SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Evolução histórica no Brasil. 3. Distinções. 4. Beneficiários. 5. Considerações Finais. 6. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
As expressões assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita são quase sempre utilizadas indistintamente. Contudo, trata-se de institutos diversos. Este artigo analisa a evolução histórica no Brasil dos referidos institutos, a distinção entre os mesmos e os seus beneficiários.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL
A colonização do Brasil por Portugal influenciou em muito o direito do nosso país. Assim, eram aplicadas várias leis que vigoravam em Portugal. Dessa forma, assim como em Portugal, estiveram presentes neste país, três ordenações, quais sejam, as Afonsinas (até 1521), as Manuelinas (1521-1603) e as Filipinas (1603-1916).
De acordo com a maioria dos pesquisadores do tema[1], a justiça gratuita no Brasil surgiu com as Ordenações Afonsinas, em cujo Livro III, Título LXXXIV, §10, encontrava-se a seguinte citação, referente à isenção das custas do agravo:
Em sendo o aggravante tão pobre que jure não ter bens imóveis, nem de raiz, nem por onde pague o aggravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma Del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o aggravo. (apud ZANON, 1990, p.10).
Por sua vez, o mesmo diploma prescrevia no Livro III, Título XII, §2º que “os pobres estavam relevados de depositar a caução em caso de ser argüida a suspeição, dispensados neste caso, de juramento, mas precisando provar seu estado de pobreza, por meio de testemunhas” (MORAES; SILVA, 1984, p.82).
Outrossim, ressalta Joaquim Inácio Ramalho (apud ZANON, 1990, p.10) que as Ordenações Filipinas estipulavam ainda, no Livro III, Título XX, §14, que os juízes deveriam sempre preferir o advogado de mais idade e de melhor fama ao mais moço e principiante, a fim de que a parte contrária não fosse beneficiada com uma assistência mais eficaz.
A Lei nº 26 de 03 de dezembro de 1841, que reformulou o Código de Processo Criminal atentou para a necessidade de proteção jurídica dos pobres ao regulamentar uma isenção parcial de custas processuais. Destacava o art. 99 da referida Lei que “sendo o réo tão pobre, que não possa pagar as custas, perceberá a metade dellas do Cofre da Câmara Municipal da Cabeça do Termo, guardando o seu direito contra o réo quanto à outra metade” (apud MORAES; SILVA, 1984, p.83).
Em 1842, é editado o Regulamento nº 120 de 31 de janeiro, que igualmente isentava, nos arts. 469[2] e 471[3], parcialmente os hipossuficientes do pagamento das custas processuais. Alude Messite (apud ZANON, 1990, p.11) sobre a publicação da Lei n. 150 de 09 de abril de 1842, que isentava, no seu art. 10, o litigante pobre de pagar o dízimo de chancelaria, devido no processo civil.
Apesar das referências supra, foi somente a partir de 1870, com Joaquim Nabuco, na época presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros que as ideias concernentes à prestação de assistência judiciária gratuita realmente foram tomando corpo. Por iniciativa deste notável jurista, fora criado, naquele instituto, um Conselho incumbido da prestação de “assistência judiciária aos indigentes nas causas cíveis e criminais, dando consultas e encarregando a defesa dos seus direitos a alguns membros do Conselho ou Instituto” (CASTRO apud ZANON, 1990, p. 12).
Dessa forma, a criação do retrocitado Conselho representou um avanço na prestação de assistência judiciária e, consequentemente, no acesso à justiça dos carentes de recursos financeiros, a despeito da inexistência de uma Lei específica disciplinando o assunto.
Não obstante sua relevância, a atitude concreta e inovadora era considerada insuficiente, inclusive pelo seu próprio idealizador, para a definitiva solução da dificuldade material de acesso à justiça. Assim, para Nabuco, fazia-se necessária a aprovação de uma lei que regulamentasse a matéria. Em suas palavras percebe-se seu clamor:
As nações mais civilizadas, como a França, Bélgica, Hollanda e Itália, já tem estabelecida a assistência judiciária. Porque o Brazil não há também de attender a esta necessidade, que tanto interessa à moral, como à liberdade individual e ao direito de propriedade? (NABUCO apud MORAES; SILVA, 1984, p.85).
Na esteira dos apelos pela edição de uma Lei de Assistência Judiciária, o próprio Conselho designou o abolicionista Perdigão Malheiros para elaborar um projeto de lei que, após finalizado, não foi encarado com a devida relevância pela Câmara Municipal da Corte, mas pelo menos resultou na criação do cargo de advogado dos pobres, remunerado pelos cofres públicos, “incumbido, oficialmente, de defender os réus miseráveis nos processos criminais” (MORAES; SILVA, 1984, p. 86).
Como se pode notar, o Brasil continuou sem possuir uma Lei de Assistência Judiciária. Diante de tal evidência, o Instituto da Ordem dos Advogados, ainda não conformado, encarregou, em 1880, uma comissão[4] que ficaria responsável pelo reexame da matéria.
Apesar do retrocesso em 1884, de se extinguir o cargo de advogado dos pobres, as lutas pela regulamentação da assistência judiciária não acabaram. Assim, com o advento da República, foi editado, no governo de Marechal Deodoro da Fonseca, o Decreto nº 1.030 de 14 de novembro de 1890.
Tal Decreto, que dispunha sobre a organização da Justiça no Distrito Federal, autorizava, no seu art. 175, o Ministro da Justiça a “organizar uma comissão de patrocínio gratuito dos pobres no crime e no cível, ouvindo o Instituto da Ordem dos advogados e dando os regimentos necessários” (apud ZANON, 1990, p. 13).
Decorridos quatro anos desde a instituição do decreto supra, sem que, contudo, tivesse alcançado sua devida instrumentalização, “Isaías Guedes de Mello decidiu representar ao Poder Executivo” a fim de que fossem tomadas as providências necessárias (MORAES; SILVA, 1984, p. 87).
Nesta sequência, em 1896, o Instituto dos Advogados Brasileiros, reclamando o seu cumprimento, formulou um projeto[5] o qual foi qual acolhido pelo então Ministro da Justiça – Amaro Cavalcante – e submetido ao Vice-Presidente da República Manoel Victorino Pereira.
Eis que enfim, em 1897, é organizada a assistência judiciária no Distrito Federal mediante a publicação do Decreto nº 2.457 de 8 de fevereiro. O referido decreto, constituído por 45 artigos e influenciado pelos modelos francês, belga e italiano, considerava pobre toda pessoa que, tendo direitos a fazer valer em juízo, estivesse impossibilitada de pagar ou adiantar as custas e as despesas do processo, sem privar-se de recursos pecuniários indispensáveis para as necessidades ordinárias da própria manutenção ou da família”(apud ZANON, 1990, p.14).
Desde então a assistência judiciária passou a ser exercida por uma Comissão Central e várias Comissões Seccionais, oferecendo prestação de diversos serviços indispensáveis à defesa dos direitos em juízo, independentemente do pagamento de selos, taxas judiciárias, custas e despesas de qualquer natureza. (MORAES; SILVA, 1984, p.88). O instituto viria a ser disseminado pelos diversos Estados da Federação no século XX.
Com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, através do Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, regulamentado pelo Decreto nº 20.784 de 14-12-1931, o exercício da assistência judiciária passou a ser “dever” dos advogados.
Após tantas reivindicações pela regulamentação da assistência judiciária, finalmente o instituto foi reconhecido pela primeira vez em uma Constituição no ano de 1934[6].
Dessa forma, o próprio Estado reconheceu sua obrigação de prestar assistência judiciária aos necessitados, deixando, a atividade, de ter cunho meramente caritativo, a cargo exclusivo dos advogados particulares. Em comentário ao artigo constitucional supra, Moraes (1999, p. 98) afirma que “o legislador constituinte de modo salutar, ao prever no dispositivo telado, a criação de órgãos especiais para a concessão da então assistência judiciária aos subalternizados não só se preocupa em assegurar o direito, como também em torná-lo exercitável”.
Em obediência à Constituição, vários Estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, criaram órgãos oficiais para prestação da assistência judiciária. A esse turno, o Estado de São Paulo foi o primeiro a criar o serviço governamental de assistência judiciária, o qual contava com advogados assalariados pelo próprio Estado (MORAES; SILVA, 1984, p. 91).
Enquanto isso, a Ordem dos Advogados do Brasil continuava a prestar assistência judiciária nos Estados em que ainda não haviam sido criados os órgãos constitucionais responsáveis por tal.
Com o advento do Estado Novo, em 1937, a assistência judiciária perde assento Constitucional, numa omissão da Carta de 10 de novembro de 1937. Todavia, o instituto não ficou completamente negligenciado, uma vez que a partir de 1939, restou albergado pelo Código de Processo Civil – Decreto-Lei nº 1.608 de 18-09-1939 – que estabeleceu algumas regras sobre o mesmo.
Sob a denominação ‘Do benefício da justiça gratuita’, nos arts. 68 a 79 do CPC – Decreto-Lei n. 1.608, de 18-9-1939, o instituto foi restabelecido, podendo a parte escolher advogado, e se não o fizesse a incubência recaía à assistência judiciária, ou lho era nomeado pelo juiz (ZANON, 1990, p.19).
A disciplina voltou ao plano constitucional com o fim do Estado Novo e início da fase de redemocratização da nação, marcada pela promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946. Dessa forma, o patrocínio jurídico gratuito volta a ser tratado no capítulo referente aos Direitos e garantias fundamentais, inserto, desta vez, no § 35 do art. 141[7].
Adverte Moraes (1999, p. 99) ao analisar a Constituição de 1946 que o texto constitucional era menos explícito que o de 1934, uma vez que este se referia a duas dimensões, quais sejam, a franquia de gastos no processo e a criação de órgãos para a prestação dos referidos serviços.
Com o retorno do instituto ao plano constitucional, a exemplo do que ocorreu após a Constituição de 1934, vários entes federativos criaram órgãos governamentais prestadores de assistência judiciária, tais como, São Paulo – que instituiu a Procuradoria da Assistência Judiciária vinculada ao Departamento Jurídico do Estado em 1947 – e o Distrito Federal – onde foi criado o cargo de Defensor Público, em 1948, inserido no início da carreira do Ministério Público.
Em 1950, adveio a Lei nº 1.060, que passou a reger as normas da justiça gratuita. A crítica que alguns autores fazem a esta lei deve-se ao fato de a mesma ter confundido “os conceitos técnico-jurídicos de justiça gratuita e assistência judiciária” (MORAES; SILVA, 1984, p. 93). No mesmo sentir, afirma Moraes (1999, p. 100) que:
A então incipiente determinação – saliente-se desde logo – muito embora houvesse reproduzido um régio aperfeiçoamento do sistema, ababelou, contudo, os conceitos específicos de assistência judiciária – nomenclatura primitiva de assistência jurídica – e gratuidade de justiça e não modificou substancialmente a idéia de beneficiário da justiça gratuita, a extensão da benesse e o pressuposto da necessidade.
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei nº 4.215 de 27-04-1963 – estabeleceu, nesta oportunidade, que o dever profissional de prestação assistencial deveria ser somente supletiva, recaindo sobre o Estado a responsabilidade principal pela prestação[8].
Evoluindo cronologicamente, chegamos à Constituição de 1967, a qual, por incrível que pareça, apesar de se estar vivendo um período de extrema repressão, manteve o instituto da assistência judiciária, tratando-o no art. 150 § 32[9]. Interessante notar que foi exatamente durante a vigência do período ditatorial que surgiu no âmbito nacional, a primeira Defensoria Pública, no ano de 1977, no Estado do Rio de Janeiro.
Enfim, tentou-se apresentar um breve panorama histórico da evolução da Justiça Gratuita e da Assistência Judiciária e Jurídica, desde os tempos mais remotos até antes da atual Constituição promulgada em 05 de outubro de 1988. O tratamento dos mesmos, dispensado pela atual Constituição, devido à sua importância, será analisado em tópico separado.
3. DISTINÇÕES
Como já foi possível perceber, as primeiras legislações utilizavam a expressão “assistência judiciária”. Inclusive a primeira Constituição Brasileira a reconhecer o instituto como direito fundamental, qual seja a de 1934, referiu-se a ele dessa forma.
A adoção desta terminologia persistiu durante muito tempo, sendo repetida pelas demais constituições e leis que se seguiram. Até que em 1987, a Emenda Constitucional nº 37 à Constituição do Rio de Janeiro de 1975, pioneiramente empregou a expressão “assistência jurídica”, querendo com isto dar maior abrangência ao instituto.
Como se depreende das palavras da eminente professora Ada Pellegrini Grinover, a alteração da nomenclatura não teve um aspecto apenas formal, mas representou, sem dúvida, uma modificação substancial do instituto, no sentido de emprestar-lhe uma maior abrangência, senão vejamos:
Claro é que, nesse enfoque, amplia-se a concepção de “assistência judiciária”. A ponto de tornar a expressão inadequada. E se amplia, primeiro, com relação aos economicamente fracos, para estender-se à informação, da qual nasce a conscientização, e a orientação extraprocessual que, corretamente conduzida pelos canais institucionalizados da mediação, pode propiciar a solução pacífica de conflitos, constituindo-se em instrumento alternativo ao processo. Da “assistência judiciária” passa-se, assim, à “assistência jurídica” (GRINOVER apud MORAES, 1989, p. 84).
A tendência foi seguida pelo constituinte de 1988, que preferiu o termo assistência jurídica à assistência judiciária. Assim, em consonância com o que pregava a doutrina da época, o instituto jurídico teve seu alcance alargado para além da atuação gratuita de advogados em juízo.
Portanto, não há que se confundir os dois institutos supra, pois enquanto a assistência judiciária refere-se apenas ao direito de patrocínio gratuito em juízo, a assistência jurídica amealha a prestação de informações e consultas jurídicas.
A dicção “assistência jurídica” é provida de amplitude superior à linguagem “assistência judiciária” visto que enquanto a segunda abrange a defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecida pelo Estado, havendo possibilidade de desempenho por entidades não-estatais ou advogados isolados, conveniados ou não com o Poder Público, a primeira não se limita à prestação de serviços na esfera judicial, compreendendo toda a extensão de atos jurídicos, ou seja, representação em juízo ou defesa judicial, prática de atos jurídicos extrajudiciais, entre os quais avultam a instauração e movimentação de processos administrativos perante quaisquer órgãos públicos e atos notariais, e concessão de atividades de consultoria, encerramento o aconselhamento, a informação e a orientação em assuntos jurídicos (MORAES, 1999, p.58).
Da mesma forma, não são sinônimas as expressões assistência jurídica e justiça gratuita ou assistência judiciária e justiça gratuita. Tal diferença é feita com excelência pelo saudoso Pontes de Miranda, in literis:
A assistência judiciária e benefício da justiça gratuita não são a mesma coisa. O benefício da justiça gratuita é direito à dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o juiz que promete a prestação jurisdicional. É instituto de direito pré-processual. A assistência judiciária é instituto de Direito Administrativo. Para o deferimento ou indeferimento do benefício da justiça gratuita é competente o juiz da própria causa. Para a assistência judiciária, a lei de organização judiciária é que determina qual o juiz competente (MIRANDA, 1979, p. 642).
Não raro, observa-se a utilização dos termos assistência judiciária e justiça gratuita como sinônimos. Esta confusão, segundo José Roberto de Castro (apud MARCACINI, 1996, p. 29), decorre da leitura dos próprios textos legislativos que empregam os dois termos indistintamente.
A Lei n° 1.060/50 utiliza diversas vezes a expressão assistência judiciária ao referir-se, na verdade, à justiça gratuita. Assim temos o art. 3° […] o art. 4° […]. O §2° do mesmo artigo […]. O art. 6° […]. Igualmente equivocado, o art. 7° […]. E ainda o art. 9º […]. Em todos estes dispositivos legais, a assistência judiciária aparece no sentido de justiça gratuita. De outro lado encontramos a expressão assistência judiciária em seu sentido correto apenas no art. 1°, nos §§1° e 2° do art. 5°, e no art. 16, parágrafo único (MARCACINI, 1996, p. 30).
Não raramente, o que é pleiteado, com o nome de assistência judiciária ou assistência jurídica, pela parte autora refere-se à gratuidade da justiça, pois é sobre esta que o juiz é chamado a se pronunciar, no contexto da relação jurídico-processual. De outro modo, não tem competência, o juiz, para decidir sobre a prestação de assistência jurídica pelo devido órgão prestacional.
[…] constata-se que a questão que é trazida aos juízes se refere à concessão da Justiça Gratuita não da assistência judiciária. Por isso, o juiz não pode impedir que o órgão de prestação de assistência judiciária atue num determinado caso, pois não tem competência para proibir que a prestação da gratuidade seja efetivada pelo órgão incumbido ou disposto a prestá-la (PIMENTA, 2004, p.103).
Assim, é lícito afirmar que a questão que é trazida ao juiz se refere à concessão da justiça gratuita, não da assistência judiciária. Embora possa o magistrado determinar aos órgãos prestadores do serviço que seja indicado advogado para patrocinar a parte carente, a inversa não é verdadeira: não tem o juiz poder para indeferir a assistência judiciária, ou seja, proibir o patrocínio gratuito pelo agente prestador do serviço (MARCACINI, 1996, p. 32).
4. BENEFICIÁRIOS
Apesar de os institutos Justiça Gratuita e Assistência Jurídica serem substancialmente diversos, ambos não devem ser arbitrariamente separados um do outro, sob pena de se impossibilitar, aos cidadãos carentes, o acesso à Justiça e ao Direito.
Tanto são distintos que é possível se deparar com a situação de se conceder a assistência jurídica ao cidadão, mas estando em juízo ser-lhe negada a gratuidade da justiça. “Isto se dará anomalamente, na medida em que a parte seja tida como pobre pelo agente prestador da assistência, sendo por ele defendida, mas lhe seja negada a gratuidade, por não entender preenchidos os requisitos do benefício” (MARCACINI, 1996, p. 32).
Os beneficiários da Justiça Gratuita são aqueles, que na forma do art. 2° da Lei 1.060/50, tenham necessidade de socorrer-se das justiças civil, penal, militar ou do trabalho, mas não possuam recursos financeiros para tal.
Na definição da norma supracitada[10], necessitado é todo aquele cuja situação econômica lhe impossibilite de pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
É importante destacar que não se pode exigir a miserabilidade do cidadão para que o mesmo faça jus à justiça gratuita ou mesmo à assistência jurídica gratuita. Segundo Marcacini (1996, p. 90) é perfeitamente possível que “uma pessoa mesmo fazendo parte da classe média, pode não ter como pagar sequer custas iniciais relativas a processo em que venha a demandar bens de valor desproporcionalmente elevado”.
Neste mister, é salutar que se atente para uma diferença entre as expressões pobreza judicial e pobreza extrajudicial. O pobre extrajudicial é aquele que possui parcos recursos financeiros para pagar por bens e serviços indispensáveis à manutenção de uma vida digna, tais como alimentação, moradia, saúde, educação. Por sua vez, o pobre judicial é aquele que não possui condições financeiras para arcar com as despesas processuais, sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família.
Para fins de deferimento da assistência judiciária gratuita, bem como da justiça gratuita, é este último tipo de pobreza que deve ser analisado, sob pena de se denegar, injustamente, direitos e garantias fundamentais. Neste sentido, afirma Mendonça (2003, p. 14) que:
O julgamento correto de pedidos de Justiça Gratuita exige dos julgadores pleno conhecimento do que sejam as pobrezas judicial e extrajudicial. A maioria das decisões denegatórias que analisamos tratou a pobreza judicial como se fosse extrajudicial, incorrendo em grave equívoco hermenêutico e conseqüentemente produziu decisão injusta.
Assim, não afasta a condição de pobreza enquanto requisito da condição de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita a propriedade de bens móveis ou imóveis, se esses nada lhe rendem, automóveis, linha telefônica, etc.
O patrimônio daquele que postula a gratuidade, a menos que notoriamente vultoso, não é parâmetro para se determinar a condição de necessitado […] Ora, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com as custas e honorários sem prejuízo do sustento, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Não é nem um pouco razoável pretender que a pessoa se desfaça do imóvel que mora para arcar com os custos do processo (MARCACINI, 1996, p. 85).
Nesse sentido tem decidido a jurisprudência, conforme se verificas das ementas abaixo:
JUSTIÇA GRATUITA – Ação de Usucapião – Indeferimento da concessão por ser o autor possuidor de terrenos – inadmissibilidade – posse ad usucapionem a ser discutida – Recurso provido. (RJTJ-SP 93/171).
JUSTIÇA GRATUITA – Benefício cassado de ofício – existência de imóvel no acervo hereditário, além dos direitos atinentes a uma linha telefônica – irrelevância – fatos que não bastam para induzir estado de riqueza – ademais, lícita que seja a revogação, cumpre, no entanto, seja ouvida a parte interessada – Recurso provido”. (RJTJ-SP 99/282).
JUSTIÇA GRATUITA – Denegação – hipótese de peticionário com advogado constituído e recebedor de herança – Irrelevância - Fato que não se enquadra na exigência legal e ora conceituação de necessitado regulada pelo art. 2°, parágrafo único, da Lei Federal n° 1.060/50 – Concessão do benefício determinada – Recurso provido. (RJTJ-SP 101/276).
JUSTIÇA GRATUITA – Atestado policial de pobreza – Presunção do Estado de necessitado que não se elide por ser o beneficiário possuidor de um automóvel. (TJRS, RT 590/226).
Com relação aos beneficiários da assistência jurídica integral e gratuita, é a própria Constituição Federal que estabelece os requisitos necessários para a concessão. Assim, na forma do inc. LXXIV do art. 5º, deste diploma, os destinatários da norma são todos aqueles que comprovarem insuficiência de recursos.
A assistência jurídica gratuita a ser prestada pelas Defensorias Públicas segue as normas das Leis que as instituíram. No âmbito federal, vige a Lei Complementar n° 80 de 12 de janeiro de 1994, a qual organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios.
Sendo a competência para legislar sobre assistência jurídica e Defensoria Pública matéria de competência concorrente (CF, art. 24, inc. XIII), é de se entender que a Lei Complementar Federal acima estabeleceu normas gerais (§1°) a serem seguidas pelos Estados quando da elaboração de suas próprias normas de organização.
Nesta espécie de competência, a União limita-se a estabelecer normas gerais, mas sua inércia não impede que os Estados legislem supletivamente. Dessa forma, inexistindo Lei Federal sobre matéria concorrente, os Estados exercem competência plena. Todavia, a superveniência da Lei Federal suspende a eficácia da lei estadual no que lhe for contrário.
Na forma da norma geral, são beneficiários da assistência jurídica gratuita prestada pela Defensoria Pública, aqueles considerados necessitados, na forma da lei[11]. Observe-se que a norma em comento não vinculou a atuação desta instituição ao valor da remuneração recebida pelos assistidos, ou seja, a norma não estabeleceu que só possui direito à prestação as pessoas que recebam até “X” salários mínimos, por exemplo, o que demonstra a preferência por critérios mais flexíveis.
Nesse mister, o sistema adotado no Brasil se distancia de alguns sistemas europeus, notadamente o da França e da Suécia, que exigem condições bem mais rígidas para a concessão da assistência jurídica gratuita, estabelecendo faixas de renda máxima para concessão do benefício.
A lei brasileira, ao contrário, revela-se muito mais flexível nesse aspecto, deixando de estabelecer faixas de renda máxima para usufruir do benefício, conferindo ao órgão julgador a competência para decidir, no caso concreto, a situação de miserabilidade jurídica daquele que pleiteia a assistência jurídica pública. (ALVES, 2004, p.56).
Por fim, é importante ratificar que, como vetores de democratização do acesso à ordem jurídica justa, os institutos da justiça gratuita e da assistência jurídica gratuita devem sempre caminhar paralelamente na persecução de sua finalidade comum.
Dessa forma, não é juridicamente seguro nem razoável estabelecer diferentes condições aos beneficiários de um e de outro, à medida que o fundamento para a concessão de ambos os direitos é o mesmo, qual seja, a pobreza judicial. “[…] a rigor, o conceito de pobreza que dá acesso aos benefícios da justiça gratuita e da assistência judiciária é o mesmo” (MARCACINI, 1996, p.33).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto acima, em que pese os institutos da assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita serem quase sempre tratados indistintamente, possuem algumas diferenças.
As primeiras legislações brasileiras utilizavam a expressão “assistência judiciária”. Contudo, com o passar do tempo preferiu-se o termo “assistência jurídica”. Os dois institutos não se confundem, pois enquanto a assistência judiciária refere-se apenas ao direito de patrocínio gratuito em juízo, a assistência jurídica amealha a prestação de informações e consultas jurídicas.
A “assistência jurídica” é uma evolução da “assistência judiciária” visto que enquanto a esta abrange apenas a defesa em juízo do assistido, aquela engloba todo um complexo de atos jurídicos, tais como, representação em juízo ou defesa judicial, prática de atos jurídicos extrajudiciais, atividades de consultoria e orientação, etc.
Por sua vez, assistência judiciária e assistência jurídica distinguem-se do benefício da justiça gratuita, sendo este último um direito à dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o juiz da causa.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Francisco Cleber, PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à Justiça em preto e branco: retratos institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2004.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969. 2.ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1979. Tomo V.
MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. Tomo I.
MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública. São Paulo: Malheiros, 1999.
MORAES, Humberto Peña de; SILVA, José Fontenelle T. Da Assistência Judiciária: sua gênese, sua história e a função protetiva do Estado. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1984.
MORAES, Humberto Peña de. Assistência Judiciária Pública e os mecanismos de acesso à justiça, no estado democrárico. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, vol 02. n.03. ago/set. 1989.
ZANON, ARTÊMIO. Da Assistência Jurídica Integral e Gratuita: comentários à Lei da assistência judiciária (Lei n. 1.060/50, de 5 de fev. de 1950, à luz da CF de 5-10-1988, art. 5º, LXXIV e direito comparado). 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
[1] Vide MORAES, 1999, p. 92; MORAES; SILVA, 1984, p.81; ZANON, 1990, p. 10).
[2] Se o Réo condennado for tão pobre, que não possa pagar as custas, o escrivão haverá metade dellas do Cofre da Comarca Municipal da Cabeça do Termo; ficando-lhe salvo o direito para haver a outra metade do mesmo, quando melhorar de fortuna (apud MORAES; SILVA, 1984, p.83).
[3] As appellações e recursos continuarão a ser preparados com a importância das assignaturas, braçagens e mais contribuiçõs estabelecidas pelas Leis em vigor, para serem apresentados às Relações, salvo sendo as mesmas appellações e recursos de presos pobres (MESSITE apud MORAES; SILVA, 1984, p.83).
[4] Segundo Moraes; Silva (1984, p. 87) a comissão designada era formada pelos Drs. Batista Pereira, Busch Varela e Leitão da Cunha.
[5] O trabalho foi assinado pelos Drs. José C. de A. Mello (relator), João M. de Carvalho Mourão, Raul de Souza Martins, Isaías Guedes de Mello e Anfrísio Soares Sobrinho. (MORAES; SILVA. Assistência Judiciária: sua gênese, sua história e a função protetiva do Estado, p. 87).
[6] Dispunha a referida Constituição no Título III, Capítulo II, art. 113, nº 32 que “A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos” (BRASIL, 1934).
[7] A redação do artigo dispunha que “O poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados” (BRASIL, 1946)..
[8] Era a seguinte a redação: “No Estado onde não houver serviço de Assistência Judiciária mantido pelo Governo, caberá à Seção ou Subseção da ordem a nomeação de advogado para os necessitados, depois de deferido o pedido em juízo, mediante a comprovação do estado de necessidade”.
[9] O dispositivo estava inserto no título dos direitos e garantias fundamentais da Constituição de 1967, in verbis: “Será concedida assistência Judiciária aos necessitados, na forma da lei” (BRASIL, 1967).
[10] Lei n° 1.060/50, art. 2°, parágrafo único: “Considera-se necessitado, para fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.
[11] Art. 1° da LC n° 80/1994: “A Defensoria é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incubindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei”.
Procuradora da Fazenda Nacional na PFN/PA. Bacharela em Direito pela UFMA. Especialista em Direito Processual pela UNAMA. Especialista em Direito Tributário pela UNIDERP. Exerceu o cargo de Analista Judiciário no TJMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PASSOS, Danielle de Paula Maciel dos. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita: evolução histórica, distinções e beneficiários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2012, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33012/assistencia-juridica-assistencia-judiciaria-e-justica-gratuita-evolucao-historica-distincoes-e-beneficiarios. Acesso em: 23 dez 2024.
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