Sumário: 1. Introdução; 2. Princípios do Direito Individual; 2.1 Princípio da Proteção; 2.2 O Princípio da Norma Mais Favorável; 2.3 Princípio In Dubio Pro Operario; 2.4 Princípio da Irredutibilidade do Salário; 2.5 Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos; 3. Princípios do Direito Coletivo; 3.1 Princípio da Liberdade Sindical; 3.2 Princípio da Autonomia Privada Coletiva; 4. Conclusão; 5. Referências.
1. Introdução
Surgida na Europa, no início da década de 80, a flexibilização das normas trabalhistas representa uma tentativa de conter o avanço da solidificação dos direitos dos trabalhadores da época. Nas palavras de Sérgio Pinto Martins:
A flexibilização das condições de trabalho é o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho.
Já os princípios são preceitos, regras e proposições, que regem um sistema de conhecimento. São idéias norteadoras que indicam os caminhos a seguir. Tratando-se de princípios jurídicos, são a base sobre a qual repousa todo o ordenamento deste sistema, e devem ser seguidos, respeitados e valorizados por toda a sociedade, inclusive pelos Poderes Públicos constituídos.
Analisando tais preceitos no contexto da flexibilização das normas trabalhistas, percebe-se que se constituem em verdadeiros limitadores, ainda que relativos, à tentativa de diminuição da base protecionista dos direitos dos obreiros.
O presente estudo se propõe a elencar os mais significativos princípios trabalhistas que representam elementos limitadores da flexibilização e da desregulamentação do direito celetista no Brasil. Para tanto, foram divididos em dois grupos: os princípios do direito individual e os do direito coletivo do trabalho.
2. Princípios do Direito Individual
Indicados pela doutrina dentre os importantes princípios do Direito Individual do Trabalho, podemos mencionar: o princípio da proteção; o princípio da norma mais favorável; o in dúbio pro operario ; o da irrenunciabilidade de direitos e o princípio da intangibilidade do salário.
2.1 Princípio da Proteção
Este princípio busca reduzir a desigualdade entre empregador e empregado. Sabe-se, no entanto, que a flexibilização das normas trabalhistas avançou muito com a globalização.
Com o fim de acompanhar as mudanças processadas no mundo, introduziram-se exceções na Constituição vigente, que ampliaram o exercício da autonomia privada coletiva, ensejando a alteração in pejus do contrato de trabalho, por meio da negociação coletiva.
Ora, se a base do princípio da proteção está ligado às origens do Direito do Trabalho, com a intervenção do Estado, buscando a proteção do empregado face ao poderio econômico/financeiro de seu empregador, já no desenrolar da Revolução Industrial, não há, em hipótese alguma, como entender-se, autorizado o desvirtuamento deste princípio pela flexibilização do Direito do Trabalho.
Quando se verifica que o Princípio da Proteção tem fundamento na própria necessidade de oferecer cobertura jurídica aos empregados, diante do desnível econômico/financeiro na relação entre empregador e empregado, para garantir-lhe a possibilidade de ter uma negociação trabalhista mais próxima da justiça social, entende-se que a flexibilização jamais deveria atingir este princípio para revogá-lo ou afastá-lo de nossa prática jurídica trabalhista, sob pena de desequilibrar a justiça social no relacionamento empregador/empregado.
2.2 O Princípio da Norma Mais Favorável
Este princípio, como o nome sugere, consiste na aplicação da norma mais favorável ao empregado no caso da existência de conflitos de normas aplicáveis a um mesmo caso concreto. Jamais teve a característica de ser absoluto. Ele, atualmente, está contido de forma implícita, no artigo 7º de nossa Constituição Federal. Mesmo estando consagrado na nossa Lei Maior, sofreu alterações em razão da grande abertura reconhecida ao exercício da autonomia privada, fruto da flexibilização de direitos trabalhistas.
Em função da flexibilização, ganham força os instrumentos de negociação coletiva. Nesta, os acordos e convenções ganham força de lei entre as partes. Até aí nada há de problemático. Tal negociação é permitida, quando há para os trabalhadores o risco do fechamento de seus postos de trabalho, ou, da inviabilização de a empresa continuar suas operações normais, mais encontra limite na medida que não se dá em caráter absoluto e sim parcial e excepcional.
2.3 Princípio "In Dubio Pro Operario"
Sabe-se que a interpretação da Lei é algo complexo. Por isso, sempre há a possibilidade do surgimento de alguma dúvida no momento de sua aplicação. Quando diante de uma mesma norma jurídica, o Magistrado verificar que dela se pode extrair mais de um sentido, o Princípio in Dubio Pro Operario determina que se faça a aplicação daquele que for mais favorável ao trabalhador.
A aplicação deste princípio, porém, estará sempre ligada ao surgimento de alguma dúvida com referência ao sentido da norma, que, realmente, justifique sua utilização. No uso desta regra, o que se busca não é realizar a correção da norma. Sua aplicação só pode dar-se diante da existência de uma norma e tão-somente com vistas a determinar seu verdadeiro sentido, entre os vários eventualmente possíveis. Não é autorizado o "in dúbio pro operario", na intenção de substituir o legislador, nem, tampouco, com a finalidade de afastar-se do significado claro da norma, ou, ainda, para atribuir-lhe um sentido, que em nenhuma hipótese se possa deduzir do seu texto ou do contexto. Mais uma vez o Direito vem em defesa da parte mais fraca, no relacionamento empregado/empregador.
Para a aplicação deste princípio necessário se faz a existência de dois requisitos, simultaneamente, quais sejam: a existência de dúvida razoável sobre o alcance da norma legal e que não esteja em desacordo com a vontade expressa do legislador. Há orientações jurisprudências e súmulas do TST que bem demonstram o cenário da interpretação do texto legal de forma favorável ao trabalhador, são exemplos: OJs nº 14, 307 e 36, todas da SDI- I/TST e as súmulas 60, 360 e 390, todas do TST.
Em contrapartida, há posicionamentos que contrariam o princípio em estudo, demonstrando a tendência flexibilizadora, quais sejam: as OJs 272, 355 e 365, todas da SDI-1 e as súmulas 351, 358 e 371, todos do TST.
2.4 Princípio da Irredutibilidade do Salário
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, havia apenas duas situações excepcionais autorizadoras da redução do salário. Em casos de força maior ou de prejuízos comprovados e em casos em que a empresa esteja vivenciando condições operacionais que recomendem, em caráter transitório, a redução da jornada normal ou, ainda, do número de dias de trabalho.
No caso da redução da jornada normal do trabalho ou do número de dias trabalhados, só poderá ser realizada com acordo firmado pelo sindicato, representando os empregados, devidamente homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, DRT, com prazo certo, não podendo exceder de três meses, com a possibilidade de ser prorrogado, desde que mantidas as mesmas condições do original, se a prorrogação for indispensável, estando desautorizada uma redução do salário mensal maior que vinte e cinco por cento. E ainda, respeitado o limite do salário mínimo e com previsão de reduzir-se, proporcionalmente, a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores. Estas condições constam do artigo 2º, da Lei 4.923/1965.
O salário é ponto de grande importância no contrato de trabalho. É uma questão relevante. Em função de sua obtenção, o trabalhador aloca sua força de trabalho ao empregador, com vistas a ganhar os meios de subsistência para si e para seus familiares. Neste sentido, a manutenção do salário, nos níveis de valor ajustados contratualmente, representa até um ponto de honra para os empregados.
Atualmente, a partir da flexibilização do Direito do Trabalho, a redução dos salários já é permitida, como, igualmente, a da jornada de trabalho e dos dias trabalhados. Mesmo assim, isso ocorre sob a orientação de normas de segurança salarial e empregatícia para o trabalhador. O princípio da irredutibilidade do salário permanece vigente, representando uma grande garantia para o empregado.
2.5 Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos
Sabe-se que há casos em que a parte está autorizada pela Lei a renunciar ou não a determinados direitos. Tratando-se de Direito do Trabalho, temos o Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos. Ele está previsto nos artigos 9º, 444 e 468 da CLT. A Lei, em função das desigualdades de forças existentes no relacionamento empregador/empregado, em que a parte hipossuficiente é o empregado, limita a possibilidade de manifestação deste, com o fim de estabelecer uma igualdade jurídica entre os sujeitos da relação de emprego. Há doutrina que vê na irrenunciabilidade de direitos trabalhistas como imprescindível, vez que, sem as garantias decorrentes desse princípio, limitadoras da capacidade de negociação das partes, as normas de proteção ao empregado seriam desrespeitadas e até ineficazes. Entende-se que, entre empregados e empregadores, vigora um estado de subordinação e de inferioridade econômica do trabalhador diante do patrão. Ainda que uma possível rescisão contratual elimine o vínculo da subordinação, a inferioridade econômica não é afastada.
Este princípio age como uma segurança para o empregado. Não pode ele dispor de seus direitos, pela renúncia, ato unilateral, ou em negociação bilateral, em transação com o empregador. Estabelece o artigo 9º da CLT que “são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”.
Diante do Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos, encontramo-nos com mais uma importante garantia dada ao empregado, resguardando, assim, a defesa de seus direitos.
Fazendo um paralelo entre os objetivos que se pretendem alcançar, a partir do princípio da irrenunciabilidade de direitos, com os da flexibilização das normas trabalhistas, vê-se que aquele princípio coloca-se em um patamar da mais relevante importância, garantindo, na prática, o equilíbrio entre as partes, nas negociações. Muito embora nos dissídios coletivos haja a possibilidade de alteração in pejus de direitos, visando à manutenção do emprego e da empresa, não perde ele sua validade, nem deixa de ser oportuno e benéfico à parte mais vulnerável na negociação o empregado.
3. Princípios do Direito Coletivo
Reunidos nas relações coletivas, os empregados são representados pelos sindicatos de trabalhadores, tanto quanto ocorre do lado dos empregadores, que igualmente são representados por seus sindicatos. Neste sentido, nem empregador nem empregado, ao resolver suas questões trabalhistas, fazem-se representar individualmente. O que prevalece aqui é a vontade coletiva.
Em uma conceituação do Direito Coletivo do Trabalho, poderia falar-se do conjunto de leis que, no campo específico do trabalho, agrupam empregados e empregadores, de forma coletiva, em sindicatos encarregados de representá-los, não individualmente, porém, de modo classista ou coletivo.
Ainda que os sindicatos defendam interesses grupais, as normas jurídicas, decorrentes da negociação coletiva, refletem-se nas relações individuais. A Constituição Federal de 1988, abrindo espaço ao exercício da autonomia privada coletiva, fez com que, na aplicação do Direito, se buscassem critérios permissivos da convivência do Direito legislado, com as normas coletivas, então obtidas pelas partes.
São Princípios do Direito Coletivo do Trabalho o da autonomia sindical; o da liberdade privada coletiva; o da equivalência dos contratantes coletivos; o da lealdade e transparência na negociação coletiva; o da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada. Vamos examinar alguns deles, resumidamente.
3.1 Princípio da Liberdade Sindical
A Constituição Federal de 1988 veio com inovações na organização sindical. A associação profissional ou sindical foi liberada, não podendo a Lei exigir qualquer autorização do Estado, para que se concretize a fundação de um sindicato, salvo o registro no órgão competente, vedadas a interferência e a intervenção na organização sindical, pelo Poder Público.
É vedada a instituição de mais de um sindicato, em qualquer grau, na mesma base territorial, definida pelos filiados ao sindicato, não podendo ser inferior à área de um Município. Compete ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria representada, mesmo em questões judiciais ou administrativas.
Ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato. É obrigatória a participação do sindicato nas negociações coletivas de trabalho. Ao aposentado filiado, é garantido o direito de votar e ser votado.
A possibilidade constitucional de as categorias profissionais estarem autorizadas a constituir sindicatos representa um grande avanço na História trabalhista no Brasil. O princípio da liberdade sindical não poderia deixar de ser previsto, posto que vivemos em um Estado Democrático de Direito. Isso não pode ocorrer de modo diferente. Ademais, de nada adiantaria a autorização dada à sociedade para a constituição de sindicatos, se essa outorga não viesse acompanhada do direito de poder agir com liberdade. Faltasse este ingrediente, não poderíamos entender estar-se vivendo em um Estado Democrático de Direito.
3.2 Princípio da Autonomia Privada Coletiva
Quando a Constituição Federal reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho e, ainda, a participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas, dando validade aos meios dessas negociações, concede, também, poder aos grupos de se auto conduzirem e decidirem com autonomia as condições de trabalho mais favoráveis a si.
Traduz-se a autonomia privada coletiva, como uma das conquistas que mais beneficiaram as classes trabalhistas no Brasil. Os sindicatos que anteriormente estavam fortemente imobilizados em seu poder de ação, pela atuação do Estado centralizador, corporativista e intervencionista, com o advento da Constituição Federal, ora vigente, desataram as amarras, entrando na plena vivência da liberdade e da autonomia, antes a si negadas.
Hoje, a autonomia privada coletiva, além de ser constitucionalmente reconhecida e garantida, como não poderia deixar de ser, conta com o reconhecimento e aceitação do Tribunal Superior do Trabalho (TST), expressos em sua jurisprudência, por meio de julgados.
A autonomia privada coletiva representa um imensurável ganho social, no campo da solução de conflitos laborais.Na evolução do Princípio da Autonomia Privada Coletiva o resultado foi tão bom e satisfatório, quanto seria de se esperar. Os sindicatos ganharam autonomia, foram colocados como peça indispensável nas negociações coletivas de trabalho, livraram-se das antigas amarras de uma legislação ultrapassada, passaram a poder organizar-se livremente, ganharam o verdadeiro status de representantes legítimos de seus filiados, podendo, ainda, representá-los coletivamente.
4. Conclusão
Quando falamos em flexibilização das condições de trabalho, entende-se que deve haver uma maleabilização das regras normas trabalhistas para adaptá-las a certas situações como: épocas de grande desemprego; inovações tecnológicas; internacionalização das economias e, por fim, as crises econômicas.
O objetivo principal da flexibilização é a manutenção do emprego e o estímulo para novas contratações, garantindo assim a sobrevivência do trabalhador e de sua família e a diminuição do desemprego e trabalho informal.
Dessa forma, a flexibilização das condições de trabalho deve ser feita de forma restrita, não podendo haver uma precarização ou informalidade do trabalho, e os pois, do contrário, o empregado ficaria completamente desprotegido, sujeito às leis do empregador ou às leis do mercado. Nesse contexto, a principiologia do direito obreiro representa um limite à redução dos direitos trabalhistas e manutenção do status de igualdade entre empregado e empregador.
5. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 09 de ago. 1943.
CASSAR, Vólia Bonfim. Princípios Trabalhistas, Novas Profissões, Globalização da Economia e Flexibilização das Normas Trabalhistas. Niterói: Impetus, 2010.
MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das Condições de Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
Procurador Federal, Membro da Advocacia Geral da União. Graduado pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Pós-graduado em Direito do Trabalho. Pós-graduando em Direito Administrativo e Direito Penal.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Felipe Grangeiro de. Breve estudo dos princípios limitadores à flexibilização das normas trabalhistas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2012, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32635/breve-estudo-dos-principios-limitadores-a-flexibilizacao-das-normas-trabalhistas. Acesso em: 23 dez 2024.
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