RESUMO: A justiça surgiu da evidente necessidade de normatizar as relações entre a sociedade e a busca pelo respeito à igualdade de todos os cidadãos. A vida em sociedade, sem a Justiça seria impossível. A Justiça é uma verdade presente na consciência humana. Ela não pode ser considerada relativa (como assim a consideram os positivistas em geral), porque tal conclusão implica que o justo é o que dispõe o legislador em questão, e assim a legitimidade do Direito desaparece em prol da simples legalidade. Segundo Hans Kelsen, o que é justiça é relativo. Isto se corrobora, pois não há concordância entre os povos sobre qual o definitivo conceito de justiça. Portanto, discutir sobre a justiça é tarefa da ética.
PALAVRAS-CHAVE: Justiça, igualdade, sociedade Hans Kelsen.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade desde inicio a fim de manter os homens agrupados criará formas para a aplicação da justiça. Ou seja, pode-se dizer, toda sociedade existe a fim de obter a realização da justiça. O homem de forma ampla busca o seu bem e à vida em sociedade, esta é, em certo sentido, uma ordem na incessante procura do bem, isto é, de todas aquelas coisas que representam um meio para a satisfação dos fins inerentes à nossa natureza de homens, à nossa qualidade de pessoas. Assim, considera-se o "bem comum" como o objeto mais alto da virtude da justiça, pois não pode tratar o direito de garantir todas as liberdades individuais em detrimento das liberdades comuns.
O ideal de uma justiça absoluta está além de qualquer experiência histórica, e desta forma pode-se deduzir que é impossível determinar cientificamente o que seja justiça.
Em outras palavras, não é possível conceituar o ideal de uma justiça absoluta baseando-se na experiência e em argumentos tão somente racionais. Neste sentido, por paradoxal que possa parecer, o ideal de justiça absoluta é irracional, pois a ciência dita pura não pode verificar os princípios fundamentais relativos ao que seja justo ou injusto.
A justiça é um princípio que pretende ser válido sempre e em todas as partes, independentemente do espaço e do tempo. Sobre isto, todos os que refletiram sobre o tema estão de acordo, independentemente das conclusões a que chegaram.
Não deixa de ser significativo que as palavras que dão os fundamentos para a ciência do Direito, Justiça, Direito, Lei e Moral; possuam inúmeros sentidos, e que nem mesmo os juristas tenham conseguido chegar a um acordo sobre elas. Transcendendo a ótica meramente jurídica, nossa questão é a da justiça, ideal supremo, a virtude primeira de qualquer sociedade em qualquer época. Ao tentarmos caracterizá-la, necessariamente passaremos por aquelas outras palavras.
Hans Kelsen critica as teorias que procuram a distinção do direito com relação à moral a partir dos critérios interioridade (moral) e exterioridade (direito). Sua crítica repousa sobretudo no fato de que o direito por vezes regula condutas internas e por vezes regula condutas externas, assim como ocorre com a moral. Este critério seria, portanto, insuficiente para dar conta do problema.
Além da idéia que parte do princípio de que o direito regula a sua própria criação; logo, as regras regulam a maneira pela qual outras regras devem ser criadas. O sistema jurídico é uma estrutura piramidal na qual as normas de escalão superior regulam a criação das normas de escalão inferior, portanto a atividade interpretativa envolve aplicar as normas superiores nas inferiores. É essa estrutura escalonada que permite a unidade lógica e a completude da ordem jurídica
2. O DIREITO E A MORAL
Partindo da idéia que se o direito for entendido e definido exclusivamente de normatividade e validade, então seu campo nada tem a ver com a Ética. Esta é a proposta de cisão metodológica, que acabou por provocar fissura profunda no entendimento e no raciocínio dos juristas do séc. XX, de Hans Kelsen.
Então, pode-se resumir sua proposta: as normas jurídicas são estudadas pela Ciência do Direito; as normas morais são objeto de estudo da Ética como ciência. O raciocínio jurídico, então, não deverá versar sobre o que é certo ou errado, sobre o que é virtuoso ou vicioso, sobre o que é bom ou mau, mas sim sobre o lícito e o ilícito, sobre o legal (constitucional) ou ilegal (inconstitucional), sobre o válido e o inválido.
A diferenciação entre os campos da moralidade e da juridicidade, para Kelsen, decorre de uma preocupação excessiva com a autonomia da ciência jurídica. Argumenta Kelsen que, se está diante de um determinado Direito Positivo, deve-se dizer que este pode ser um direito moral ou imoral. É certo que se prefere o Direito moral ao imoral, porém, há de se reconhecer que ambos são vinculativos da conduta.
Em poucas palavras, um direito positivo sempre pode contrariar algum mandamento de justiça, e nem por isso deixa de ser válido. Então, o direito positivo é o direito posto pela autoridade do legislador, dotado de validade, por obedecer a condições formais para tanto, pertencente a um determinado sistema jurídico. O direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como tal, pois a natureza do direito, para ser garantida em sua construção, não requer nada além do valor jurídico. Então, direito e moral se separam. Assim, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais. Validade e justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, portanto (uma norma pode ser válida e justa; válida e injusta; inválida e justa; inválida e injusta).
A diferenciação entre os campos da moralidade e da juridicidade justifica-se pela tentativa de autonomização da ciência jurídica em relação aos outros campos científicos. O direito é positivo na medida em que é o direito posto pela autoridade do legislador, dotado de validade, por obedecer a requisitos formais. Em decorrência disto, o direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como direito, pois é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais.
A moral, bem como a justiça, parece ser baseada nos mesmo pressupostos: só é moral do ponto de vista subjetivo de quem julga. Ou seja, pode ser moralmente certo a determinado sujeito matar o próprio filho, enquanto que para a sociedade em si tal atitude é totalmente hedionda. Se cada pessoa pudesse agir apenas de acordo com seus pressupostos morais, teríamos realmente o caos. Daí sobrevém, então o direito, que visando normatizar a moral dominante (o que nem sempre é seguido à risca), para que se tenha estabilidade social.
3. TEORIA DE HANS KELSEN
O jurista Hans Kelsen se revela como defensor do normativismo, ou seja, preconiza que a validade das normas reside no preenchimento de requisitos formais. Neste artigo é feita uma releitura dos principais pontos abordados pela teoria do direito de Kelsen; assim, analisa-se o processo de aplicação do direito em face à indeterminação que lhe é intrínseca, de modo a chegar a conclusões críticas acerca desta teoria.
“De fato, muitas e muitas normas de justiça, muito diversas e em parte contraditórias entre si, são pressupostas como válidas. Um tratamento científico do problema da justiça deve partir destas normas de justiça e por conseguinte das representações ou conceitos que os homens, no presente e no passado, efetivamente se fazem e fizeram daquilo que eles chamam justo, que eles designam como justiça. A sua tarefa é analisar objetivamente as diversas normas que os homens consideram válidas quando valoram algo como justo” (Kelsen, O problema da justiça, 1998, p.16).
O que de fato ocorre é que Kelsen quer expurgar do interior da teoria jurídica a preocupação com o que é justo e o que é injusto. Mesmo porque, o valor justiça é relativo, e não há concordância entre os teóricos e entre os povos e civilizações de qual o definitivo conceito de justiça. Discutir sobre a justiça, para Kelsen, é tarefa da Ética, ciência que se ocupa de estudar não normas jurídicas, mas sim normas morais, e que, portanto, se incumbe da missão de detectar o certo e o errado, o justo e o injusto. E muitas são as formas com as quais se concebem o justo e o injusto, o que abeira este estudo do terreno das investigações inconclusivas. Enfim, o que seria justiça?
Segundo Kelsen: "do ponto de vista do conhecimento racional existem somente interesses humanos e, portanto, conflito de interesses. Para solucioná-los, existem apenas dois caminhos: ou satisfazer um dos interesses à custa do outro, ou promover um compromisso entre ambos".
Mais à frente, Kelsen completa: "Não é possível comprovar que somente uma, e não a outra solução, seja justa. Se se pressupõe a paz social como valor maior, a solução de compromisso pode ser vista como justa. Mas também a justiça da paz é uma justiça relativa, não absoluta". Ora, ainda que relativo – Kelsen não abre mão da sua lógica rigorosa e do seu metido cientifico -, é de se imaginar algum valor que, para o filósofo, pode ser tido como uma expressão de justiça.
De fato, não sei e não posso dizer o que seja justiça, a justiça absoluta, esse belo sonho da humanidade. Devo satisfazer-me com uma justiça relativa, e só posso declarar o que significa justiça para mim: uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante em minha vida, trata-se daquela justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e a sinceridade. É a justiça da liberdade, da paz, da democracia, da tolerância.
De fato, Kelsen concebe o direito não somente como um sistema estático de normas de conduta dirigidas aos jurisdicionados – tal qual o positivismo tradicional fazia -, mas também como um sistema dinâmico de regras que compõem a estrutura do ordenamento jurídico, conferindo poderes aos aplicadores para o estabelecimento de normas jurídicas, e fixando formas e procedimentos para tal atividade. A noção de ordenamento jurídico complexo decorre justamente da presença das duas espécies normativas: as normas de comportamento e as de estrutura.
Dessa concepção do direito como sistema dinâmico resulta a impossibilidade lógica de existência de lacunas. Observa-se que o preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo.
4. CONCLUSÕES
A construção de Hans Kelsen exerce sua influência sobre os pensadores do direito, na criação e justificação da norma. A não-idéia de Hans Kelsen quanto à justiça tem íntimo relacionamento com a teoria pura do direito. Há, na verdade, uma radicalização quanto à inexistência de um valor absoluto, pelo menos inalcançável pelo entendimento racional. Daí é que se pode falar é em uma justiça platônica, idealizada sem razão empírica, ou teológica.
Discutir sobre a justiça, para Kelsen, é tarefa da Ética, ciência que se incumbe de estudar não normas jurídicas, mas sim normas morais, e, portanto, incumbida da missão de detectar o certo e o errado, o justo e o injusto.
Com respeito à justiça, restou forte a conclusão de Kelsen: "é nosso sentimento, nossa vontade e não nossa razão, é o elemento emocional e não o racional de nossa atividade consciente que soluciona o conflito". A frase ajuda esclarecer o sentido da palavra justiça. A justiça é o que é justo ao emocional de quem julga.
Por fim, pode-se dizer que, tanto a justiça quanto a moral, têm caráter extremamente subjetivo, pois depende, tão-só, do juízo do agente a definição destes conceitos. Da mesma maneira, em relação aos fatos que serão julgados, o cidadão julgador terá sempre seus próprios juízos de valor.
REFERÊNCIA
KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003
KELSEN, Hans. O que é justiça? [tradução Luís Carlos Borges e Vera Barkow]. São Paulo : Martins Fontes, 1997.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. Ed. São Paulo : Saraiva, 1995.
Acadêmica do Curso de Direito, do VII período, da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Amanda Andrade. O Direito e a Moral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2012, 08:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30980/o-direito-e-a-moral. Acesso em: 23 dez 2024.
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