RESUMO: O trabalho sempre esteve presente na vida do homem, mesmo quando na vida primitiva, de característica nômade. Inicialmente era efetuado de forma individualizada, mas com a evolução do homem, a formação dos Estados e da vida em sociedade trouxe para o trabalho um aspecto coletivo e para que, diante das necessidades diversas, fossem supridas as lacunas referentes aos direitos do trabalho foram criados os sindicatos. Dentre as garantias sindicais destaca-se, aqui, a da liberdade sindical, que é incoerentemente limitada e é sobre esse problema de contradição que a presente obra tratará.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho; sindicatos; garantias; liberdade; contradição.
1 – INTRODUÇÃO
O desenvolvimento humano foi marcado por muitas mudanças e uma das maiores, ou até, a maior delas, foi a superiorização dos direitos coletivos sobre os direitos individuais. Os reflexos do período pós-guerra e das declarações universais dos direitos humanos perpassaram toda a estrutura dos Estados, inclusive no que tange ao Direito como um todo. No Direito brasileiro e mais especificamente, no Direito do Trabalho não seria diferente e para tanto, foram criados dois segmentos nesta seara, um individual e um coletivo. No direito coletivo de trabalho, que é a relação jurídica entre pessoas teoricamente equivalentes, surgiram as divergências, pois, já não se tratava com duas pessoas como no direito individual, mas com muitas e não existem opiniões idênticas em todas as matérias, e desses dissídios, resultou a necessidade de criação de um órgão que representasse as partes e seus interesses.
Diante de tal situação, a Constituição da República Federativa do Brasil criou o sindicato e o regulamentou nos Direitos Sociais junto do Direito do Trabalho. O que ocorre é que a Carta Magna garantiu direitos e deveres aos sindicatos e dentre aqueles, constituiu o da liberdade sindical, que é um princípio exposto no texto legal, mas ao passo que propôs a liberdade, a restringiu no momento em que permitiu a coexistência com o princípio da unicidade sindical que limita a liberdade dos sindicatos. Nesse aspecto, é importante ressaltar essa discussão para que seja revista essa contradição constituinte.
2 – DA LIBERDADE E DA UNICIDADE SINDICAL
Os movimentos coletivos dos trabalhadores datam de muito tempo atrás, desde a própria Revolução Industrial no século XVIII, quando da necessidade de lutar pelas garantias de trabalho. A produção industrial através de mão de obra trabalhadora coletiva, foi crescendo rápido e ao passo que os fabricantes investiam cada vez mais capital a fim de que a produção aumentasse, diminuía os direitos e as condições de trabalho dos “empregados” da época. Essas condições fizeram com que os trabalhadores fabris enxergassem o poder que tinham, juntos, para lutar por suas garantias. Nesse sentido, Karl Marx preleciona em sua obra “O Capital”:
Contudo, venceu o princípio com sua vitória nos grandes ramos industriais, que constituem a criação mais característica do moderno modo de produção. Seu desenvolvimento maravilhoso de 1853 a 1860, par a par com o renascimento físico e moral dos trabalhadores fabris, evidenciou-se até aos olhos mais imbecis. Os próprios fabricantes, aos quais foram arrancadas, passo a passo, no curso de uma guerra civil de meio século, a limitação e regulamentação legal da jornada de trabalho, apontavam orgulhosos para o contraste com os setores ainda de “livre” exploração. Os fariseus da “Economia Política” proclamaram então a compreensão da necessidade de uma jornada de trabalho legalmente regulada como conquista característica de sua “ciência”. Compreende-se facilmente que, depois de terem os magnatas industriais se conformado e se reconciliado com o inevitável, enfraquecesse gradualmente a força da resistência do capital, enquanto, ao mesmo tempo, a força de ataque da classe trabalhadora cresceu com o número de seus aliados nas camadas sociais não diretamente interessadas. Daí o progresso relativamente rápido a partir de 1860 (MARX. p. 408/409, 1996).
A partir dessas movimentações trabalhadoras, foi surgindo aos poucos a figura do sindicato, estrutura que representaria os trabalhadores e suas necessidades diante da opressão à classe. “Sindicato é uma associação de pessoas físicas ou jurídicas que exercem atividade profissional ou econômica, para a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (SARAIVA. p. 465, 2009).
A organização sindical foi consolidada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 8º, caput, in verbis: “É livre a associação profissional ou sindical (...)” (RIDEEL. p. 27, 2012), e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no artigo 511, caput, in verbis: “É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas” (RIDEEL. p. 726, 2012). O sindicato surgiu em 1903 com um movimento de trabalhadores rurais, mas foi a partir de 1931, com a Promulgação da Lei dos Sindicatos, por Getúlio Vargas, que a matéria começou a ser tratada de forma mais efetiva.
Para a efetivação dos direitos coletivos de trabalho com as necessidades já expostas, a Constituição de 1988 também permitiu aos trabalhadores se auto-organizarem em sindicatos e para tanto, atribuiu a essas associações deveres e direitos legais estancados no artigo 8º, da Carta Magna, e dentre esses, destaca-se os princípios da liberdade e da autonomia sindical, consistentes na permissão de associação pacífica para fins comuns e de auto-organização e administração sem intervenção ou interferência do controle do Estado. Ambos os princípios, estão expressos no art. 8º da CF, e, no inciso I do mesmo artigo, sendo que a vedação à interferência estatal é dita da seguinte forma: “I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical” (RIDEEL. p. 27, 2012).
Nesse liame, é importante ressaltar que a Constituição de 1988 eliminou os entraves anteriores que restringiam a liberdade sindical, mas não de forma plena, pois, no próprio artigo 8º, inciso II, a atual Constituição admitiu o princípio da unicidade sindical advindo da Carta Magna de 1937, o qual consiste na vedação da criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau (incluindo federações e confederações), representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, não inferior à área de um município.
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município (RIDEEL. p. 27, 2012).
Logo, ao passo em que garante a liberdade e autonomia sindical sem intervenções do Poder Público, a restringe pela impossibilidade de criação de mais de um sindicato representativo de uma mesma categoria e nesse momento torna-se controversa a legislação pátria.
Como se pode verificar, o princípio da liberdade de organização sindical é previsto no caput do art. 8º da Constituição, enquanto que a unicidade vem prevista no inciso II desse dispositivo, como uma limitação à plenitude dessa liberdade, traçando o próprio perfil do direito de organização sindical a nível constitucional. Assim, como ocorre com as normas jurídicas em geral, devem também as regras de natureza constitucional ser interpretadas de modo a que os incisos ou parágrafos de um artigo não desdigam o próprio caput, sob pena de se estar diante de interpretação absurda e que deve por isso ser recusada (LOBATO. p. 200, 2006).
Importante ressaltar que a opção do constituinte brasileiro pela unicidade como modelo sindical apresenta a base territorial e a categoria representada como sendo os limites para a atuação de cada sindicato. O pluralismo sindical que é o inverso da unicidade permite a criação de mais de um sindicato numa mesma base territorial, mas, esse princípio não foi recepcionado pela Carta Magna, afinal, o instrumento que o vincularia ao texto legal, que é a Convenção 87 de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, não foi ratificado pelo Brasil.
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, a organização sindical é protegida pela legislação pátria e possui princípios e prerrogativas como a liberdade e a autonomia sindical, mas, o que se percebe atualmente é uma falha no texto legal que acaba se contradizendo e limitando um direito fundamental que já é garantido, tendo em vista estar incluso no rol dos Direitos Sociais (art. 7º, da Constituição Federal) e ser submetido ao princípio maior da liberdade. Nesse sentido, em que pese a Constituição ter primado pela organização dos movimentos trabalhadores ao estabelecer o princípio da unicidade sindical, acabou, via de conseqüência, por limitar uma garantia principiológica ainda maior, qual seja o princípio da liberdade sindical.
Logo, para evitar problemas não só relativos ao Direito do Trabalho, mas também ao Direito como um todo, é preciso estar atento para as falhas da lei e discuti-las para tentar adequá-las, pois, é ela (lei) que traça o caminho para o Estado Democrático de Direito, e como tal, não pode ser contraditória.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006.
SARAIVA, Renato. Direito do trabalho: versão universitária. São Paulo: MÉTODO, 2009.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural Ltda, 1996.
BRASIL, Constituição da República: promulgada em 05 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Anne Joyce Angher. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012.
TRABALHO, Consolidação das Leis do. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Anne Joyce Angher. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012.
Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANDES, Hyran Ferreira. A contradição da garantia constitucional da liberdade sindical Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2012, 08:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30982/a-contradicao-da-garantia-constitucional-da-liberdade-sindical. Acesso em: 23 dez 2024.
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