1. Introdução
A fim de se entender a legitimidade democrática do Supremo Tribunal Federal na atuação do controle de constitucionalidade judicial e ,em especial, neste momento de ativismo judicial, estudar-se-á a teoria de Ronald Dworkin, em defesa da existência de controle de constitucionalidade judicial.
Com fundamento em algumas idéias de Dworkin, analisar-se-á a nova interpretação do Supremo Tribunal Federal conferida ao controle de constitucionalidade difuso, permitindo-se a ampliação dos efeitos da decisão proferida em sede de recurso extraordinário para além do caso julgado.
Em especial, fixa-se o estudo na nova interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal para o controle de constitucionalidade exercido na via difusa, em que se pretende com a nova interpretação ampliar os efeitos da decisão em recurso extraordinário similarmente às decisões proferidas no controle concentrado.
A expansão dos mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob influência de fatores como a consolidação do princípio da força normativa da Constituição; o reconhecimento do caráter aberto e principiológico das normas constitucionais; e a prevalência do entendimento da supremacia da Constituição, resultando, na própria, supremacia da Suprema Corte, sobre as demais normas do ordenamento, seja do ponto vista formal, material e até axiológico, denotam a atualidade e importância do tema a ser pesquisado.
A linha principal de defesa da atuação da Suprema Corte se filia à possibilidade de conferir presteza e efetividades nos direitos pleiteados judicialmente, possibilitando a formação de precedentes judiciais paradigmáticos, que possam resultar numa diminuição do número de processos, especialmente de recursos, submetidos ao tribunal, liberando-o para o exercício da jurisdição constitucional propriamente dita.
Inicialmente, traçar-se-á um panorama geral do controle de constitucionalidade, com uma breve passagem acerca de sua evolução histórica e do modelo adotado no Brasil, conferindo detalhamento maior ao modelo de controle difuso.
Estudar-se-á a pretensão da Suprema Corte, por meio de precedentes judiciais, e principalmente, por votos da lavra dos Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Grau, que refletem a tendência de objetivação do Recurso Extraordinário, conforme preleciona Wagner Amorim Madoz, ao suscitar a opinião de Gilmar Ferreira Mendes no Processo Administrativo n.º318.715/STF, in verbis:
O recurso extraordinário deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbescherde). (...) A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos (MADOZ, 2005, p. 75-76).
O juiz americano John Marshall, em fevereiro de 1803, proferiu decisão no leading case Marbury v. Madison[1], afirmando a possibilidade de controle judicial das leis ou de atos administrativos, emitidos tanto pelo poder executivo como legislativo (SILVA, 2009, p. 198), sendo tal decisão tida como marco histórico inaugural do controle de constitucionalidade.
O paradigma em questão é traduzido como ponto de partida do controle de constitucionalidade no modelo difuso não em razão da matéria debatida, mas pelo simples fato do Poder Judiciário declarar-se competente para aferição da adequação da lei ao padrão constitucional vigente.
Em contraponto à forma norte-americana de exercer o controle de constitucionalidade, tem-se em 1920 o anteprojeto da constituição austríaca, em que Hans Kelsen[2] defende a criação do Tribunal Constitucional da Áustria. O projeto de Kelsen dá vida à idéia de um tribunal especificamente encarregado desse controle e monopolizador das decisões de inconstitucionalidade (SILVA, 2009, p. 200). Mantém-se, ainda, nas mãos do Judiciário o papel de guardião da Carta Magna.
É a partir de Marshall e Kelsen que se passa a compreender melhor a necessidade de um controle de constitucionalidade das leis e atos administrativas pelo Poder Judiciário, partindo-se da idéia de supremacia da Constituição e de obediência dos demais instrumentos legislativos à Lex maior, autorizando-se, inclusive, invalidação da normativa contrária. Coloca-se a necessidade de controle de constitucionalidade como uma premissa lógica do caráter supremo da Magna Carta[3], o qual será assegurado mediante a possibilidade interpretativa exercida pelos juízes.
Opondo-se ao raciocínio utilizado pelos autores suscitados têm-se recentemente fortes argumentos, entre os quais o que ressalta que a supremacia da Constituição não depende da existência de um controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário, como ocorria na França[4].
Ademais o caráter superior das normas constitucionais não depende da existência de um controle de constitucionalidade judicial, mas da própria essência da norma e da opção política adotada pelo modelo vigente. Para Carlos Santiago Nino, citado Conrado Hübner Mendes, a supremacia da Constituição não desencadearia a necessidade do controle de constitucionalidade judicial, sendo, na verdade, uma questão de conveniência prática. (MENDES, 2008, p.15)
Importante compreender a ausência da imperiosidade do controle de constitucionalidade judicial, na medida em que permite ao próprio Poder Judiciário entender seu papel como ente integrante do Estado Democrático de Direito, e não como ser indispensável, isolado e superior aos demais poderes.
Apesar das posições divergentes, são as idéias defendidas por Marshall e Kelsen que se difundem pelo mundo como modelos de garantia da superioridade da Carta Constitucional, sendo o modelo americano responsável pela existência do controle difuso (a parcela de poder é divida entre todos os juízes) e o modelo austríaco pelo controle concentrado (a parcela de poder é concentrada em um Tribunal Constitucional).
Importante destacar a Lei Fundamental de Bonn de 1949, sob inspiração da teoria de Hans Kelsen, estabelecera que o legislador não poderia aprovar lei, o executivo não poderia editar ato administrativo e o juiz não poderia julgar em desacordo com os direitos fundamentais (KELSEN, 2003), fortalecendo o controle de constitucionalidade concentrado em termos de direito positivo.
Alternativamente aos modelos então concebidos, americano e austríaco, teve-se o modelo francês, adotado em 1958 na Constituição da Quinta República, em que o controle de constitucionalidade é exercido por um Conselho Constitucional, não integrante dos quadros do Poder Judiciário; e o modelo inglês[5], em que não se observa a existência de um controle de constitucionalidade judicial típico, exercendo o Parlamento um autocontrole interno, ou de um código constitucional.
Diante dos modelos referenciados optou o Brasil por uma criação de modelo misto, em que conciliou as idéias do controle difuso e do controle concentrado. Para Conrado Hubner Mendes a forma brasileira não seguiu precisamente as características do controle difuso nem do controle concentrado, originando-se:
na transição para a Primeira República, como reprodução defeituosa e incompleta do modelo americano, mas evolui numa paulatina recepção de características do controle de concentrado austríaco. Ao contrário do controle americano, fruto de ativismo judicial, o controle brasileiro é derivado de previsão expressa da constituição. (MENDES, 2008, p. 17-18)
Marcado por um controle de constitucionalidade tímido inicialmente, em que os juízes e o próprio Supremo Tribunal Federal hesitavam em exercer competência para não ofender a separação de poderes[6], o sistema brasileiro de controle passou a delimitar sua competência seguindo os parâmetros norte-americanos, num primeiro momento, e transmudando-se, em seguida, para uma forma mais concentrada de controle.
É a partir da Constituição brasileira de 1934 que o sistema brasileiro de controle judicial se aproxima do modelo concentrado de controle, o que se verifica com o advento da ação de inconstitucionalidade interventiva, de titularidade do Procurador Geral da República[7], cujo objeto era a proteção do sistema federativo e dos princípios constitucionais sensíveis, além da possibilidade de suspensão, em todo o território nacional, da execução pelo Senado Federal de lei ou ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (art. 91, IV), introduzindo no sistema brasileiro o efeito erga omnes.
A Emenda Constitucional n.º 16 de 1965 acrescentou ao texto constitucional o controle abstrato das normas estaduais e federais sob a forma de representação cuja titularidade, também, fora conferida ao Procurador Geral da República, instituindo instrumento de defesa direta do sistema jurídico objetivo. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1044)
A partir deste primeiro instrumento de controle de constitucionalidade direto o legislador brasileiro confere maior eficácia ao modelo, superando em parte a ausência de força vinculante conferida aos precedentes judiciais, como no instituto americano do stare decisis[8].
Com o advento da Constituição de 1988, ampliaram-se os mecanismos de controle, conferindo mais poderes ao Supremo Tribunal Federal, concebido como guardião da Constituição. Observam-se as figuras da ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão; argüição de descumprimento de preceito fundamental e ação declaratória de constitucionalidade (criações da Emenda Constitucional nº. 03/93). Infere-se das presentes ações uma relação de legitimados bem mais ampla, que a figura do Procurador Geral da República.
Ainda, do texto da Carta Magna de 1988 extrai-se a efetivação dos direitos fundamentais contra omissões dos poderes instituídos na regulamentação do seu exercício, por meio do manejo do mandado de injunção (art. 102, I, “q”); a preservação da competência e da autoridade das decisões da Corte, por meio da reclamação constitucional (de origem pretoriana[9] e que ganhou destaque figurando no texto constitucional, art.102, I, “l”); dentre outros.
Em 2004 tem-se a Emenda Constitucional n. 45, com a instituição da súmula vinculante e a exigência de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário[10], conferindo mais caráter objetivo ao típico instrumento de controle difuso, tido como subjetivo por referir-se a um caso concreto.
Ressalva-se que a Lei n. 10.259/2001 já havia introduzido aspectos objetivos ao processamento do recurso extraordinário ao conceber a possibilidade de encaminhamento ao STF de recursos extraordinários contra decisões de turmas recursais, mantendo-se sobrestados os recursos de idêntica matéria, e prevendo a possibilidade de participação do amicus curiae.
A possibilidade antes restrita aos recursos extraordinários em sede de juizados especiais se estendeu aos recursos do procedimento comum nas chamadas causas de massas, demandas repetitivas. Nas palavras de Gilmar Mendes:
Esse novo modelo legal traduz um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Aludido instrumento passa a assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. A matéria está submetida à apreciação do STF. (MENDES, 2009, p. 44)
No cenário inaugurado com a Constituição, que, note-se, expressamente preservou o sistema misto de controle judicial da constitucionalidade, conforme previsão do art. 102, III, do texto constitucional, tornou-se possível discutir uma reestruturação em si do princípio da divisão de poderes e da formação de uma Corte cujas decisões de cunho definitivo passaram a ter caráter normativo e efeitos gerais.
O modelo difuso de controle de constitucionalidade brasileiro concebido na exegese da Magna Carta de 1988 apresenta características do modelo norte-americano, em que é dado a qualquer juiz ou tribunal apreciar a constitucionalidade de lei ou ato normativo, ou seja, o exercício de averiguação da compatibilidade das normas diante da Lei Maior é distribuído por todos os integrantes do Poder Judiciário.
Outrossim, a apreciação da constitucionalidade pode ser requerida em qualquer processo, por qualquer das partes litigantes, incidentalmente à causa principal, possibilitando que o cidadão que se sinta lesionado em seus direitos, possa além de reivindicá-los perante o Estado-Juiz, também, questionar a lei/ato tido por inconstitucional e co-relacionado à lide debatida judicialmente (causa de pedir relacionada ao interesse específico da parte).
O controle de constitucionalidade difuso foi concebido como argüição instituída de forma incidental no processo principal, não podendo ser o objeto direto da ação. Neste sentido, Rui Barbosa, citado por Gilmar Ferreira Mendes, reputou “que a ação não tenha por objeto diretamente o ato inconstitucional do poder legislativo, ou executivo, mas se refira ‘à inconstitucionalidade dele apenas como fundamento, e não alvo, do libelo” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1064).
Além do mais, com fixação de remédios constitucionais como Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Ação Popular na Constituição Federal se possibilitou o exercício do controle de constitucionalidade difuso inclusive de forma preventiva.
O controle de constitucionalidade difuso pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, sendo necessário para declaração de inconstitucionalidade, em caso do órgão colegiado, a maioria absoluta de votos, nos termos do art. 97 da CF/88.
A Magna Carta possibilitou, além da distribuição do exercício do controle de constitucionalidade por diversos juízes, que qualquer cidadão seja legitimado a argüir acerca da inconstitucionalidade de lei ou ato, ou seja, distribui-se no controle difuso a parcela de poder, destinada ao controle concentrado ao Tribunal Constitucional, e amplia-se o rol dos legitimados, permitindo intensa participação popular.
Para Flávia Martins de Carvalho, José Ribas Vieira e Mônica Campos de Ré:
O quadro das inovações trazidas pela vigente ordem constitucional possibilitou, mesmo diante de uma estrutura normativa formalista, o exercício ampliado da cidadania. Houve condições sociais e políticas para o deslocamento da arena tradicional de debates, ocasionado pelo maior acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário a fim de buscar a concretização dos muitos direitos estabelecidos naquele texto.(CARVALHO; VIEIRA; RÉ, 2009, p. 82)
Ao tempo em que fora conferido acesso aos cidadãos para debater acerca da constitucionalidade das leis ou atos tidos como incompatíveis com constituição vigente, mediante o incidente de inconstitucionalidade argüido no processo objeto de interesse das partes, deslocou-se as discussões das questões sociais relevantes para seara do Poder Judiciário[11].
Confere-se ao cidadão a participação do processo de questionamento de instrumentos incompatíveis com a Magna Carta, por meio de acesso ao Poder Judiciário, a quem compete dar a solução para as questões apresentadas pelas partes.
Ao Judiciário é conferido o papel de solucionador das controvérsias, mesmo quando não decorram de interpretação expressa da lei, em razão do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88. Neste sentido, o Judiciário apresentará as respostas aos anseios sociais, aproximando-se, de certa forma, dos papeis de legisladores e administradores públicos.
A apreciação da decisão pelo poder judiciário em via difusa acarreta decisão final que deveria, inicialmente, restringir-se às partes da lide e afastar no caso concreto a incidência da norma viciada. No entanto, a CF/88, tal como ocorrida desde a Constituição de 1934, previu a possibilidade da lei tida como inconstitucional em um processo inter partes ter sua inconstitucionalidade estendida de forma erga omnes, para todos, por meio de suspensão da lei pelo Senado Federal, art.52, inciso X, da CF/88.
No modelo norte-americano não se precisa recorrer ao Senado Federal para se ampliar os efeitos da decisão da corte para além do caso concreto, na medida em que o judicial review prevê a vinculação aos precedentes judiciais[12], regra do stare decisis, o que não foi adotado pelo constituinte de 1988.
A não adoção do stare decisis americano no sistema brasileiro acarretou certos inconvenientes à declaração de inconstitucionalidade na via difusa, pois sua aplicação inicial, apenas inter partes, afronta pressupostos como a certeza do direito e a segurança jurídica. Acerca do tema Carlos Aurelino Mota de Souza, citado por Daniel Faidiga:
No sistema romanista, sabe-se, a fonte de direito a lei, enquanto no common Law é a jurisprudência. Ao aderir ao controle difuso, próprio do common Law, sem adotar a doutrina do stare decisis, que confere a necessária segurança ao sistema, o modelo inaugurado na República passou a viver o dilema: ou mantinha-se liberto da vinculação das decisões dos tribunais, ou aceitava, a obrigatoriedade de seguir a orientação dos arestos das Cortes Superiores. (FAIDIGA, 2008, p. 91-92)
A ausência de reconhecimento de vinculação em sede de controle difuso tentou ser superada pela possibilidade de suspensão da lei pelo Senado Federal.
As críticas, no entanto, persistem ao modelo adotado pelo Brasil, em razão da ausência de reconhecimento de que a declaração de inconstitucionalidade, mesmo em sede de controle difuso, é de natureza abstrata, devendo ser reconhecida e obedecida por todos[13].
Ademais, o ato de suspensão da lei pelo Senado Federal foi concebido, inicialmente, pela doutrina e jurisprudência como requisito substancial[14] para ampliação dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal.
Assim, os julgados da Corte em sede de controle difuso limitam-se às partes em litígio, sendo sua ampliação para os demais casos, efeito erga omnes, possibilitada pelo ato de suspensão do Senado Federal. Tal realidade, na maioria das vezes, acarretava a convivência da lei inconstitucional no cenário normativo até o exercício do ato de suspensão pelo Senado Federal.
A ausência de eficácia da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF tentou ser superada pela própria corte com a elaboração da teoria da nulidade do ato inconstitucional; com a introdução do §1º-A ao art. 557 do CPC, em que o relator poderá dar provimento ao recurso extraordinário se a decisão recorrente se encontra em desacordo com súmula ou com jurisprudência dominante do Tribunal; com decisões em ações coletivas, que já apresentam em si eficácia geral; com a criação da súmula vinculante, que provém de soluções de casos concretos no modelo difuso; e com a exigência de repercussão geral ao recurso extraordinário, o que denota ser a matéria de interesse além das partes envolvidas na lide.
Portanto, observa-se que a própria corte, por meio de novas interpretações, procura superar a ausência de efeitos erga omnes diante da lacuna do modelo de controle de constitucionalidade difuso brasileiro, preservando a força normativa da Constituição[15], por meio de uma hermenêutica criativa do poder judiciário em conformidade com o entendimento neoconstitucional do direito.
É neste ponto que se afigura a questão crucial deste trabalho: a possibilidade de mutação constitucional[16] em termos de controle de constitucionalidade na via difusa, em que o Supremo Tribunal Federal ao julgar determinado caso concreto alterará o texto constitucional, conferindo nova leitura normativa. E tal decisão terá seus motivos transcendidos ao caso julgado para afetar lides presentes e futuras, que versem sobre a mesma causa de pedir.
Ou seja, estudar-se-á acerca da ampliação dos efeitos das decisões proferidas em sede de recurso extraordinário, inclusive, para além do dispositivo, na medida em que possibilitará a vinculação aos fundamentos do julgado.
A legitimidade do controle de constitucionalidade judicial é amplamente defendida por Ronald Dworkin, não apenas como instrumento permitido pelo legislador constituinte, mas como mecanismo para se alcançar o real Estado Democrático de Direito.
É conferido aos juízes, na ótica de Dworkin, o papel de aperfeiçoar o regime democrático, por meio de decisões devidamente fundamentadas e pautadas em princípios morais.
A decisão judicial vai além da lei, esta resultante de um processo majoritário sem necessidade de conteúdo, para alcançar valores de superioridade moral e justiça. Ao retratar a filosofia de Dworkin, Conrado Hubner Mendes ressalta que o autor “combinaria procedimento e substância, forma e conteúdo” (MENDES, 2008, p. 34).
Ou seja, ao possibilitar a criação[18] de uma decisão judicial pautada em princípios ter-se-ia algo mais em relação à lei, em que teoricamente se privilegia à forma ao invés do conteúdo, que seria o aspecto moral defendido e almejado por Dworkin.
Em sua obra “O Império do Direito”, a decisão judicial é resultante da melhor opção possível para o caso concreto à luz de uma interpretação construtiva da história, da tradição, dos precedentes e da moralidade política (MENDES, 2008, p.35).
A filosofia de Dworkin destaca o papel do magistrado comparando-o à figura mitológica de Hércules, o semideus de força comum. Assim, ao trazer a responsabilidade de um “semideus” para os juízes, pretende o autor conferir às decisões judiciais aspectos de certeza, segurança, moralidade, justiça que necessariamente são assegurados por meio das “respostas certas”, mesmos nos casos considerados de difícil interpretação diante de conflito aparente de regras e princípios.
Senão vejamos trechos do livro de Dworkin a respeito da figura do juiz Hércules e seu papel:
Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz filósofo poderia desenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenção legislativa e os princípios jurídicos requerem. Descobriremos que ele formula essas teorias da mesma maneira que um árbitro filósofo construiria as características de um jogo. Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules. Eu suponho que Hércules seja juiz de alguma jurisdição norte-americana representativa. Considero que ele aceita as principais regras não controversas que constituem e regem o direito em sua jurisdição. Em outras palavra, ele aceita que as leis têm o poder geral de criar e extinguir direitos jurídicos, e que os juízes têm o dever geral de seguir as decisões anteriores de seu tribunal ou dos tribunais superiores cujo fundamento racional (rationale), como dizem os juristas, aplica-se ao caso em juízo.(DWORKIN, 2002, p. 165).
É a partir do comprometimento do juiz diante das questões submetidas à sua apreciação que Dworkin concebe sua teoria constitucional, na qual o poder judiciário, representado por juízes tipo “Hércules”, é capaz de desenvolver uma teoria política completa apta a justificar a Constituição e, ao mesmo tempo, fundamentá-la por meio de “um conjunto complexo de princípios e políticas que justifiquem o sistema de governo”(DWORKIN, 2002, p. 167).
Para Dworkin cabe ao magistrado, ao se deparar com questões difíceis[19], em que a letra da lei não se subsume adequadamente à hipótese fática, questionar-se filosoficamente para decidir corretamente. Em suas palavras:
Hércules deve começar por perguntar-se por que uma lei tem o poder de alterar direitos jurídicos. Ele encontrará a resposta em sua teoria constitucional: esta pode determinar, por exemplo, que uma assembléia legislativa democraticamente eleita é o órgão apropriado para a tomada de decisões coletivas sobre a conduta que se pode considerar criminosa. Mas essa mesma teoria imporá responsabilidades ao poder legislativo: irá impor não apenas restrições que refletem os direitos individuais, mas também um dever geral de lutar por metas coletivas que definam o bem-estar público. Este fato propicia a Hércules um bom teste neste caso difícil. Ele poderia perguntar-se qual a interpretação que vincula de modo mais satisfatório a linguagem utilizada pelo poder legislativo a suas responsabilidades institucionais como juiz. (DWORKIN, 2002, p. 168-169)
Importante compreender que a interpretação realizada pelos juízes, da intenção da lei, na concepção de Dworkin, trata-se, em verdade, de possibilidades acerca de direitos políticos[20].
Ou seja, cabe ao órgão julgador compreender a intenção legislativa em conformidade com o momento de sua criação e os termos como fora concebida, a escolha política adotada, delimitando o processo interpretativo.
A decisão do magistrado é inserida neste contexto, mas não subordinada ao mesmo, como fotocópia da decisão legislativa, pois deve ser pautada em princípios norteadores do Estado Democrático de Direito e ao, mesmo tempo, na idéia de integração do direito.
É neste sentido que se faz imprescindível perceber que o processo decisório em sede judicial não se trata de um processo político, fundamentando em argumentos de política, mas em um procedimento pautado em juízos de valores presentes no ordenamento jurídico, como equidade, moralidade, justiça, liberdade. Ou seja, fundamenta seu decidir no contexto de uma comunidade de princípios e é a partir deste juízo que se alcança a decisão mais correta.
Além da força dos princípios para embasamento das decisões judiciais diante do caso concreto, deve o juiz considerar os precedentes judiciais existentes, a fim de respeitar o princípio da equidade e a idéia de integralidade do direito.
Dworkin conjuga as idéias de comunidade de princípios e integralidade do direito para o modelo de juiz ideal, em que o juiz Hércules é capaz de atingir a melhor decisão, por meio da adoção de uma estratégia diferente da subsunção direta da lei ao fato[21]. Transcreve o autor:
O leitor entenderá agora por que chamei nosso juiz de Hércules. Ele deve construir um esquema de princípios abstratos e concretos que forneça uma justificação coerente a todos os precedentes de direito costumeiro e, na medida em que estes devem ser justificados por princípios, também um esquema que justifique as disposições constitucionais e legislativas. (DWORKIN, 2002, p. 182)
Interessante se mostra trecho do texto de Guilherme Scotti acerca dos ensinamentos de Dworkin, in verbis:
O argumento de Dworkin da única resposta correta consiste na afirmação de que mesmo nesses casos considerados pelo positivismo como hard cases, onde não há uma regra estabelecida dispondo claramente sobre o caso, uma das partes pode mesmo assim ter um direito preestabelecido de ter sua pretensão assegurada.
Cabe ao juiz descobrir quais são esses direitos, mas isso não poderá ser obtido com auxílio de algum método ou procedimento mecanicista. Dworkin deixa claro que se trata primeiramente de uma postura a ser adotada pelo aplicador diante da situação concreta e com base nos princípios jurídicos, entendidos em sua integridade, e não numa garantia metodológica, o que significa que discordâncias razoáveis sobre qual a resposta correta para cada caso exigida pelo Direito podem ocorrer entre os juízes, advogados, cidadãos, etc. (SCOTTI, 2009, p.4-5)
Cabe ressaltar que o consenso para obtenção da solução mais acertada diante de uma controvérsia imposta ao Poder Judiciário não é elemento da teoria de Dworkin, que privilegia um processo de tomada de decisão pautado no diálogo e na exposição de opiniões pelos diversos setores da sociedade, a fim de se obter a decisão mais correta[22] (diferente de decisão unânime).
É o que afirma o autor, citado por Guilherme Scotti, em sua obra “Levando os diretos à sério”, in verbis:
Essa teoria não defende que exista qualquer procedimento mecânico que demonstre quais são os direitos das partes nos casos difíceis. Pelo contrário, o argumento supõe que juristas e juízes razoáveis irão muitas vezes divergir sobre os direitos, assim como cidadãos e políticos divergem sobre questões políticas. [Essa discussão] descreve as questões que juízes e juristas devem colocar para si próprios, mas isso não garante que todos eles darão a mesma resposta a essas questões. (SCOTTI, 2009, p.16)
Imperioso, portanto, perceber que o juiz Hércules de Dworkin deve considerar que se encontra inserido em uma comunidade de princípios, sem deixar de mão a integridade do direito, interpretando às leis como parte de um conjunto de valores coerentes entre si[23].
Por outro lado, para se obter um acervo de leis coerentes é preciso que o Poder Legislativo no processo de tomada de decisões considere sua escolha política atual sem renegar os princípios vertentes da sociedade para o qual legisla.
É diante da teoria de Dworkin que muitos operadores do direito afirmam ser possível ao judiciário ampliar os efeitos das decisões de um caso concreto, em sede de controle de constitucionalidade difuso, para casos passados[24], presentes e futuros, aproveitando os motivos determinantes da lide exposta a apreciação do STF, na medida em que as razões consideradas em um precedente primam tanto pela obediência aos princípios constitucionais implícitos e explícitos como pela idéia de integralidade do sistema (lei e direito).
Trata-se da leitura principiológica do texto constitucional, em que se destaca o papel do Poder Judiciário[25], podendo, entretanto, ser, também, exercido por outro poder, pois o que importa é o caráter substantivo da decisão e não a autoridade que a emana.
Assim, o que não se pode perder de vista são os caracteres principiológicos da decisão, subordinadas ao império do direito e dos princípios, considerados ambos partes integrantes do regime democrático.
Para atingir os preceitos perpetrados por Dworkin, é preciso um órgão judiciário ativo, capaz de abstrair-se de considerações de troca-troca, presentes no processo legislativo ordinário, considerando, ainda, a preservação do núcleo principiológico inatingível.
O papel conferido ao Poder Judiciário por Dworkin de preservação, integração e criação de direitos não tende a comprometer o regime democrático[26], por não ser os representantes do Judiciário eleitos pelo povo, mas, ao contrário, fortalecem a democracia, na medida em que juízes não são partidários, não representam interesses de um grupo, sendo responsáveis por tomadas de decisões hábeis a atingir a comunidade per si, e não parte dela.
Ao proferir seu voto na Reclamação 4335-AC, pretendeu Gilmar Ferreira Mendes adotar imediata eficácia às decisões proferidas pela Suprema Corte em sede de controle de constitucionalidade difuso.
Ao se pretender conferir efeito vinculante imediato às decisões proferidas em controle concreto, concebendo o ato de suspensão do Senado Federal como não necessário, sendo mero requisito formal de complementação de publicidade, buscou-se, conforme esse entendimento, preservar a autoridade das decisões do STF, além da preservação de princípios da igualdade e economicidade.
Ora, em prol do efeito vinculante erga omnes se tem a relevância de que todos que se encontrem com causa de pedir idêntica, em uma mesma situação fática, têm direito ao mesmo julgamento, evitando-se ao se ampliar os limites subjetivos do julgado inconsistência de resultados, eficiência e economia processual, na medida em que se rescindir as demandas múltiplas.
Importante registrar a opinião do Ministro Gilmar Ferreira Mendes na Reclamação n.º 4335-AC, transcrevendo trechos de seu voto:
(...) Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes?
A única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica.
Deve-se observar, outrossim, que o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta.
Isto se verifica quando o Supremo Tribunal afirma que dada disposição há de ser interpretada desta ou daquela forma, superando, assim, entendimento adotado pelos tribunais ordinários ou pela própria Administração. A decisão do Supremo Tribunal não tem efeito vinculante, valendo nos estritos limites da relação processual subjetiva. Como não se cuida de declaração de inconstitucionalidade de lei, não há que se cogitar aqui de qualquer intervenção do Senado, restando o tema aberto para inúmeras controvérsias.
(...)
Todas essas razões demonstram o novo significado do instituto de suspensão de execução pelo Senado no contexto normativo da Constituição de 1988.
(...)
Todas essas reflexões e práticas parecem recomendar uma releitura do papel do Senado no processo de controle de constitucionalidade.
Os argumentos esposados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes e Eros Grau, na defesa de ampliação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, proferida em recurso extraordinário, prendem-se ao aspecto de que o constituinte brasileiro estabeleceu a primazia do controle concentrado de leis, pretendendo que a análise das matérias constitucionais possuísse efeitos amplos, além da defesa do princípio constitucional da economia processual.
Quanto à defesa da economia processual, fundamenta o Min. Eros Grau, em seu Voto-vista proferido na Reclamação nº 4335-AC, que “o crescimento do número de litígios e a multiplicação de processos idênticos no âmbito do sistema de controle difuso são expressivos da precariedade da paz construída no interior da sociedade civil.”
Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal sinalizou com os votos de Gilmar Mendes e Eros grau, no sentido de suprimir a necessidade do ato de suspensão da Lei ou ato tido como inconstitucional, em controle de constitucionalidade difuso, para que sua decisão tenha o condão de validade e eficácia para toda sociedade.
Em artigo doutrinário, Gilmar Ferreira Mendes defende a existência de mutação constitucional quanto à leitura do art.52, inciso X, da CF/88, in verbis:
Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 modificou de forma ampla o sistema de controle de constitucionalidade, sendo inevitáveis as reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, especialmente a exigência da maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade e da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.
O Supremo Tribunal Federal percebeu que não poderia deixar de atribuir significado jurídico à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle incidental, ficando o órgão fracionário de outras Cortes exonerado do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao plenário ou ao órgão, na forma do art. 97 da Constituição.
Não há dúvida de que o Tribunal, nessa hipótese, acabou por reconhecer efeito jurídico transcendente à sua decisão. Embora na fundamentação desse entendimento fale-se em quebra da presunção de constitucionalidade, é certo que, em verdade, a orientação do Supremo acabou por conferir à sua decisão algo assemelhado a um efeito vinculante, independente da intervenção do Senado Federal. Esse entendimento está hoje consagrado na própria legislação processual civil (CPC, art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei 9.756, de 17.12.1998).
(...)
Como se vê, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do texto consoante do art. 52, X, da Constituição de 1934 (art. 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64) e de 1967/69 (art. 42, VIII).
(...)
De qualquer sorte, a natureza idêntica do controle de constitucionalidade quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimara distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental.
Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem “efeitos transcendentes” às decisões do STF tomadas em sede de controle difuso. (MENDES, 2004, p. 163-164)
Em entendimento contrário, os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa defendem que a resolução do Senado suspendendo a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo é indispensável.
Para ditos ministros, deve-se manter a leitura dada ao artigo 52, inciso X, nos moldes de sua concepção, ou seja, o ato de suspensão da execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo é de competência exclusiva do Senado Federal e imprescindível para dotar de eficácia vinculante e erga omnes à decisão de inconstitucionalidade proferida no caso concreto.
Observa-se que os argumentos apresentados pelos defensores da eficácia geral, independente de ato do Senado Federal, pautar-se-iam em princípios da igualdade e da economia processual.
O debate sobre a adoção da teoria da transcendência dos efeitos determinantes com a finalidade de impedir violação ao conteúdo das decisões do Excelso Pretório iniciou-se no julgamento da reclamação nº 1.987/DF em 01/10/2003, ajuizada pelo Governador do Distrito Federal contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, que teria violado entendimento fixado pelo STF na ADI nº 1662/SP sobre o pagamento de precatórios e a possibilidade de seqüestro de valores para a satisfação da dívida.
Por ocasião do julgamento da mencionada reclamação, manifestou-se o Ministro Maurício Corrêa[27], relator, no seguinte sentido: “os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional”.
Quanto ao efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF, em controle difuso, tem-se o art. 101 do Regimento Interno do STF, a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, pronunciada por maioria qualificada, aplica-se aos novos feitos submetidos às Turmas ou ao Plenário, salvo o disposto no art. 103[28].
Acrescenta-se, ainda, o art. 481 do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei n. 9.756/98: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento deste ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Não parece haver dúvidas do caráter vinculante da decisão proferida pela Suprema Corte, no entanto, frisa-se indispensável entender qual a real extensão da releitura dada pelo STF aos efeitos das decisões em recurso extraordinário. Em caso, que partes do julgado devem ser dotadas de eficácia geral.
Para tanto, deve-se destacar os argumentos apresentados pelo Ministro Eros Grau na Reclamação nº4219-SP[29], em que a parte reclamante requer a retificação ou repetição do ato judicial impugnado com fulcro nos fundamentos adotados na ADI 2602/MG, decisão que assentou como regra a inaplicabilidade da aposentadoria compulsória aos 70 anos para notários e registradores brasileiros, após o advento de EC 20/98.
Ao proferir seu voto, o Ministro Eros Grau afirmou que as decisões de mérito proferidas pela STF nas ações apreciadas em controle concentrado apresentam conseqüências normativas que afetam a todos, produzindo uma norma de decisão[30].
A norma de decisão proferida consiste logicamente em todo o teor da sentença ou do acórdão, não apenas da parte dispositiva, pois, para Eros Grau, limitar a força da norma de decisão ao dispositivo do julgado seria como esvaziar seu conteúdo. Nas palavras do Ministro “julgo improcedente”ou “julgo procedente” não traduzem o conteúdo da decisão, que pormenoriza a análise da coerência ou incoerência do texto infraconstitucional impugnado frente a Constituição.
Cabe transcrever trechos do voto de Eros Grau, expondo acerca da necessidade de se conceber eficácia vinculante aos motivos e fundamentos da decisão proferida pelo STF, in verbis:
Ao decidir definitivamente o mérito de ação direta de inconstitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade, o Supremo produzirá norma de decisão, não um texto normativo. Mas essa norma será aplicada a todos, indistintamente. É a própria norma de decisão que se aplica a todos, a todos vinculando.
(...)
É a interpretação conferida pelo Supremo à Constituição – além do seu juízo de constitucionalidade sobre certo texto normativo infraconstitucional – que, nos termos do disposto no § 2º do art. 102, produz eficácia contra todos e efeito vinculante.
Revela José Ribas Vieira e Deilton Ribeiro Brasil, ao analisar a incidência de vinculação sobre o inteiro teor da decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade difuso, defendida por Eros Grau, que:
A decisão de mérito definida pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de constitucionalidade é muito mais ampla, porque envolve a interpretação da Constituição, toda ela, não de apenas um texto normativo infraconstitucional isolado. A decisão de mérito do STF não pode ser cindida, a fim de que se negue eficácia contra todos e efeitos vinculantes à interpretação que ele STF, confere ao texto da Constituição ao apreciar ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade.(VIEIRA; BRASIL, 2008, p. 06-07)
A fim de fundamentar a possibilidade de ampliação dos limites objetivos da decisão acerca da constitucionalidade de lei ou ato, proferida em recurso extraordinário, Gilmar Ferreira Mendes suscita o entendimento do Tribunal Constitucional Alemão, em que o efeito vinculante tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas pela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas ao dispositivo, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes. (ARRUDA, 2006, p. 85-86)
Na Reclamação 2.363-PA[31], Gilmar Mendes, mais uma vez, sai em defesa da transcendência dos motivos determinantes do julgado, conforme trechos do seu voto:
(...) a aplicação dos fundamentos determinantes de um ‘leading case’ em hipóteses semelhantes tem-se verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis municipais. Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta Corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios. Tendo em vista o disposto no ‘caput’ e § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta Corte vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame.
As reclamações suscitadas defenderam a transcendência dos motivos determinantes de decisões proferidas em controle concentrado, que já apresenta efeito erga omnes por natureza.
Outros precedentes reafirmaram a idéia de aplicação do efeito transcendente dos fundamentos determinantes das decisões com eficácia vinculante, passando-se a discutir o cabimento de reclamação constitucional que tenha como parâmetro decisão proferida em sede de controle difuso e incidental, como é o caso da Reclamação 4.335-5-AC, Rel. Min. Gilmar Mendes, em que fora deferida liminar para assegurar a prevalência do entendimento do STF no HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, quando declarada a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos sobre a vedação da progressão de regime (Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 1º).
6. Conclusão
A questão está longe de ser pacificada no Tribunal, principalmente acerca da pertinência da transcendência dos efeitos vinculantes dos fundamentos de julgamentos do controle difuso ou concreto, já sendo possível encontrar entendimentos em sentido contrário na própria Corte, como é o exemplo do Agravo Regimental na reclamação nº 5.389/PA, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, pelo que deve merecer ainda um tratamento mais adequado pelo Plenário da Corte.
Ainda, por meio da ADIn n. º 3445-DF, o STF determinou a extensão dos motivos determinantes contidos no Recurso Extraordinário n.º197.917-SP[32] contra ato normativo do Tribunal Superior Eleitoral, que reduziu o número de vereadores de todo o país.
Importante registrar que o RE n.º197.917-SP não teve a chancela do Senado, por se considerar ausente a necessidade de efeitos transcendentes, sendo posteriormente conferido tal efeito para manter a Resolução do TSE que apresentava o mesmo fundamento jurídico.
Ao se estender a vinculação da decisão proferida pela Suprema Corte ao texto completo do julgado, tem-se possibilidade de afronta a normas infraconstitucionais processuais e constitucionais.
O Código de Processo Civil estabeleceu a regra geral de respeito aos limites objetivos da coisa julgada nos processos de controle de constitucionalidade, na via difusa. As decisões proferidas em recurso extraordinário devem fixar os limites objetivos da coisa julgada para a lide em julgamento, não se prevendo a extensão das razões da decisão para outros processos.
Mesmo em tema de controle de constitucionalidade concentrado não existe a previsão legal para extensão pretendida pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se infere dos dispositivos da Lei nº 9.868/99, que versa acerca do processo e julgamento das ações diretas, tampouco a previsão no regimento interno do Supremo Tribunal Federal.
Evidencia-se o conflito entre as decisões recentes do STF, que fixam a extensão das razões de decidir do recurso extraordinário para além do julgado, adotando-se a tese de transcendência dos motivos determinantes, com as normas do processo civil, tidas como constitucionalmente adequadas e aceitas pela CF/88.
Retorna-se ao dilema de que a supremacia da Constituição e sua força normativa não autorizam o exercício irrestrito e discricionário das competências da Suprema Corte no exercício de sua jurisdição constitucional, cabendo indagar-se sobre mecanismo de self-restraint ou autocontenção do STF, na medida em que passa a criar parâmetros não instituídos pelo constituinte originário.
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[1] “A indicação do caso Marbury v. Madison como marco de nascimento do controle de judicial sobre o legislador é mais uma convenção historiográfica a ser relativizada para melhor compreensão do fenômeno. Como tudo na história, há precedentes muito relevantes deste evento. Mostram que a decisão não emergiu do vácuo, nem da cabeça de um homem só, que num lampejo teria inventado o instituto. Foi resultado de conflitos políticos e ideológicos peculiares que conduziram os Estados Unidos a forjar uma filosofia profundamente desconfiada do legislador e da regra da maioria. A expressão mais célebre deste estado de espírito é a teoria do comportamento majoritário presente nos artigos federalistas, especialmente no artigo, X, redigido por Madison.
Poder-se-iam dividir estes precedentes em quatro fases. Um primeiro precedente, mais remoto, ocorreu ainda na Inglaterra pré-Revolução Gloriosa, de 1688, que instituiu a supremacia do Parlamento. O juiz Coke ficou célebre pela doutrina da supremacia do common Law sobre a statutory Law, fundamento que lhe possibilitou não aplicar algumas leis monárquicas (caso Bonham). Esta doutrina repercutiu nas colônias inglesas das América do Norte, que permitiu aos juízes não aplicar leis dos parlamentos coloniais sob o fundamento que desrespeitassem as leis do Parlamento inglês (caso Winthrop v Lechmere, 1727, e Philips v Savage, 1734). Na América pós-Revolução de Independência, época do profundo ativismo das assembléias legislativas estaduais e de temor pelo despotismo majoritário, George Wythe, juiz da Suprema Corte de Virgínia, declarou na decisão do caso Commonwealth v Caton, de 1782, que um juiz poderia não aplicar uma lei contrária à Constituição. O curioso desta decisão é que John Marshall, então aluno de George Wythe, estava presente à sala do tribunal. Finalmente, já na fase dos Estados Unidos da América, podem –se identificar alguns casos em que a própria Suprema Corte americana cogitava das possibilidades de não aplicar uma lei, caso violasse a Constituição (casos Hajburn, de 1792, Vanhorne’s Lessee v. Dorrance, 1795, Hylton v. United States, 1796). Cf. Roberto Gargarella (La Justicia frente al gobierno, p. 17), Mauro Cappelletti (O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado), James Thayer (“The origin and scope of the American doctrine of constitutional Law”, p.139)” (MENDES, 2008, p. 14).
[2] A fonte de inspiração de Kelsen remota às idéias de Georg Jellinek, intitulada "Um tribunal constitucional para a Áustria", publicada já em 1885. Ainda no plano das idéias, um embrião daquilo que mais tarde tomou a forma de tribunal constitucional pode ser encontrado na tentativa de Sieyès de implantação de um Jury Constitutionnaire, rejeitada pela Assembléia Constituinte de 1795.
[3] Para Michel Troper, citado por Virgílio Afonso da Silva, o raciocínio de Marshall não é lógico, mas tautológico. Segundo ele, o que Marshall defende nada mais é do que o seguinte: (1) Uma constituição é suprema (ou vinculante) se as leis inconstitucionais podem ser invalidadas; (2) Portanto, as leis inconstitucionais estão sujeitas à invalidação. (SILVA, 2009, p. 202)
[4] Recentemente a França institui o controle judicial.
[5] Nas palavras de Conrado Hubner Mendes : “O regime constitucional inglês vem passando por transformações relevantes conforme a União Européia progride em seu processo de construção institucional. Apesar de se submeter aos tratados e tribunais supranacionais criados pela EU, não se pode dizer ainda que tenha uma Constituição, nem o judicial review típico.” (MENDES, 2008, p. 17)
[6] Cf., por exemplo, as decisões nos habeas corpus 300 (de 1892), 1063 e 1073 (ambos de 1898). No HC 1063, lê-se: Esta é a única interpretação que se adapta ao nosso direito constitucional, que não permite ao Poder Judiciário dilatar a esfera da sua jurisdição para se imiscuir nas funções políticas do Presidente da República. (SILVA, 2009 p. 215)
[7] A titularidade do Procurador Geral da República é comparada à idéia de um advogado da Constituição, propagada por Kelsen em 1928. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1059).
[8] “Na tradição do Poder Judiciário brasileiro, não havia o mecanismo da vinculação a precedentes judiciais. Nos Estados Unidos, este é chamado de stare decisis, princípio que torna as decisões dos tribunais vinculantes para casos futuros. No Brasil, a ausência deste instituto, típico dos países pertencentes à tradição do common Law, gerava situações desconfortáveis do ponto de vista da estabilidade e da segurança jurídicas. O Supremo Tribunal Federal podia declarar uma lei inconstitucional, mas os efeitos desta decisão se restringiam ao respectivo caso concreto, ou seja, a lei continuava em vigor e outros juízes poderiam permanecer conferindo-lhe efeitos concretos. Obviamente, configurava-se um cenário de instabilidade e incerteza acerca da orientação jurídica vigente”. (Mendes, 2008, p. 17)
[9] “(...) configura instrumento de extração constitucional, não obstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ n° 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, de um lado, e a garantia da autoridade de suas decisões, de outro (CF, artigo 102, I, “l”), consoante tem enfatizado a jurisprudência desta Corte Suprema (RTJ 134/1033, relator ministro Celso de Mello.)” Trecho do voto do Min. Celso de Mello na Rcl nº 555/PB MC. Publicação no DJ 29-08-95. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=555.NUME.&base=base monocráticas.
[10]Até a entrada em vigor da Constituição de 1988, era o recurso extraordinário – também quanto ao critério de quantidade – o mais importante processo da competência do Supremo Tribunal Federal. Esse remédio excepcional, desenvolvido segundo o modelo do writ of error americano e introduzido na ordem constitucional brasileira pela Constituição de 1891, pode ser interposto pela parte vencida, no caso de ofensa direta à Constituição, declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ou declaração de constitucionalidade de lei estadual expressamente impugnada em face da Constituição Federal (CF, art. 102, III, a, b e c).
[11] Observa-se que na elaboração de projetos de leis ou atos administrativos, que podem ser dotados de vícios de inconstitucionalidade, a participação do cidadão é inexpressiva ou até mesmo inócua, sendo no âmbito do Poder Judiciário que o cidadão se faz presente.
[12] Para Luciano Benetti Timm a regra do precedente do direito inglês significa, brevemente, que as regras de direito formuladas nas decisões judiciais devem ser rigorosamente cumpridas pelos juízes sob pena de comprometer a estabilidade do sistema. Por isto, a jurisprudência é vinculante. Todavia, esta regra, como qualquer outra, não é absoluta e admite algumas exceções. Efetivamente, há que se dizer que não é todo o teor da sentença que vincula, mas somente o necessário ao deslinde da questão (ratio decidendi). Também não é qualquer decisão que vincula, já que existe uma hierarquia na organização judiciária inglesa. (...)Nesta conformidade, se o juiz num caso novo está vinculado por um precedente, de acordo com a doutrina inglesa do stare decisis, ele deve aplicar a antiga ratio decidendi a despeito de sua desconformidade com a mesma, a não ser que entre ambos os casos, haja uma razoável distinção – reasonably distinguishable – (CROSS, op. cit., p. 40).
Ainda, nas palavras do autor, essa exceção à vinculação do precedente é tratada pelo direito inglês como a regra da distinção (distinction rule), segundo a qual casos distintos ao do precedente devem ter tratamento diverso. (TIMM ,p 2-4)
Marcelo Alves Dias de Souza esclarece que a principal técnica utilizada para não aplicação do precedente é a distinguishing, que nos leva de volta a noção de fatos fundamentais (material facts). Em linhas gerais, se os fatos fundamentais de um precedente, analisados no apropriado nível de generalidade, não coincidem com os fatos fundamentais do caso posterior em julgamento, os casos devem ser considerados, pelo tribunal ou juiz do caso posterior, como distintos. Conseqüentemente, o precedente não será seguido. (SOUZA, 2006, p. 142)
Outras hipóteses de não aplicação obrigatória do precedente são as alterações das circunstâncias, decisões per incuriam, decisões contraditórias de mesma hierarquia, overruling e reversal. Resumidamente, tem-se quanto à alteração das circunstâncias a aplicação da máxima latina cessante ratione, cessat ipsa Lex, na tradução do professor Marcelo Souza, cessando as razões para a existência da norma jurídica, ela deixa de existir por si própria. No tocante às decisões per incuriam verifica-se a não vinculação as mesmas por ser a decisão dada na ignorância de um procedente obrigatório ou lei, que se considerados modificariam o resultado do julgamento. No caso de decisões contraditórias de mesma hierarquia opta-se pela decisão mais adequado ao caso exposto à julgamento. Na técnica do overruling o precedente deixa de ser aplicado, por ter sido revogado pela mais alta corte. E, por fim, o reversal que consiste na não aplicação por ter a corte superior revogado a decisão da corte inferior, aplicação similar ao nosso sistema recursal. (SOUZA, 2006, p.145-153).
[13] Daniel Bijos Faidiga assevera que as decisões em sede de controle difuso sempre serão dotadas de uma “abstratividade geral imperativa”. (FAIDIGA, 2008, p. 94)
[14] Acerca da natureza do ato de suspensão do Senado já se manifestou o STF: “O ato do Senado, previsto no art. 64 da Constituição, não é um ato legislativo. Se fosse teria que competir não si ao Senado, mas também a Câmara, dependendo ainda de sanção do Presidente da República. Trata-se de atribuição que o art. 64 da Constituição confere ao Senado, de suspender, no todo ou em parte, a execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo com que a decisão deste produza efeito erga omnes. Porque as decisões judiciais, em nosso sistema, têm seu alcance limitado às partes em litígio, salvo nos casos de Representação do Procurador Geral da República sobre inconstitucionalidade em tese (inovação trazida pela Constituição de 1964). O ato do Senado é complementar de uma decisão judicial, ampliativo dos efeitos desta. Não pode o Senado, ao exercer a atribuição que lhe confere o art. 64 da Constituição, rever, em sua substância, a decisão do Supremo Tribunal Federal (MS n.º 16519/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Gallotti, j. em 20.06.1966, RTJ 38/569).
[15] Relevante neste aspecto as lições de Konrad Hesse para quem: “A constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta de seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade”. Devendo-se preservar a constituição em conformidade com a realidade social vivenciada. (HESSE, 1991, p. 25).
[16] A mutação constitucional que pretende o STF nas palavras de Lenio Luiz Streck consiste na “ não a atribuição de uma (nova) norma a um texto (Sinngebung), mas, sim a substituição de um texto por outro texto (construído pelo Supremo Tribunal Federal); o segundo ponto é saber se é possível atribuir efeito erga omnes e vinculante às decisões emanadas do controle difuso, dispensando-se a participação do Senado Federal ou transformando-o em uma espécie de diário oficial do Supremo Tribunal Federal em tais questões.” (STRECK, 2007, p. 2).
[17] Para Natália Lourenço Soares a comunidade de princípios de Dworkin é aquela na qual as pessoas aceitam que são governadas não apenas por decisões políticas, mas por princípios comuns, seus direitos e deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares tomadas por instituições políticas, mas, sobretudo, por princípios que as unem (SOARES, 2006, p.9).
[18] Para Dworkin um juiz que pronuncia uma nova norma pode estar, em verdade, descrevendo o direito existente de uma forma mais acurada. (DWORKIN, 1985, p. 1).
[19] Hart argumenta que os casos difíceis só existem porque as regras jurídicas possuem aquilo que ele chama de textura aberta. H.L.A. HART, The Concepto of Law, p. 121-32. Apud Dworkin. Levando os direitos à sério, p. 175.
[20] Nas palavras de Dworkin: “O modelo distingue entre o direito positivo – o direito nos livros, o direito apresentado nas declarações evidentes das leis e das decisões passadas das cortes – e o direito como um todo, que aceita a estrutura dos princípios da moralidade política, tomados em conjunto como a melhor interpretação do direito positivo. O modelo insiste numa certa compreensão da idéia de interpretação: um conjunto de princípios possibilita a melhor interpretação do direito positivo se ele provê a melhor justificação disponível para as decisões políticas que o direito positivo anuncia. Em outras palavras, o modelo possibilita a melhor interpretação caso mostre o direito positivo na melhor luz possível.” (DWORKIN, 1985, p.4).
[21]“Na dimensão de princípio, não interessa o procedimento (input), mas a decisão (output)”. (MENDES, 2008, p.76)
[22] “A essência da integridade constitucional é a atitude hercúlea de encontrar o melhor argumento, que desafia e vence todos os outros, não o consenso sobre a decisão verdadeira num caso concreto. Mesmo que errem, esse ambiente seria louvável.” (MENDES, 2008, p.79).
[23] No processo hermenêutico Dworkin, faz menção à necessidade de Hércules se considerar autor de um romance em cadeia. Ou seja, o magistrado, ao proferir sua decisão, o faz como mais um capítulo do romance do direito consuetudinário, conhecendo dos casos passados e acrescentando sua razão de decidir para o mais novo capítulo. Neste sentido, não tem razão a celeuma sobre se o juiz descobre ou inventa o direito, na medida em que é possibilitado ao mesmo fazer as duas ou nenhuma destas atividades (DWORKIN, 2002, p. 271).
[24] Neste caso, a declaração de inconstitucionalidade em sede de recurso extraordinário, via difusa de controle, dever-se-ia restringir às partes da lide, não se podendo, em tese, aproveitar a eficácia do precedente para desconstituir coisa julgada pretérita. Ocorre que, em busca da justiça, se pode cogitar da desconstituição do julgado com base nos fundamentos fático-jurídicos do precedente. É neste sentido que Cândido Dinamarco exemplifica valores hábeis a relativizar a coisa julgada: “a) os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; b) a moralidade administrativa; c) o justo preço das indenizações em ações de desapropriações imobiliárias; d) a dignidade da pessoa humana; f) a fraude e o erro grosseiro; g) o acesso a ordem justa; e h) as impossibilidades jurídicas.” (DINAMARCO, 2003, p.22).
[25] Rebatendo as críticas de um Poder Judiciário ativo, Dworkin assevera que: “Parece injusto que os juízes mudem o direito no curso de um litígio. Entretanto, se a mudança é realmente parte de uma auto-realização, se a mudança aparente nada mais é que a descoberta de uma identidade mais profunda, então tal queixa está mal colocada. Da forma contrária, os juízes estariam agindo injustamente tal como a queixa supõe – agindo contra a idéia de legalidade – caso eles não tenham reconhecido e executado a mudança aparente.” (DWORKIN, 1985, p. 1).
[26] “Para Dworkin, é um nonsense falar em caráter antidemocrático da revisão judicial, porque a democracia não é só vontade da maioria, nem só representação. Democracia é o ‘governo pelo povo’ no sentido comunal. Cada membro sentes-se parte de uma comunidade e responsabiliza-se por suas decisões coletivas, mesmo que não concorde com elas.” (MENDES, 2008, p. 76).
[27] Voto proferido no exame da questão de ordem suscitada em sede da Reclamação nº. 1.987/DF.
[28] Art. 103- Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.
[29] Posição contrária ao Min. Min. Relator Joaquim Barbosa, o efeito vinculante da decisão prolatada na ADI 2602 não alcançaria atos de outros Estados-membros.
[30] Em seu voto Eros Grau diferencia a feitura de uma norma de decisão de um novo texto normativo. O novo texto normativo é conferido no caso das súmulas vinculantes.
[31] STF - Rcl 2.363, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-10-03, DJ de 1º-4-05. 3
[32] Recurso Extraordinário 197.917-SP, que definiu os critérios da proporcionalidade da fixação do número de vereadores por município. No referido recurso não houve o referendo do Senado na decisão prolatada em sede de controle difuso, pois o Ministro Gilmar Mendes reconheceu expressamente não haver efeito transcendente.
Procuradora Federal, Chefe de Divisão da Coordenação Geral de Representação Judicial na Procuradoria Federal junto à PREVIC, Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Dirlene Gregório Pires da. A ampliação do controle de constitucionalidade difuso na perspectiva de Ronald Dworkin: O juiz "Hércules" em defesa de uma comunidade fundada em princípios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2012, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32921/a-ampliacao-do-controle-de-constitucionalidade-difuso-na-perspectiva-de-ronald-dworkin-o-juiz-quot-hercules-quot-em-defesa-de-uma-comunidade-fundada-em-principios. Acesso em: 23 dez 2024.
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