O sigilo bancário, insculpido no art. 5º, incisos X e XII da Constituição Federal, estes que outorgam ao cidadão o princípio da inviolabilidade da intimidade, resguardando sua imagem e correspondência, bem como em Lei Complementar própria, qual seja a Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, ao passo de que traz segurança para a utilização das operações de instituições financeiras, atravessa zonas turbulentas e polêmicas em sua aplicação.
É de saber que, de acordo com o art. 1º, §3º da referida Lei Complementar supracitada, constam em seus incisos excludentes de violação do dever de sigilo, assim como, da mesma forma, prevê o §4º.
Dentre as excludentes de violação, as mais corriqueiras são a autorização por expresso dos interessados, consentindo que seu sigilo bancário seja quebrado, ou seja, permitindo a visualização de toda a sua movimentação financeira, operações ativas e passivas, bem como contratos e serviços firmados com instituições financeiras; Soberana também é o decreto por autoridade judicial que permita a quebra que aqui é tratada.
As instituições financeiras, que possuem o dever de proteger o sigilo bancário dos clientes, estão listadas no art. 1º, §1º da mesma Lei Complementar e, fora dos casos autorizados, ressalvados pela legislação, se fornecerem as informações indevidamente, responderão, juntamente com seus administradores, por crime previsto no art. 10 da lei em comento, à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Ocorre que, rotineiramente as instituições financeiras recebem solicitações de diversas autoridades, como por exemplo: Ministério Público Federal ou Estadual, Defensorias Públicas, Polícia Federal através de seus Delegados, dentre outros, que requisitam informações para instruir Inquéritos Administrativos ou Policiais, ou ainda para subsidiar ações cíveis ou penais em curso ou ainda a serem propostas e, sem estarem autorizadas por decisão judicial ou com o consentimento expresso dos interessados, ou ainda fora das hipóteses previstas na legislação supra referenciada, o que, a rigor, impossibilita o atendimento destas requisições.
Sebastião de Oliveira Lima e Carlos Augusto Tosta de Lima, por exemplo, na obra “Crimes contra o sistema financeiro nacional”, São Paulo: Atlas. 2003, p. 156, lecionam que “Esse diploma complementar estabeleceu, em seu art. 3º, que as informações a serem prestadas por aludidas instituições dependem de prévia autorização do poder Judiciário. Assim, conjugando-se o art. 6º, inciso XVIII, da Lei Complementa nº. 105/2001, resulta, sem qualquer possibilidade de dúvidas, que, para requisitar às instituições financeiras informações que importem quebra de sigilo bancário, necessita o Ministério Público de ordem expressa do Poder Judiciário”.
Sobre o ao tema, salienta ainda o eminente Ministro Celso de Mello no julgamento do MS 22.801-6/DF, ocorrido em 17/12/2007, em seu voto: “Apenas o Judiciário, Senhora Presidente, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito (RTJ 173/805-810, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), pode eximir as instituições financeiras de dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário. (…) A tutela do valor pertinente ao sigilo bancário não significa qualquer restrição ao poder de investigar e de fiscalizar do Estado, eis que o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público, as corporações policiais e os órgãos incumbidos da administração tributária e previdenciária do Poder Público sempre poderão requerer aos juízes e Tribunais que ordenem às instituições financeiras o fornecimento das informações reputadas essenciais à apuração dos fatos”.
Por outro lado, pondera-se: Em relação a clientes particulares, é mansa e pacífica a jurisprudência, doutrina e próprias instruções e procedimentos dentro das instituições financeiras no sentido de proteger as informações, sigilo bancário e de imagem se a situação não se enquadrar em nenhuma ressalva legal para que este seja quebrado. O mesmo não pode ser dito em relação aos entes públicos, e é justamente onde reside a dúvida, polêmica e motivo de extensa discussão doutrinária: As contas públicas, pelo princípio da publicidade, não devem ser acessíveis a todo cidadão? Não estão as instituições financeiras obrigadas a fornecer tais informações solicitadas, se dizem respeito ao fruto de contribuições financeiras de todos?
O princípio da publicidade encontra-se previsto no art. 37 de nossa Carta Magna, inerente a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, juntamente com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, regem a postura destes e de seus administradores.
No que tange às instituições financeiras, é cediço o procedimento no sentido de não fornecer qualquer informação sobre movimentação de ativos e passivos, bem como demais operações contratadas, ainda que de ente público, fora das hipóteses estabelecidas na Lei Complementar nº 105/2001, que limita o dever destas instituições para este fim.
A postura majoritária é a de determinar que a autoridade requisitante remeta solicitação de igual teor ao ente público, este sim, que se valendo do princípio da publicidade, tem o dever de prestar as informações sobre a movimentação financeira solicitada, uma vez que o administrador, seja o gestor do município ou de órgãos correlatos, deve utilizar-se da transparência que tanto se prega hodiernamente para com o seu povo contribuinte.
Em recente julgamento na corte máxima brasileira, AI nº 823152 MT, o Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, exarou que: “O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante do interesse público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade”.
Certo é que o sigilo bancário não é absoluto, e seu manto não se sobrepõe à supremacia do interesse público, como o próprio eminente Ministro Luiz Fux aduziu, na oportunidade do julgamento do REsp nº 1060976 DF, em 04/12/2009:
“(...) Deveras, o sigilo bancário não tem conteúdo absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade pública e privada, este sim, com força de natureza absoluta. A regra do sigilo bancário deve ceder todas as vezes que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. O sigilo bancário é garantido pela Constituição Federal como direito fundamental para guardar a intimidade das pessoas desde que não sirva para encobrir ilícitos”.
Outrossim, as instituições financeiras limitam-se a “quebrar” o sigilo somente nos casos em que este é decretado por autoridade judicial ou com o consentimento expresso dos interessados, observadas ainda as hipóteses previstas nos §3º e §4º da lei em voga.
Desta feita, cabe ao cidadão ou às autoridades interessadas, cobrar da administração pública a devida transparência e publicidade, ou ainda buscar, através da via judicial, o direito inerente ao interesse público, fiscalizando, pari passu, a gestão de quem controla a máquina pública, evitando a malversação dos recursos públicos, demonstrando, de fato que “todo poder emana do povo”, trazendo à baila sua supremacia.
Advogado Associado ao Escritório "Freire, Farias & Viana Advogados Associados S/S" - Área Tributária. Pós-Graduando em Direito Tributário e Processual Tributário pelo Centro Universitário do Pará - CESUPA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Américo Ribeiro. O princípio da publicidade e a lei do sigilo bancário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jan 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33543/o-principio-da-publicidade-e-a-lei-do-sigilo-bancario. Acesso em: 23 dez 2024.
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