RESUMO: O mercado de trabalho tem transformado umas das relações contratuais mais importante, o contrato de trabalho, numa forma de dominação aos menos favorecidos no decorrer dos séculos, e a função social do contrato bem como a lesão contratual vêm para limitar esse abusos e tentar efetivar o princípio da igualdade.
PALAVRAS-CHAVE: função social do contrato; lesão nos contratos; princípio da igualdade.
1 Considerações Iniciais
A família é a parte mais importante no desenvolvimento de uma criança, a instabilidade econômica e emocional desta estrutura social pode levar a resultados drásticos no que se refere ao jovem,futuro adulto, transformando a criança do presente num adulto problemático . Isso pode afetar ainda mais famílias desestruturadas que terão seus filhos, despreparados para um mercado de trabalho injusto e cada vez mais exigente, deixando-os a margem, sem a menor chance de evolução social. A atual situação parece esta ficando pior, a economia mundial tem desvirtuado os principais conceitos que a regeram durante séculos (trabalhador e patrão - empregado e empregador), de uma forma que o acordo de vontades existente entre essas figuras importantíssimas da economia mundial, tem perdido para necessidade de sobrevivência do hiposuficiente, que aceita condições de trabalho desproporcionais e outras vezes até desumanas, de forma que o princípio da igualdade vem sendo desrespeitado em meio a um mercado voltado a exacerbado e descomunal consumo.
2 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A LESÃO CONTRATUAL COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Obras que mostram muito bem o tema proposto é a de Caio Mário da Silva Pereira que aborda na sua obra o instituto da lesão contratual e também a de Humberto Theodoro Júnior, que trabalha o contrato e sua função social, primordialmente, pelo princípio da autonomia da vontade que possui limitações determinadas por sua função social. Logo, eles não são mais concebidos como forma de dominação de um ser humano sobre outro, dessa forma observa-se que um negócio jurídico não pode mais ser desproporcional, injusto ou desequilibrado. E assim, cada vez mais a lesão nos contratos tem ganhado adeptos, pois sua aplicação traz para relação contratual, a justiça.
No passado isso era muito diferente como se vê no trecho da obra o capital de Karl Marx,
Quando o valor da força de trabalho é mais elevado, emprega-se ela em trabalho superior e materializa-se, no mesmo espaço de tempo, em valores proporcionalmente mais elevados. Qualquer que seja a diferença fundamental entre o trabalho do fiandeiro e o do ourives, à parte do trabalho deste artífice com a qual apenas cobre o valor da própria força de trabalho não se distingue qualitativamente da parte adicional com que produz mais valia. A mais valia se origina de um excedente quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de trabalho, tanto no processo de produção de fios, quanto no processo de produção de artigos de ourivesaria(MARX, pág. 49)
Hoje, é preciso lembrar que, antes de falar de lesão precisa-se discutir a sua função social do contrato, como bem assevera Humberto Theodoro Junior:
O contrato não se dissocia de sua causa, a idenficar função social com causa, estar-se-ia identificando contrato com função social, de modo a não saber onde acaba o contrato e onde começa sua função social. Em outras palavras: se não se afasta do interior da esfera contratual, contrato e função social seriam uma só e única coisa, já que não há dúvida de que contrato surge preordenado a cumprir uma finalidade , qual seja, uma causa.Esta, em vez de limite, é sustentação ou a justificação do contrato. É sua figura jurídica e não social, não havendo como atribuir-lhe papel de limite, já que isso seria tratá-la ao mesmo tempo como contrato e limite do contrato(JUNIOR, 2008,p.72)
Ressalta-se a sua importância , principalmente porque a função social do contrato vai de encontro a um dos princípios clássicos do direito civil: O princípio da autonomia da vontade. Nele se funda a liberdade contratual entre as partes, consistindo no poder de estipular livremente, mediante um acordo de vontades a disciplina de seu interesse. A função social limita o campo de atuação daqueles que usam este princípio como meio para obtenção de lucros exorbitantes, possibilitando ao lesados a busca por justiça econômica e social, advinda do negócio jurídico
Vamos agora, a uma abordagem histórica para melhor entender o tema. Na idade antiga, especificamente, no estado romano, os socialmente favorecidos compravam propriedades dos menos favorecidos por preços baixos, utilizando-se de sua posição socioeconômica para obter vantagens. Mas, o direito romano consagraria com o Corpus Iuris Civilis em 285 d.c, a rescisão de contratos por lesão. Este trazia duas alternativas para o lesado: desfazer o negócio jurídico ou abater o preço exagerado.
Na idade média, a incidência do instituto da lesão foi reduzido, e somente negócios referente à compra e venda de imóveis poderiam fazer uso do mecanismo. Os povos bárbaros que dominavam a Europa naquela época eram muito rudes e dava um grande valor a terra. Apesar das oscilações, houve avanços significativos na aplicação da lesão no período medieval.
Segundo Caio Mario , “apesar de oscilações e divergências, houve enorme evolução no estudo e aplicação da lesão no período medieval. Nessa época foi introduzido o fator dolo in re ipsa nos contratos de compra e venda em que restasse caracterizada diferença entre o preço e o valor”(PEREIRA, 2001). Ainda naquele período, foi no direito canônico, através de Santo Tomás de Aquino, que se ampliou a incidência da denominada lesão enorme. Aliás, a doutrina canônica, em alguns casos como a usura foi radical, pois chegou a denominar com pecado contra a justiça a estipulação do mútuo de dinheiro ou coisa consumível pelo uso.
A Revolução Francesa traz um modo diferente de vê a lesão contratual. Era intolerável a intervenção do Estado nas relações contratuais privadas, pelo menos inicialmente, já que feria os direitos individuais, porém com o passar do tempo e por consequência a adaptação da sociedade e também pelo poder do imperador Napoleão Bonaparte seria influência necessária, para que ela voltasse aos negócios imobiliários. Depois, com a elaboração do código civil francês, se tornaria uma das possibilidades de rescisão, entrando no campo de atuação dos vícios de consentimento.
No Brasil, por meio das Ordenações Filipinas que acolheram a lesão, aumentando seu leque de atuação aos contratos reais. Ela poderia ser aplicada tanto ao comprador como a vendedor, incidindo se o preço contratado fosse superior a mais da metade do preço justo.
Atualmente, o novo código civil brasileiro regulamenta a lesão no artigo 157, como um dos defeitos do negócio jurídico. Este dispositivo conceitua a lesão, assim: “Ocorre a lesão quando uma pessoa sobre premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestadamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Sendo assim, há duas possibilidades previstas para lesão contratual no Brasil: necessidade urgente, indispensável, ou seja, o lesado deve encontrar-se numa situação, praticamente, impossível, na qual não pode deixar de fazer o negócio. O lesado pode ser também inexperiente e não ter a noção do que está contratando, caracterizando assim vício na sua vontade.
Para Carlos Roberto Gonçalves, “ a lesão é o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as prestações de um contrato, no momento de sua celebração, determinada pela premente necessidade ou inexperiência de uma das partes”(GONÇALVES ,2008).
É necessário para melhor entendimento, trazer a distinção feita pelo autor, das duas formas de alegação da lesão. Caio Mario diz:
A inexperiência residiria no fato de o declarante, pelo seu estado de espírito, ou por não ser afeito aos negócios, ou pela ausência de conhecimento sobre a natureza do que realiza, - não dispor de meios adequados de informação sobre o contrato que celebra, ou sobre o preço da coisa ou ainda sobre as condições de mercado. Desafeito ao negócio, ajusta uma avença em tais termos que proporciona ao co-contratante um “licro maior da marca” ao mesmo tempo em que sofre um grande prejuízo. Já a “necessidade”, como requisito da lesão subjetiva não se confunde com a pobreza. É de se cogitar da necessidade contratual, ou seja, a circunstância de ter o declarante de realizar negócio, naquele momento, independentemente de seu estado de fortuna. O que conta é que o contrato seja instrumento para a satisfação da necessidade e que em razão de tal necessidade o contraente seja compelido a estipular em condições iníquas (PEREIRA, 2001, p.199).
Dessa forma, como bem salienta Marthius Sávio Cavalcante Lobato,
Deve-se também interpretar os direitos sociais dos trabalhadores como forma não meramente de promessas, mas como mecanis,o concreto de realização de direitos. São, portanto, dotadas de eficácia jurídica, que não podem se tornar vazias, ou inconseqüentes, na medida em que já estão prontas para produzir efeitos concretos(LOBATO,p.63,2006)
Contudo, os institutos acima citados, não podem perpassar um princípio que faz parte da contemporaneidade, qual seja, o da igualdade. Na atualidade, a grande questão em relação ao princÍpio da igualdade esta voltada para a chamada discriminação positiva, mas antes de falar sobre este tema vamos trazer um breve histórico do princípio em estudo associado à evolução do direitos do homem.
O princípio da igualdade faz parte dos chamados direitos de primeira geração ou pela acepção de Capelliti, primeira onda, eles surgiram no século XVII e cuidam da proteção das liberdades públicas, ou seja, os direitos individuais, compreendidos como aqueles inerentes ao homem e que devem ser respeitados por todos os Estados, como o direito à liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, ao voto, entre outros.
Os direitos de segunda geração ou segunda onda para Capelleti constituem os chamados direitos sociais, econômicas e culturais, Nestes o estado passa a intervir para que a liberdade seja protegida mais amplamente (o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve), estes direitos constituem a visão de Estado da primeira metade do século passado.
Os direitos de terceira geração ou terceira onda trazem como base a solidariedade ou fraternidade, voltados para a proteção da coletividade. As constituições passam a tratar da preocupação com o meio ambiente, da conservação do patrimônio histórico e cultural, etc.
Para Beltrão, com base em vários autores, existe outras duas gerações de direitos:
Direitos de quarta geração: o defensor é o professor Paulo Bonavides, para quem seriam resultado da globalização dos direitos fundamentais, de forma a universalizá-los institucionalmente, citando como exemplos o direito à democracia, a informação, ao comercio eletrônico entre os estados.Direitos de quinta geração: defendidos por apenas poucos autores para tentar justificar os avanços tecnológicos, como as questões básicas de cibernética ou da internet (BELTRÃO, 2006, p3)
Depois deste breve histórico da evolução dos direitos, cabe focar o princípio em estudo, ou seja, o da isonomia, que no decorrer dos séculos teve diferentes tratamentos. Inicialmente, o tratamento era extremamente formalista sob o prima da escola positivista, sem qualquer interpretação valorativa, se distanciando completamente da realidade social e política. Com o avanço do capitalismo e após a Revolução Francesa a incessante busca por desenvolvimento econômico, mostra uma triste realidade, no que diz respeito ao princípio da isonomia, os trabalhadores eram igualmente desrespeitados, com salários baixos e jornadas de trabalho exorbitantes. Esses são apenas alguns dos exemplos de desigualdade daquela época, mas quem disciplina de forma maestral tal situação é o professor José Afonso da Silva, citado por Marcelo Viveiro Cajueiro:
O princípio não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos. Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas aquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, que implica que os “iguais” podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados irrelevantes pelo legislador (SILVA, 2004, p.215).
Depois de uma exploração muito elucidativa, do professor Jose Afonso da Silva, é necessário adentrar ao modo como o princípio em foco é visto na contemporaneidade, especificamente, na Constituição Federal do Brasil.
O princípio da Igualdade tem previsão no artigo 5º, caput da Constituição Federal que preleciona:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º, Caput, CF 88)
Este dispositivo legal estabelece a igualdade formal: Todos são iguais perante a lei e também a igualdade material: Todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à igualdade. Na verdade este dispositivo abre espaço para interpretação e aplicação do principio de forma real, como bem explana Ana Flavia Osternack “buscandoigualar as pessoas e grupos sociais que se encontram numa posição de inferioridade ou mesmo desequilíbrio dentro do contexto social, seja do sócio-econômico, cultural ou biológico” (OSTERNACK, 2007).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atual acepção, a isonomia é representada pela chamada discriminação positiva que tem como objetivo beneficiar as minorias, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Esse novo paradigma tenta efetivar a justiça social na busca pela equiparação entre os gêneros e os debilitados fisicamente por meio da igualdade material, garantida pelo Estado Democrático de direito.
De qualquer forma, o princípio da igualdade com o passar do tempo tem sofrido uma constante evolução e hoje sua configuração: tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida das suas desigualdades, tem trazido uma gradual mudança para a inserção de todos na busca por seus direitos. E assim, prover a efetiva igualdade de condições entre partes num contrato, evitando abusos, pelos menos teoricamente, sobre os menos favorecidos, também nas relações trabalhistas, essa forma contratual que rege toda a sociedade.
Referências
Beltrão, Irapuã Gonçalves de Lima. Conceitos iniciais s
sobre os direitos e garantias fundamentais na Constituição. Disponível em : < http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=1936>. Acesso em: 05. 05. 2012.
Cajueiro, Marcelo Viveiros. Hermenêutica Constitucional e Princípio da Isonomia. Disponível em : < http://www.uff.br/direito/artigos/Artigo_de_Direito_Constitucional.htm>. Acesso em: 05.05.2012.
Gramstrup, Erik Frederico. . Princípio da igualdade. Disponível em : < http://www.hottopos.com/videtur17/erik.htm >. Acesso em: 03. 05. 2012.
Hertel.,Daniel Roberto. Reflexos do princípio da isonomia no direito processual . Disponível em : < http://www.revistapersona.com.ar/Persona24/24Silveira.htm > . Acesso em: 04. 05. 2012.
JÚNIOR,Humberto Theodoro. O Contrato e sua Função Social. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante . O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr,2006.
MARX , Karl. O capital: o processo de produção do capital. Tradução de Regis Barbosa e Flávia R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural,1996.
Bacharelando do curso de direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais- AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Mayk Carvalho. Os direitos sociais dos trabalhadores e a função social do contrato de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2012, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30435/os-direitos-sociais-dos-trabalhadores-e-a-funcao-social-do-contrato-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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