Qualificação de professores – 4. A queda de nível – 5. Interferências políticas – 6. Participação do capital estrangeiro.
1. A greve declarada
Estamos começando em 1º de agosto de 2012 o segundo semestre do ano letivo, numa ocasião de frisantes acontecimentos referente à área educacional superior. O evento a considerar é o de que não se iniciarão as aulas nas universidades federais, em vista da greve dos professores declarada há quase três meses. Aparece nitidamente a intolerância de ambas as partes, o que faz constatar séria crise de relacionamento. Várias associações classistas se manifestaram contra o Governo Federal, mas este aceitou convênio com uma delas, uma das mais inexpressivas, declarando a situação resolvida e encerrando as negociações. Provocou assim a revolta geral, o que fez incrementar a reação desfavorável, exacerbando o impasse.
Importante é ressaltar que o movimento grevista, malgrado seja contra o baixíssimo nível salarial adotado para os professores, alarga-se em muitos outros aspectos do ensino superior, como a má formação de professores, a desatualização programática, a precária situação das instalações escolares, a fraqueza e ausência de recursos audiovisuais, as injunções políticas no ensino universitário, a falta de motivação e ânimo de professores e alunos, a excessiva mercantilizarão do ensino, o baixo nível do ensino, falta de professores, a evasão de alunos, a falta de espaços nos campi, e ainda outros.
Paralelamente, estão sendo realizados vários seminários com o tema do exame do ensino superior no Brasil, dando a impressão de que a questão é bem mais grave do que parece e bem atual. Coincidem também os problemas detectados e são os mesmos relacionados acima e a conclusão geral tem sido a de que o ensino superior está por demais ineficiente e reclama inúmeras correções. Será então de bom alvitre examinarmos os urgentes problemas do ensino universitário no Brasil, não apenas no ensino das ciências jurídicas, mas ampliando-os a outras áreas e chegaremos à conclusão de que é um ensino doente.
2. Ausência de investimentos
A queixa generalizada nos seminários dão conta da ausência de aplicações oficiais no ensino superior, mormente tendo em vista o desenvolvimento e alargamento desse ensino nos últimos anos. Além de haver poucas aplicações nesse setor, as verbas destinadas às universidades tem sido mal aplicadas. Segundo nossa Constituição o Governo Federal deve destinar 20% de sua receita para a atividade educacional. Apesar da previsão constitucional, há vários anos o Governo Federal restringiu os investimentos na área educacional ao mínimo possível. De cinco a seis anos para cá, não se constroem escolas e as já existentes sofrem com o corte de verbas, acompanhando o sucateamento das instalações escolares, a ausência de recursos de ensino e outras mazelas.
Quanto a esta queixa, já tivemos oportunidade de nos manifestar em artigo neste mesmo Portal, com a análise de suas causas. Por que as verbas para a educação se esvaíram? Por que as obras públicas estão suspensas e abandonadas? Examinemos uma obra pública grandiosa e importante como a autoestrada destinada a cortar o país ao meio, saindo do Ceará até chegar a São Paulo. Estava sendo construída há trinta anos e há uns cinco anos foi abandonada e está sendo coberta pelo mato. Outra obra grandiosa, a transposição de Rio São Francisco, foi abandonada ao mato que dela está tomando conta.
A razão do abandono das obras públicas foi a concentração oficial no esporte. As verbas governamentais foram carreadas para as olimpíadas recém-realizadas em Londres, com resultados pífios. Com isso, as verbas para a educação foram as sacrificadas. Deixemos, porém, essa questão para novos exames posteriores. Temos, porém, que nos conformar, porquanto os efeitos dessa política se fará sentir por muitos anos.
3. Qualificação dos professores
Já fizéramos considerações sobre esse tema no tocante ao curso de direito, mas os vários conclaves revelaram que ele se estende a todo o ensino universitário. Aqueles mestres tradicionais e considerados, de alta formação intelectual e profissional desapareceram e foram relegados ao ostracismo. Vê-se que o quadro de professores de curso superior é formado por moças e rapazes mito jovens, com idade média de 25 anos, de formação rudimentar e transmitem conhecimentos superficiais; contam muitas piadas e seguem orientação no sentido de aprovar a qualquer custo. Alguns se entusiasmam e fazem cursos de pós-graduação, mas, ao terminá-los são dispensados, porque o título lhes dá direito a pagamento menor, e a escola não está disposta a inflacionar sua folha de pagamento.
Some-se a isto a falta de motivação para o magistério e o desprezo e desconsideração ao sacro mister. Começa pela motivação salarial: os salários são ridículos e às vezes até simbólicos e que faz o professor dedicar-se a outros misteres e faz do magistério um “bico”, para ter um leve supérfluo nos seus rendimentos. Assim sendo, esmera-se na sua profissão lucrativa, desinteressando-se pelo “bico”. Inexistem programas de reciclagem para professores universitários e seu aperfeiçoamento nos métodos de ensino.
Exemplo típico acontece nos cursos de direito; no final de século passado e inicio do corrente século, a maioria dos professores era formada por juízes, promotores, delegados de polícia e outros servidores públicos, e alguns advogados militantes, que aumentavam um pouco seus ganhos com o magistério, mas muitos desistiram por não valer a pena. Idêntico fenômeno ocorreu em outros cursos superiores. Um professor da Faculdade de Medicina declarou uma vez que dar uma aula representava prejuízo de um dia de trabalho, mas continuava o magistério apenas por questão de “status”. Muitos não comparecem às aulas para evitar prejuízos.
Professores mais sensíveis sentem na carne a desvalorização do magistério, o que abate seu ânimo e deprecia sua autoimagem. Pode-se observar nas novelas de TV o conceito dado ao professor de qualquer nível; sua posição é sempre jocosa, ridícula e desprezível Esse papel é desempenhado por um “quadrado”, gay, desequilibrado e outros, mas sempre uma figura grotesca. Uma novela chegou a apresentar professor que era vampiro. Essa imagem causa nos alunos o sentimento de desprezo aos seus mestres. Não é raro acontecer de um professor ser agredido por um aluno em plena sala de aula; nem um aluno desafiar um professor para trocar sopapos fora da escola. Tais fatos passam em branca nuvem perante a reitoria das universidades.
Os cursos de pós-graduação foram criados no Brasil para formar professores universitários. O quadro que se nota em nosso país é que somente as faculdades oficiais tem esses cursos, desprezado pelas universidades particulares, embora haja obrigação legal da manutenção deles. Em pesquisa realizada, constatou-se que poucos pós-graduandos tinham objetivo no magistério. A maioria era de servidores públicos interessados em melhorar uma letra no salário e outros tinham motivações várias, mas pouquíssimos miravam aprimorar-se para o exercício do magistério. Foi assim deturpado o verdadeiro sentido dos cursos de pós-graduação e a formação de professores universitários a mais simplista possível: joga-se o profissional na função e vê-se como ele se revela: se for bom sobrevive; se for mau se afoga. É a aplicação do velho método de ensaios e erros: coloca a ideia em prática e seus efeitos dirão se a ideia é boa ou má.
O diretor de uma faculdade do interior de São Paulo criou um método particular de ensino superior, organizando questionário de uma matéria e os alunos pesquisariam a resposta e responderiam a esse questionário, que seria corrigido e comentado em aula. Desse jeito, um professor poderia dar aulas de qualquer matéria: direito, economia, administração ou física nuclear. Dispensou quase todos os professores que ameaçavam greve por aumento de salário e transformou em professores alunos recém-formados pela faculdade. Segundo informações, esse “método” está em prática há vários anos. E o diretor vangloria-se de haver “racionalizado” o ensino com a diminuição de custos e resolvido o problema da falta de professores.
4. A queda de nível
Seguindo sempre o paralelismo do ensino do direito com o das demais áreas universitárias, vemos o quanto é patente a decadência didática e pedagógica de todos os cursos superiores. Uma das razões primordiais é a compatibilidade do ensino ao alunado menos qualificado, de tal forma que a nivelação do ensino se operou por baixo. Numa turma de nível superior sempre há um grupo seleto, de boa base cultural e nível mental; não será sobre esse grupo que o curso irá se pautar, mas sobre um grupo maior e de nível rudimentar. Não haverá então um ensino de excelência.
Tem havido iniciativas para se atingir o nivelamento cultural e maior harmonia educativa com a inclusão de matérias básicas, como o idioma português, disfarçado em nomes pomposos, como “comunicação jurídica”. Um professor de Educação Moral e Cívica passou a dar essa matéria numa faculdade com o nome de “antropologia jurídica”, estendo-a do curso de direito aos cursos de administração de economia. Os alunos passaram a chamar esse curso de “alfabetização em nível superior”.
Se formos nos aprofundar na análise desse problema, teremos que reconhecer que não cabe culpa ao ensino superior, mas ele sofre os efeitos da formação cultural básica que os precede. Poucos alunos ingressam no ensino superior com estudos no padrão exigido para seguir adiante e garantir o mínimo de aproveitamento em sua formação superior. Vamos citar um fato: inexistem nas bibliotecas universitárias obras de consulta em idioma estrangeiro e seria inócuo mantê-las. Num desses conclaves referidos, um professor disse que poucos alunos têm capacidade de consultar obras em idioma estrangeiro, ao que outro professor retrucou que poucos alunos tem capacidade de consultar obras em idioma português.
O Poder Público pouco faz suprir essa insuficiência, mas, por outro lado, muito faz para agravá-la. Há tempos atrás cancelou as isenções tributárias que beneficiavam as escolas, levando muitas delas à situação de bancarrota. Tempos depois criou o PROUNI, um programa de bolsas de estudos para alunos carentes, liberando as universidades de pagamento de impostos, compensando-os com a concessão de bolsas de estudos gratuitas. Aliviou muito pouco a situação financeira aflitiva das escolas privadas, mas agravou a baixa qualidade do ensino. Uma faculdade, por exemplo, formou uma classe de mais de 200 alunos. Os professores dessa classe ganhavam o mínimo possível, ficando suspenso o investimento.
Os alunos beneficiários dessas bolsas ficavam isentos de exame vestibular, entrando diretamente nos cursos universitários sem submissão a qualquer forma de seleção. Para piorar, o que seleciona os candidatos era uma cartinha de algum partido político, geralmente os ligados ao Governo. O nível cultural dos alunos PROUNI era baixíssimo, ocasionando a deterioração de ensino, antes já deteriorado. Houve excesso de candidatos, porquanto as faculdades só concediam inscrição de acordo com o montante dos impostos que deveriam pagar.
Essa pletora de candidatos afetou a universidade pública, pois eles exigiam quotas para eles. Veja-se o exemplo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a mais antiga e tradicional do país, responsável pela excelência do ensino das ciências jurídicas. Quem obtém vaga nessa faculdade precisa concorrer no vestibular com mais de 20 candidatos, o que dá uma ideia da alta seleção. Centenas desses candidatos ocuparam a faculdade, acampando no seu pátio interno e provocando suspensão das aulas, exigindo quotas de matrícula conforme adotada nas universidades privadas. O reitor da FADUSP rejeitou essa pretensão, alegando que a faculdade não pagava impostos e, portanto, não poderia ter quota corresponde ao recolhimento deles. Além disso, sendo universidade pública, não cobrava dos alunos por ser gratuita. Os ocupantes passarem então a exigir o ingresso sem exame de seleção, o que também não foi aceito, provocando medidas policiais violentas.
5. Interferências políticas
Reina manifesta injunção política nas universidades públicas em todo o país e dessa influência não se livram também as universidades privadas. Essa realidade está estampada na imprensa e foi largamente debatida nos seminários recentemente realizados. Um artigo publicado em importante jornal paulista trouxe o seguinte título: “No xadrez burocrático e partidário, reitores têm de aceitar as regras que amesquinham o ensino”.
A distribuição de verbas obedece à oligarquia e aos interesses políticos imediatos. Vamos citar um exemplo, surgido na greve dos professores universitários. Foi instalada a UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo num bairro pobre distante dos centros da capital paulista, quando há insuficiência de escolas superiores em largas regiões, que estão exigindo a instalação de cursos superiores. Os professores dessa universidade estão exigindo sua transferência para outro local por falta de condições de funcionamento. Sua inauguração se deu com a presença do Presidente da República e do Ministro da Educação; este último é hoje candidato a prefeito de São Paulo, e recentemente esteve com o mesmo Presidente da República, para pedir o reconhecimento da escola e da Região nas próximas eleições.
6. Participação do capital estrangeiro
Foi comentada em recente seminário a intensa participação do capital estrangeiro nas escolas brasileiras, principalmente as de ensino superior. Não seria fato de se assustar, mas essa investida revela o alto grau de mercantilização do ensino, pois essa atividade deve proporcionar altos lucros aos investidores, dando a entender que o ensino é atividade mercantil merecedora de investimento internacional.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. O ensino do Direito é reflexo do ensino superior no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2012, 07:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30300/o-ensino-do-direito-e-reflexo-do-ensino-superior-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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