Resumo: Em uma primeira plana, insta salientar que a aquisição da herança, também denominada de adição da herança, consubstancia o ato unilateral, por meio do qual o herdeiro, legítimo ou testamentário, manifesta, de maneira livre, sua vontade em receber a herança que lhe é, de pleno direito, transmitida, eis que ninguém pode ser herdeiro contra sua vontade. Vigora na ramificação sucessória o adágio invitur non datur beneficium que apregoa que a ninguém é feito benefício contra a sua vontade. O efeito produzido pela aceitação da herança é de cunho meramente confirmativo da aquisição ipso jure da posse e da propriedade do acervo hereditário. Uma vez aceita a herança, a sua transmissão ao herdeiro se torna definitiva, desde a abertura da sucessão, produzindo efeito ex nunc, como bem expressa o artigo 1.804 do Código Civil. Com efeito, não há que se dizer que a adição da herança se dá com a aceitação, eis que os direitos hereditários não têm sua gênese com ela, mas retroagem, de pleno direito, ao óbito do autor da sucessão, independente de qualquer ato, de maneira tal que a aceitação produz efeito retro-operante.
Palavras-chaves: Aquisição da Herança. Aceitação. Princípio da Saisine.
Sumário: 1 Aceitação da Herança: Aspecto Conceitual; 2 Momento da Aquisição da Herança; 3 Efeitos da Aquisição da Herança; 4 Direito de Deliberar; 5 Espécie de Aceitação; 6 Aceitação a benefício de Inventário; 7 Irretratabilidade da Aceitação; 8 Anulação e Revogação.
1 Aceitação da Herança: Aspecto Conceitual
Em uma primeira plana, insta salientar que a aquisição da herança, também denominada de adição da herança, consubstancia o ato unilateral, por meio do qual o herdeiro, legítimo ou testamentário, manifesta, de maneira livre, sua vontade em receber a herança que lhe é, de pleno direito, transmitida, eis que ninguém pode ser herdeiro contra sua vontade. Vigora na ramificação sucessória o adágio invitur non datur beneficium que apregoa que a ninguém é feito benefício contra a sua vontade. O efeito produzido pela aceitação da herança é de cunho meramente confirmativo da aquisição ipso jure da posse e da propriedade do acervo hereditário. Uma vez aceita a herança, a sua transmissão ao herdeiro se torna definitiva, desde a abertura da sucessão, produzindo efeito ex nunc, como bem expressa o artigo 1.804 do Código Civil[1].
Com efeito, não há que se dizer que a adição da herança se dá com a aceitação, eis que os direitos hereditários não têm sua gênese com ela, mas retroagem, de pleno direito, ao óbito do autor da sucessão, independente de qualquer ato, de maneira tal que a aceitação produz efeito retro-operante. Como bem assinala Maria Helena Diniz, “a aceitação tão somente confirma o direito que o falecimento do de cujus atribuiu ao herdeiro, consolidando os direitos deste, chamado por ocasião da abertura da sucessão”[2]. Em mesmo sentido, Tartuce e Simão manifestam que “a aceitação da herança é ato de mera confirmação. Assim o é, mesmo porque o herdeiro tem o direito de sê-lo, se quiser, não sendo obrigado a tanto”[3]. Não prospera, deste modo, a parêmia filius ergo heres, ou seja, o filho é obrigatoriamente herdeiro.
Entrementes, não há que ser considerado como um ato desnecessário, eis que ninguém deve ser herdeiro contra a própria vontade, eis que deverá assumir algumas obrigações, a exemplo de pagar o legado ou mesmo cumprir algum encargo assinalado pelo testador em seu ato de disposição de última vontade. Não se pode olvidar, por imperioso, que o herdeiro não responde pelas dívidas deixadas pelo auctor successionis em valores acima das forças da herança. Ao lado disso, cuida anotar que, durante a regência do Código de 1916, com o escopo de se livrar do risco, preciso era que o herdeiro declarasse, de modo formal, que aceitava a herança sob benefício de inventário, isto é, a sua aceitação só teria eficácia se o ativo fosse superior ao passivo, restando sua responsabilidade limitada pelo ativo do acervo hereditário que se encontra em inventariança.
A Lei Substantiva Civil, doutro modo, estabelece, com clareza solar, que o herdeiro não responde pelos encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe a prova do excesso, exceto se houver inventário que o escuse, demonstrando ao magistrado o valor das dívidas e o montante dos bens herdados. Desta feita, não será o herdeiro responsável pelas dívidas deixadas pelo auctor successionis, cujo montante ultrapasse as possibilidades alcançadas pelo quinhão sucessório nem será acionado por dívidas do espólio, caso os recursos deste seja insuficiente para adimpli-las. Logo, não há que se falar em herança quando ela for absorvida, em sua totalidade, pelo passivo existente. “É preciso não olvidar que o quinhão hereditário daqueles que herdam por direito de representação não responde pelas dívidas do representado, mas apenas pelo autor da herança”[4], tal como os bens doados a título de adiantamento da legítima não respondem pelos encargos a serem suportados pela sucessão.
Tal situação ocorre, também, em relação ao pecúlio constituído por contribuições de funcionários públicos, em decorrência de lei especial, ante a premissa de o herdeiro os adquirir em razão do contrato e não do direito sucessório. Igualmente, as pensões militares não respondem pelas dívidas deixadas pelo de cujus, mas pelas contraídas pelo herdeiro no gozo da pensão, consoante dispunham o artigo 113, parágrafo único, do revogado Decreto-Lei Nº. 9.698/1946[5] e artigo 4º do Decreto Nº. 32.389/1953[6]. “É direito potestativo do herdeiro da decisão pela aceitação ou renúncia da herança”[7]. Com a aceitação da herança, no ordenamento pátrio, não há assunção, por parte do herdeiro, dos encargos do obituado além das forças do acervo hereditário; para tanto não precisará da feitura de qualquer ressalva daquele que aceita a sucessão a benefício do inventário, como ocorria no Código revogado. Contudo, não prospera qualquer obstáculo para que o herdeiro renuncie ao benefício do inventário, declarando, de maneira expressa, que assumirá todos os débitos deixados pelo extinto, ainda que em numerário superior ao ativo do acervo hereditário inventariado.
2 Momento da Aquisição da Herança
Ainda à luz das ponderações expendidas alhures, obtemperar se faz carecido que a aquisição da herança se dá em momento subsequente à delação ou devolução sucessória, todavia se diz que é contemporânea, eis que retroage ao dia da abertura da sucessão. A doutrina[8] debate acerca das teorias que orientam o tema em comento, pontuando que a primeira ótica adota a premissa que a herança é admitida de pleno direito com a abertura da sucessão; a segunda visão salienta que a herança é adquirida com a aceitação do herdeiro; a terceira corrente sustenta que a herança é obtida no momento da abertura da sucessão, sob a condição suspensiva da aceitação do herdeiro; e, a quarta teoria apregoa que o domínio dos bens herdados é adquirido com a aceitação, ao passo que a posse é adquirida de pleno direito pelo herdeiro com a abertura da sucessão.
Há que se traçar, no que concerne à aquisição, o momento cronológico do momento jurídico, esclarecendo que a verdadeira questão é a do momento em que, de fato, ocorre. Restaria configurado verdadeiro contrassenso dizer que a aquisição se verifica, de direito, com a delação. De fato, entre a abertura da sucessão e a aceitação medeia inevitável espaço de tempo, sendo certo, desta maneira, de que se dá a aquisição, cronologicamente, em momento ulterior ao do óbito do extinto. Não se pode esquecer que a abertura da sucessão é efeito instantâneo decorrente da morte de alguém, coincidindo, cronologicamente, com a morte, contudo não se confunde com ela. É o começo da sucessão; isto é, com ela o domínio e a posse da herança transmitem-se aos herdeiros, na esteira do disposto no artigo 1.784 do Código Civil[9].
Nesse ponto, tem aplicação o princípio da saisine, eis que a investidura do herdeiro no domínio e posse da herança se dá imediatamente, sem formalidade alguma, logo que se abre a sucessão. A transmissão automática decorre de uma ficção jurídica destinada a preservar o patrimônio. Juntamente com a abertura se dá, também, o fenômeno da delação, período no qual a herança é oferecida ao sucessor, esperando sua aceitação ou renúncia. Pode-se dizer, portanto, que ela tem duplo aspecto: um de cunho objetivo e outro subjetivo. Objetivamente significa disponibilidade da herança, ou seja, consiste na possibilidade da aceitação da herança, o momento em que passo à disposição dos herdeiros designados em cédula testamentária ou decorrente da dicção legal. Em um viés subjetivo, confunde-se com a vocação hereditária que é afixada na lei ou no ato de disposição de última vontade.
A delação implica transmissão hereditária, isto é, investe o herdeiro na situação jurídica transitória que lhe permite aceitar ou renunciar a herança. A fase da delação exaure-se com a aceitação ou com a renúncia. Ou seja, havendo renúncia, é rejeitada a própria qualidade de herdeiro; havendo aceitação, o herdeiro assume a posição jurídico-econômica do de cujus. Neste alamiré, cuida colacionar o seguinte aresto:
Ementa: Inventário. Renúncia Expressa. Plano de Partilha. Validade. 1. Com a morte do autor da herança, ocorre a abertura da sucessão e, também, simultaneamente, o fenômeno da delação, período no qual a herança é oferecida ao sucessor, esperando sua aceitação ou renúncia. 2. A renúncia da herança, por constituir exceção, deve ser expressa, devendo constar expressamente de termo judicial ou de instrumento público, consoante estabelece claramente o art. 1.806 do Código Civil. 3. Assim, os herdeiros renunciantes não podem ser incluídos no plano de partilha, como determinado pelo Dr. Juiz de Direito, impondo-se a desconstituição da r. decisão atacada para que seja dado prosseguimento ao feito, culminando com a homologação do plano de partilha apresentado pelos herdeiros restantes. Recurso provido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70024749871/ Relator: Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves/ Julgado em 24.09.2008)
No mais, a teoria da coincidência de momento rememora ao Direito Francês, que consagrara, de maneira robusta, o corolário da saisine como instituto pelo qual a transmissão hereditária se verificava de pleno direito segundo o postulado le mort saisit le vif. A teoria da aceitação encontra arrimo no Direito Romano, compactuando das premissas emanadas pelo cânon aditio o pro herede gestio. A teoria da condição suspensiva, por sua vez, é variante da teoria da aquisição de pleno direito, porquanto admite no mesmo momento da devolução sucessória, conquanto dependente da confirmação, de modo que permanece suspensa até que o herdeiro declare a aceitação. Adotada pelo Direito Italiano, a teoria da transmissão ipso jure unicamente da posse apregoa que a herança é adquirida por meio da aceitação, contudo o herdeiro pode aforar as ações possessórias em defesa dos bens hereditários, sem que haja a necessidade de apreendê-los. Desta sorte, aberta a sucessão, adquire-se a posse dos bens por efeito de disposição expressa da lei.
3 Efeitos da Aquisição da Herança
Em sendo aceita a herança, o herdeiro passa a figurar, de maneira definitiva, na posição jurídica-econômica do auctor successionis, tornando-se titular de todas as relações jurídicas transmissíveis. Os direitos, assim adquiridos, continuam a conservar sua configuração, transmitindo-se aos herdeiros as obrigações e o ônus, bem como ingressam nas ações judiciais iniciadas em vida pelo de cujus. “Continuam a posse dos bens hereditários transmitida desde a delação, com o título e as características que a distinguiam no patrimônio do defunto, consolidando-se em suas pessoas”[10].
Igualmente, os herdeiros suportam o fardo dos encargos que, por lei ou em consonância com a vontade do testador, foram impostos, a exemplo do pagamento dos legados, o cumprimento das obrigações estabelecidas sob a forma de modus, o adimplemento do imposto de transmissão causa mortis (ITCD) e outras despesas, bem como o pagamento da vintena ao testamenteiro nomeado em ato de disposição de última vontade do extinto. Enfim, resta confirmada a investidura em todos os direitos adquiridos potencialmente com a abertura da sucessão. Em havendo pluralidade de herdeiros, o ingresso na posição do obituado opera-se pelo quinhão que a cada qual couber. A herança é deferida aos herdeiros como uma massa unitária, sendo indivisível seu direito até que sobrevenha a partilha. Desta feita, pode-se pontuar que, em consonância com o entendimento jurisprudencial consolidado, “os herdeiros recebem a herança como um todo unitário e indivisível, permanecendo em estado de comunhão até que se procede na partilha”[11], sendo que cada herdeiro é titular de uma fração ideal daquela universalidade, e não de qualquer dos bens individualizados que a compõem. Em mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:
Ementa: Recurso Especial - Ação Reivindicatória - Tutela de bem deixado pelo de cujus - Partilha ainda não verificada - Co-Herdeiro - Legitimidade Ativa Reconhecida - Recurso Especial Provido. 1. Sendo a herança uma universalidade, é de rigor reconhecer-se que sobre ela os herdeiros detêm frações ideais não individualizadas, pois, até a partilha. 2. Aberta a sucessão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio (artigo 1791, parágrafo único, do Código Civil). 3. Tal como ocorre em relação a um condômino, ao co-herdeiro é dada a legitimidade ad causam para reivindicar, independentemente da formação de litisconsórcio com os demais co-herdeiros, a coisa comum que esteja indevidamente em poder de terceiro, nos moldes no artigo 1314 da lei civil. 4. O disposto no artigo 12, V, do Código de Processo Civil não exclui, nas hipóteses em que ainda não se verificou a partilha, a legitimidade de cada herdeiro vindicar em juízo os bens recebidos a título de herança, porquanto, in casu, trata-se de legitimação concorrente. 5. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1192027/MG/ Relator: Ministro Massami Uyeda/ Julgado em 19.08.2010/ Publicado no DJe em 06.09.2010) (destaque nosso).
Ademais, sendo a herança, como dito algures, uma universalidade de direitos, não se pode admitir que sua aceitação seja feita de modo parcial, com a exclusão, por conseguinte, de especificados bens. Deve, pois, a herança ser aceita em sua totalidade, já que o herdeiro é continuador da pessoa do de cujus no que tange às relações jurídicas patrimoniais, afigurando-se como inadmissível que o herdeiro tomasse parcialmente o lugar do autor da sucessão, aceitando tão só a metade, uma terça ou quarta parte do acervo hereditário, ou, ainda, somente o ativo, repudiando o passivo.
Destaque-se, por necessário, que sendo a situação do herdeiro que sucede simultaneamente a dois títulos, como, por exemplo, sucessor do auctor successionis e, concomitantemente, beneficiário do legado, em razão do legado e da herança não se confundirem, em decorrência da diversidade de causas, poderá: aceitar o legado e a herança; renunciar a ambos; aceitar integralmente a herança e renunciar ao legado ou, ainda, aceitar o legado por inteiro e repudiar a herança, como bem prevê o §1º do artigo 1.808 do Código Civil[12]. “O herdeiro chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia”[13]. Não subsiste qualquer óbice, caso haja dupla sucessão, a legítima e a testamentária, que o herdeiro renuncie inteiramente a sucessão legítima, conservando a outra ao aceitar a herança oriunda de cédula testamentária. É defeso, como pontuado acima, tão somente a aceitação parcial da herança.
Nesta senda, ainda, não poderá a herança ser aceita sob condição ou termo, eis que a suspensão ou resolução do domínio do herdeiro, em decorrência de condição ou termo, é um fator que produz insegurança jurídica, inquinando a natureza do ato, que é puro e simples. O herdeiro não pode aceitar herança sob a condição de não assumir os impostos que incidirem sobre os imóveis do espólio ou de ser aquinhoado com bens imóveis, porquanto a qualidade de herdeiro, uma vez adquirida, não pode ser perdida.
4 Direito de Deliberar
Quadra pontuar, inicialmente, que a aquisição da herança opera-se cronologicamente ulterior à delação, conquanto seja transmitida, por força da lei, com a abertura da sucessão. A lei concede ao herdeiro chamado a faculdade de deliberar acerca da aceitação, ou não, da herança transmitida ipso jure. Saliente-se, por oportuno, que sua deliberação deve ser declarada, expressa ou tacitamente, para a confirmação e materialização dos efeitos da devolução sucessória. “Não fixa a lei prazo específico para tal declaração. O direito de deliberar extingui-se, consequentemente, no prazo da prescrição comum, tratando-se de caducidade”[14].
O pronunciamento do herdeiro pode, todavia, ser provocado pela parte interessada. Após vinte dias da abertura da sucessão, é dado ao herdeiro requerer ao juiz prazo razoável, não inferior a trinta dias, para, dentro daquele ínterim, declarar a sua aceitação, ou não, da herança. Nesta trilha, o silêncio é interpretado como aceitação. Em havendo o óbito do herdeiro, antes da declaração de aceitação, ou não, da herança, é transmitido aos sucessores o direito de deliberar.
5 Espécie de Aceitação
5.1 Quanto à Forma:
No que concerne à sua forma, a aceitação pode ser expressa, tácita ou presumida. A primeira espécie tem assento quando decorrer de declaração escrita, pública ou particular, do herdeiro manifestando seu desejo de receber a herança. “A mera manifestação verbal do herdeiro no sentido de adir a herança, ainda que perante testemunhas, não vale como aceitação. Tal forma de aceitação não é mais tão frequente como outrora”[15], eis que, em consonância com os artigos 1.792[16] e 1.805[17], ambos do Código Civil, é despicienda frisar que se aceita a herança a benefício de inventário. Diniz frisa que “define a lei a aceitação expressa, declarando tal a que se faz por escrito. Parece ter exigido declaração proposital, mas é também expressa a aceitação constante de documento em que o herdeiro assume este condição”[18]. É fato que a exigência da aceitação expressa não se justifica por ser ela ato meramente confirmatório da nova relação jurídica estabelecida com a abertura da sucessão, eis que tão somente a renúncia elide a presunção da aceitação.
A segunda espécie, também denominada de indireta, é proveniente da prática de atos, positivos ou negativos, compatíveis apenas com a condição hereditária do herdeiro que acenam a intenção de aceitar a herança, a exemplo de: representação por advogado no inventário; cessão onerosa de direitos sucessórios; administração, sem caráter provisório, dos bens que constituem a herança; cobrança de dívidas do espólio; intervenção no apostilado manifestando concordância com avaliações ou com outros atos do processo; transporte de bens que integram a herança para o seu domicílio. “Entretanto, há atos que, embora sejam praticados pelo herdeiro, não revelam o propósito de aceitar a herança, tais como: simples requerimento de inventário ou mera outorga de procuração para o processo”[19], eis que se afiguram como obrigações legais inerentes ao herdeiro. Outros exemplos a serem citados fazem menção a atos oficiosos, como funeral do finado ou atos simplesmente conservatórios, com o escopo de evitar a ruína dos bens da herança; pagamento de débito da herança, eis que o ordenamento pátrio admite a possibilidade de pagamento de dívida alheia; alienação de coisas suscetíveis de deterioração ou perecimento, desde que haja concordância do magistrado. Orlando Gomes, ao lecionar acerca do tema, pontua que:
É tácita a aceitação, na definição legal, quando resulta de atos compatíveis somente com o caráter de herdeiros. Basta, para se configurar a prática de um fato concludente, incompatível com a vontade de renunciar, com existência objetiva, isto é, independentemente de averiguação do ânimo de aceitar[20].
A terceira espécie de aceitação ocorre quando algum interessado, ao tomar conhecimento se o herdeiro aceita ou não a herança, pleitear ao juiz, após o decurso do prazo de vinte dias da abertura da sucessão, a concessão, para o herdeiro, de prazo de trinta dias para pronunciar-se. Defluido o lapso de tempo, o silêncio do herdeiro acenará a aceitação. Nesta espécie, inexiste qualquer manifestação expressa ou ato comissivo, eis que a simples omissão de recusa é tida como aceitação da herança.
5.2 Quanto à pessoa que manifesta:
A aceitação será direta quando a manifestação for expressada pelo próprio herdeiro. Já a aceitação indireta decorre da premissa que alguém apresenta sua aceitação no lugar do herdeiro, configurando-se a aceitação pelos sucessores, pelo tutor ou curador, pelo mandatário ou gestor de negócios ou, ainda, pelos credores. A aceitação pelos sucessores se materializa quando “se o herdeiro falecer antes de declarar se aceita ou não a sucessão; o seu direito de aceitar passa aos seus herdeiros, valendo a declaração destes como se daquele partisse”[21]. Há que se salientar que a morte do herdeiro, antes da aceitação, obsta a transmissão aos seus sucessores de herança, ainda não aceita, motivo pelo qual se opera a transferência do poder de aceitar ou de repudiar. Gize-se que essa espécie de aceitação não será admissível na pendência de condição suspensiva, estipulada pelo auctor successionis, ainda não verificada, porquanto, caso o herdeiro faleça antes do seu implemento, o direito sucessório será extinto, eis que a condição suspensiva é óbice a aquisição do direito, perdendo o direito eventual toda a sua força originária, em razão da inocorrência da condição.
Desde que autorizados pelo juiz, o tutor ou curador de heranças, legados ou doações, com ou sem encargos, poderão manifestar a aceitação no lugar do incapaz. Igualmente, o mandatário ou o gestor de negócios poderão manifestar aceitação da herança, ainda que haja controvérsia quanto à admissibilidade de declaração feita pelo gestor de negócio, sendo esta subordinada somente à confirmação do herdeiro. O credor poderá manifestar aceitação, caso o herdeiro prejudique-o com sua renúncia, sendo que aquele deverá, no prazo decadencial de trinta dias seguintes ao conhecimento do fato abdicativo, se habilitar no apostilado, consoante manifesta o §1º do artigo 1.813 da Lei Substantiva Civil. Contudo, é imprescindível, saliente-se, autorização judicial para que os credores possam aceitar a herança em nome do renunciante, podendo tão apenas se beneficiar até o momento dos créditos. Em sendo pagos todos os débitos existentes, o remanescente será devolvido àquele a quem a renúncia traz benefícios e não ao renunciante, eis que este, em razão da renúncia, não é mais tido como herdeiro, como entabula o §2º do artigo 1.813 do Código Civil[22].
6 Aceitação a benefício de Inventário
Em decorrência de expressa dicção legal, o herdeiro não responde por encargos superiores à força da herança. Trata-se da materialização do benefício de inventário que, no ordenamento pátrio, ao contrário do que se verifica em outras legislações, não precisa ser invocado. O instituto em comento estabelece os limites da responsabilidade, sendo que todos os herdeiros, legítimos ou testamentários, podem utilizar de tal benefício, jamais ocorrendo a aceitação pura e simples. “No caso, a circunstância de a contratante não ter deixado bens a inventariar tem o condão de impedir a execução contra seus sucessores, uma vez que estes não estão obrigados a responder pelas dívidas do falecido além das forças da herança”[23].
Insta anotar que não há óbice à renúncia do benefício, sendo carecido tão somente que o herdeiro se desinteresse em provar o excesso do débito em relação à força da herança. Obtempere-se que o privilégio em testilha objetiva evitar uma damnosa hereditas, respondendo o herdeiro tão somente nos limites da herança. “Incumbe-lhe provar o excesso, salvo se existir inventário, que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados. A prova deve ser feita no próprio processo de inventário lato sensu”[24]. Denota-se, desta feita, que o benefício de inventário objetiva evitar a confusão patrimonial entre os bens pertencentes ao extinto e ao herdeiro.
Descansa, justamente, na separação entre o acervo hereditário e o patrimônio do herdeiro o fundamento técnico do instituto. Assim, o primeiro efeito prático do benefício de inventário cinge-se na premissa que o herdeiro não é responsável pelo adimplemento das dívidas da herança além do valor dos bens que lhe couberam. O segundo efeito é a conservação dos direitos e obrigações que tinha o de cujus, como qualquer credor ou devedor, não se extinguindo em decorrência da confusão, créditos e débitos. Os efeitos são provenientes da separação dos patrimônios, na qual vigora, como regra, o preceito de que o herdeiro não responderá além das forças da herança.
7 Irretratabilidade da Aceitação
Em razão do aspecto da irrevogabilidade da aceitação, decorrente da interpretação dos artigos 1.804[25] e 1.812[26], ambos do Código Civil, o herdeiro não poderá se arrepender dela, eis que a aceitação não é passível de retratação, nem poderá, caso venha a ocorrer, produzir prejuízos aos credores. Em havendo lesão ao direito dos credores, poderão estes salvaguardá-los, reclamando a providência entalhada no artigo 1.813 da Lei Substantiva Civil, qual seja: receber a herança no lugar do renunciante, por meio da autorização do juiz, quando constatada que a renúncia se deu com o escopo único de causar lesão ao direito do credor.
Neste sentido, Orlando Gomes assinala que “os credores do herdeiro renunciante podem aceitar a herança, em nome dele, com autorização do juiz, se a renúncia os prejudicar”[27], como bem frisa, inclusive, o parágrafo 2º do artigo 1.813 do Estatuto Civil em regência. Assinale-se, oportunamente, que, em sendo pagas as dívidas, o remanescente será devolvido, não ao renunciante, mas aos outros herdeiros. Cuida, ainda, destacar que a Lei Nº. 10.406/2002 suprimiu do Ordenamento Pátrio a possibilidade de retratação da aceitação que, durante a vigência do Código Civil de 1916[28], podia se dar a qualquer tempo, por meio de simples declaração unilateral do interessado, por termo no apostilado processual, após o pagamento dos impostos devidos.
Saliente-se que o pagamento dos impostos encontrava arrimo na premissa que havia a transmissão de domínio, estando, via de consequência, sujeita à incidência fiscal. Considerando-se que a retratação da aceitação equivalia à renúncia, o Código de 1916 aplicava as normas referentes à essa, alcançando, até mesmo, a aceitação da herança pelos prejudicados que a vindicavam em juízo.
8 Anulação e Revogação
Cuida pontuar, com grossos traços, que a aceitação poderá ser anulada ou revogada, caso, após a sua substancialização, seja apurado que o aceitante não é o herdeiro ou ainda que a cédula testamentária compreendesse a totalidade da herança, havendo herdeiro necessário. Em declarada a ineficácia da aceitação, “a herança passa ao herdeiro a quem regularmente se defere, como se aquela aceitação nuca tivesse havido”[29]. Entretanto, em tendo havido a homologação da partilha, o interessado só poderá reivindicar o que lhe cabe por meio de petição de herança.
Referências:
BRASIL. Decreto Nº 32.389, de 09 de Março de 1953. Aprova a Consolidação das disposições legais referentes a pensões militares e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012.
BRASIL. Decreto-Lei Nº 9.698, de 02 de Setembro de 1946. Aprova o Estatuto dos Militares. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012.
BRASIL. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012.
BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 10 out. 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. Campinas: Editora Russel, 2006.
GOMES, Orlando. Sucessões. 15ª Ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 10 out. 2012.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em: <www.tjsp.jus.br>. Acesso em 10 out. 2012.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões, vol. 06. 3ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010.
[1] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão”.
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 66.
[3] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões, vol. 06. 3ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010, p. 59.
[4] DINIZ, 2010, p. 67.
[5] BRASIL. Decreto-Lei Nº 9.698, de 02 de Setembro de 1946. Aprova o Estatuto dos Militares. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 111 – [omissis] Parágrafo único – A herança militar apenas responde pela contribuição mensal para o Estado e pelas dívidas à Fazenda Nacional, se contraídas pelos herdeiros, já no gôzo da pensão”.
[6] BRASIL. Decreto Nº 32.389, de 09 de Março de 1953. Aprova a Consolidação das disposições legais referentes a pensões militares e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 4º As pensões militares não respondem pelas dívidas do “de cujus”, mas apenas pelas contraídas pelo herdeiros, já no gôzo da pensão. (Decreto-lei nº 9.698, de 2 de setembro de 1946, art. 111, parágrafo único)”.
[7] DINIZ, 2010, p. 68.
[8] GOMES, Orlando. Sucessões. 15ª Ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 19.
[9] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
[10] GOMES, 2012, p. 21.
[11] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Decisão Monocrática proferida no Agravo de Instrumento Nº. 70046385282. Decisão Monocrática. Agravo de Instrumento. Direito Privado não especificado. Execução. Penhora de Direitos Hereditários. Abertura do inventário. Art. 988, inciso VI, do CPC. Negado seguimento ao agravo de instrumento, na forma do art. 557, caput, do CPC, pela manifesta improcedência. Órgão Julgador: Nona Câmara Cível. Relator: Desembargador Leonel Pires Ohlweiler. Julgado em 09.04.2012. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 10 out. 2012.
[12] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo. §1o O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los, renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los”.
[13] DINIZ, 2010, p. 72.
[14] GOMES, 2012, p. 22.
[15] DINIZ, 2010, p. 68.
[16] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados”.
[17] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.”.
[18] GOMES, 2012, p. 23.
[19] DINIZ, 2010, p. 69.
[20] GOMES, 2012, p. 24.
[21] DINIZ, 2010, p. 70.
[22] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.813. Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante. [omissis] §2o Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros.”.
[23] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação Cível Nº 70034902106. Apelação Cível. Negócios Jurídicos Bancários. Ação Monitória. Ausência de Bens a Inventariar. Responsabilidade dos Sucessores Limitada às forças da Herança. Curador Especial. Função Institucional da Defensoria Pública do Estado. Fixação de Honorários. Descabimento. Apelo parcialmente provido. Órgão Julgador: Décima Segunda Câmara Cível. Relator: Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack. Julgado em 17.05.2012. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 10 out. 2012.
[24] GOMES, 2012, p. 24.
[25] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão”.
[26] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.812. São irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança”.
[27] GOMES, 2012, p. 26.
[28] BRASIL. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2012: “Art. 1.590. [omissis]. A aceitação pode retratar-se, se não resultar prejuízo a credores, sendo lícito a estes, no caso contrário, reclamar a providência referida no art. 1.586”.
[29] DINIZ, 2010, p. 73.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VERDAN, Tauã Lima. Comentários à Aquisição da Herança: Abordagem Estrutural do Tema Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2012, 07:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31963/comentarios-a-aquisicao-da-heranca-abordagem-estrutural-do-tema. Acesso em: 07 out 2024.
Por: LUCAS DA SILVA PEDRO
Por: Bruno Sposito Berjas
Por: Júlia Gato Santana
Precisa estar logado para fazer comentários.