Introdução
O concurso universal de credores, seja no âmbito do Código Civil Brasileiro ou da Lei de Falências (Lei 11.101/2005), pressupõe em tese a existência de patrimônio passivo superior ao ativo, isto é, o valor de dívidas que extrapolam o valor dos bens do insolvente ou falido.
Cabe trazer citação de Darlan Barroso a respeito da diferença entre a submissão ao processo de insolvência civil e falimentar:
"O devedor civil cujo patrimônio seja insuficiente para suportar as dívidas assumidas estará sujeito à declaração de insolvência (a pessoa física, a pessoa jurídica não empresária, etc.). O empresário, por sua vez, no caso de insolvência, terá a arrecadação de bens realizada por meio de processo de falência. Aquele que não estiver sujeito à falência poderá sofrer o processo de insolvência civil." (BARROSO, 2007, p.342)
Diante das similaridades vislumbradas pelos regramentos das órbitas propriamente civil e falimentar, impende explicitar o modelo de preferência civilista para a insolvência e a classificação de créditos do processo falimentar.
Modelo de Preferência do Código Civil
O Código Civil Brasileiro define como títulos legais de preferência os privilégios e os direitos reais. Ademais, estabelece escalonamento quanto à preferência de recebimento, nos termos do artigo 961 do Código Civil, na seguinte ordem: crédito real, crédito pessoal privilegiado especial, crédito pessoal privilegiado geral e, por último, crédito pessoal simples. Cabe aqui discorrer acerca destes níveis de preferência.
No que concerne ao crédito real, este vincula-se necessariamente a um bem, sem apresentar incidência abrangente ao patrimônio do devedor, mas apenas a bem gravado especificamente, tais como os direitos reais de garantia como hipoteca, penhor e anticrese.
Quanto ao crédito pessoal de maneira ampla, atrela-se a uma circunstância específica referente ao bem e à pessoa do credor ou do devedor e não limitada tão somente ao bem, podendo ser dividido em crédito privilegiado especial, geral e simples.
O crédito privilegiado especial corresponde, com relevância superior, a situações de liame recíproco entre o credor e o bem objeto de benefícios a ele atribuído. O rol trazido pelo diploma civil no artigo 964 indica como crédito com privilégio especial a quantia referente a custas de arrecadação e liquidação quanto ao bem arrecadado e liquidado, sobre a coisa salvada os custos de salvamento, os créditos de benfeitorias úteis e necessárias quanto à coisa beneficiada, sobre os prédios rústicos e urbanos pelo custo de edificação, construção e melhoramento.
Ademais, é reputado como crédito privilegiado especial, sobre os frutos agrícolas os valores investidos pelo dono das sementes, instrumentos e serviços realizados, sobre as alfaias e utensílios domésticos o credor de aluguéis do ano corrente e anterior, sobre os exemplares das obras do editor pelo autor ou representantes, atrelado a contrato de edição, sobre o produto da colheita para aquele que empregou seu trabalho. Se o crédito for referente à dívida de salário para trabalhador agrícola quanto à colheita, o legislador infraconstitucional eleva à condição de crédito suprareal, ou seja, superior ao próprio crédito real.
O crédito privilegiado geral apresenta apenas vinculação à pessoa do devedor ou pessoas próximas em situações específicas definidas em lei. Cumpre ressaltar as hipóteses legais trazidas, quais sejam, na seguinte ordem legal de privilégio: crédito por despesa de funeral do devedor (I) e de custas judiciais de arrecadação e liquidação da massa (II), luto do cônjuge supérstite e filhos do devedor, desde que estas últimas sejam moderadas (III), despesas com a doença causal do falecido no último semestre (IV), gastos necessários à manutenção da família do falecido no trimestre anterior (V), créditos por impostos à Fazenda Pública no ano corrente e anterior (VI), salários dos empregados domésticos nos últimos seis meses (VII), além daqueles créditos que a lei entender que deve ser definido como crédito privilegiado geral (VIII).
No que tange ao crédito pessoal simples, o Código Civil Brasileiro utiliza o critério subsidiário para sua definição, ou seja, será todo o crédito que não seja considerado como crédito real, crédito pessoal privilegiado especial ou crédito pessoal privilegiado geral, ou seja, sem qualquer preferência, sendo crédito comum.
Classificação de créditos da Lei 11.101/2005
Por outro viés, a Lei 11.101/2005 classifica a preferência creditória ligada ao procedimento falimentar exclusivo de pessoas jurídicas, sobretudo empresas, em dois grandes grupos, quais sejam, créditos concursais e extraconcursais, isto é, os créditos que se submetem ou não ao concurso universal de credores, sendo que os créditos extraconcursais apresentam preferência exclusiva em relação aos créditos concursais.
No entanto, cumpre trazer observação levantada por Kelen Campos Benito, quanto à situação específica de prioridade superior aos créditos extraconcursais e concursais:
“[...] para a proteção dos trabalhadores de menor renda, a lei determina que o administrador judicial proceda à antecipação do devido a título de salários vencidos nos três meses anteriores à quebra, desde que limitados a cinco salários mínimos por credor trabalhista. Essa antecipação deve ser feita mesmo que não tenham sido ainda atendidos os credores extraconcursais”.
Acerca dos créditos extraconcursais são aqueles créditos necessários à viabilização do processo de falência e anterior recuperação judicial ocorrida, que corresponde à seguinte ordem de preferência: remunerações devidas a administrador judicial e auxiliares e créditos da legislação do trabalho e acidentes trabalhistas após a decretação da falência (I), quantias fornecidas por credores à massa (II), despesas com arrecadação, administração e realização de ativo, bem como distribuição do seu produto, além de custas do processo falimentar (III), custas judiciais em que a massa falida em ações e execuções tenha sido declarada vencida (IV) e por último, como crédito extraconcursal enquadra-se as obrigações referente a atos jurídicos praticados durante a recuperação judicial ou após decretação de falência, bem como tributos relativos a fatos geradores ocorridos durante após a decretação de falência (V).
Após o pagamento dos créditos extraconcursais, inaugura-se o adimplemento dos créditos concursais, em linhas gerais, na seguinte ordem de preferência: créditos trabalhistas e de acidente do trabalho (I), créditos com garantia real (II), créditos tributários (III), créditos com privilégio especial (IV) e geral (V), créditos quirografários (VI), multas contratuais e penas pecuniárias (VII) e por último, os créditos subordinados (VIII). Cumpre detalhar as peculiaridades dos créditos concursais.
No que tange aos créditos trabalhistas, estes apresentam o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos por credor quanto à primeira posição na linha de preferência de créditos concursais, não havendo este limite pecuniário quanto aos créditos por acidente de trabalho.
Novidade trazida pela Lei 11.101/05 foi a preferência do direito real sobre bem específico, acima do próprio interesse do Estado, quanto à arrecadação de tributos, no entanto, restrito ao bem objeto de gravame, contudo, destaque-se que a Fazenda Pública não se submete ao juízo falimentar. Ademais, o legislador excluiu como crédito tributário as multas tributárias, enquadradas estas como penúltimo crédito na ordem de preferência dos créditos concursais.
Após os créditos reais e tributários, respectivamente, segue à ordem de preferência, os créditos com privilégio especial, sendo considerados aqueles acima mencionados, constantes do artigo 964 do Código Civil, bem como aqueles a que a lei confere o direito de retenção ao titular sobre a coisa dada em garantia, além dos casos definidos por leis civis e comerciais como crédito de privilégio especial.
Quanto aos créditos com privilégio geral, a Lei de Falências indica como tais aqueles mencionados no artigo 965 do Código Civil, bem como os créditos quirografários, quanto ao fornecimento de produtos e serviços durante a recuperação judicial, como também aqueles definidos como tal nas leis civis e comerciais.
Os créditos quirografários, reputados como crédito subsidiário, ou seja, na hipótese de não enquadramento em qualquer das hipóteses elencadas no artigo 83 da Lei 11.101/2005. Além disso, são considerados como créditos quirografários os valores excedentes ao bem vinculado ao pagamento e aos 150 (cento e cinquenta) salários mínimos por credor referente a créditos trabalhistas. Ressalte-se que os créditos trabalhistas cedidos a terceiros são reputados como crédito quirografário, conforme o § 4º do artigo 83 da Lei 11.101/2005.
As multas e penas pecuniárias em geral, caracterizadoras de sanções de ilícitos civis, administrativos, penais ou tributários, são posicionados pelo legislador abaixo dos créditos quirografários.
Por derradeiro, os créditos subordinados são os créditos de sócios e administradores sem vínculo empregatício, bem como aqueles previstos como tal em lei ou contrato.
Com o pagamento de todo o passivo na ordem acima descrita, o valor remanescente será distribuído entre os sócios.
Conclusão
A escala de preferência definida pelo Código Civil e, sobretudo pela Lei 11.101/2005, visa estabelecer o princípio da igualdade material quanto à preferência no pagamento de credores. A materialização deste ideal do legislador infraconstitucional vislumbra-se na primazia atribuída ao crédito trabalhista e acidentário, privilegiando o credor da empresa, em regra, hipossuficiente.
Cumpre salientar que a modulação de preferências estabelecida pelo Código Civil Brasileiro direcionada à distribuição de patrimônio ativo de pessoas físicas durante processo de insolvência é, em tese, processo menos complexo do que a classificação de créditos definido pela Lei 11.101/05, pois, por si só as relações de direito de pessoas jurídicas são muito mais amplas do que de pessoas físicas, exigindo regramento mais detalhado e específico.
Ademais, ressalte-se que o escalonamento do diploma civil em crédito real, crédito pessoal privilegiado especial, crédito pessoal privilegiado geral e crédito pessoal simples se apresenta abarcado pela classificação de créditos da Lei 11.101/2005, além desta apresentar escala de preferência de maior complexidade, como são por si próprias as relações jurídicas empresariais.
Referências
BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil, volume II: recursos e processo de execução / Darlan Barroso. - Barueri, SP : Manole, 2007
BENITO, Kelen Campos. Classificação dos créditos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 77, jun 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7693>. Acesso em 26 out 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas - Lei n.11.101 DE 9-02-05 . 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo, Lei de falência e recuperação de empresas, 4° Ed, São Paulo: Atlas, 2008.
MAMEDE, Gladston, Direito Empresarial Brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas, Vol 4, 2° Ed, São Paulo: Atlas, 2008.
Advogado Especialista e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Marco Túlio Rios. Concurso Universal de Credores da Lei Civil e Falimentar: preferências e privilégios creditórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2012, 08:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32156/concurso-universal-de-credores-da-lei-civil-e-falimentar-preferencias-e-privilegios-creditorios. Acesso em: 23 dez 2024.
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