Resumo: Trata-se de artigo que analisa brevemente esta espécie de ação afirmativa como uma forma de buscar diminuir as diferenças sociais existentes entre negros e brancos. Para isso demonstra-se o desenvolvimento da ideia de política de cotas e sua aplicação nos EUA.
Palavras-chave: Ações Afirmativas. Política de Cotas. Negros. EUA. Igualdade Material.
Sumário: Introdução 1. Aspectos conceituais: As ações afirmativas e políticas de cotas. 2. A Política de Cotas nos EUA : A Experiência Pioneira. 3. Princípio da Igualdade Material. 4. Política de Cotas na Perspectiva da Igualdade Material. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Este trabalho se dedicará a conceituar as chamadas Ações Afirmativas e a Política de Cotas, mostrando como se deu a experiência nos Estados Unidos da América. Também será tratada como em nosso contexto se discutiu a implementação da Política de Cotas, mostrando-se as posições universalista e particularista. Por último relacionaremos as políticas de cotas aos ditames da igualdade material.
1. Aspectos conceituais: As ações afirmativas e políticas de cotas
Antes de delinearmos os contornos precisos das políticas de cotas é necessária a análise do que seriam as “Ações Afirmativas”, gênero do qual a política de cotas é espécie. As controvérsias sobre as ações afirmativas são muitas e se iniciam na identificação do próprio significado do termo. Trata-se de um conjunto de iniciativas ou políticas adotadas, impostas ou incentivadas pelo Estado, a fim de promover a igualdade material em relação a indivíduos, grupos ou segmentos sociais marginalizados da sociedade, buscando eliminar desequilíbrios e realizar o objetivo da República de concretização da dignidade da pessoa humana. É o que afirma Joaquim Barbosa Gomes: “[...] as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. Diferentemente das políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto, as ações afirmativas têm natureza multifacetária, e visam a evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente, por meio de normas de aplicação geral e específica, através de mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo. Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito”. (2001, p.40)
No tocante aos seus destinatários, observa-se que as ações afirmativas são direcionadas a grupos minoritários, que têm uma defasagem em relação ao acesso a bens de várias ordens por motivo de raça, cor, sexo ou tipo físico, haja vista que esses fatores foram e são escolhidos como critérios através dos quais se pode inferiorizar grupos sociais. É preciso salientar que minoria aqui não representa apenas aspectos quantitativos. O que se deve notar é, portanto, a posição de dominação desfrutada por alguns grupos em detrimento de outros subjugados na comunidade em que vivem por serem alvo de discriminação e preconceito.
Ressalte-se que, como políticas especiais, as ações afirmativas devem ser temporárias, ou seja, não se compreende que sejam medidas destinadas a vigorar eternamente, visto que sua execução está estritamente vinculada ao cumprimento de seus fins. Trata-se, na verdade, de providência emergencial de combate às gritantes disparidades verificadas entre grupos sociais, de sorte que uma vez que estas sejam extintas ou consideravelmente reduzidas não há porque manter benefícios para alguns em detrimento de outros em semelhante situação, sob pena de não mais se ver respeitada a isonomia.
Outro ponto crucial na definição das ações afirmativas é o papel de protagonista do Estado. Será ele através de seus poderes o legitimo criador de políticas públicas visando promover a igualdade de oportunidades. O Estado pode aparecer como o próprio promotor de determinada ação afirmativa, ou pode compulsoriamente obrigar e fiscalizar a iniciativa privada na implementação de determinada política protetora de minoria.
Percebe-se diante do estudo das ações afirmativas que há um contínuo questionamento da legitimidade normativa da ação afirmativa e do contexto histórico-sociológico vivenciado por determinada minoria. Essa análise na maioria dos casos acabará no judiciário. Que será o responsável por analisar a razoabilidade e a proporcionalidade da desequiparação em cada caso concreto. Afirma Carmem Lúcia Rocha: “[...] a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por esta desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política, econômica no, e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias”. (1996)
Também se verifica da análise do trecho citado acima que as políticas de ações afirmativas só são viáveis no contexto de um Estado Democrático de Direito, já que este tem como fundamento a busca para garantir a cidadania de todos os habitantes do seu território. Também se percebe, como já se falou anteriormente, as ações afirmativas tem um amplo conteúdo jurídico, principalmente na discussão sobre o Estado como promotor da igualdade material.
Por último, considera-se importante ressaltar a distinção entre políticas de ações afirmativas e o estabelecimento de cotas. Estas se constituem tão somente uma modalidade de implementação daquelas políticas e, por serem mais debatidas que outras formas, haja vista a categoria dos grupos que se prestam a beneficiar, são bastante confundidas com as ações afirmativas, como se fossem uma coisa só. É necessário agora que mostre-se como se deu o desenvolvimento das ações afirmativas, mais especificamente as políticas de cotas no EUA para que depois passemos para análise no Brasil.
2. A Política de Cotas nos EUA : A Experiência Pioneira
Compreende-se a importância de abordar o tema relativo ao desenvolvimento das ações afirmativas, especificamente política de cotas, nos Estados Unidos da América em vista de que foi nesse país onde se levou a cabo, de forma pioneira, uma ampla discussão e considerável implementação, seja no âmbito público ou privado, dessas medidas. Principalmente através de decisões da Suprema Corte de Justiça, as ações afirmativas, nos EUA, foram bastante debatidas, com seus contornos sendo, aos poucos, delineados.
Vale ressaltar que o breve exame que se faz em torno da maneira como as ações afirmativas, entre ela as reserva de cotas, tiveram lugar nos EUA não quer dizer que se deseja situar a experiência norte-americana como modelo perfeito e absoluto a ser transcrito na realidade brasileira. Na verdade, entende-se que cada Estado deva buscar as soluções adequadas para lidar com seus problemas, posto que estes se apresentam de maneira diferenciada de acordo com as formações históricas que lhes deram origem.
Por um bom período de tempo, cerca de 30 anos após a Guerra Civil Americana (1861-1865), vigorou o sistema segregacionista, também chamado de ‘Jim Crow’. Assim, mesmo que abolida a escravidão, em 1861, fortes resquícios dessa época ainda perenizavam o estado de inferioridade e marginalização sofridas pelo negro na sociedade norte-americana. Moehlecke relata que, na Virgínia, temendo a integração dos negros nas escolas, cidadãos brancos reivindicaram o fechamento das escolas públicas e o levantamento de fundos para subsidiar o estudo das crianças brancas em entidades particulares.
“As ações de resistência não envolveram apenas o Estado da Virgínia, nem a restrição a fundos públicos para a educação. Em 1957, a Assembléia Legislativa do Texas decidiu que os fundos escolares seriam suspensos em qualquer distrito onde houvesse integração dos negros sem aprovação anterior, o que deixou fora da escola dezesseis mil alunos, negros e brancos. Também foram aprovadas diversas leis pró-segregação referentes à Virgínia[...]” (2000, p.24)
Entretanto foi apenas na década de 1960 que se intensificou a luta pela igualdade e real integração dos negros na sociedade norte-americana. Movimentos populares, apoiados por diversos órgãos religiosos ganham projeção nacional culminando no assassinato de dois grandes líderes: Martin Luther King e Malcolm X. O Poder público, que até então se absteve de tomar medidas mais efetivas no tocante às reivindicações da minoria negra se vê pressionado a adotar um comportamento positivo para que tivesse alcance real o que declaravam as normas isonômicas do país.
Neste breve relato histórico vê-se, em comparação com a análise da história do negro no Brasil, desenvolvida resumidamente no capítulo 2, que há pontos em comum entre a história negra brasileira e americana. Os dois países acabaram com a escravidão de forma tardia. E nos dois países o movimento negro ocupa um papel de destaque na conquista de direitos.
Ao assumir a presidência, em 1961, John Kennedy, expede a Ordem Executiva n. 10.925, onde pela primeira vez emprega-se o termo ação afirmativa (affirmative action). Essa Ordem Executiva, além de criar a Comissão para a Igualdade de Oportunidade no Emprego (President’s Comittee on Equal Employment Opportunity), dispõe que nos contratos celebrados com o governo federal: “[...] o contratante não discriminará nenhum funcionário ou candidato a emprego devido a raça, credo, cor ou nacionalidade. O contratante adotará ação afirmativa para assegurar que os candidatos sejam empregados, como também tratados durante o emprego, sem consideração a sua raça, seu credo, sua cor ou nacionalidade. Essa ação incluirá, sem limitação, o seguinte: emprego; promoção; rebaixamento ou transferência; recrutamento ou anúncio de recrutamento, dispensa ou término; índice de pagamento ou outras forma de remuneração; e seleção para treinamento, inclusive aprendizado”. (2001, p.88)
Impacto maior no combate à discriminação racial, entretanto, adveio com a Lei de Direitos Civis (Civil Rights Act), de 1964, aprovada pelo Congresso no mandato do Presidente Lyndon Johnson, que assumiu o cargo após a morte de John Kennedy. Dentre as inovações trazidas por esse projeto, estão “a proibição de discriminação ou segregação em lugares ou alojamentos públicos (Título II); a observância de medidas não-discriminatórias na distribuição de recursos em programas monitorados pelo governo federal (Título VI); a proibição de qualquer discriminação no mercado de trabalho calcada em raça, cor, sexo ou origem nacional, proibição essa que deveria ser observada pelos grandes empregadores, assim compreendidos todos aqueles que tivessem pelo menos quinze funcionários, incluindo-se as universidades públicas ou privadas (Título VII)”.
Entretanto, o estabelecimento de cotas ou metas numéricas como forma de instituir essas políticas foi fixado no Plano da Filadélfia, que, elaborado durante o período em que Richard Nixon esteve na presidência, tinha o objetivo de coagir instituições que tinham contrato com o governo federal a evitarem as iniqüidades nas contratações de seus funcionários no sentido de que mulheres e outras minorias não estivessem sub-representadas. Para tanto, dever-se-ia adotar políticas de cunho afirmativo que prescrevessem cronograma numérico a ser atingido, não rigidamente, mas de forma flexível. (2004, p.85)
O presidente Bush, por sua vez, demonstrou posições contrárias às ações afirmativas, demonstradas, sobretudo, na indicação dos Justices, ou seja, os membros da Suprema Corte que por muitas vezes eram responsáveis por analisar o alcance das políticas afirmativas já implementadas. No mandato do democrata Clinton, este salientou a importância da continuidade dos projetos de ações afirmativas, encomendando, no entanto, a revisão da maneira como eram implantadas essas medidas. O relatório preparado em julho de 1994, trouxe “a recomendação de quatro princípios políticos básicos: a) que tenham um limite temporal; b) não adotem o sistema de cotas; c) não dêem preferências a pessoas não qualificadas; d) proíbe a ‘discriminação ao inverso’.” (2000, p.39)
Percebe-se, dessa forma, o rumo em direção diversa agora percorrido pelas ações afirmativas na sociedade norte-americana. Embora não seja nossa pretensão aqui esboçar qualquer tipo de análise acerca dos fatores que norteiam a concepção ultimamente engendrada pelos Poderes Executivo e Judiciário no tocante às ações afirmativas, vale lembrar que elas foram firmemente concebidas em momento no qual se estabeleceu praticamente um consenso em torno da sua exigência para contornar o chamado ‘dilema norte-americano’, de modo que os afro-descendentes pudessem ser inseridos nessa comunidade.
Se agora sofrem um retrocesso, parece que ele resulta da diferente abordagem que fazem os norte-americanos das desigualdades raciais, antes amplamente reconhecidas como decorrentes da discriminação. Passados quase 40 anos da implementação de ações afirmativas nos EUA não foi possível encontrar nenhum estudo que tratasse das conseqüências de tais medidas. O que é notório é a formação de uma cultura negra americana que culminou na eleição em 2008 do primeiro presidente negro, Barack Obama.
3. Princípio da Igualdade Material
Uns dos objetivos deste trabalho é analisar a aplicação das políticas de cotas nos contornos da igualdade material.
Para isso é necessário entender sobre igualdade. O ideal da igualdade parte de um conceito de igualdade formal, baseado na prescrição de que todos são iguais perante a lei até atingir-se a defesa de uma igualdade material, que hoje se atualiza na idéia de reconhecimento das desigualdades, e a partir de tal constatação o Estado surge como o responsável por supri-las, promovendo uma maior paridade de oportunidades entre os grupos de indivíduos de uma determinada sociedade.
Com muita frequência nos deparamos hoje, como desde os primórdios da modernidade, com uma ideologia individualista que bloqueia a consideração de estruturação de classe da sociedade e explica as posições sociais diferentes seja como o resultado de fortuna casual, seja como esforço de pessoas mais bem-sucedidas. Se as desigualdades não são conhecidas os indivíduos são tomados como seres abstratos. São nesse sentido as palavras de Boaventura de Sousa Santos: “A desigualdade e a exclusão têm na modernidade um significado totalmente distinto do que tiveram nas sociedades do antigo regime. Pela primeira vez na história, a igualdade, a liberdade e a cidadania são reconhecidos como princípios emancipatórios da vida social. A desigualdade e a exclusão têm, pois, de serem justificadas como excepções ou incidentes de um processo societal que lhes não reconhece legitimidade, em princípio. E, perante elas, a única política social legítima é a que define os meios para minimizar uma e outra”. (1999, p.1)
Pode-se enxergar que há uma mudança de postura em relação à desigualdade. Esta agora deve ser reconhecida através da revisão do processo histórico de formação de uma determinada sociedade, apurando-se quais foram os grupos de indivíduos que foram subjugados.
Portanto, a noção de igualdade material impele que distinções encontradas nos indivíduos, ou grupos de indivíduos, sejam levadas em consideração pelo Estado e pelo Direito. Afinal, tratar situações desiguais de forma semelhante traduz-se numa completa injustiça, que serve apenas para perpetuar a fragilidade de alguns grupos. A luta pela igualdade material acaba por fomentar a instituição de um cidadão ativo, preocupado com os interesses da sua classe, um indivíduo concreto.
E, para que isto venha a se concretizar, é preciso ter em mente que a desigualdade não é universal e homogênea, mas dinâmica e contínua, porque percorre os vários aspectos sociais em que se situam os diferentes grupos coletivos de pessoas, em função de uma maior ou menor intensidade de opressão. Assim a desigualdade apresenta-se como uma categoria quantitativa, e não meramente qualitativa, já que, invariavelmente, determinados grupos de indivíduos não sofrem a mesma desigualdade. Certos grupos, por exemplo, sofrem muito mais com a desigualdade, se comparados com outros grupos da mesma classe que possuem maiores condições de conquistarem os bens materiais e imateriais necessários para uma vida digna, visto que a organização da sociedade não leva em conta as necessidades de tais grupos de indivíduos. É nessa perspectiva que os movimentos sociais surgem como agentes ativos na luta pela igualdade material. É o que afirma Luiz Vicente Vieira: “Os movimentos sociais parecem, pois, terem uma função objetiva a exercer como novos atores políticos, que por suas práticas e origens, indicam alternativas ao sistema representativo e às próprias estruturas do Estado liberal de direito. Cumprem, pois, o papel de articuladores de uma vontade geral, resultante de uma unidade ou identidade de objetivos, alcançadas a partir da intervenção política promovida por inúmeros segmentos que de percebem alijados das suas estruturas de poder”. (2006, p. 103)
4. Política de Cotas na Perspectiva da Igualdade Material
A idéia de igualdade material, ou de luta para sua concretização requer uma postura coletiva nas demandas sociais. A sociedade organizada que tem legitimidade para denunciar as desigualdades presentes na sociedade e, consequentemente, para apresentar propostas que visem reverter algum quadro de desigualdade social.
É nesse contexto que as políticas de cotas surgem como alternativa viável não só para o movimento negro, mas também para o movimento de mulheres, de deficientes físicos, sendo que os dois últimos já conseguiram a implementação constitucional de reserva de vagas.
As políticas de cotas, como se nota, estão em plena consonância com os postulados da igualdade material, visto que elas apanham o indivíduo historicamente situado, vítima de discriminação presente e dos efeitos daquela praticada no passado, para conceder-lhes prerrogativas tendentes a diminuir as dificuldades que os impedem de alcançar os mesmos resultados em sua vida política, econômica e cultural das categorias que não sofreram restrições ou sempre foram privilegiadas.
É válido enfatizar que a igualdade que se almeja é a igualdade racial. Busca-se cultivar o apoio e a sensibilização da opinião pública tendo como foco o fim da desigualdade racial própria do Brasil. Percebe-se que o problema da desigualdade material entre brancos e negros perpassa pela questão da desigualdade racial, e vice-versa. Em outras palavras, não há como se falar de igualdade sem se cogitar a discrepância racial brasileira. Afirma Sousa Santos: “Uma política de igualdade que nega as diferenças inferiorizadoras é, de facto, um política racista. Como vimos, o racismo, tanto se afirma pela absolutização das diferenças como pela negação absoluta das diferenças. Sempre que estamos perante diferenças inferiorizadoras, uma poítica de igualdade genuína é a que permite a articulação horizontal entre identidades discrepantes e entre as diferenças que elas assentam”. (1999, p.44)
Na verdade, as políticas de ações afirmativas decorrem da igualdade enunciada no contemporâneo Estado Social Democrático de Direito, que busca acima de tudo que ela se constitua no plano real. Angariá-la tão somente ao status de norma constitucional sem levar em conta a complexidade dos fatores que se apresentam cotidianamente no relacionamento entre os indivíduos, como a discriminação, mostrou-se um fracasso.
Pode, à primeira vista, parecer que o estabelecimento de políticas de cotas para negros se trata a uma afronta à igualdade, mas, ao contrário, em uma análise mais detida, percebe-se que tal medida estará sendo plenamente de acordo com os objetivos de um Estado que tem como meta a concessão de igualdade de oportunidades para todos os indivíduos.
É imperiosa, por conseguinte, uma postura dinâmica, ativa do Estado e do Direito, pois já ficou amplamente demonstrado que a mera proibição da discriminação, igualdade formal, por meio da vedação legal de que se adotem comportamentos preconceituosos em razão de cor, gênero, raça ou religião não se presta ao fim de tornar efetiva a igualdade material.
Conclusão
O Estado social contemporâneo, diferentemente do Estado liberal clássico, exige uma versão de Estado ativo, atuante e transformador. O Estado deve estar sempre comprometido com a realização efetiva dos direitos fundamentais, com a redução das desigualdades sociais e com a promoção do bem de todos. Por isso é extremamente necessário que o Estado cumpra seu dever de agir nesse sentido, criando os pressupostos fáticos e jurídicos que se fizerem necessários.
Seriam então as ações afirmativas políticas que, em razão de fatores como o preconceito e a discriminação praticados em função da cor, gênero, raça, etnia ou tipo físico, reconhecem que determinados grupos minoritários foram e são impedidos de ter acesso a educação, emprego, saúde etc., concedendo-lhes, então, privilégios para que tenham as mesmas condições que os demais de concorrer a esses bens e serviços.
Entretanto, maiores controvérsias se estabelecem quando tais medidas afirmativas visam priorizar indivíduos negros. No que concerne ao ponto mais polêmico da discussão que ora se trava, qual seja a implementação das cotas para negros nas Instituições de Ensino Superior, apenas deve-se ter em vista que a universidade é o espaço privilegiado onde se abrem as portas para a ascensão social, sendo que quase não há negros em seus quadros, seja docente ou discente. Esta constatação demonstra que a exclusão a que são submetidos os negros termina por se revelar em sua segregação do ensino superior provocando a reprodução da mesma elite branca.
Outrossim, ressalte-se a importância da diversidade na produção do conhecimento dentro das universidades. Opiniões e experiências heterogêneas certamente enriquecem a discussão e debate que levam à internalização do saber. Ademais, não se pode isolar a universidade do contexto no qual ela está inserida, sendo que também é seu o papel de transformar as relações desiguais vigentes na sociedade.
São tais fatos que demonstram que a ideia desenvolvida de políticas de cotas e sua bem sucedida aplicação nos EUA são de fato um caminho válido para a busca da tão aclamada igualdade.
Referências Bibliográficas
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VIEIRA, Luis Vicente. A democracia com pés de barro. Recife: Universitária, 2006.
Advogado. Graduado pela Universidade Federal da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Nícolas Trindade da. Política de cotas: um meio de garantir o princípio da igualdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32496/politica-de-cotas-um-meio-de-garantir-o-principio-da-igualdade. Acesso em: 27 dez 2024.
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