PROCESS, DEMOCRACY AND CONSTITUTION: A BRIEF REVIEW OF THE CONSTITUTIONAL PROCESS MODEL
RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar a existência de um Modelo Constitucional de Processo, que se encontra presente em todo ordenamento jurídico cuja base seja uma Constituição Moderna (Constituições de Estados Democráticos de Direito). Nesse sentido, demonstra-se que o Direito, como um todo, está hoje submetido à Ordem Constitucional. Posteriormente, faz-se um breve delineamento histórico do aqui se chama de Modelo Constitucional de Processo. Em seguida, apresenta-se o “Modelo Único de Processo” desenvolvido pelos professores Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, tendo como base a Constituição Italiana. E, por fim, traçam-se algumas perspectivas contemporâneas sobre a temática desenvolvida.
PALAVRAS-CHAVE: Modelo Constitucional de Processo; Processo e Constituição; Processo Democrático; Andolina e Vignera.
ABSTRACT: This paper demonstrates the existence of a Constitutional Process Model, which is present in every legal system whose base is a modern constitution (Constitution of a Democratic State). In this sense, it is demonstrated that the law as a whole, is now before the Constitutional Order. Subsequently, it is a brief outline of the history here is called a Constitutional Process Model. Then present the "Unified Process Model" developed by teachers Italo Andolina and Giuseppe Vignera, based on the Italian Constitution. And, finally, outline a few contemporary perspectives on the theme developed.
KEY WORDS: Constitutional Process Model; Process and Constitution; Democratic Process; Andolina e Vignera.
1. A Constitucionalização dos Direitos
O Direito, como um todo, passa atualmente por um processo de constitucionalização, isto é, por um processo de adequação à Constituição. Um processo que não é privilégio do sistema jurídico brasileiro, mas que se desenvolve, de modo geral, nos Estados democráticos contemporâneos.
Fruto do Neoconstitucionalismo[1], esse movimento inspira-se, sobretudo, na Supremacia da Constituição e na consequente necessidade de amoldamento do restante do ordenamento jurídico à ordem jurídica estabelecida pela Carta Maior (SARMENTO, 2009), superando assim a pretérita visão de que a Constituição seria um mero documento político procedimental que estabeleceria apenas metas para o Estado de Direito, como acreditava, por exemplo, Carl Schmitt[2] (2007) e Ferdinand Lassalle (2001).
Na seara deste pensamento, Luís Roberto Barroso ensina que o Neoconstitucionalismo e o consequente processo de constitucionalização dos direitos possuem três marcos fundamentais, que se dividem em i) histórico; ii) filosófico; e iii) teórico (BARROSO, 2006).
O marco histórico consiste no constitucionalismo do pós-guerra, isto é, no desenvolvimento das Constituições garantistas da última metade do século passado, no Brasil representado pela Constituição de 1988. O marco filosófico consiste na superação do modelo positivista do Direito pelo Pós-positivismo Jurídico[3], sobretudo no que concerne ao reconhecimento da normatividade dos princípios[4]. O marco teórico divide-se em três grandes transformações que, em conjunto, possibilitaram a adequação do conhecimento convencional ao Direito Constitucional: a) o reconhecimento da força normativa da Constituição, ideia difundida por diversos autores do pós-guerra, dentre eles Konrad Hesse (1991); b) a expansão (ampliação) da jurisdição constitucional; e c) o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional pautada, sobretudo, em princípios instrumentais trazidos pela própria Constituição (BARROSO, 2006).
Por sua vez, Luis Prieto Sanchís ensina que o processo de constitucionalização dos direitos se desenvolve, sobretudo, nas Constituições que conjugam duas características fundamentais: a materialidade e o garantismo. De modo que ele as chama de Constituciones materiales y garantizadas[5] (SANCHÍS, 2009).
Para Prieto, material é a Constituição que:
Presenta un denso contenido sustantivo formado por normas de diferente denominación (valores, principios, derechos o directrices) pero de un idéntico sentido, que es decirle al poder no sólo cómo ha de organizarse y adoptar sus decisiones, sino también qué es lo que puede e incluso, a veces, qué es lo que debe decidir[6] (SANCHÍS, 2009, p. 4).
Já Constituição garantizada significa que:
Como ocurre con cualquier otra norma primaria, su protección o efectividad se encomienda a los jueces; o si se prefiere, que en el sistema existen normas secundarias, de organización y procedimiento, destinadas a depurar o sancionar la infracción de las normas sustantivas o relativas a derechos[7] (SANCHÍS, 2009, p. 4).
As Constituciones materiales y garantizadas de Prieto são, majoritariamente, como o próprio autor observa, as Constituições democráticas que se desenvolveram na última metade do século passado, que possibilitaram a concepção da Constituição, simultaneamente, como garantia e como norma diretiva fundamental (SANCHÍS, 2009).
Em sentido semelhante encontra-se o raciocínio do professor Barroso. Segundo ele, a constitucionalização do Direito está ligada diretamente a expansão normativa constitucional cujo conteúdo material e valorativo se irradia por todo o ordenamento. Por sua vez, os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados pelas normas constitucionais passam a condicionar a validade das normas de todo o ordenamento infraconstitucional. Como consequência, a constitucionalização reflete sobre a atuação dos três poderes e das relações privadas, influindo diretamente em suas decisões, que jamais poderão contrariar ou, até mesmo, deixar de cumprir com as determinações constantes da Constituição (BARROSO, 2006).
Ante o exposto, pode-se afirmar que a constitucionalização dos direitos se irradia por todos os ramos jurídicos, devendo eles se adequarem à Constituição, uma vez que Ela é o fundamento de validade de todas as normas jurídicas vigentes no Estado Democrático de Direito.
2. Breve delineamento da incursão histórica do Modelo Constitucional do Processo
O Direito Processual não é diferente dos demais ramos do Direito, devendo, por isso, se amoldar à ordem constitucional para que seja considerado válido, ou seja, ele também se submete a este processo de constitucionalização.
Em razão disso, emerge na ciência processual contemporânea o modelo constitucional de processo, desenvolvido sob a égide das Cartas Constitucionais Modernas, sobretudo, daquelas promulgadas na última metade do século passado.
Entretanto, apesar do modelo constitucional de processo ter se desenvolvido, predominantemente, após a promulgação das Constituições democráticas de que falamos, suas raízes datam de momentos históricos mais antigos, sobretudo da emancipação do Direito processual.
Segundo Willis Santiago, essa emancipação da ciência processual ocorreu no último quartel do séc. XIX, quando “autores da fase tardia do pandectismo alemão” proclamaram a “autonomia da ciência processual e de sua categoria fundamental, o processo” (GUERRA FILHO, 2007, p. 13).
Entretanto, conforme explica Dierle Nunes, entre o primeiro passo (emancipação do Direito processual) e o desenvolvimento de um modelo geral de processo com base na Constituição existe uma diferença de mais de um século que, apesar de passar por alguns movimentos processuais (liberalismo processual, socialismo processual etc.), substancialmente pouco alterou, enxergando o processo como “mero instrumento da jurisdição” (NUNES, 2008, p. 39).
Ao final desse período, porém, a humanidade vivenciou uma de suas maiores tragédias: a Segunda Guerra Mundial. Com o fim da guerra, muitos paradigmas foram questionados e nesse contexto emergiram algumas doutrinas (Pós-positivismo Jurídico e Neoconstitucionalismo, por exemplo) que vieram a corroborar para o desenvolvimento do modelo constitucional de processo (DOS SANTOS, 2011).
Nesse sentido, ensina Humberto Theodoro Júnior:
A segunda metade do século XX, depois da apavorante tragédia de duas grandes guerras mundiais, viria exigir da revisão constitucional dos povos democráticos um empenho, nunca dantes experimentado, de aprofundar a intimidade das relações entre o direito constitucional e o processo, já que os direitos fundamentais deixaram de ser objeto de simples declarações e passaram a constituir objeto de efetiva implementação por parte do Estado Democrático de Direito (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 234).
Com o fim da guerra, também, advieram às novas Constituições, de cunho garantista e humanista, pautadas na efetivação dos direitos do homem, agora positivados nas constituições sob a forma de Direitos Fundamentais. Direitos Fundamentais não apenas materiais, mas também processuais. Afinal, como já fora dito, o Processo também foi constitucionalizado.
Nesse sentido, afirma José Alfredo de Oliveira Baracho que:
O processo, como garantia constitucional consolida-se nas constituições do século XX, através da consagração de princípios de Direito processual, com o reconhecimento e a enumeração de direitos da pessoa humana, sendo que esses consolidam-se pelas garantias que os torna efetivos e exequíveis (BARACHO, 2006, p. 132).
Na seara deste pensamento, Arruda Alvim demonstra que com o amoldamento constitucional do processo, este perpassa sua característica pretérita de mero instrumento de jurisdição, isto é, mero instrumento técnico, para tornar-se um instrumento garantístico do Estado Democrático de Direito (ARRUDA ALVIM, 2010). Em razão desta nova acepção do processo, Marcelo Cattoni o define como sendo o “procedimento discursivo, participativo, que garante a geração de decisão participada” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 198).
Nada obstante, Rosemiro Pereira Leal adverte que tal transposição da visão de processo, não abdica do formalismo, ou mesmo da técnica, mas apenas busca evitar que a forma sobreponha-se a essência, vindo a impossibilitar que o provimento material fático seja alcançado de maneira efetiva (LEAL, 2008). Ou seja, o que se nega é o puro formalismo, o formal por formal, sem sentido, sem objetividade material, que ao invés de garantir direitos, os restringe, como se confere nos seguintes dizeres do autor:
Claro que não se decreta, por impróprio, o abandono do formalismo jurídico, porque a ciência do direito se afira pelo esclarecimento dos sistemas jurídicos que se expressam nas formas do direito. O que se pretende afastar, no campo do conhecimento científico-jurídico, é o arquétipo (princípio magicista) da forma pura, irredutível a qualquer conteúdo socioeconômico decorrente do modo de produção econômico-liberal do direito, nas diversas realidades dinâmicas de sua manifestação e vigência (LEAL, 2008, pág. 14).
Semelhantes são as considerações de Aroldo Plínio Gonçalves, in verbis:
A instrumentalidade técnica do processo está em que ele se constitua na melhor, mais ágil e mais democrática estrutura para que a sentença que dele resulta se forme, seja gerada, com a garantia de participação igual, paritária, simétrica, daqueles que receberão seus efeitos (GONÇALVES, 1992, p. 171).
Ante o exposto até aqui, pôde-se perceber que a ciência processual, assim como o Direito por um todo, a partir de meados do século passado constitucionaliza-se e, mais do que isso, ganha um modelo advindo da própria Constituição. Nessa perspectiva, o processo deixa de ser visto como mera técnica, como mero instrumento técnico e passa a ser visto como uma garantia e, ao mesmo tempo, como um “garantizador”, ou melhor, como um mecanismo que irá garantir os Direitos estabelecidos pela Constituição.
3. O Modelo Único de Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera
Como fora visto, emergiu nas últimas décadas do século passado uma doutrina processual constitucionalista que enxerga a Constituição como a fonte primeira das normas processuais, o que originou um modelo constitucional do processo, ou seja, um modelo processual trazido pela própria Constituição, ao qual, todos os processos devem se submeter em razão do princípio da Supremacia da Ordem Constitucional.
Na seara deste pensamento, é fundamental a contribuição trazida pela obra de Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, na formulação de seu modelo único de processo estabelecido pela Constituição.
Andolina e Vignera afirmam que nessa nova perspectiva “pós-constitucional”[8], o processo não pode levar em consideração apenas o seu ser, isto é, “sua organização concreta segundo as leis ordinárias vigentes”, mas deve, necessariamente, levar em consideração o seu dever-ser, isto é, “a conformidade de sua ordem positiva à normativa constitucional sobre o exercício da atividade jurisdicional” e é, justamente, neste ponto que surge o modelo constitucional do processo (tradução livre) (ANDOLINA, VIGNERA, 1990).
Nessa perspectiva, Andolina e Vignera ensinam que “as normas (regras e princípios) constitucionais inerentes à atividade jurisdicional, consideradas em sua complexidade, possibilitam ao intérprete delinear um verdadeiro e adequado esquema geral de processo”, que por sua vez, é “susceptível de constituir o objeto de uma exposição unitária”, de modo que podemos afirmar que “existe um paradigma único de processo” (tradução livre) (ANDOLINA, VIGNERA, 1990).
Nada obstante a este modelo único de processo, Andolina e Vignera advertem que a pluralidade de procedimentos jurisdicionais, bem como os diferentes tipos de processos, devem ter suas particularidades respeitadas, o que, por outro lado, não impede nem impossibilita a existência deste modelo único (ANDOLINA, VIGNERA, 1990).
Interpretação semelhante tem Flaviane de Magalhães Barros, ao discorrer sobre o modelo constitucional de processo proposto por Andolina e Vignera, como se confere nos dizeres que se seguem:
Tal compreensão de modelo constitucional de processo, de um modelo único e de tipologia plúrima, se adapta à noção de que na Constituição encontra-se a base uníssona de princípios que definem o processo como a garantia, mas que para além de um modelo único ele se expande, aperfeiçoa e especializa, exigindo do intérprete compreendê-lo tanto a partir dos princípios-bases como, também, de acordo com as características próprias daquele processo (BARROS, 2009, p. 335).
Este modelo, apesar de ser único, é constituído de um duplo movimento em que, por um lado, visa-se realizar uma materialização constitucional do processo e, por outro, visa-se atingir uma procedimentalização do Direito Constitucional a fim de efetivar as garantias da Constituição.
Neste sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco afirmam que este modelo constitucional de processo abrange tanto a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e do processo[9], quanto à jurisdição constitucional[10] (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010). Isto é, trata-se, como nos fala Willis Santiago, de um movimento duplo que abrange, por um lado, “uma materialização do direito processual, ao condicioná-lo as determinações constitucionais” e, por outro lado, “uma procedimentalização do direito constitucional” (GUERRA FILHO, 2007, p. 17).
Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera ao desenvolverem seu “modelo constitucional do processo civil italiano” apontam três características gerais que conduzem a um “esquema em branco” – um esquema que contém elementos constantes e indefectíveis que se encontram em todos os processos, mas que, também, possui elementos móveis, vagos, que exigem complementação, para que as variáveis sejam preenchidas de acordo com o processo em que se encontram (ANDOLINA; VIGNERA, 1990).
Nos exatos dizeres de Andolina e Vignera essas características podem ser individuadas:
a) na expansividade, que consiste na sua idoneidade (consequente à posição primária (inicial) das normas constitucionais na hierarquia das fontes) de condicionar a fisionomia de cada um dos procedimentos jurisdicionais introduzidas pelo legislador ordinário, a qual (fisionomia) deve ser, não obstante, compatível com os traços daquele modelo;
b) na variabilidade, que indica a sua atitude para assumir formas diversas, de modo que a adequação ao modelo constitucional (para obras do legislador ordinário) das figuras processuais concretamente funcionando pode acontecer segundo várias modalidades em vista da perseguição de fins particulares;
c) na perfectibilidade, que designa a sua idoneidade para ser aperfeiçoada pela legislação subconstitucional, a qual (scilicet [isto é]: no respeito, não obstante, àquele modelo e em função da consecução de objetivos particulares) bem pode construir procedimentos jurisdiconais caracterizados pelas (posteriores) garantias e institutos desconhecidos pelo modelo constitucional: pense-se, por exemplo, no princípio de economia processual, àquele do duplo grau de jurisdição e ao instituto da coisa julgada (tradução livre) (ANDOLINA; VIGNERA, 1990).
Como fora exposto, o conjunto dessas características gerais dão origem a um modelo constitucional de processo único, ao qual se adéquam perfeitamente os ramos do Direito processual, isto é, desde a Teoria Geral do Processo até o Processo Penal, o Processo Civil, o Processo Administrativo e, inclusive, o Processo Constitucional (entendido enquanto a jurisdição constitucional).
Isso decorre, conforme explicam Cintra, Grinover e Dinamarco, do fato de que “todo o direito processual” possui “suas linhas fundamentais traçadas pelo direito constitucional”, isto é, possui suas bases mestras delineadas pela Constituição (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 84).
Deste modo, pode-se concluir que a Constituição estabelece as bases e as garantias mínimas do processo, criando assim um modelo único de processo que deve ser sempre respeitado. Por outro lado, a própria Constituição, em respeito às particularidades de cada área do sistema jurídico, estabelece ao legislador infraconstitucional o dever se procedimentalizar cada processo, evidentemente, respeitando o modelo estabelecido por Ela.
4. Perspectivas Gerais
Após admitirmos que o Direito Processual possui linhagem Constitucional, isto é, que suas linhas fundamentais são dadas pela Constituição, não há como pensar em um estudo do direito processual fora do direito constitucional, isto é, não há como estudar ou trabalhar com o processo sem conhecer antes a Constituição.
Nesse sentido, Araújo Cintra, Ada Pelegrini e Candido Rangel Dinamarco afirmam que é da Constituição que “deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenômeno processo e de seus princípios” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 85).
No mesmo sentido, ao analisar o modelo constitucional de processo estabelecido pela Constituição de Portugal, afirma Gomes Canotilho:
A existência de um paradigma processual na Constituição portuguesa obriga a estudar e a analisar os diferentes processos não apenas na sua configuração concreta dada pela lei ordinária (os códigos processuais ordinários), mas também sob o ângulo da sua conformidade com as normas constitucionais respeitantes às dimensões processuais das várias jurisdições (CANOTILHO, 2003, p. 967)
A análise feita por Canotilho, apesar de se referir à Constituição Portuguesa, aplica-se perfeitamente (de modo geral) aos ordenamentos constitucionais democráticas contemporâneos, inclusive ao brasileiro.
Em sentido semelhante, Cassio Scarpinella Bueno, ao analisar o modelo constitucional do processo em relação especificamente ao processo civil brasileiro, afirma que “todos os ‘temas fundamentais do direito processual civil’ só podem ser construídos a partir da Constituição”, o que, por sua vez, claramente se aplica aos demais ramos do direito processual (BUENO, 2008, p. 159).
Ainda nessa linha, Cassio Scarpinella é contundente e afirma que “é impensável falar-se em uma ‘teoria geral do direito processual civil’ que não parta da Constituição Federal, que não seja diretamente vinculada e extraída dela”, o que, também, se aplica aos demais ramos do direito processual, vez que a Constituição é a fonte primeira, o fundamento maior e, como vimos, estabelece um modelo único que se irradia em todos os processos (BUENO, 2008, p. 159).
No entanto, o modelo constitucional de processo não pode ser tido como mero modelo a ser estudado e/ou analisado, ele deve mais, deve ser aplicado, efetivado, pois, efetivando-se tal modelo, efetiva-se a própria Constituição, efetivam-se suas garantias (DOS SANTOS, 2011). Nessa perspectiva, corrobora a sábia lição de Cassio Scarpinella, que em análise ao modelo constitucional do processo civil brasileiro afirma:
Estudar o direito processual civil na e da Constituição, contudo, não pode ser entendido como algo passivo, que se limita à identificação de que determinados assuntos respeitantes ao direito processual civil são previstos e regulamentados naquela Carta. Muitos mais do que isso, a importância da aceitação daquela proposta metodológica mostra toda plenitude no sentido ativo de aplicar as diretrizes constitucionais na construção do direito processual civil, realizando pelo e no processo, isto é, pelo e no exercício da função jurisdicional, os misteres constitucionais reservados para o Estado brasileiro, de acordo com o seu modelo político, e para seus cidadãos (BUENO, 2008, p. 158).
No mesmo sentido, corroboram as lições de Willis Santiago, que afirma que a efetivação de um modelo constitucional de processo, ou seja, um modelo constitucional legitimado através do processo (procedimentalizado) possibilita a efetivação do Estado Democrático de Direito, pois efetiva as garantias de participação dos interessados e de liberdade dos indivíduos, pois antes de impor qualquer medida, abre um espaço público de discussão, dentro do qual “os interessados deverão ser convencidos da conveniência de se perseguir certo objetivo e da adequação dos meios a serem empregados para atingir essa finalidade” (GUERRA FILHO, 2007, p.263).
Deste modo, ante o que fora até aqui exposto, pode-se concluir a priori, que o modelo constitucional de processo estabelece um modelo único de processo, pautado nos valores estabelecidos pela Constituição, ao qual os diferentes ramos do direito processual estão submetidos. Consiste ele, em um modelo processual que visa não só estabelecer uma fonte processual geral, mas que visa estabelecer e implementar a própria Constituição, bem como suas garantias, sejam elas processuais ou materiais, visto que, quando não implementados voluntariamente pelo Estado e/ou Sociedade, é através do processo que se obtém a tutela dos direitos.
Por fim, reitera-se que o estudo, bem como a construção, aplicação e efetivação do modelo constitucional do processo têm como fonte a Constituição, principalmente seus direitos e garantias fundamentais, preponderantemente estabelecidos em forma de princípios processuais, visto que são eles os mandamentos de otimização que vão estabelecer o estado ideal de processo a ser perseguido pelos juristas.
Conclusões
Em primeiro lugar, conclui-se que a Ciência Jurídica de forma geral passou por uma intensa reformulação após o fim da Segunda Grande Guerra, assistindo a partir deste momento histórico a ascensão meteórica de um novo constitucionalismo, no qual às Constituições passaram a ser vistas não só como documentos políticos, mas também como documentos jurídicos de força normativa superior.
Em razão disto as demais normas do ordenamento jurídico devem se adequar às normas de status constitucional, para que sejam válidas. Nesse sentido, as normas processuais, isto é, os princípios e regras que disciplinam o direito processual devem estar em conformidade com os preceitos constitucionais, respeitando, sobretudo, os direitos e garantias dos cidadãos.
Mais ainda, existe um modelo único de processo delineado pelas próprias constituições que estabelecem um genuíno direito processual constitucional ou, ainda, um verdadeiro modelo constitucional de processo, que deve ser seguido por todos os ramos das ciências processuais. Na Constituição brasileira, este modelo encontra-se positivado, sobretudo, sob a forma de princípios, no rol de direitos e garantias fundamentais individuais e em outros direitos e garantias que se pode encontrar de maneira dispersa no texto constitucional.
Por fim, toda essa sistemática processual constitucional obriga, tanto a doutrina, como a jurisprudência, como o legislador a produzir, estudar, interpretar e aplicar o direito processual, seja ele de qualquer ramo que for (processo penal, processo administrativo, processo civil, processo trabalhista etc.), à luz do modelo constitucional de processo estabelecido por nossa Carta Constitucional.
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[1] Como explica Daniel Sarmento, o termo Neoconstitucionalismo ainda não está rigidamente definido, possuindo algumas variações, entretanto pode-se conceituá-lo como “um novo paradigma tanto na teoria jurídica quanto na prática dos tribunais” que, de modo geral, envolve “vários fenômenos diferentes, mas reciprocamente implicados, que podem ser assim sintetizados: (a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou ‘estilos’ mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.; (c) constitucionalização do Direito, com irradiação das noras e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; (d) reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos; e (e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário (SARMENTO, 2009, p. 113-114).
[2] Nesse sentido, afirma Carl Schmitt que “a Constituição escrita do Estado legiferante parlamentar deve restringir-se fundamentalmente a regulamentos organizacionais e jurídicos processuais (SCHMITT, 2007, p. 26).
[3] Neste ponto, para aclarar a exposição, trar-se-á alguns trechos de redação do professor Luís Roberto Barroso, através dos quais ele explica, de maneira bastante clara e sucinta, em que consiste o Pós-Positivismo Jurídico. Nesse sentido, segundo ele “o pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais (...) o pós-positivismo é uma superação do legalismo, não com recurso a ideias metafísicas e abstratas, mas pelo reconhecimento de valores compartilhados por toda a comunidade. Esses valores integram o sistema jurídico, mesmo que não positivados em um texto normativo específico. Os princípios expressam os valores fundamentais do sistema, dando-lhe unidade e condicionamento a atividade do intérprete (...) o pós-positivismo identifica um conjunto de ideias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. Sua marca é a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Com ele, a discussão ética volta ao Direito...” (BARROSO, 2009, p. 327- 344).
[4] Nesse sentido, Dalmo de Abreu Dallari afirma que “uma das mais importantes inovações introduzidas pelo neoconstitucionalismo foi o reconhecimento da natureza jurídica dos princípios referidos expressamente ou implícitos no texto constitucional, igualando-os, em termos de eficácia e imediata exigibilidade, às normas constitucionais”, de modo que os princípios jurídicos constitucionais deixaram de ser tratados como “recomendações ou sugestões” e passaram a ser “obrigatórios e exigíveis por meios jurídicos” (DALLARI, 2010, p. 320-321).[5] Constituições materiais e garantidas (tradução livre).
[6] Apresenta um denso conteúdo material composto de normas de diferentes denominações (valores, princípios, direitos ou diretrizes), entretanto de idêntico sentido, que é dizer ao poder não só como se organizar e tomar as suas decisões, mas também o que é que pode e inclusive, as vezes, o que é que deve decidir (tradução livre).
[7] Como ocorre com qualquer outra norma primária, sua proteção ou a eficácia está confiada aos juízes, ou se se preferir, que no sistema existem normas secundárias, de organização e procedimento, destinadas a depurar ou sancionar a violação das normas substantivas ou relativas a direitos (tradução livre).
[8] Neoconstitucionalista, ou melhor, perspectiva que adveio após a promulgação das Cartas Constitucionais Européias do pós-guerra.
[9] Conforme Cintra, Grinover e Dinamarco, “a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária corresponde às normas constitucionais sobre os órgãos da jurisdição, sua competência e suas garantias” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 85).
[10] A jurisdição constitucional, conforme ensinam Cintra, Grinover e Dinamarco, compreende “o controle judiciário da constitucionalidade das leis – e dos atos da Administração, bem como a denominada jurisdição constitucional das liberdades, com o uso dos remédios constitucionais-processuais – habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data e ação popular (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 85-86).
Graduando do último período em Direito pela ESAMC - Uberlândia. Foi membro do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais por dois anos. Cursou Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) por um ano. Atuou como Estagiário em Direito Empresarial e Tributário no escritório Ferreira & Viola Advogados. Atualmente realiza pesquisa acadêmica sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos Figueira de Melo. Possui diversos artigos publicados em Congressos Acadêmicos e Revistas Jurídicas (brasileiras e estrangeiras).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Eduardo Rodrigues dos. Processo, Democracia e Constituição: breve análise do modelo constitucional de processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2012, 09:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31902/processo-democracia-e-constituicao-breve-analise-do-modelo-constitucional-de-processo. Acesso em: 23 dez 2024.
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