Resumo: O presente artigo tem a finalidade de discutir e entender como o país do futebol, e do carnaval, as duas paixões nacionais, que é admirado por todo o mundo, por ser um país de todas as raças, credos, etnias, religiões. Por ser considerado, um país acolhedor, escolhido por muitos refugiados e imigrantes, que aqui chegaram, desde o seu descobrimento, como terra que cultiva a esperança de dias melhores e construção de uma nova vida, devolvendo a estes o direito a dignidade. Pode ter permitido, nos anos 30, mais especificamente na cidade de São Paulo, atos de discriminação e injustiça, levando um inocente à prisão, por apenas hipóteses, sem provas concretas de sua culpa. Sendo assim, o referido artigo é uma discussão da obra do renomado historiador Boris Fausto em sua obra: O crime do Restaurante Chinês.
Palavras-chave: Direito; Justiça e preconceito.
1 Introdução
Para viver em sociedade, o homem estabelece e cumpre determinados padrões de conduta ética e moral, através da criação de regras que buscam harmonizar a vida em sociedade, tendo assim um efetivo controle social. Vários são os grupos sociais que o homem passa a pertencer desde o seu nascimento, dentre eles pode-se destacar a família, a escola, os grupos religiosos. Através de tais grupos sociais o homem aprende como deve e como não deve agir, atendendo às regras que ditam a convivência social.
Por outro lado, ao surgir o desvio de conduta, torna-se perceptível a não assimilação das regras como forma de controle social por parte destes indivíduos, sendo necessária uma forma de controle mais efetivo, como o jurídico. Dessa forma, o direito apresenta-se como uma forma de controle social institucionalizado, que se faz presente de forma concretamente punitiva no direito penal. Vê-se, por esse enfoque, que o direito penal também é uma forma de controle social, porém, institucionalizada, que atua em caráter excepcional e subsidiário.
O homem em seu estado de natureza já tem a idéia de justiça, a qual necessita para formar uma sociedade em um corpo político. Para o mesmo, o homem perde a sua liberdade que é ilusória, mas, em contrapartida ganha outra, que é considerada segura. A soberania é exercida pelo povo, onde o mesmo é súdito e soberano, fazendo as leis e obedecendo-as (Rousseau, 2004).
Partindo desta reflexão proposta por Rousseau (2004), pode-se perceber que o mesmo defende que a sociedade surge em decorrência da organização política e da forma de organização dos povos, tendo como primeira forma de organização a família. A diferença básica entre a família e o Estado é que na família as decisões são tomadas com base em sentimentos, levado pelo lado emocional, enquanto no Estado às decisões são tomadas tendo como base o lado racional. “O pai tem cuidado com os filhos e por isso sente amor. No Estado, o governante não ama o povo, mas tem prazer em governar.” Criando assim um contrato entre governantes e governados, onde se adquirem obrigações sociais mútuas. Sendo o Estado o órgão competente pela fiscalização de tais obrigações.
Nesse contexto, Rousseau assinala que:
“O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão. Se considerasse somente à força e o efeito que dela resulta, diria: ‘quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram, ou tem ele o direito de retomá-la ou não o tinham de subtraí-la. A ordem social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas. Antes de alcançar esse ponto, preciso deixar estabelecido o que acabo de adiantar." (...) “Ainda formulando as suas asserções, Rousseau continua explicando sobre as primeiras sociedades e o aspecto da liberdade: "...essa liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus primeiros cuidados são aqueles que se deve a si mesmo, e, assim que alcança a idade da razão, sendo o único juiz dos meios adequados para conservar-se, torna-se, por isso, senhor de si (...) A família é , pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo, a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio." (ROUSSEAU, 2004: 22 à 24).
As idéias trazidas até então, é com o intuito de estabelecer o papel do homem na sociedade e os grupos sociais aos quais pertencem desde o seu nascimento. Vive-se em uma sociedade comandada por rótulos e por classes: A, B, C, D... e assim por diante, onde o dinheiro e o poder determina a qual classe o homem irá pertencer, diante de tais fatos, compreende-se que todos cumprem e vivem mediante um código de ética, de conduta. Caso este seja descumprido, o estado tem o direito de puni-lo, só que também dará o mesmo o direito de defender-se. Como traz a Carta Magna de 88, em seu art. 5º, LVII, ao declarar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Já que, ninguém pode ser considerado culpado, mediante a atual constituição federal de 88, como em 1938, um inocente foi considerado culpado pela mídia, pela sociedade, e ficou preso, mesmo não tendo provas concretas da sua culpa, somente por juízos de valor.
2 O Crime do Restaurante Chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos Anos 30
A história contada é verídica e passou-se na cidade de São Paulo em 1938. A cidade era considerada uma das mais acolhedoras, recebendo pessoas de várias partes do mundo, que pra cá viam com o intuito de melhores condições de vida e de trabalho. Um casal de chineses era mais um em meio a vários outros imigrantes, que vinham para o Brasil com o objetivo de crescer e prosperar, assim, abriu um restaurante, situado próximo a Praça da Sé, e que estava dando certo, contava com a ajuda de empregados, e tocavam o seu negócio, prospectando clientes pela qualidade da comida e pela localização.
Estava próximo ao Carnaval, uma das maiores festas populares que se têm no Brasil, todos vão às ruas: fantasiados ou não, brincar, cantar, pular, enfim se divertir, celebrar a vida. Afinal como diz o poeta “Atrás do trio elétrico, só não vai quem já morreu”. Nesse contexto de diversão, um jovem especifico nos toma a atenção é Arias de Oliveira, 21 anos, de corpo atlético, negro, vindo do interior de São Paulo, da cidade de Franca. Arias trabalhava no restaurante do casal chinês, só que tinha o sonho de curtir o carnaval, e para isso, tomou uma atitude, pedir demissão. Aí muitos, questionam-se, como pode alguém largar o trabalho, para curtir o carnaval, realmente só no Brasil, país de preguiçosos e de desocupados... Enganam-se!
Continuando, assim fez, Arias pediu demissão e foi celebrar a vida, festejar o carnaval, mal o sabia o que estava pra acontecer... Depois dos festejos carnavalescos, a conhecida quarta-feira de cinzas, São Paulo, voltava ao normal, os garis, limpavam a sujeira das ruas, e a população seguia sua rotina... Só que não podia ser considerando um dia tão normal, um crime bárbaro chocou e prendeu a atenção de todos os paulistanos. Um casal de chineses, e dois funcionários foram mortos a pauladas e estrangulamento, dentro do restaurante em qual trabalhavam e residia, o assassino? Este fugiu, sem deixar pistas, sem ser visto... Assim, caberia a polícia, desvendar tal mistério.
Muitos nomes foram cogitados, a polícia, traçou uma batalha em colocar o culpado atrás das grades, a mídia, noticiava cada suspeito, os jornais atualizavam diariamente a população a cerca das novidades do caso. Até que chegou-se ao nome de Arias, para a polícia o mesmo apresentava todas as características do assassino, pois, possuía força suficiente para levantar a porta do restaurante e de matar as quatro pessoas em tempo hábil e fugir. Para a polícia, Arias, teria voltado ao restaurante na quarta-feira de cinzas para pedir de volta o seu posto, faminto, não via outra saída, se não roubar o dinheiro dos antigos patrões, matá-los para não ser descoberto e fugir.
Arias de Oliveira, então, saiu do anonimato e ganhou as folhas dos jornais, sendo chamado de todos os adjetivos possíveis, por ser de família humilde e negra, era um marginalizado, um vagabundo, que pedirá demissão para ficar curtir o carnaval, que isso não era atitude de uma pessoa trabalhadora e direita. Assim, Arias foi detido e depois de muitos interrogatórios e reuniões com grupos de psicólogos foi induzido a admitir um crime que não cometeu.
Vendo a repercussão do caso, uma Ong que lutava contra o preconceito, encaminhou um jovem advogado, para defender Arias. Analisando a situação do réu o advogado constatou que não havia provas concretas contra Arias, que o mesmo estava sendo condenado, somente pela sua classe social e pela cor da sua pele.
Chegou então o dia do julgamento, Arias, foi inocentado pelo júri por 4 votos a 3. Porém, mesmo sendo considerado inocente, voltou para prisão, pois a promotoria iria recorrer. 2 anos se passaram, até o dia do novo julgamento, novamente Arias foi inocentado por 4 votos a 3.
É importante destacar que, m 1938, o país ganhou a copa do mundo de futebol, e um dos seus principais jogadores, era negro e muito parecido com Arias, o que fez com que ele passasse de vilão a injustiçado, sendo colocado pelos jornais como inocente que ficou preso injustamente.
Sendo assim, como pode um cidadão ser obrigado a ficar preso, mesmo tendo sido inocentado, nos dias de hoje, isso não é possível a Carta Magna de 88, é clara com relação a tal fato. Seria Arias, vitima de discriminação e preconceito racial? Como compensá-lo por todas as situações que sofreu e pelo período que foi privado de sua liberdade.
Teria os juízes e promotores da época, cidadãos estes, que são escolhidos para defender e fazer justiça. Ter cometido tamanha injustiça? São estes e outros questionamentos que a brilhante obra de Boris Fausto, presenteia o leitor. As indagações e a uma viagem no tempo e nos fatos.
Conclusão
Nosso Direito é frequentemente complicado e, se não em todas, pelo menos na maior parte das áreas, ainda permanecerá assim. Se a lei é mais compreensível, ela se torna mais acessível às pessoas comuns. No contexto do movimento de acesso à justiça, a simplificação também diz respeito à tentativa de tornar mais fácil que as pessoas satisfaçam as exigências para a utilização de determinado remédio jurídico.
No entanto, não podemos dizer que o acesso à justiça seja uma crise apenas de homens ou por ser o judiciário o melhor dos poderes. Observamos em primeira mão a falta de recursos, de informatização adequada e há crise também no que diz respeito ao grande número de instâncias, pedidos urgentes e repetitivos, pois hoje, quase todas as questões terminam no Supremo. Juntas e varas causando congestionamento, esse é um dos fatores causadores da crise no Poder Judiciário, crise essa, decorrente de uma legislação muito arcaica. O instrumento para a solução dessa crise está vinculado a uma reforma do ordenamento jurídico, precisamente no Código de Processo Civil, e algumas emendas na nossa Lei Maior, nos artigos que regulam as responsabilidades dos tribunais.
É preciso simplificar o Código de Processo Civil, onde o excesso de recurso precisa tornar mais simples. Por ser o número de processo, em andamento, superior ao número de juízes, torna-se humanamente impossível que esses magistrados, por mais ativos e zelosos que sejam, possam afirmar que todos os seus vereditos sejam bem trabalhados.
Destarte, é preciso que se desça do pedestal do poder e passe a enxergar com visão macro e humana as necessidades da maior parte da sociedade que precisa com urgência de uma decisão judicial e acabar com essa justiça seletiva com os olhos curvados para seu interior e ignorando os fatores sociológicos que clamam por mudanças.
Referência
FAUSTO, Boris. O Crime do Restaurante Chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Companhia das Letras: 2009.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad.: Pietro Nassetti. São Paulo: Martim Claret, 2004.
Acadêmico de Direito no 3º período da Faculdade AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Tássio Ramilson Nolasco da. Preconceito, descriminação e Injustiça, com base na Obra: O Crime do Restaurante Chinês Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2012, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33047/preconceito-descriminacao-e-injustica-com-base-na-obra-o-crime-do-restaurante-chines. Acesso em: 23 dez 2024.
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