INTRODUÇÃO
Os direitos sociais constituem direitos fundamentais de segunda geração que buscam a igualdade material por meio do estabelecimento de prestações positivas.
Segundo Paulo e Alexandrino (2012, p. 244), “os direitos sociais constituem as liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por objetivo a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social”.
Também vale destacar a lição de José Afonso da Silva:
Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais (SILVA, 2005, p. 286).
DESENVOLVIMENTO
Os direitos sociais são enquadrados como direitos fundamentais de segunda geração. Traduzem prestações positivas que devem ser asseguradas pelo Estado para a promoção da igualdade material.
Estão elencados no Capítulo II do Título II da Constituição Federal e regulados ao longo do texto constitucional.
O art. 6º da Constituição Federal de 1988 determina são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Trata, assim, dos chamados direitos sociais genéricos.
O art. 7º da Carta Magna enumera os direitos sociais individuais dos trabalhadores.
Por sua vez, os arts. 8º a 11 da Lei Maior trazem os direitos sociais coletivos dos trabalhadores.
Os direitos sociais, por exigirem prestações positivas do Estado, demandam disponibilidade de recursos públicos para sua concretização.
Sujeitam-se, dessa forma, à cláusula da reserva do possível.
Referida cláusula, de origem germânica, determina que a efetivação dos direitos sociais elencados na Constituição deve ser feita de acordo com a possibilidade financeira do Poder Público.
Paulo e Alexandrino ensinam que:
Os direitos sociais, por exigirem disponibilidade financeira do Estado para sua efetiva concretização, estão sujeitos à denominada cláusula de reserva do possível, ou, simplesmente, reserva do possível. Essa cláusula, ou princípio implícito, tem como consequência o reconhecimento de que os direitos sociais assegurados na Constituição devem, sim, ser efetivados pelo Poder Público, mas na medida exata em que isso seja possível. É importante entender que esse princípio não significa um 'salvo conduto' para o Estado deixar de cumprir suas obrigações sob a alegação genérica de que 'não existem recursos suficientes'. A não efetivação, ou efetivação apenas parcial, de direitos constitucionalmente assegurados somente se justifica se, em cada caso, for possível demonstrar a impossibilidade financeira (ou econômica) de sua concretização pelo Estado (PAULO e ALEXANDRINO, 2012, p. 253).
E exemplificam essa situação com base na previsão constitucional que trata do salário mínimo:
Um exemplo sobremodo ilustrativo temos na previsão constitucional relativa ao salário mínimo. Diz o inciso IV do art. 7º da Carta Política que o salário mínimo deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Supondo que se chegasse à conclusão de que, para cumprir o desiderato constitucional, seria necessário dobrar o valor do salário mínimo, poderia ser efetivamente exigida do Poder Público a adoção dessa medida? A resposta é negativa, exatamente pela incidência da cláusula de 'reserva do possível'. Ora, se o Poder Público simplesmente editasse lei dobrando o valor do salário mínimo, isso certamente desorganizaria toda a economia nacional, sendo possível demonstrar, objetivamente, que tal fato inviabilizaria as contas da previdência social, que acarretaria um quadro agudo de informalidade no mercado de trabalho (trabalhadores sem 'carteira assinada'), que profligaria as contas dos municípios e estados pelo gasto com o funcionalismo, que todo esse desequilíbrio implicaria descontrole inflacionário etc. Assim, embora seja evidente que o valor atual do salário mínimo não cumpre a determinação constitucional vazada no inciso IV do art. 7º, não se pode exigir um reajuste vultoso e imediato de seu valor, porque essa providência esbarra na cláusula de reserva do possível (PAULO e ALEXANDRINO, 2012, p. 253-254).
Portanto, a reserva do possível constitui verdadeiro limitador da ampla implementação dos direitos sociais.
Todavia, essa cláusula não pode servir de argumento para justificar o fracasso do Estado na implementação dos direitos sociais. Deve-se garantir um padrão mínimo de condições indispensáveis para uma existência digna, ou seja, o mínimo existencial.
A garantia desse mínimo existencial atua como limite à aplicação da cláusula da reserva do possível.
Desse modo, a escassez de recursos financeiros não pode servir de base para afastar a responsabilidade estatal de garantia das condições mínimas para a existência digna das pessoas.
Sobre a garantia do mínimo existencial, merece destaque o ensinamento de Paulo e Alexandrino:
Corolário direto do princípio da dignidade da pessoa humana, o postulado constitucional (implícito) da garantia do mínimo existencial não permite que o Estado negue – nem mesmo sob a invocação da insuficiência de recursos financeiros – o direito a prestações sociais mínimas, capazes de assegurar, à pessoa, condições adequadas de existência digna, com acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas estatais viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança (PAULO e ALEXANDRINO, 2012, p. 254).
Inicialmente, o Poder Judiciário não possui competência para deliberar sobre a aplicação e destinação dos recursos públicos.
Todavia, caso os poderes competentes não cumpram a determinação constitucional de garantia do mínimo existencial, o Poder Judiciário poderá atuar para assegurar esse padrão de existência digna.
O Supremo Tribunal Federal já tratou do tema em diversos julgados. O entendimento da Corte Suprema é no sentido de assegurar os direitos sociais, de forma que a invocação da reserva do possível não pode ser feita de maneira descontrolada e injustificada. Os direitos constitucionais ora tratados devem ser efetivados para a garantia do mínimo existencial.
Assim, a omissão do Poder Público na concretização dos direitos sociais permite a atuação do Poder Judiciário para a garantia do comando constitucional.
No julgamento da ADPF nº 45, ficou claro que a reserva do possível, ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Também assentou-se que, não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. Se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
Nota-se, assim, que a concretização dos direitos sociais, inclusive, caso necessário, pela via judicial, possui o condão de garantir as condições mínimas para uma existência digna.
Dirley da Cunha Júnior, ao tratar do tema, afirma que:
A doutrina e a jurisprudência dos nossos tribunais começam a se mostrar sensíveis à necessidade de efetivação dos direitos sociais, admitindo a possibilidade de intervenção judicial para o gozo desses direitos. Anote-se, ademais, que o Estado é, indiscutivelmente, uma estrutura ordenada com vistas a servir a coletividade e prover a pessoa humana das condições materiais mínimas de existência. A Constituição brasileira de 1988, nesse particular, é nitidamente confessa quando alçou o homem à condição de fim, e o Estado de meio necessário a garantir a felicidade humana e o bem-estar de todos. Por isso mesmo que, no art. 3º de seu texto, ela fixou como objetivo fundamental do Estado, entre outros, construir uma sociedade justa, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, elegendo os direitos fundamentais – a partir da perspectiva de que a dignidade da pessoa humana é fundamento nuclear da organização estatal – como o centro do sistema político e jurídico e o alvo prioritário dos gastos públicos e previsões orçamentárias. Nesse contexto, a reserva do possível só se justifica na medida em que o Estado garanta a existência digna de todos. Fora desse quadro, tem-se a desconstrução do Estado Constitucional de Direito, com a total frustração das legítimas expectativas da sociedade (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 788-789).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que os direitos sociais devem ser concretizados. A escassez de recursos financeiros não pode fundamentar a omissão estatal na efetivação desses direitos.
Conforme o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, o Estado deve garantir o mínimo existencial, ou seja, um padrão mínimo de condições indispensáveis para uma existência digna.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da “reserva do possível”. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do “mínimo existencial”. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento de preceito fundamental no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração). ADPF nº 45. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 29 de abril de 2004.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2012.
PAULO, Vicente, ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado. 20ª ed. São Paulo: Método, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
Procuradora Federal lotada no Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI/Brasília-DF. Pós-graduanda em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Danielle Salviano. A concretização dos direitos sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33485/a-concretizacao-dos-direitos-sociais. Acesso em: 23 dez 2024.
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