INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à igualdade.
DESENVOLVIMENTO
O direito à igualdade não assegura um tratamento isonômico para todo e qualquer caso. Garante um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade.
Sobre a origem dessa premissa, Bernardo Gonçalves Fernandes destaca que:
Todavia, sua atual construção, no entendimento da maioria da doutrina constitucional, parece se reduzir à afirmação da necessidade de 'tratar os iguais de maneira igual, e os desiguais na medida de sua desigualdade'. Ou seja, tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Ora, tal premissa, todavia, nada tem de moderna, sendo tributária do pensamento de Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco. No pensamento do filósofo grego, primeiro poderíamos falar que uma igualdade aritmética é estabelecer uma estrita relação entre a retribuição e a causa; ou dito de outra forma, nessa perspectiva cada indivíduo tem exatamente a mesma importância e consideração, pressupondo equivalência na importância de cada um. Já a chamada igualdade geométrica implica uma proporcionalidade definida a partir da comunidade política; desse modo, o critério de merecimento é variável conforme o papel e a importância social do sujeito para a comunidade grega, logo pessoas, que desempenham funções diferentes na polis, recebem direitos diferentes (FERNANDES, 2012, p. 393).
Com efeito, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito (MORAES, 2005, p. 81).
O que se veda, portanto, são diferenciações arbitrárias e desarrazoadas.
Em várias passagens a Carta Magna trata do princípio da igualdade. Em seu art. 3º, IV, afirma que a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. No caput do art. 5º destaca que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à igualdade. O inciso I do mesmo art. 5º dispõe que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Além desses, outros inúmeros dispositivos constitucionais também tratam do tema.
O tratamento dado pela Carta Magna a esse princípio demonstra a sua relevância no âmbito dos direitos fundamentais.
Vale destacar que o princípio da igualdade compreende a igualdade formal e a material.
A igualdade formal busca garantir que os atos normativos não criem tratamentos abusivos ou desproporcionais a casos idênticos. Constitui, assim, verdadeira limitação ao legislador.
Exige, também, que seu intérprete aplique a lei ou os demais atos normativos de forma igualitária.
Em outras palavras, a igualdade formal engloba a igualdade na lei e a igualdade perante a lei.
A igualdade na lei reflete a proibição de distinções abusivas na elaboração das normas jurídicas. Constitui, portanto, a já citada limitação ao legislador.
Por sua vez, a igualdade perante a lei dirige-se às autoridades públicas aplicadoras da lei. Impõe que essa aplicação da lei seja feita de maneira igualitária e não discriminatória.
Bernardo Gonçalves Fernandes defende que o entendimento doutrinário e jurisprudencial já consolidado é no sentido de que a previsão constitucional da igualdade perante a lei tem como destinatários todos os poderes (legislativo, executivo e judiciário) incluindo, também, os particulares nas relações privadas (FERNANDES, 2012, p. 395).
Alexandre de Moraes destaca que o princípio da igualdade possui uma tríplice finalidade – limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular (MORAES, 2005, p. 32).
Com base na igualdade formal, destaca-se a possibilidade de fixação de critérios de discriminação aceitáveis. Ou seja, a existência de um fator de discriminação em determinada lei não significa necessariamente uma ofensa ao princípio da igualdade.
Mello (2000), citado por Cunha Júnior (2012), ensina que as discriminações legais só se coadunam com o dogma da igualdade se existir uma pertinência lógica entre a distinção inserida na lei e o tratamento distintivo dela consequente. Deve-se investigar, de um lado, aquilo que é dotado como critério discriminatório e de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Por fim, deve-se analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional.
A igualdade material, por seu turno, permite a adoção das chamadas ações afirmativas, que constituem medidas compensatórias adotadas no âmbito das políticas públicas em face das desigualdades históricas consolidadas.
A Constituição Federal consagra a igualdade material em alguns dispositivos. Em seu art. 3º, III, destaca como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Prevê a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (art. 7º, XX). Ainda, determina a reserva de percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência (art. 37, VIII).
Existe, portanto, permissão constitucional para o estabelecimento de uma discriminação positiva, com a finalidade de saldar uma dívida histórica de desigualdade e de exclusão. A política de cotas é um exemplo de ação afirmativa.
Sobre a diferença entre igualdade forma e material, Bernardo Gonçalves Fernandes ensina que:
Já é possível encontrar autores que apresentam uma visão mais ampla e adequada do princípio da igualdade quando lido sob o prisma do Estado Democrático de Direito. Com isso, estes vão afirmar um ir além da igualdade meramente formal e da igualdade material, em favor de uma igualdade procedimental, orientando-se para garantia da igual condição (opção) de participação do cidadão em todas as práticas estatais (FERNANDES, 2012, p. 395).
E continua:
Dessa feita, a preocupação do constitucionalismo contemporâneo no que toca o princípio da igualdade tem sido de diferenciar discriminação (ou discriminação arbitrária e absurda) e diferenciação (que para alguns poderia ser intitulada de discriminação adequada e razoável) (FERNANDES, 2012, p. 395).
Nesse contexto, os Poderes Públicos devem agir em conformidade com o princípio da igualdade. E o Poder Judiciário possui a importante função de verificar se essa atuação é compatível com a orientação constitucional.
O Supremo Tribunal Federal já tratou da aplicação do princípio da igualdade e a imposição de limitações em concurso público. A regra é no sentido da proibição de fixação de tratamento normativo discriminatório. Todavia, excepcionalmente, o estabelecimento de limitações (idade e altura, por exemplo) podem ser legitimadas em razão da natureza e das atribuições do cargo a preencher. No julgamento do RMS nº 21.046 evidenciou-se esse entendimento.
Inclusive, a Súmula nº 683 do Supremo Tribunal Federal determina que “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido".
A Corte Suprema também analisou, por meio da ADPF nº 186, a constitucionalidade da reserva de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes em universidade, com base em critério étnico-racial. Asseverou-se que para efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de ações afirmativas – a atingir grupos sociais determinados – por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares. Firmou, assim, o entendimento de que referida ação afirmativa é constitucional e constitui meio de assegurar a igualdade material.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o princípio constitucional da igualdade constitui a base de um Estado Democrático de Direito e compreende o aspecto formal e o material.
Possibilita a adoção de ações afirmativas para assegurar o desenvolvimento de certos grupos e garantir igualdade de oportunidades para o pleno exercício de seus direitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Controle de Constitucionalidade. Garantias constitucionais. Reserva de vagas em universidade. Princípio da igualdade. Constitucionalidade. ADPF nº 186. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, 26 de abril de 2012.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança. Concurso público: indeferimento de inscrição fundada em imposição legal de limite de idade, que configura, nas circunstâncias do caso, discriminação inconstitucional (CF, arts. 5º e 7º, XXX): segurança concedida. RMS n° 21.046. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 14 de dezembro de 1990.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 683. O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=683.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em 13/12/2012.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2012.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2012.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Procuradora Federal lotada no Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI/Brasília-DF. Pós-graduanda em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Danielle Salviano. Apontamentos sobre o direito à igualdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2012, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33288/apontamentos-sobre-o-direito-a-igualdade. Acesso em: 23 dez 2024.
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