INTRÓITO
A ação popular foi prevista pela primeira vez no Direito Brasileiro na Constituição de 1934, sendo abolida na de 1937. Novamente prevista na Constituição de 1946, ainda não tinha o nome de ação popular. Essa expressão apareceu na Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, ainda em vigor.
Na Constituição de 1967 a ação popular era prevista unicamente para a proteção do patrimônio público (“anular atos lesivos a entidades púbicas”).
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXXIII, ampliou consideravelmente as hipóteses de cabimento ao prever expressamente que:
“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e de ônus da sucumbência”.
CONCEITO DE LEGITIMIDADE
A legitimidade é a titularidade ativa e passiva da ação. É a pertinência subjetiva da ação.
Segundo ARRUDA ALVIM[1] “estará legitimado o autor quando for o possível titular do direito pretendido, ao passo que a legitimidade do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo procedente a ação, a suportar os efeitos oriundos da sentença”.
O CIDADÃO COMO AUTOR DA AÇÃO POPULAR
Do excerto extraído do texto constitucional, vislumbramos que o constituinte originário conferiu ao cidadão a legitimidade para a propositura da ação popular.
Tradicionalmente, o nosso sistema equipara o conceito de cidadão ao de eleitor. No entanto, há aqueles que são contra essa limitação subjetiva, asseverando que “já não há espaço de sobrevivência para o §3º, do art. 1º da Lei nº 4717/65, no atinente à exigência de que a prova da cidadania seja feita pela exibição do título de eleitor, ou de documento que lhe corresponda; e não há porque, à vista da Constituição a ação popular não é direito político e, pois, não há razão para confinar o seu desfrute em proveito de qualquer pessoa, qualquer um, qualquer interessado, obedecidos os requisitos da lei[2]”.
Outros, ainda sustentam que a proteção do meio ambiente é constitucionalmente garantida a todos e que não seria apenas o eleitor apto a protegê-la[3]. Ainda, em relação à tutela do meio ambiente há, ainda, quem defenda a legitimidade de pessoa jurídica.
No entanto, mesmo após o advento da nova Carta Constitucional em 1988, prevaleceu a tradicional concepção jurídica do cidadão como eleitor.
Assim, prevalece que o único legitimado à propositura da ação popular é o cidadão, sendo tal condição aferida segundo o disposto no §3º do art. 1º da Lei de Ação Popular, in verbis: “A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda”.
Portanto, consoante lição de José dos Santos Carvalho Filho trata-se “de legitimação restrita e condicionada, porque, de um lado, não é estendida a todas as pessoas, mas somente aos cidadãos e, de outro, porque somente comprovada essa condição é que admissível será a legitimidade[4]”. Ressalte-se que a comprovação da condição de cidadão deve ser feita na petição inicial.
Alexandre de Morais nos faz importante observação ao afirmar que “somente o cidadão, seja brasileiro nato ou naturalizado, inclusive aquele entre 16 e 18 anos, e ainda, o português equiparado, no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular[5]” (grifo nosso).
No caso dos portugueses equiparados, devem os mesmos apresentar, à propositura da ação, o certificado de equiparação e gozo dos direitos civis e políticos e título de eleitor.
Dessa sorte, só terá legitimidade aquele indivíduo enquanto no gozo de seus direitos políticos, ou seja, quite com as suas obrigações eleitorais apresentando o último comprovante de votação. Assim, enquanto perdurar a perda ou suspensão (hipóteses no art. 15 da Carta Maior) o cidadão não poderá propor a ação popular.
Quanto à situação das pessoas jurídicas, forçoso seria concedê-las o direito a valer-se dessa ação constitucional, é que elas não se encaixam de forma alguma no conceito de cidadão. O Supremo Tribunal Federal editou súmula em 1963 pacificando a matéria, como se afere da sua redação: “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”.
Ainda, como assevera Geisa de Assis Rodrigues, “a legitimação exclusiva do cidadão não relega ao desamparo os bens tutelados pela ação popular uma vez que a ação civil pública está ao alcance de outros legitimados, especialmente o Ministério Público e das associações civil. De qualquer sorte a qualificação do cidadão como eleitor não é tão restritiva e ainda atende ao aforisma romano no sentido de que importa à república que sejam muitos a defender a sua causa[6]”.
CAPACIDADE POSTULATÓRIA E LEGITIMIDADE
No entender de Humberto Theodoro Junior, “não se confunde a capacidade processual, que é aptidão para ser parte, com a capacidade de postulação, que vem a ser a aptidão para realizar os atos do processo de maneira eficaz”. “A capacidade de postulação em nosso sistema processual compete exclusivamente aos advogados, de modo que é obrigatória a representação da parte em juízo por advogado legalmente habilitado (art. 36). Trata-se de um pressuposto processual, cuja inobservância conduz à nulidade do processo (arts. 1º e 3º da Lei nº 8.906 de 04.07.1994)[7]”.
Com efeito, o cidadão para propor a ação popular necessita de advogado legalmente habilitado, ressalvada a hipótese em que o cidadão é advogado e pode litigar com o Poder Público.
Nesse sentido, posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO POPULAR MOVIDA POR PARLAMENTAR CONTRA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E SEU GOVERNADOR – CONCESSÃO DE LIMINAR PARA SUSPENDER O EMPREGO DE PESSOAL E RECURSOS PÚBLICOS NA PRÁTICA DE ATOS RELATIVOS AO DENOMINADO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA MEDIDA LIMINAR – AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL A QUO – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO AGRAVANTE – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 30, INCISO II, DA LEI Nº 8.906/94 – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO PARA REFORMAR O ACÓRDÃO RECORRIDO E ACOLHER A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO REGIMENTAL.
I – Não há confundir capacidade postulatória com legitimidade processual para propor ação.
II – Na ação popular movida por parlamentar (Deputado Federal) contra Estado da Federação, não pode o autor, mesmo em causa própria e na condição de advogado, interpor como signatário único, recurso de agravo regimental, impugnando decisão que, no curso do processo, suspendeu liminar concedida em primeiro grau, porquanto está impedido de exercer a advocacia, no caso, a teor do disposto no artigo 30, inciso II, da Lei nº 8.906/94.
III – Recurso especial parcialmente conhecido e provido, para reformar a decisão recorrida, acolhendo a preliminar de não conhecimento do agravo regimental.
(REsp 292.985/RS, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27.03.2001, DJ 11.06.2001 p. 131)
NECESSIDADE DE ASSISTÊNCIA AO MENOR ENTRE 16 E 18 ANOS
Situação que certamente merece comentários é a da necessidade de assistência do menor entre 16 e 18 anos quanto à propositura da ação popular.
A doutrina mostra-se vacilante em relação ao tema.
Uma corrente postula a plena capacidade de fato do eleitor entre 16 e 18 anos, pois se este pode exercer sozinho o seu direito de voto e, sendo a ação popular uma manifestação da cidadania, ele prescindiria de assistência. Essa é a posição de Alexandre de Morais, segundo o qual “por tratar-se de um direito político, tal qual o direito de voto, não há necessidade de assistência”. Nesse mesmo sentido José Afonso da Silva e Rodolfo de Camargo Mancuso.
Outra corrente, no entanto, entende que embora a capacidade eleitoral possa ocorrer aos 16 anos, esta é distinta e autônoma da capacidade civil e processual, devendo o eleitor menor de 18 anos ser assistido ao propor a ação popular. Essa corrente é minoritária e compõe-se da opinião de alguns poucos magistrados.
POSSIBILIDADE DE LITISCONSÓRCIO ATIVO
Nada impede a formação de litisconsórcio ativo inicial que, evidentemente será facultativo, nem que algum cidadão se habilite como litisconsorte no curso da ação, consoante o §5º do art. 6º da Lei de Ação Popular.
Contudo, pode o magistrado, vir a limitá-lo acaso o excessivo número de litigantes possa vir a comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa (art. 46 do CPC).
Situação interessante é a da posição da entidade de Direito Público que, nos termos do §3º do art. 6º da lei 4.717/65 poderá, por ocasião do prazo para resposta poderá abster-se de contestar o pedido, contestá-lo, ou poderá atuar ao lado do autor.
Segundo alguns autores, ao optar pela última opção, a fazenda pública ingressa no pólo ativo da ação, na qualidade de verdadeiro litisconsorte ativo.
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público não tem legitimidade para a propositura da ação popular, mas dela deve participar na qualidade de custos legis, tendo em vista a natureza do direito defendido.
No entanto, pode o Ministério Público, nos termos do art. 9º da Lei 4.717/64, dar continuidade à ação intentada pelo cidadão quando este a abandonar ou dela desistir e não comparecer nenhum outro cidadão para assumir a titularidade da ação.
Cumpre-nos salientar que o Ministério Público não está obrigado a assumir a condução da ação popular, devendo fazê-lo quando verificar que há interesse público a ser defendido no feito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ação popular é um poderoso instrumento
à disposição dos cidadãos para anular ou prevenir a ameaça ao patrimônio público, inclusive à moralidade, assim como aos valores difusos relativos ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
A legitimidade para a propositura dessa ação constitucional é do cidadão, ou seja, a legitimidade é restrita aos indivíduos que ostentam essa qualidade e condicionada á exibição de título de eleitor ou equivalente.
Entretanto, o fato da legitimidade ter sido conferido somente aos cidadãos, não torna essa ação restrita, na acepção de pequeno grupo de pessoas, porque os cidadãos eleitores são dezenas de milhões e, todos eles têm a prerrogativa de fiscalizar a res publica e poder anular os atos lesivos a ela, responsabilizando os malfeitores da Administração.
Evidencia-se, por fim, o caráter democrático da ação popular, dada sua ampla legitimidade e possibilidade de formação de litisconsórcio ativo ulterior por expressa previsão legal.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 16ª Edição. Lumen Juris, 2006.
DIDIER JUNIOR, Freddie (Coordenador). Ações Constitucionais, 2ª Edição. Jus Podium, 2006.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha e NERY, Rosa Maria Andrade. Direito Processual Ambiental Brasileiro. Del Rey, 1996.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, 27ª Edição. Malheiros, 2004.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 17ª edição. Atlas, 2005.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I. 38ª Edição, Forense, 2002.
[1] Citado por Humberto Theodoro Júnior em Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2002, p.53.
[2] MONTE ALEGRE, José Sérgio. Revista do Ministério Público do Estado de Sergipe, ano I, nº 2, 1992.
[3] RODRIGUES, Marcelo Abelha e outros. Direito Processual Ambiental Brasileiro, 1996.
[4] Manual de Direito Administrativo, 2006, p.866.
[5] Direito Constitucional, 2005, p.167.
[6] Ações Constitucionais. Coordenação Freddie Didier Junior, p. 215/216.
[7] Curso de Direito Processual Civil, 2002, p. 91.
Procurador Federal e Coordenador de Assuntos Contenciosos da Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI. Ex-Procurador do Estado da Paraíba. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Lívio Coêlho. Legitimidade ativa em ação popular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2012, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33278/legitimidade-ativa-em-acao-popular. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.