A Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, instituiu no ordenamento constitucional pátrio o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ao qual compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, competindo-lhe também as atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, além do rol constante do §4º do art. 103-B da Constituição Federal:
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.
A existência de órgão de controle externo ao Poder Judiciário suscitou acirradas discussões sobre sua constitucionalidade, notadamente em face de suposta violação ao princípio da separação dos poderes e violação ao pacto federativo.
Como bem nos aponta LENZA (2010), o Supremo Tribunal Federal em diversos momentos pronunciou-se contra a possibilidade de instituição de qualquer controle externo da magistratura em âmbito estadual, sob pena de afronta à separação de Poderes, tendo como leading case o julgamento pelo pleno da ADI 135/PB, culminando com a edição da Súmula nº 649 do STF, com o seguinte teor: “é inconstitucional a criação, por Constituição estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”.
EMENTA: Criação, pela Constituição do Estado da Paraíba (art. 147, e seus parágrafos), de Conselho Estadual de Justiça, composto por dois desembargadores, um representante da Assembléia Legislativa, o Procurador-Geral da Justiça, o Procurador- Geral do Estado e o Presidente da Seccional da OAB, como órgão da atividade administrativa e do desempenho dos deveres funcionais do Poder Judiciário. Inconstitucionalidade dos dispositivos, declarada perante o princípio da separação dos Poderes - art. 2º da Constituição Federal - de que são corolários o auto-governo dos Tribunais e a sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária (artigos 96, 99, e parágrafos e 168 da Carta da República). Ação direta julgada procedente.
(ADI 135, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 21/11/1996, DJ 15-08-1997 PP-37034 EMENT VOL-01878-01 PP-00010 RTJ VOL-00166-02 PP- 00363)
Dessa sorte, a criação de órgão de controle externo ao Poder Judiciário sempre causou ojeriza no meio jurídico, notadamente pela própria classe da magistratura, a qual antevia violação às garantias de autogoverno e autonomia financeira, administrativa e orçamentária da magistratura, fulminando o princípio da separação de poderes e o pacto federativo, o que ensejou a propositura da ADI 3.367 pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, cujo julgamento resultou na seguinte ementa:
EMENTAS: 1. (...) 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados membros carecem de competência constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça. 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. 5. (...) 6. (...) (ADI 3367, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005, DJ 17-03-2006 PP-00004 EMENT VOL-02225-01 PP-00182 REPUBLICAÇÃO: DJ 22-09-2006 PP-00029)
O Supremo Tribunal Federal nesse célebre julgamento refutou as alegações da AMB, deixando claro que o CNJ é órgão integrante do Judiciário, de natureza meramente administrativa, constituindo órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura, atestou a preservação do núcleo político do princípio da separação dos poderes, mediante a preservação da função Jurisdicional, típica do Poder Judiciário, e das condições materiais ao seu exercício imparcial e independente, ressaltou o caráter nacional do Judiciário, ante sua unicidade orgânica e deixou clara a impossibilidade de criação de conselhos de justiça pelo legislativo estadual, assinalou que a maioria de seus membros são integrantes do Poder Judiciário, e, por fim, asseverou que o Supremo Tribunal Federal é órgão máximo do Poder Judiciário, a quem compete o controle jurisdicional dos atos do conselho (art. 102, I, r da CF/88), situando a competência do CNJ apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal.
Consoante apontou MENDES, “não se acolheu a impugnação quanto à afronta ao princípio federativo, tendo em vista o perfil nacional do Poder Judiciário, fortemente enraizado na versão original do texto constitucional de 1988 (2008, p. 993)”.
Dessa forma, a decisão do Supremo deixou extreme de dúvidas a constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça, o qual detém os poderes necessários para o exercício de suas competências de natureza administrativa, sem atropelar a competência jurisdicional do Judiciário, garantindo, em todo o caso, o controle judicial de seus atos e decisões pelo próprio STF, como expressamente previsto na Carta de 1988.
Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal vem reforçando a atuação do Conselho Nacional de Justiça:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DECISÃO DO CONSELHO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS QUE APLICOU A PENA DE PERDA DA DELEGAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE REJEITADA. DELIBERAÇÃO NEGATIVA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. INVIABILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A competência originária do Supremo Tribunal para processar e julgar ações contra o Conselho Nacional de Justiça não o transforma em instância revisora de toda e qualquer decisão desse órgão administrativo. 2. As decisões do Conselho Nacional de Justiça que não interferem nas esferas de competência dos tribunais ou dos juízes não substituem aquelas decisões por eles proferidas, pelo que não atraem a competência do Supremo Tribunal.
(MS 31373 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-150 DIVULG 31-07-2012 PUBLIC 01-08-2012)
A criação do Conselho Nacional de Justiça decorreu da necessidade de se aprimorar os órgãos de controle interno do Judiciário, ante o inegável corporativismo que obscurecia os procedimentos investigativos, debilitava as medidas sancionatórias e desprestigiava o Poder Judiciário.
A atuação desse órgão ao longo dos últimos anos contribuiu para o aumento da transparência do Poder Judiciário com a punição de inúmeros magistrados acusados de desvio de conduta.
O julgamento da ADI 3367 foi definitivo para por fim às discussões sobre a constitucionalidade da criação do CNJ, bem como para traçar os limites de sua atuação, deixando-se claro tratar-se de órgão integrante do Judiciário responsável pelo seu controle administrativo, financeiro e disciplinar, sem ingerência na atividade jurisdicional do Estado, subordinado hierarquicamente ao Supremo Tribunal Federal, e cujas decisões são passíveis de controle jurisdicional por esse mesmo órgão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Procurador Federal e Coordenador de Assuntos Contenciosos da Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI. Ex-Procurador do Estado da Paraíba. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Lívio Coêlho. Conselho Nacional de Justiça, separação de poderes e pacto federativo: reflexão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2012, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32984/conselho-nacional-de-justica-separacao-de-poderes-e-pacto-federativo-reflexao. Acesso em: 23 dez 2024.
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