1 - INTRODUÇÃO
Elucida Michel TEMER[1], que a “Lei é o ato normativo produzido pelo Poder Legislativo segundo forma prescrita na Constituição, gerando direitos e deveres em nível imediatamente infraconstitucional”.
A Constituição Federal contempla a iniciativa popular com um dos mecanismos de participação dos cidadãos no processo legislativo (art. 14, III). Trata-se de direito político, consubstanciada, em âmbito federal, pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
O Texto Constitucional prevê, ainda, a utilização da iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, por meio de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado (art. 29, XIII). Aos Estados, por sua vez, preferiu o legislador constituinte limitar-se a expender que “A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual.” (art. 27, § 4º).
2 - Conceito
Para José Horácio Meirelles TEIXEIRA[2] a iniciativa popular “consiste em atribuir-se a uma certa parte ou porcentagem do eleitorado o direito de iniciar ou propor a legislação, que deverá ser elaborada pelo Legislativo”.
Darcy AZAMBUJA[3] sustenta, com propriedade, a existência da chamada iniciativa popular articulada, onde o povo apresenta ao Legislativo um projeto de lei completo, redigido por artigos, enquanto a não articulada ou por moção, o povo pede ao órgão legiferante que elabore uma lei sobre determinada matéria.
No Estado Brasileiro, a iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
3 - origem e A evolução histórica
Um estudo apresentado junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Paraíba[4] aponta, com precisão, as origens da iniciativa popular. Diz-se que a história de elaboração das leis pode ser compilada em quatro fases, de acordo com o critério das formas de organização política.
O primeiro consiste no processo legislativo autocrático, que dá origem às constituições outorgadas e no qual o governante fundamenta em si mesmo a competência para editar leis. Corresponde à forma mais antiga de legislar. São exemplos desse tipo de processo legislativo o Código de Hamurabi, os editos dos Imperadores romanos e o Código de Direito Canônico.
O segundo é o processo legislativo direto, que dá nascimento às constituições plebiscitárias. Nessa espécie de processo legislativo, o cidadão tem uma participação direta na elaboração da lei. Sua origem remonta as cidades–Estado gregas. Atualmente, tem perdido o seu prestígio, restringindo-se a sua prática a alguns cantões suíços.
O terceiro diz respeito ao processo legislativo representativo, adotado pela maioria dos países ocidentais desde o século XVIII, tendo como ponto marcante as seguintes características: existência de um órgão com estrutura bicameral, com a função específica de fazer leis e a distinção entre poder constituinte e poder constituído.
Em quarto, está o processo legislativo semi-direto, que dá origem às constituições referendadas, no qual a lei resulta de um ato complexo formado pela vontade dos representantes que compõem o órgão representativo, isto é, a Assembléia, e pela vontade expressa dos cidadãos, mediante o exercício do referendo.
A iniciativa popular também foi prevista antes da primeira grande guerra na Constituição Francesa de 1793, sendo acolhida, posteriormente, pela Constituição de Weimar (1919), na Italiana (1948) e na Espanhola (1978)[5].
Na ordem jurídica pátria, a iniciativa popular não chegou a ser regulamentada pelas Constituições passadas, mormente porque o país vivia o regime de democracia representativa pura.
Segundo o escólio de José Duarte NETO[6] assevera que a iniciativa popular foi prevista nos estudos realizados sob a égide da Assembléia Nacional Constituinte, no anteprojeto Comissão Afonso Arinos, em seu art. 186, que remetia a disciplina do instituto para âmbito da legislação complementar. Esse projeto não chegou a ser oficialmente encaminhado para a análise da Assembléia que se instalou.
Posteriormente, o jurista Fábio Konder Comparato apresenta, a pedido do Partido dos Trabalhadores, um arrojado projeto onde a iniciativa popular era prevista não somente para a elaboração de leis, ordinárias e complementares, como igualmente pra emendas à Constituição. No primeiro caso era exigida a adesão de dez mil eleitores e, no segundo, de trinta mil (art. 133 e 234, IV, respectivamente).
José Afonso da Silva e Pinto Ferreira fizeram parte da Comissão de Assuntos Constitucionais apresentando, cada qual, os seus projetos. O primeiro desses juristas admitia a iniciativa popular somente para as leis, por meio da apresentação de projetos articulados, com a subscrição de um mínimo de cinqüenta mil eleitores. O segundo, por seu turno, seguiu esse mesmo paradigma, mas, com maior arrojo, permitia que iguais números de eleitores propusessem emendas à Constituição.
Sem dúvida, que as discussões travadas no bojo dos projetos aqui mencionados acabaram por influenciar aprovação definitiva do texto constitucional prevendo a iniciativa popular. Cabe ressaltar, ao ensejo, que redação definitiva excluiu dos cidadãos a possibilidade de propor emendas à Constituição Federal por meio da iniciativa popular.
Ao que se tem notícia, a iniciativa popular foi utilizada por duas no país. A primeira vez, por conta da comoção de que tomou conta do país pela morte brutal da filha da escritora Glória Perez, a qual, com o apoio da mídia, conseguiu a promulgação da lei de iniciativa popular n° 8.930/94 que deu ampliou o rol dos crimes hediondos inafiançáveis e insusceptíveis de graça ou anistia. O segundo projeto de lei de iniciativa popular, a partir de intensa mobilização da sociedade civil, foi o de n° 8.840/99, contra a corrupção eleitoral, criando mecanismos para coibir a compra de votos.
4 - A iniciativa popular no direito comparado
Tratando-se de assunto afeto à democracia participativa, não há como deixar de tecer algumas considerações junto às normas da Constituição Suíça.
Atualmente, as leis helvéticas prevêem a iniciativa popular em todos os níveis da Federação. No âmbito federal, a iniciativa popular é servil para a adição ou revogação de normas constitucionais. Contudo, não mais há previsão para leis federais.
O texto Constitucional suíço prevê, ainda, a possibilidade de o eleitorado iniciar à sua revisão parcial ou total. Para tanto, o art. 138, I,[7] estabelece a necessidade da manifestação de pelo menos cem mil eleitores. Já nos Cantões, a utilização da iniciativa popular é mais abrangente, podendo modificar toda a legislação desse nível.
Nos Estados Unidos da América, cuja tradição democrática ainda resta amadurecida, a exemplo da Suíça, a iniciativa popular também pode dar início ao procedimento de revisão constitucional, com diferença de que, enquanto nesta existe previsão na Constituição Federal, no sistema jurídico americano encontra-se positivada somente em dezessete constituições estaduais.
Desse modo, o aspecto formal da iniciativa popular varia de Estado para Estado. Na sua maioria, o projeto deve ser inicialmente apresentado a uma autoridade superior, que fará um resumo sobre a matéria, exercendo um poder de fiscalização acerca do processo. Podem participar da votação os eleitores ativos (que votaram na última eleição) e os não ativos, onde é estipulada uma porcentagem.
A Constituição da Itália e da Espanha de 1978 exigem a subscrição de, pelo menos, quinhentos mil cidadãos, para se deflagrar o processo de participação popular, sendo excluída a hipóteses de reforma à Constituição por esse meio. Nesse passo, a Constituição Argentina veda a iniciativa popular para a reforma do texto Constitucional.
Outras Constituições da América do Sul, com a Uruguaia, a Peruana, a Paraguaia e a Venezuelana permitem a reforma constitucional por meio da iniciativa popular.[8]
5 - A iniciativa popular na CONSTITUIÇÃO DE 1988
O art. 13 da Lei nº 9.709/98, que regulamentou do art. 14, III, da Constituição Federal, dispõe o seguinte:
Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Como se pode observar, a regulamentação da iniciativa popular manteve o mesmo quorum de adesões exigido pela Lei Fundamental em seu art. 61, § 2º. Trata-se de processo muito difícil de ser instaurado por parte dos cidadãos, tendo em vista o grande número de assinaturas a serem colhidas, mas, sobretudo, pela dificuldade de arrecadá-las em pelo menos cinco Estados da Federação.
O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto, de modo a manter a boa técnica redacional legislativa, bem como o foco e objetivo da vontade popular. Caso contrário, deverá ser desdobrado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em proposições autônomas, para tramitação em separado. O projeto não pode ser rejeitado por vício de forma. Nesse caso, cabe à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação.
De resto, o art. 14 da Lei nº 9.709/98 aponta que a Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências acima mencionadas, dará seguimento à iniciativa popular, consoante normas do Regimento Interno.
Tais disposições estão previstas no título VIII “DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL”, capítulo I “DA INICIATIVA POPULAR DE LEI” do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. O art. 252, que inicia o assunto, dispõe que o projeto de lei deve obedecer aos seguintes requisitos, além daqueles dantes assinalados:
1º) a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral;
2º) as listas de assinatura serão organizadas por Município e por Estado, Território e Distrito Federal, em formulário padronizado pela Mesa da Câmara;
3º) será lícito à entidade da sociedade civil patrocinar a apresentação de projeto de lei de iniciativa popular, responsabilizando-se inclusive pela coleta das assinaturas;
4º) o projeto será instruído com documento hábil da Justiça Eleitoral quanto ao contingente de eleitores alistados em cada Unidade da Federação, aceitando-se, para esse fim, os dados referentes ao ano anterior, se não disponíveis outros mais recentes;
5º) o projeto será protocolizado perante a Secretaria-Geral da Mesa, que verificará se foram cumpridas as exigências constitucionais para sua apresentação;
6º) o projeto de lei de iniciativa popular terá a mesma tramitação dos demais, integrando a numeração geral das proposições;
7º) nas Comissões ou em Plenário, transformado em Comissão Geral, poderá usar da palavra para discutir o projeto de lei, pelo prazo de vinte minutos, o primeiro signatário, ou quem este tiver indicado quando da apresentação do projeto;
8º) a Mesa designará Deputado para exercer, em relação ao projeto de lei de iniciativa popular, os poderes ou atribuições conferidas pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados ao autor de proposição, devendo a escolha recair sobre quem tenha sido, com a sua anuência, previamente indicado com essa finalidade pelo primeiro signatário do projeto.
Por fim, importa "ressaltar que as Constituições estaduais devem prever, nos termos do 4º do art. 27 da Constituição Federal, a iniciativa popular de lei estadual"[9].
Em linhas gerais, esse é o procedimento do projeto de lei apresentado por meio da iniciativa popular em nosso ordenamento jurídico.
6 - Conclusão
A prática da iniciativa popular tem se mostrado uma forma eficaz de participação popular em vários países do mundo, como visto.
Contudo, mister se faz que a iniciativa popular também seja estendida para apresentação de projetos de emenda à Constituição Federal. Ora, sendo o povo o único detentor do poder, necessário se faz que o ele possa manifestar, diretamente, sua vontade de alterar o texto constitucional.
De qualquer forma, o fato de esse mecanismo de participação popular estar previsto em nossa Lei Fundamental, revela que estamos a caminhar para efetiva democracia participativa. No entanto, é preciso arriscar um pouco mais.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed., São Paulo: Globo, 1998.
BENEVIDES, Maria Vitória de Mesquita. A Cidadania Ativa – Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular. 3ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10 ed. rev, atual e ampl. São Paulo, 2000.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
CHIMENTI, Ricardo Cunha. CAPEZ, Fernando. ROSA, Márcio Elias. SANTOS, Marisa. Curso de Direito Constitucional. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DUARTE NETO, José. Iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 17.ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001.
[1] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 17.ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 135.
[2] TEIXEIRA, 1991 apud DUARTE NETO, DUARTE NETO, José. Iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005, cit., p. 106.
[3] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed., São Paulo: Globo, 1998, p. 224/225.
[4] A iniciativa popular no processo legislativo brasileiro - Disponível em http://www.slideshare.net/Bekaa/iniciativa-popular-4032076. Acesso em 04/01/12.
[5] DUARTE NETO, op. cit., p. 76/77.
[6] DUARTE NETO, op. cit., p. 87/103.
1 100 000 Stimmberechtigte können innert 18 Monaten seit der amtlichen Veröffentlichung ihrer Initiative eine Totalrevision der Bundesverfassung vorschlagen.
[8] DUARTE NETO, op. cit., p. 54/86.
[9] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 577.
PROCURADOR FEDERAL. Ex- Procurador do Município de Itapira/SP. Bacharel em Direito pela UNIFEOB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, William Junqueira. A iniciativa popular: ato de democracia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jan 2013, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33466/a-iniciativa-popular-ato-de-democracia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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