RESUMO: O contexto histórico do passado foi marcado pelas cruéis formas de execução que eram cominadas ao condenado por praticar delitos: os suplícios – castigos repugnantes e cruéis que eram direcionados ao corpo do delinquente. Mas, somente a partir da segunda metade do século XVII, que se iniciou o processo de mudança na execução da pena, banindo os suplícios, passando a existir penas mais moderadas e baseadas no princípio da proporcionalidade. Houve a transposição da vingança privada para a pública(o estado como detentor do Jus Puniendi) , com o decorrer do tempo, chegando a pena privativa de liberdade como pena principal e, banindo os suplícios do decaído sistema. Mas, diante a atual realidade vivida, algumas alternativas vêm surgindo para punir ou até mesmo deixar de punir e dar maior celeridade ao processo, como é o caso da chamada prescrição antecipada. Assim, o presente artigo objetiva mostrar a evolução dos meios de punição no transcorrer da história até chegar num instituto que faz justamente o inverso, ou seja, o Estado-juiz deixa de aplicar determinada punição, assim sendo surge o seguinte questionamento: quais os limites constitucionais e até onde pode chegar a discricionariedade do magistrado na aplicação dessa modalidade de prescrição.
PALAVRAS-CHAVE: Jus puniendi; Estado; prescrição antecidapada; inconstitucionalidade.
1 INTRODUÇÃO
Desde a origem da sociedade, nas comunidades primitivas, já haviam as penas, que eram aplicadas aos indivíduos que iam de encontro aos princípios e bons costumes daquela comunidade. E, a pena, em sua origem, nada mais era do que uma forma de a sociedade, como uma maneira de auto-defesa. Pois, na antiguidade, por ainda não haver um Estado constituído, capaz de regular as relações em sociedade, era através delas que os indivíduos encontravam um instrumento para se defenderem e preservar a integridade dos mesmos.
No passado, as penas eram extremamente cruéis e, elas recaíam no corpo do condenado, sendo exibido ao publico como um espetáculo e humilhado perante aquela platéia ali presente. Eram os chamados suplícios, ou seja, castigos que ofendiam cruelmente a integridade física do condenado, levando-o a passar por um tratamento degradante. Uma tortura realizada, afim de inibir que os co-cidadãos praticassem delitos, como fez o condenado.
Assim, era, portanto, uma das primeiras formas de punir os criminosos na antiguidade: uma vingança privada, ilimitada e desproporcional, marcada pela irracionalidade, pois, só depois de mortos é que os indivíduos tinha sua ¨divida¨ paga para com a sociedade.
Porém, essa forma de punição, baseada simplesmente no sentimento de vingar o mal causado sem a devida proporção, acabou enfraquecendo no curso da historia. A sociedade começou a achar aquela forma de punição repugnante, desprezível. E, visando um maior controle sobre as punições, surgiram novas formas de punir, a aplicar o castigo condizente ao delito cometido, surgindo, assim, a idéia de pena como retribuição ao mal causado, como versa Michel Foucault, ¨o suplicio tornou-se rapidamente intolerável, revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o excesso de sede de vingança e o cruel prazer de punir¨ (FOUCAULT,2008,p.45).
E, foi nesse diapasão de evolução, baseado na proporcionalidade do delito e o mal causado , que surgiu a pena privativa de liberdade, já ligada a vingança publica, ao passo que o Estado é responsável por cominar aos indivíduos suas respectivas punições e não mais feira como antigamente. Surgiu, nesse contexto, a idéia de ressocialização do delinquente, ao tentar reinserí-lo na sociedade.
O Estado, como detentor do poder soberano, através da ¨vigília¨ que recai sobre seus súditos, possui também o jus puniendi, ou seja, o direito de punir, como forma de corrigir a sociedade, comina aos delinqüentes punições, afim de prevenir a criminalidade, como forma de auto-defesa.
E, foi nesse contexto de evolução, que a prisão tornou-se a pena principal do Estado. Foram criados, ao longo do tempo, recintos que serviam de lugar de custódia dos delinqüentes, ate chegar nas delegacias, presídios e semelhantes, direcionados a receber os indivíduos que vão de encontro ás leis, os princípios e bons costumes da sociedade. Mas, diante a realidade social vivida atualmente, esse sistema de punição (prisional) recebe varias criticas, que o banaliza e trai o sentimento de ressocialização do sistema. Ao passo que não serve como instrumento de ressocialização do individuo, atribui, também, aos delinqüentes um tratamento desumano e degradante, devido a precariedade do sistema, o que evidencia a total negligencia do Estado em não cumprir com seu dever de cuidar de forma humana seus detentos e não atender aos princípios que da ressocialização e reinserção dos indivíduos na sociedade a qual pertence.
Depois de todo o supra exposto, a evolução do sistema jurídico nos traz a um instituto que ao invés de punir faz justamente o inverso, extingue a punibilidade do réu sem o devido processo legal, a chamada prescrição antecipada (virtual ou em perspectiva). Com o fulcro no desrespeito a princípios constitucionais informadores do processo, tais como: princípio do contraditório; princípio da ampla defesa e o princípio do devido processo legal. Tentaremos demonstrar a inconstitucionalidade deste instituto e a discricionariedade exagerada dos juízes e/ou tribunais quando decidem pelo uso desta espécie de prescrição.
2 CONCEPÇÕES DO ATUAL SISTEMA DE EXECUÇAO DA PENA
Sem sombra de duvidas, é notória a evolução que sofreu o sistema de penalidades, no decorrer da historia da sociedade. Princípios foram constituídos, idéias e dogmas foram mudados, e novas experiências foram postas em pratica. E hoje, nos deparamos com a privação da liberdade como principal meio pra proteger a sociedade de qualquer ofensa à sua integridade. Os indivíduos que delinqüem, são postos em lugares de custodia, como forma de repreendê-los, afim de que ele passe nesses lugares de custodia o tempo necessário para serem reinseridos na sociedade e, viver harmonicamente com os demais cidadãos.
Hoje, o corpo do individuo é protegido dos suplícios praticados pelos demais. Foram vedados do nosso sistema a tortura, o tratamento desumano e degradante, como versa a Carta Magna que rege o nosso Estado Democrático de Direito:
Art. 5º. ¨ Todos são iguais perante a lei ... ¨.
III- Ninguém será submetido a tortura, tratamento desumano ou degradante¨(CF, 1988. art.5).
Diante a realidade que nos encontramos, percebe-se que ainda há o suplicio do condenado, não mais do seu corpo, mas houve uma transposição, do corpo, o suplicio foi transfigurado à imagem do condenado.
3 A PRESCRIÇÃO ANTECIPADA EM FACE DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A prescrição ocorre quando pelo lapso temporal o estado perde o seu direito de punir (jus puniendi), extinguindo-se assim a punibilidade para aquele que comete uma infração. A prescrição segundo Francisco Afonso Jawsnicker (2004, p.18) possui elementos essenciais para a formação do seu conceito: “o decurso do tempo e a inerência do estado em exercer o direito de punir”. No Brasil são previsto legalmente dois tipos de prescrição penal, a prescrição da pretensão punitiva que subdivide-se em: abstrata, intercorrente ou superveniente, retroativa e também a prescrição da pretensão executória. A primeira, em regra, acontece antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a segunda, surge depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Mas, existe outro tipo de prescrição penal que apesar não possuir amparo legal tem sido objeto de frequente discussão, tanto jurispredencial quanto doutrinária, esta sim, será o objeto principal deste trabalho, a chamada prescrição antecipada, hipotética ou em perspectiva. O seu conceito não é de fácil assimilação, a prescrição hipotética deve ser declaração pelo magistrado com base numa provável sentença, aplicando-se, em caso de condenação pena mínima. Para José Julio Lazaro Jr. citado por Jawswcker a prescrição antecipada:
“Consiste no reconhecimento da prescrição retroativa antes mesmo do oferecimento da denúncia ou da queixa e, no curso do processo, anteriormente à prolação da sentença, sob o raciocínio de que eventual pena a ser aplicada em caso hipotético condenação traria a lume um prazo prescricional já decorrido. (Jawsnicker 2004, p.79)
Na verdade, nesta modalidade de prescrição o juiz reconhece-a com base na pena que seria aplicada, tanto pelo não recebimento da denuncia, como no curso do processo, extinguindo assim a punibilidade.
O discurso daqueles que são a favor da prescrição virtual tem como lastro: o interesse de agir, a celeridade processual e a principio da instrumentalidade do processo. O interesse de agir segundo Nelson Nery Junior, existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático (2004, p. 32). A celeridade processual faz a justiça brasileira ter uma maior velocidade na apreciação dos processos evitando assim a morosidade nas demandas. O princípio da instrumentalidade preconiza que se o processo é um instrumento, não pode existir um desgaste exagerado com relação aos bens que estão em disputa, assim este princípio traz a idéia que deve haver o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atividades processuais.
Os argumentados a favor da prescrição em perspectiva têm fundamentos bem estruturados, porém depois de estudo mais aprofundado percebe-se que tal instituto esta fadado a inconstitucionalidade, pois vai de encontro a vários princípios constitucionalmente protegidos. O primeiro deles é o princípio do contraditório, esse submete tanto as partes quanto o juiz e deve sempre ser observado, sob pena de nulidade do processo, seu significado esta na possibilidade de o autor alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e o conteúdo do processo para rebater as acusações, um acórdão citado por Francisco Araujo Jawswicker demonstra bem este principio:
É inadmissível a extinção da punibilidade pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva com base na pena hipotética ou em perspectiva, já que se trata de um verdadeiro julgamento antecipado da lide penal, não prevista em lei, realizado sem a garantia do contraditório. Infringindo os arts. 109, 110 e seus parágrafos, e 112,I, do CP, e até o art. 5º, LVII, da CF/88, ma vez que, enquanto não ocorrer a prescrição da pena em abstrato, tem o réu direito à sentença de mérito, visando sua absolvição (Jawsnicker ,2004, p.113)
A prescrição antecipada despeita o princípio da ampla defesa quando retira do réu a tutela jurídica, do qual todo cidadão tem direito para alegar e provar o que alega, bem como tem direito de não se defender. A presunção de que ele já é culpado, não possui amparo constitucional como bem expõe Baltazar (2004, p. 112), “a prescrição antecipada não pode ser reconhecida porque depende de uma sentença condenatória e ninguém pode ser condenado sem a garantia do contraditório e da ampla defesa”.
O princípio do devido processo legal rege todo o sistema processual jurídico pátrio, informando a maneira como serão realizados todos os procedimentos processuais, tem ainda como objetivo que qualquer pessoa, em processo judicial ou administrativo terá assegurado o contraditório e a ampla defesa. O instituto em estudo afronta, principalmente, este princípio constitucional, pois, fornece ao juiz uma discricionariedade exagerada capaz de acabar completamente com o processo, desde a denúncia, desprezando os mandamentos da constituição da república.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução do sistema de execução de penas cominadas aos delinqüentes, sem sombra de duvidas, foi notória e necessária para a evolução, desenvolvimento e andamento da própria sociedade. A evidenciar a mudança da vingança privada para a publica, cujo jus puniendi, agora, é concentrado na mão do soberano – o Estado, responsável por regular as relações sociais, visando sempre a convivência harmônica entre seus nacionais. Dos suplícios à pena privativa de liberdade, como instrumento de auto-defesa à integridade da própria sociedade, e como meio de ressocialização e reinserção do individuo na sociedade.
Porém, a evolução trouxe o incremento da prescrição antecipada, essa modalidade prescricional penal que vem ganhando força entre os doutrinadores e juristas, na busca por uma maior celeridade processual. Ressalta-se que, tal empreitada, apesar de pregar o maior prestígio da justiça com base no interesse de agir, não é compatível com muitos princípios constitucionais e por consequência com a própria constituição federal. A procura por meios de fugir do positivismo jurídico Kelseniano, pode esta levando o ordenamento jurídico brasileiro ao extremo oposto, ou seja, uma exorbitante discricionariedade judicial, a qual concede tanto poder aos magistrados e/ou tribunais ao ponto destes passarem a despeitar até mesmo o texto maior do ordenamento jurídico pátrio.
REFERENCIAS
Coelho, Anna Carolina Franco. Prescrição Virtual. Disponível em: < http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1576 >. Acesso em: 03 mai. 2011.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução: Raquel Ramalhete.35.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 10.ed. São Paulo: Impetus, 2008.
Jawsnicker, Francisco Afonso. Prescrição penal antecipada. ed. Curitiba: Juruá, 2004.
YOBIKU, Roger Moko. Função das penas. Disponível em: http://jus2.com.brdoutrina extoaspid=8386. Acesso em: 04 de mai. de 2011.
JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo na Constituição Federal. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
Teixeira, Reinaldo Maio. Prescrição antecipada ou virtual: seu reconhecimento e aplicação no direito pena. Disponível em:< http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3793/Prescricao-antecipada-ou-virtual-seu-reconhecimento-e-aplicacao-no-direito-penal. Acesso em: 05 mai. 2011.
Bacharelando do curso de direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais- AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Mayk Carvalho. Da autotutela à prescrição penal antecipada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2012, 07:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30819/da-autotutela-a-prescricao-penal-antecipada. Acesso em: 23 dez 2024.
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