Sabe-se que concurso público é o procedimento administrativo, constitucionalmente previsto no art. 37, inciso II, em regra, de observância obrigatória pela Administração Pública para arregimentar seus servidores.
Para José dos Santos Carvalho Filho:
“Concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos. Abonamos, então, a afirmação de que o certame público está direcionado à boa administração pública, que , por sua vez, representa um dos axiomas republicanos.” (Carvalho Filho.Manual de Direito Administrativo, p. 622).
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, por sua vez, assevera que o concurso público é a consagração da meritocracia e da impessoalidade. Vale a transcrição da lição:
[...] “É a institucionalização do sistema do mérito e a sacralização da impessoalidade no recrutamento de servidores públicos (art. 37, II, CF).
O concurso, formalmente considerado, vem a ser um procedimento declaratório de habilitação individual à investidura, que obedece a um ato inicial de convocação de interessados, o edital, ao qual se vinculam todos os atos posteriores do certame, e se perfaz através de provas ou de provas e de títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, não sendo permitido ao regulamento, ao edital ou a qualquer ato administrativo criar outras condições de acesso que não essas definições na lei.” (Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo, p. 332).
Nesse diapasão, ressalvados os cargos de livre nomeação e exoneração, o provimento de cargo e emprego público requer a realização prévia de concurso público.
Com a realização do concurso público se realiza os mais importantes postulados do Estado Democrático de Direito, dentre os quais pode se destacar a isonomia, a impessoalidade, a moralidade, a legalidade.
O princípio da isonomia, revelado no concurso público, permite igualdade de condições aos participantes do pleito, na medida em que lhes conferem, preenchido os requisitos necessários para o exercício do cargo público, a ampla disputa segundo critérios objetivos, claros e transparentes.
Por sua vez, o princípio da impessoalidade, intimamente correlacionado com o princípio da isonomia, na acepção ora tratado, consubstancia-se em norma limitadora e orientadora do administrador público. Isto, pois, combate o tratamento discriminatório e favorecimentos pessoais a determinado candidato.
No ponto, vem a calhar o ensinamento do professor Lucas Rocha Furtado que, ao estudar o princípio da impessoalidade encartado expressamente no caput do art. 37, da CF, na vertente do princípio da isonomia, leciona que o concurso público configura meio de concretização destes postulados, pois confere aos particulares tratamento impessoal e isonômico. Veja na dicção do autor:
“A partir da primeira perspectiva [dever de isonomia por parte da Administração Pública], o princípio da impessoalidade requer que a lei e a Administração Pública confiram aos particulares tratamento isonômico, vale dizer, não discriminatório. Todos são iguais perante a lei e o Estado. Este é o preceito que se extrai da impessoalidade quando examinado sob a ótica da isonomia.
A isonomia, ou o dever que a Constituição impõe à Administração Pública de conferir tratamento não diferenciado entre os particulares, é que justifica a adoção de procedimentos como o concurso público para provimento de cargos ou empregos públicos ...” (Lucas Rocha Furtado. Curso de Direito Administrativo, p. 961).
Outro valor protegido pelo concurso público é a moralidade administrativa. Sabe-se que o administrador público deve agir segundo as balizas da moralidade. Enquanto que ao particular a moralidade é conduta socialmente esperada, para o administrador é conduta legalmente exigida.
Dessa forma, é exigida do administrador público uma conduta moral, balizada na lei e no Texto Constitucional, e sua ofensa caracteriza medida desleal para com o administrado-candidato. É que dispensar tratamento desigual, privilegiando uns em detrimentos de outros representa conduta administrativa imoral, repudiada pelo nosso ordenamento jurídico.
É nessa vertente que o concurso público carreia em si valores hígidos, de lisura e retidão, que impõem à Administração Pública atuação moral. O professor Carvalho Filho, no ponto, leciona que:
[...] o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. (Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. p. 623)
No que pertine ao princípio da legalidade, o concurso público deve ser realizado segundo as prescrições legais. No ordenamento jurídico pátrio observa-se vasta legislação que trata do acesso ao cargo público, como por exemplo, as leis orgânicas da Magistratura, do Ministério Público e da Advocacia-Geral da União. Assim como, há também no âmbito da União a Lei n. 8.112/91, que traça certos requisitos inerentes à realização do concurso público.
Dessa feita, infere-se que em um Estado Democrático de Direito a realização de concurso público é diligência indispensável à Administração Pública, cuja inobservância lesa os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e isonomia.
Todavia, ainda que realizado o concurso público, tem-se visto a utilização de subterfúgios para burlar tal procedimento, como por exemplo, a realização de concurso sem a posterior nomeação dos aprovados dentro do número de vagas.
Nessa esteira, foi o caso enfrentado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no RE 227480/RJ, DOU 21.08.2009, no qual ficou assentado que os candidatos aprovados em concurso público têm direito à nomeação e conseqüente posse nos cargos existentes ou que vierem a existir durante a validade do concurso. E a recusa ao provimento do cargo deve ser motivada pela Administração Pública (Inf. 520), in verbis:
RE 227480 / RJ
Julgamento: 16/09/2008
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação 21-08-2009
EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.
É cediço que a investidura no cargo público requer aprovação em concurso público, nomeação, posse e entrada em exercício. A nomeação, destaca-se, é o ato administrativo que chama o candidato aprovado para tomar posse no cargo aprovado.
A nomeação foi entendida pelo Supremo Tribunal Federal como mera expectativa de direito do aprovado, não configurando, portanto, direito subjetivo (RE 52.677 e MS 16.182).
Contudo, em recentes julgados observa-se que o e. STF modificou sua jurisprudência, posicionando-se no sentido de que haverá direito adquirido à nomeação o candidato aprovado dentro do número de vagas ofertadas no edital do concurso público. E, somente em casos excepcionalíssimos decorrentes de eventos supervenientes à publicação do edital, devidamente motivado, poderá a Administração Pública deixar de nomear. Veja-se a ementa do Recurso Extraordinário nº 598.099/MS, rel. Min. Gilmar Mendes:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO ÀCONFIANÇA. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeaçãopor parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que aAdministração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamentea Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
Sendo assim, infere-se que o concurso público comporta valores que impõem à Administração Pública uma atuação dentro dos preceitos da legalidade, impessoalidade, isonomia e moralidade. Com isso, a realização de concurso público para provimento de cargos públicos é regra que se impõe em um Estado Democrático de Direito, e, como reflexo disto, a Administração Pública tem o dever nomear os candidatos aprovados dentro do número de vagas estabelecidas no edital ou que vierem a surgir durante a validade do concurso, ressalvado motivo excepcionalíssimo e superveniente ao edital.
Por fim, por força da Súmula nº 15 do STF tem-se que “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”.
Bibliografia
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo. Atlas, 2012.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo.15ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 2010.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte. Fórum. 2007.
Advogado da União - AGU. Procurador-Seccional da União em Uberlândia. Mestre em Administração Pública pela FGV/EBAPE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOBATO, Marcelo Costa e Silva. Concurso Público: Direito subjetivo ou mera expectativa de direito à nomeação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2012, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32586/concurso-publico-direito-subjetivo-ou-mera-expectativa-de-direito-a-nomeacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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